sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

CELSO DE MELLO: ÍNTEGRA DO VOTO SOBRE OS EMBARGOS INFRINGENTES

“27/02/2014

PLENÁRIO

EMB.INFR. NA AÇÃO PENAL 470 MINAS GERAIS

V O T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O meu voto, Senhor Presidente, com a vênia daqueles que pensam de forma contrária, nega provimento aos presentes embargos infringentes.

Ao assim julgar, reafirmo os votos que anteriormente proferi sobre a matéria, neste mesmo processo, nas sessões plenárias de 2012.

Acompanho, portanto, o substancioso voto que o eminente Ministro LUIZ FUX, Relator, proferiu na sessão de ontem, dia 26 de fevereiro.

Quero observar - e o faço com a vênia daqueles eminentes Juízes desta Corte que pensam diversamente - que o Supremo Tribunal Federal, ao proceder à operação de dosimetria penal relativamente ao crime de quadrilha, fez corretíssima aplicação do método trifásico, identificando, com plena e pertinente fundamentação, a existência de diversos fatores negativos (que foram reputados desfavoráveis aos condenados) no exame das circunstâncias judiciais a que alude o art. 59 do Código Penal, valorando-os de modo adequado e proporcional à gravidade da conduta punível, tipificada no art. 288 do Código Penal, em que incidiram os ora embargantes.

Foi uma resposta penal severa do Estado, em justa e necessária reação do ordenamento jurídico ao comportamento delinquencial gravíssimo dos condenados, ora recorrentes.

Inexistiu, portanto, segundo penso, qualquer incongruência jurídica ou interpretação arbitrária dos fatores subjacentes à exacerbação da pena-base ou inconsistência sistêmica, por parte desta Suprema Corte, na concreta aplicação da sanção penal aos ora embargantes em razão de seu comportamento delituoso pela prática do crime de quadrilha.

É certo, tal como relembrou o eminente Ministro TEORI ZAVASCKI ao registrar voto por mim proferido nesta Corte, que a imposição da pena privativa de liberdade supõe a observância, pelo magistrado sentenciante, do critério trifásico resultante da combinação do art. 59 com o art. 68, ambos do Código Penal, a significar que, nesse tema, não há margem nem espaço para o arbítrio do juiz que profere a condenação penal.

A dosimetria da pena, por isso mesmo, há de respeitar, criteriosamente e com apoio em adequada fundamentação, as diversas fases a que se refere o art. 68 do Código Penal, não cabendo, para tal efeito, por representar conduta vulneradora do ordenamento penal, a mera enunciação da vontade do magistrado, considerada a circunstância de que, na matéria em causa, mostra-se limitada a discricionariedade judicial.

Não se mostra lícito, desse modo, ao órgão judiciário sentenciante proceder a uma especial exacerbação da pena-base, exceto se o fizer, como ressaltei em voto que proferi em julgamento nesta Suprema Corte (HC 101.118-Extn/MS, Rel. Min. CELSO DE MELLO), em ato decisório adequadamente motivado (como o acórdão ora embargado do Supremo Tribunal Federal o fez), que satisfaça, de modo pleno, a exigência de fundamentação substancial evidenciadora da necessária relação de proporcionalidade e de equilíbrio entre a pretensão estatal de máxima punição e o interesse individual de mínima expiação (HC 96.590/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO), tudo em ordem a inibir soluções arbitrárias - de todo inocorrentes neste processo - ditadas pela só e exclusiva vontade do juiz.

A exacerbação penal a que procedeu o Supremo Tribunal Federal, no entanto, que impôs, no caso, aos embargantes pena inteiramente compatível com a inquestionável gravidade do crime de quadrilha, revela-se plenamente legítima, porque impregnada de fundamentação adequada e suficiente, como resulta da leitura do capítulo do acórdão deste Tribunal que definiu o “quantum” penal imposto a tais condenados.

Corretíssima, portanto, a decisão do Supremo Tribunal Federal no ponto em que aplicou, de modo inteiramente adequado, aos embargantes a pena pelo crime de quadrilha, observando o itinerário lógico-racional definido pela legislação e respeitando, nas diversas etapas da dosimetria penal, notadamente em sua primeira fase (pena-base), padrões estritos de proporcionalidade e de razoabilidade, dadas as circunstâncias totalmente desfavoráveis relativas aos condenados em questão.

Esta Suprema Corte, ao definir e ao quantificar a pena imposta aos ora embargantes pelo crime de quadrilha, observou a advertência de sua própria jurisprudência, que, a respeito desse tema, assinala, nas palavras do eminente Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, que “A exigência de motivação da individualização da pena - hoje, garantia constitucional do condenado (CF, arts. 5º, XLVI, e 93, IX) -, não se satisfaz com a existência na sentença de frases ou palavras quaisquer, a pretexto de cumpri-la: a fundamentação há de explicitar [como explicitou o acórdão desta Suprema Corte] a sua base empírica e essa, de sua vez, há de guardar relação de pertinência, legalmente adequada, com a exasperação da sanção penal, que visou a justificar” (RTJ 143/600, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE - grifei).

Incensurável, desse modo, a individualização das penas aplicadas aos ora embargantes como resposta jurídica do Estado à prática do crime de quadrilha, como muito bem o demonstrou o eminente Ministro GILMAR MENDES, no voto que vem de proferir nesta sessão de julgamento.

Desejo, agora, Senhor Presidente, ainda que brevemente, expor algumas considerações a respeito de temas que o eminente Ministro LUIZ FUX abordou, com absoluta precisão, em seu douto e substancioso voto.

A quadrilha ou bando, como salientei no voto que proferi, no julgamento desta causa, na sessão plenária de 1º de outubro de 2012, constitui crime plurissubjetivo de concurso necessário, cuja configuração típica resulta da conjugação de três elementos essenciais, assim reconhecidos pela jurisprudência desta Corte Suprema, como resulta claro da decisão no HC 72.992/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO (RTJ 168/863-865), proferida em momento no qual ainda vigorava a redação original do art. 288 do Código Penal, recentemente modificada pelo advento da Lei nº 12.850/2013: (a) concurso necessário de, pelo menos, quatro pessoas (RT 565/406 - RT 582/348); (b) finalidade específica dos agentes voltada ao cometimento de um indeterminado número de delitos (RTJ 102/614 - RT 600/383) e (c) exigência de estabilidade e de permanência da associação criminosa (RT 580/328 - RT 588/323 - RT 615/272).

O crime de quadrilha - observei então - é juridicamente independente daqueles que venham a ser praticados pelos agentes reunidos na “societas delinquentium” (RTJ 88/468). O delito de quadrilha, por isso mesmo, subsiste autonomamente, ainda que os crimes para os quais o bando foi organizado sequer venham a ser por este cometidos.

Os membros da quadrilha, vale reafirmar, que praticarem a infração penal para cuja execução foi o bando constituído expõem-se, nos termos do art. 69 do Código Penal, em virtude do cometimento desse outro ilícito criminal, à regra do cúmulo material pelo concurso de crimes (RTJ 104/104 - RTJ 128/325 - RT 505/352).

Mostra-se importante destacar, de outro lado, a advertência do eminente Ministro BENTO DE FARIA, antigo Presidente do Supremo Tribunal Federal e ilustre penalista, que já assinalara, em seus valiosos comentários ao nosso Código Penal (“Código Penal Brasileiro”, vol. V/396, item n. II, 1943, Livraria Jacinto Editora), que, para efeito de configuração do crime de quadrilha, não se exige que os integrantes do bando ou do grupo criminoso se conheçam pessoalmente, bastando, para fins de integral realização do tipo penal, que estejam presentes os requisitos estabelecidos no preceito primário de incriminação (CP, art. 288).

Ninguém desconhece que o crime de quadrilha constitui, pela só existência de sua formação, um estado de “agressão permanente contra a sociedade civil”, para usar uma feliz expressão de HELENO CLÁUDIO FRAGOSO (“Lições de Direito Penal”, p. 294/295, item n. 935, 6ª ed., 1988, Forense):

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“A quadrilha ou bando é aqui punida independentemente dos crimes ou malefícios que acaso pratique, pois sua simples existência constitui, como assinalava ‘Carrara’, § 3.039, nota, agressão permanente contra a sociedade civil e estado antijurídico que tem sua objetividade no direito universal (de todos os cidadãos) à tranquilidade pública. A tutela jurídica exerce-se, pois, em relação à ‘paz pública’ (…).

………………………………………………………………………………………….

O acordo de vontade para a prática reiterada de crimes constitui, em verdade, apenas um ato preparatório, que seria impunível (art. 31, CP), se o legislador não o tivesse erigido em crime autônomo, em face do perigo que acarreta e do alarma social que provoca.” (grifei)

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É certo que, sem a existência de um vínculo associativo estável e dotado de permanência, não se caracteriza, no plano da tipicidade penal, o delito de quadrilha, incompatível, em seu perfil conceitual, com conluios criminosos meramente transitórios.

Ocorre, no entanto, que se registrou, neste caso, a existência de um vínculo associativo permanente (que se projetou entre os anos de 2002 e 2005) estabelecido com o propósito de viabilizar, no contexto de um nítido programa delinquencial, a prática de uma série de delitos em razão dos quais se organizou o bando criminoso.

Incompatível, por isso mesmo, com a própria evidência probatória produzida nos autos a afirmação - completamente destituída de base empírica, tal como bem o demonstrou o eminente Relator - de que teria havido, no caso ora em exame, um isolado, transitório, ocasional e eventual concurso de pessoas…

Este processo, ao contrário, tornou claro que os membros da quadrilha, reunidos em verdadeira “empresa criminosa”, agiram com “dolo de planejamento, divisão de trabalho e organicidade”, para usar expressão do eminente Desembargador ÁLVARO MAYRINK DA COSTA, em análise que proferiu no julgamento de outro litígio penal (RT 745/628).

Diria, até mesmo, Senhor Presidente, em mera formulação hipotética, que, se já estivesse em vigor, à época da conduta delituosa dos condenados, ora embargantes, a Lei nº 12.850, de 02/08/2013, que definiu, somente agora, o delito de organização criminosa, punível com prisão de 03 (três) a 08 (oito) anos (art. 2º), talvez o comportamento de tais pessoas, quando do julgamento desta causa, pudesse ser enquadrado nessa nova e rigorosa legislação penal.

De qualquer maneira, no entanto, como a Lei nº 12.850/2013 não estava em vigor na data em que se consumou o crime de quadrilha (período de 2002/2005), a aplicabilidade de referido diploma legislativo não se revela possível, em razão da cláusula constitucional que veda a aplicação retroativa da “lex gravior” (CF, art. 5º, inciso XL).

De outro lado, o crime de quadrilha, por ser delito de caráter plurissubjetivo e de concurso necessário (que se apresenta sempre independente dos delitos praticados ou que possam vir a ser cometidos pelos integrantes do bando que formam a “societas delinquentium”), “dispensa o exame aprofundado do grau de participação de cada um na ação delituosa, bastando o fato da integração na quadrilha para figurar o acordo para a prática de crimes” (RSTJ, vol. 110/354 - grifei).

O reconhecimento desse cenário, que encontra integral apoio, segundo entendo, em prova validamente produzida neste processo penal, tal como o demonstrou o eminente Relator, põe em destaque, de maneira muito clara, a ofensa que esses condenados, ora embargantes, cometeram contra a paz pública, o que justifica o enquadramento de sua conduta no art. 288 do Código Penal, pois se mostra evidente, a partir dos elementos que compõem esse tipo penal, a prática, por tais sentenciados, do crime de quadrilha.

Reafirmo, desse modo, Senhor Presidente, aquilo que já havia pronunciado no voto que proferi em 22/10/2012, destacando aspecto que me parece fundamental em termos de reconhecimento, no caso, da plena configuração típica do crime de quadrilha: os fins não justificam a adoção de quaisquer meios, quando estes se apresentam, como na espécie, em conflito ostensivo com a Constituição e com as leis da República, notadamente aquelas de natureza penal.

É por isso que se mostra absolutamente irrelevante, em termos jurídico-penais, a afirmação que se fez no sentido de que os resultados positivos obtidos, em processo eleitoral, por determinada agremiação partidária e seus candidatos representariam um juízo popular de absolvição criminal dos embargantes.

Nada mais equivocado do que tal afirmação…

Com efeito, a conquista e a preservação temporária do poder, em qualquer formação social regida por padrões democráticos, embora constituam objetivos politicamente legítimos, não autorizam quem quer que seja, mesmo quem detenha a direção do Estado, independentemente de sua posição no espectro ideológico, a utilizar meios criminosos ou expedientes juridicamente marginais, delirantes da ordem jurídica e repudiados pela legislação criminal do País e pelo sentimento de decência que deve sempre prevalecer no trato da coisa pública, ainda que invocando, para justificar tais ilícitos comportamentos, expressiva votação eleitoral em determinado momento histórico.

Em uma palavra, Senhor Presidente: votações eleitorais, embora politicamente significativas como meio legítimo de conquista do poder no contexto de um Estado fundado em bases democráticas, não se qualificam nem constituem causa de extinção da punibilidade, pois delinquentes, ainda que ungidos por eleição popular, não se subtraem ao alcance e ao império das leis da República.

É por isso, Senhor Presidente, que salientei que o Supremo Tribunal Federal não condenou atores políticos, mas, sim, impôs a reprimenda penal a protagonistas de sórdidas tramas criminosas. Em suma: não se condenaram atores ou dirigentes políticos e/ou partidários, mas, sim, autores de crimes…

De outro lado, Senhor Presidente, e em face da absurda, esdrúxula e inaceitável afirmação de que esta Corte agiu “como Tribunal de exceção”, julgo importante reafirmar que o Supremo Tribunal Federal decidiu o presente litígio penal com apoio exclusivo na prova validamente produzida nos autos deste processo criminal, respeitando, sempre, como é da essência do regime democrático, os direitos e garantias fundamentais que a Constituição da República assegura a qualquer acusado e observando, ainda, ao longo do julgamento desta AP 470/MG, além do postulado da impessoalidade e do distanciamento crítico em relação a todas as partes envolvidas no processo, os parâmetros jurídicos que regem, em nosso sistema legal, qualquer procedimento de índole penal.

Na realidade, Senhor Presidente, o Supremo Tribunal Federal, como órgão de cúpula do Poder Judiciário nacional e máximo guardião e intérprete da Constituição da República, garantiu, de modo pleno, real e efetivo, às partes deste processo - ao Ministério Público e a todos os réus, inclusive aos ora embargantes - o direito a um julgamento justo, imparcial, impessoal, isento e independente.

Ocorre, no entanto, Senhor Presidente, que alguns dos condenados embargantes, que cumprem, no momento, a reprimenda penal que lhes foi imposta, com trânsito em julgado, pela prática de crimes infamantes, como o peculato, a corrupção ativa e a corrupção passiva (CP, arts. 312, 333 e 317), referiram-se a este processo criminal como sendo “a maior farsa da história política brasileira”, querendo imputar, ofensivamente, a esta Corte Suprema, sem qualquer razão, conivência na instauração de um procedimento penal que, muito ao contrário do que sustentaram tais sentenciados, revelou-se plenamente legítimo e solidamente estruturado em provas lícitas, válidas e produzidas sob a égide da garantia constitucional do contraditório e da plenitude de defesa, respeitadas, em consequência, todas as prerrogativas jurídicas inerentes à cláusula fundamental do “due process of law”.

Essa gravíssima aleivosia, Senhor Presidente, além daquela que tentou qualificar esta Corte como “tribunal de exceção”, como se tal absurda e injuriosa afirmação pudesse atenuar o intenso grau de culpabilidade e o estigma das várias condenações já definitivamente impostas aos réus por delitos tão desonrosos, há de ser repelida com veemência pelo Supremo Tribunal Federal, porque, além de desautorizada pela realidade indiscutível dos fatos e das provas penais, serve, unicamente, para dissimular, ao que tudo indica, a absoluta falta de convicção pessoal de referidos embargantes quanto à sua própria inocência, não obstante o empenho e a qualificada atuação profissional de seus ilustres e competentes Advogados.

Ao contrário do que esses embargantes afirmaram, torna-se necessário reconhecer que “a maior farsa da história política brasileira” residiu, isso sim, Senhor Presidente, nos comportamentos moralmente desprezíveis, cinicamente transgressores da ética republicana e juridicamente desrespeitadores das leis criminais de nosso País, perpetrados por delinquentes, agora condenados definitivamente, travestidos da condição de altos dirigentes governamentais, políticos e partidários, cuja atuação dissimulada ludibriou, acintosamente, o corpo eleitoral, fraudou, despudoradamente, os cidadãos dignos de nosso País, fingindo cuidar, ardilosamente, do interesse nacional e dos partidos políticos que integravam, quando, na realidade, buscavam, por meios escusos e ilícitos e mediante condutas criminosamente articuladas, corromper o exercício do poder, ultrajar a dignidade das instituições republicanas, apropriar-se da coisa pública, dominar o Parlamento, controlar, a qualquer custo, o exercício do poder estatal e promover, em proveito próprio ou alheio, a obtenção de vantagens indevidas.

Nisso, Senhor Presidente, nessa sucessão organizada de golpes criminosos desferidos pelos embargantes contra as leis e as instituições de nosso País, que romperam a harmonia da paz pública e a tranquilidade da ordem jurídica, é que reside “a maior farsa da história política brasileira”, para vergonha de todos nós e grave ofensa ao sentimento de decência dos cidadãos honestos desta República democrática.

É por tudo isso, Senhor Presidente, que se impõe repelir, aqui e agora, com o máximo vigor, essa inaceitável ofensa que tão levianamente foi assacada contra a dignidade institucional e a alta respeitabilidade do Supremo Tribunal Federal.

Concluo o meu voto, Senhor Presidente, reafirmando a condenação que impus aos ora embargantes pela prática do crime de quadrilha (CP, art. 288, na redação anterior à Lei nº 12.850/2013), por entender, na linha do que já acentuara nas sessões plenárias de 2012, que uma organização estruturada desde o ápice do poder, posicionada na intimidade da esfera governamental, particularmente em um dos mais importantes e sensíveis gabinetes da Presidência da República, que lançou os seus tentáculos e irradiou os seus efeitos perversos sobre o aparelho de Estado, conspurcando a própria legitimidade do conceito de cidadania e da prática democrática de poder, com o objetivo, profundamente escuso, de ilícita apropriação institucional dos mecanismos constitucionais de Governo e de dominação patrimonial do Parlamento brasileiro, mediante perpetração de diversos crimes, especialmente de atos de corrupção, que só fizeram degradar a ordem republicana, em ultrajante desrespeito e ofensa à dignidade da política e às instituições do Estado de Direito: tal organização - visceralmente criminosa em seu aparato funcional e operacional - não pode ser lenientemente qualificada como expressão menor de um simples concurso eventual de delinquentes, mas há de ser considerada em sua real essência e concreta dimensão como quadrilha composta por pessoas, com e sem vinculação governamental e partidária, comprometidas, ao longo de extenso período de tempo (entre 2002 e 2005), com práticas criminosas, disruptivas da paz pública, que merecem a repulsa do ordenamento jurídico e o adequado enquadramento, no art. 288 do Código Penal, de seus transgressores, que nada mais são - é preciso sempre enfatizar - do que meros e ordinários criminosos comuns.

É o meu voto.”

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Editorial Correio Braziliense: Sexta-feira, feriado nacional

Dia 28 de fevereiro deveria ser feriado nacional, com direito a hasteamento da bandeira, execução do hino e celebração de culto ecumênico em praça pública. A comemoração impediria que os governantes de plantão se esquecessem da maior vitória da sociedade brasileira na segunda metade do século 20. Fato que mudou a vida dos brasileiros e se tornou conquista tão importante que, ao maltratá-la ou descurar de preservá-la, a autoridade corre o risco de receber o devido troco nas urnas.

Trata-se do tiro de morte na hiperinflação, que muitos comemoram em 1º de julho, data em que entraram em circulação as primeiras notas e moedas do real. Mas foi no último dia de fevereiro de 1994, há 20 anos, portanto, que o Brasil começou a deixar para trás longo e desafortunado período de inflação acelerada. Naquela data, foi publicada a Medida Provisória nº 434, instituindo a unidade real de valor (URV), moeda virtual que não circulava, mas servia como padrão do valor monetário.

Uma equipe de então jovens, mas já experientes economistas, criou a passagem para a moeda definitiva. Mas foi a maioria da população quem fez o milagre. A inflação andava perto dos 40% ao mês e vários planos econômicos tinham fracassado, desgastando a crença na capacidade do governo de cuidar do monstro alimentado durante décadas com rações de correção monetária e gastos públicos sem medida.

Mas o que precisa ser homenageado, não apenas na sexta-feira, mas todos os dias, é a capacidade do brasileiro de aprender. A população já tinha entendido que a inflação só é boa para os próprios governantes e para quem tem dinheiro, que pode ganhar com aplicações financeiras.

Para o comum dos brasileiros, a inflação é imposto perverso, que retira poder de compra dos salários sem dar nada em troca. Para o administrador público, não há perdas, só ganhos. Afinal, os impostos acompanham a corrida dos preços e basta atrasar dois ou três meses a correção dos salários para “gerar” boa reserva e, com ela, inaugurar obras que rendem votos.

Não foi só isso que o cidadão aprendeu. No dia seguinte à publicação da MP 434, já havia vendedores ambulantes explicando aos menos atentos que a URV era o dólar e, por isso, valeria sempre 1, mas seriam necessários mais cruzeiros reais para comprá-la, se ela estivesse à venda. Naquela dia, a URV era “cotada” a CR$ 647,50, e, em julho, quando foi transformada em real, CR$ 2.750.

Desde então, o brasileiro adicionou a moeda aos símbolos nacionais que realmente preza, como o hino e a bandeira. O orgulho nacional não tolera que estrangeiros falem mal do Brasil. Já ao hino e à bandeira nem a brasileiro é permitido outro sentimento que não seja a paixão irrefreável. Do valor da moeda temos aprendido a não abrir mão e é bom que os governantes se lembrem de que, nesse caso, a famosa falta de memória do povo não vigora.

A conquista de uma moeda decente e sua preservação não é, portanto, obra de um governo ou partido. É patrimônio da sociedade. Daí o preço eleitoral a pagar por quem descurar da austeridade com o gasto público e da política monetária adequada ao combate sem trégua do aumento de preços. É isso que, à falta da decretação do feriado da URV, precisa ser lembrado todos os dias aos que pensam em colocar o efêmero sucesso nas urnas à frente das prioridades do povo.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Pondé: Socialismo é barbárie

Se eu pregar que todos que discordam de mim devem morrer ou ficarem trancados em casa com medo, eu sou um genocida que usa o nome da política como desculpa para genocídio. No século 20 a maioria dos assassinos em massa fez isso.

O Brasil, sim, precisa de política. Não se resolve o drama que estamos vivendo com polícia apenas. Mas me desespera ver que estamos na pré-história discutindo ideias do “século passado”. Tem gente que ainda relaciona “socialismo e liberdade”, como se a experiência histórica não provasse o contrário. Parece papo das assembleias da PUC do passado, manipuladoras e autoritárias, como sempre.

O ditador socialista Maduro está espancando gente contra o socialismo nas ruas da Venezuela. Ele pode? Alguns setores do pensamento político brasileiro são mesmo atrasados, e querem que pensemos que a esquerda representa a liberdade. Mentira.

A maioria de nós, pelo menos quem é responsável pelo seu sustento e da sua família, não concorda com o socialismo autoritário que a “nova” esquerda atual quer impor ao país. A esquerda é totalitária. Quer nos convencer que não, mas mente. Basta ver como reage ao encontrar gente inteligente que não tem medo dela.

Ninguém precisa da esquerda para fazer uma sociedade ser menos terrível, basta que os políticos sejam menos corruptos (os da esquerda quase todos foram e são), que técnicos competentes cuidem da gestão pública e que a economia seja deixada em paz, porque nós somos a economia, cada vez que saímos de casa para gerar nosso sustento.

Ela, a esquerda, constrói para si a imagem de “humanista”, de superioridade moral, e de que quem discorda dela o faz porque é mau. Ela está em pânico porque estava acostumada a dominar o debate público tido como “inteligente” e agora está sendo obrigada a conviver com gente tão preparada quanto ela (ou mais), que leu tanto quanto ela, que escreve tanto quanto ela, que conhece seus cacoetes intelectuais, e sua história assassina e autoritária.

Professores pautados por esta mentira filosófica chamada socialismo mentem para os alunos sobre história e perseguem colegas, fechando o mercado de trabalho, se definindo como os arautos da justiça, do bem e do belo.

A esquerda nunca entendeu de gente real, mas facilmente ganha os mais fragilizados com seu discurso mentiroso e sedutor, afirmando que, sim, a vida pode ser garantida e que, sim, a sobrevivência virá facilmente se você crer em seus ideólogos defensores da “violência criadora”.

Ela sempre foi especialista em tornar as pessoas dependentes, ressentidas, iludidas e incapazes de cuidar da sua própria vida. Ela ama a preguiça, a inveja e a censura.

Recomendo a leitura do best-seller mundial, recém publicado no Brasil pela editora Agir, “O Livro Politicamente Incorreto da Esquerda e do Socialismo”, escrito pelo professor Kevin D. Williamson, do Kings College, de Nova York. Esta pérola que desmente todas as “virtudes” que muita gente atrasada ou mal-intencionada no Brasil está tentando nos fazer acreditar mostra detalhes de como o socialismo impregnou sociedades como a americana, degradou o meio ambiente, é militarista (Fidel, Chávez, Maduro), e não deu certo nem na Suécia. O socialismo é um “truque” de gente mau-caráter.

As pessoas, sim, estão insatisfeitas com o modo como a vida pública no Brasil tem sido maltratada. Mas isso não faz delas seguidores de intelectuais e artistas chiques da zona oeste de São Paulo ou da zona sul do Rio de Janeiro.

A tragédia política no Brasil está inclusive no fato de que inexistem opções partidárias que não sejam fisiológicas ou autoritárias do espectro socialista. Nas próximas eleições teremos poucas esperanças contra a desilusão geral do país.

E grande parte da intelligentsia que deveria dar essas opções está cooptada pela falácia socialista, levando o país à beira de uma virada para a pré-história política, fingindo que são vanguarda política. O socialismo é tão pré-histórico quanto a escravatura.

Mas a esquerda não detém mais o monopólio do pensamento público no Brasil. Não temos mais medo dela.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Marco Antonio Villa: Golpe à brasileira

Às vésperas dos 50 anos do golpe militar torna-se necessário um resgate da História para entendermos o presente. Em 1964 o Brasil era um país politicamente repartido. Dividido e paralisado. Crise econômica, greves, ameaça de golpe militar, marasmo administrativo. O clima de radicalização era agravado por velhos adversários da democracia. A direita brasileira tinha uma relação de incompatibilidade com as urnas. Não conseguia conviver com uma democracia de massas num momento de profundas transformações. Temerosa do novo, buscava um antigo recurso: arrastar as Forças Armadas para o centro da luta política, dentro da velha tradição inaugurada pela República, que já havia nascido com um golpe de Estado.

A esquerda comunista não ficava atrás. Sempre estivera nas vizinhanças dos quartéis, como em 1935, quando tentou depor Getúlio Vargas por meio de uma quartelada. Depois de 1945, buscou incessantemente o apoio dos militares, alcunhando alguns de "generais e almirantes do povo". Ser "do povo" era comungar com a política do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e estar pronto para atender ao chamado do partido numa eventual aventura golpista. As células clandestinas do PCB nas Forças Armadas eram apresentadas como uma demonstração de força política.

À esquerda do PCB havia os adeptos da guerrilha. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) era um deles. Queria iniciar a luta armada e enviou, em março de 1964, o primeiro grupo de guerrilheiros para treinar na Academia Militar de Pequim. As Ligas Camponesas, que desejavam a reforma agrária "na lei ou na marra", organizaram campos de treinamento no País em 1962 - com militantes presos foram encontrados documentos que vinculavam a guerrilha a Cuba. Já os adeptos de Leonel Brizola julgavam que tinham ampla base militar entre soldados, marinheiros, cabos e sargentos.

Assim, numa conjuntura radicalizada, esperava-se do presidente um ponto de equilíbrio político. Ledo engano. João Goulart articulava sua permanência na Presidência e necessitava emendar a Constituição. Sinalizava que tinha apoio nos quartéis para, se necessário, impor pela força a reeleição (que era proibida). Organizou um "dispositivo militar" que "cortaria a cabeça" da direita. Insistia em que não podia governar com um Congresso Nacional conservador, apesar de o seu partido, o PTB, ter a maior bancada na Câmara dos Deputados após o retorno do presidencialismo e não ter encaminhado à Casa os projetos de lei para tornar viáveis as reformas de base.

Veio 1964. E de novo foram construídas interpretações para uso político, mas distantes da História. A associação do regime militar brasileiro com as ditaduras do Cone Sul (Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai) foi a principal delas. Nada mais falso. O autoritarismo aqui faz parte de uma tradição antidemocrática solidamente enraizada e que nasceu com o Positivismo, no final do Império. O desprezo pela democracia rondou o nosso país durante cem anos de República. Tanto os setores conservadores como os chamados progressistas transformaram a democracia num obstáculo à solução dos graves problemas nacionais, especialmente nos momentos de crise política. Como se a ampla discussão dos problemas fosse um entrave à ação.

O regime militar brasileiro não foi uma ditadura de 21 anos. Não é possível chamar de ditadura o período 1964-1968 - até o Ato Institucional n.º 5 (AI-5) -, com toda a movimentação político-cultural que havia no País. Muito menos os anos 1979-1985, com a aprovação da Lei de Anistia e as eleições diretas para os governos estaduais em 1982. Que ditadura no mundo foi assim?

Nos últimos anos se consolidou a versão de que os militantes da luta armada combateram a ditadura em defesa da liberdade. E que os militares teriam voltado para os quartéis graças às suas heroicas ações. Num país sem memória, é muito fácil reescrever a História.

A luta armada não passou de ações isoladas de assaltos a bancos, sequestros, ataques a instalações militares e só. Apoio popular? Nenhum. Argumenta-se que não havia outro meio de resistir à ditadura a não ser pela força. Mais um grave equívoco: muitos desses grupos existiam antes de 1964 e outros foram criados pouco depois, quando ainda havia espaço democrático. Ou seja, a opção pela luta armada, o desprezo pela luta política e pela participação no sistema político, e a simpatia pelo foquismo guevarista antecederam o AI-5, quando, de fato, houve o fechamento do regime. O terrorismo desses pequenos grupos deu munição (sem trocadilho) para o terrorismo de Estado e acabou sendo usado pela extrema direita como pretexto para justificar o injustificável: a barbárie repressiva.

A luta pela democracia foi travada politicamente pelos movimentos populares, pela defesa da anistia, no movimento estudantil e nos sindicatos. Teve em setores da Igreja Católica importantes aliados, assim como entre os intelectuais, que protestavam contra a censura. E o MDB, este nada fez? E os seus militantes e parlamentares que foram perseguidos? E os cassados?

Os militantes da luta armada construíram um discurso eficaz. Quem os questiona é tachado de adepto da ditadura. Assim, ficam protegidos de qualquer crítica e evitam o que tanto temem: o debate, a divergência, a pluralidade, enfim, a democracia. Mais: transformam a discussão política em questão pessoal, como se a discordância fosse uma espécie de desqualificação dos sofrimentos da prisão. Não há relação entre uma coisa e outra: criticar a luta armada não legitima o terrorismo de Estado. Temos de refutar as versões falaciosas. Romper o círculo de ferro construído, ainda em 1964, pelos adversários da democracia, tanto à esquerda como à direita. Não podemos ser reféns, historicamente falando, daqueles que transformaram o antagonista em inimigo; o espaço da política, em espaço de guerra.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

J. R. Guzzo: Avanço para o passado

Imaginem por um curto instante o estado de choque em que ficariam o comitê central do PT, seus milhares de militantes e sua agressiva (e cada vez mais cara) máquina de propaganda, se esta revista, para dar um exemplo de entendimento bem fácil, publicasse um texto no qual o povo brasileiro fosse chamado de "essa gente". Mais: que "essa gente" está cometendo uma enorme "ingratidão" ao protestar contra o governo, depois de todos os presentes que tem ganhado das nossas mais altas autoridades. O mundo viria abaixo - eis aí, diria a esquerda nacional, a prova definitiva da sordidez sem limites da "grande mídia" brasileira. Mas, graças ao bom Deus, quem disse isso não foi VEJA, e sim o secretário-geral (com nível de ministro) Gilberto Carvalho, descrito como homem de importância praticamente sobrenatural dentro e fora do Palácio do Planalto. Será que foi mesmo ele? Sim, está provado que foi, numa viagem recente a Porto Alegre. "Fizemos tanto por essa gente", queixou-se Carvalho, "e agora eles se levantam contra nós." Essa gente? Eles? Ingratidão? É um concentrado de insultos à população que parece ter saído diretamente da linguagem utilizada no Brasil antes da abolição da escravatura.

Está tudo errado nessa declaração, a começar pelo sujeito da frase. "Fizemos"? Quem "fizemos"? É como se o ministro e seus companheiros estivessem tirando dinheiro do próprio bolso para dar aos pobres; mas quem banca tudo é o povo, a cada tostão que tem de pagar em impostos quando compra um palito de fósforo que seja. Ao mesmo tempo, está tudo certo, certíssimo: a frase do companheiro é provavelmente a tomografia mais fiel já feita até hoje dos verdadeiros sentimentos que os donos atuais do Brasil têm em relação à sociedade brasileira. O secretário, simplesmente, disse em público aquilo em que ele e os companheiros acreditam em particular. Foi uma espécie de hora da verdade — por distração, ou sabe-se lá por quê, Carvalho esqueceu a regra-base de seu partido, que manda os chefes não falarem como pensam e, mais do que tudo, não agirem como falam. "Essa gente" a que se refere o companheiro Carvalho, exatamente como os barões do café falavam no Brasil do atraso, é a mesma de sempre: o povão da fila do ônibus ou da sala de espera do SUS, essa grande massa sem rosto ou nome, ignorante, preguiçosa, inepta, desinformada, capaz de ler não mais do que três palavras juntas na telinha do celular, sem noção de seus direitos, só utilizável para o trabalho braçal e ainda por cima ingrata. Quando um dos mais notáveis lordes do almirantado petista fala como falou sobre a nossa "gente", aparece à vista de todos o real projeto das forças que estão no governo: reinar sobre uma opinião pública obediente, inconsciente e boçal, que tem de agradecer quando recebe um pouco daquilo a que tem direito. O que querem é manter o Brasil exatamente como está e sempre esteve, mas com a astúcia de fingirem que estão mudando tudo.

O governo do ex-presidente Lula, de Dilma Rousseff e do PT é uma das mais bem-sucedidas farsas jamais levadas ao público na história política brasileira. Por conta de progressos ocorridos nos níveis de bem-estar, os mesmos que dezenas de outros países alcançaram nos últimos anos (ou até menos do que muitos deles conseguiram), Lula e seu entorno, com endosso de gente séria pelo mundo afora, garantem que sua missão de fazer uma revolução social no Brasil foi um espetáculo — o tipo da operação concluída com sucesso, como dizem as vozes que desbloqueiam cartões de crédito pelo telefone. Mas não mudou nada no modo como o país é governado, nem como o poder é distribuído, nem como o bolo é fatiado; não houve nenhuma "mudança estrutural", que é a maneira de os economistas dizerem que foi trocada a pintura do carro, mas não se mexeu em nada no motor. De concreto, mesmo, é o compromisso do governo petista de manter intacto o Brasil do passado — injusto, desigual, atrasado, onde o importante não é ser cidadão brasileiro, e sim depender de quem está no governo. Lula e seu auditório tinham prometido acabar com esse Brasil obsoleto e colocar em seu lugar uma nação pronta para o século XXI. Onze anos após eles chegarem à Presidência da República, o Brasil, na sua essência, está idêntico ao que receberam em janeiro de 2003 — e seus melhores aliados são justamente os chefes políticos que equivalem, hoje, aos senhores de engenho de ontem. Com certeza não houve revolução nenhuma em todo esse período. Como estava, ficou.

O Brasil seria um país bem melhor se Carvalho fosse uma exceção — um "ponto fora da curva", como se diz hoje. Infelizmente, não é assim. Na verdade, o secretário-geral da Presidência é a própria curva — um espelho que reflete sem piedade a vida como ela é no ano 11 da Era Lulista. Mais que isso, reflete o exemplo de conduta que o homem recebe de quem está acima, e quem está acima dele é a presidente da República. Essa última viagem de Dilma à Suíça e a Cuba, por exemplo, é um perfeito improviso do falso esquerdismo do governo, que tenta ocultar, com palavrório, notas oficiais de sintaxe primitiva e a pura e simples mentira, os hábitos de sultão que seus barões adotam na realidade do cotidiano: falam de um jeito, vivem de outro. O que poderia comprovar melhor seu desprezo pelo cidadão comum do que a mentira que a presidente obrigou seu ministro do Exterior a dizer em público, para esconder os motivos de uma escala "não programada" que fez em Portugal - e, ainda por cima, uma mentira incompetente, incapaz de resistir a 24 horas de investigação? A atitude oficial é: "Inventem aí uma coisa qualquer para dizer ao público". Para piorar, Dilma hospedou-se num hotel onde a diária da principal suíte passa dos 8 000 euros, soma de meter medo em qualquer campeão das nossas elites mais vorazes. Pode uma coisa dessas? Não pode. Não é uma questão legal; é uma questão de compostura, só isso. A governante número 1 de um país com as misérias do Brasil simplesmente não tem o direito moral de gastar 8 000 euros do Tesouro Nacional para pagar uma noite de sono. O conserto ficou pior que o defeito quando Dilma decidiu esclarecer uma conta de cerca de 300 reais que pagou em seu jantar em Lisboa. "Paguei com o meu dinheiro", disse ela. "Se o dinheiro é meu, eu como onde quiser. Estou pagando." Há linguajar que reproduza tão bem o vocabulário truculento da elite brasileira, nos seus piores momentos de onipotência, grosseria e mania de grandeza? Nada de admirar, no fundo, quando se sabe que a presidente aluga um caminhão só para levar suas roupas em viagens internacionais — ou acha comum requisitar hospedagem para 45 assessores, como nesse último passeio. É um dos vícios públicos brasileiros que mais agradam ao PT — a ideia de "aproveitar" até o bagaço tudo o que o "governo está pagando".

O fato é que existe hoje, nas massas que habitam a máquina estatal, uma imensa distância separando a pregação revolucionária que fazem no palanque das ações que praticam na vida diária. Para manter a pose de "esquerda", e ao contrário do que ensina o dito popular, o cidadão come presunto Pata Negra, mas arrota mortadela da venda. Quer falar como socialista e, ao mesmo tempo, viver como burguês; não pode dar certo. Há um preço mínimo a pagar para sustentar uma imagem, e esse preço exige que se enfrente um pouco de desconforto para segurar a onda de herói popular. Fidel Castro, por exemplo, hospedou-se num pulgueiro do Harlem em sua primeira visita a Nova York — não no Excelsior de Roma ou no Ritz Four Seasons de Lisboa, como fez sua companheira Dilma. Demagogia? Fidel achou que não; parece que sabia o que estava fazendo.

Os fatos, essa coisa irritante, oferecem muitos outros exemplos da obra de falsificação construída por Lula, Dilma e pelo PT para convencer a plateia de que a "direita", os "ricos" e os que querem a volta do pelourinho e da chibata são os únicos brasileiros que discordam do governo. É o contrário: estes todos, no mundo das realidades, estão casados com o PT e o PT está casado com eles. Basta olhar um pouco. Não há um único trabalhador no ministério do Partido dos Trabalhadores; em onze anos de governo, e num país com 200 milhões de habitantes, não conseguiram encontrar nenhum até agora, um só que fosse. Ao longo desses anos todos, não foi eliminado no Brasil nem um privilégio sequer, essa praga que mantém nossa vida pública amarrada no século XIX. Não foi cortado um único dos 20 000 a 25 000 cargos públicos para os quais a presidente, seus ministros, os burocratas mais lustrosos e os onos do poder podem nomear quem bem entenderem. A propriedade privada continua sendo sagrada para quem conta com amizades "lá em cima" — sobretudo depois que tantos companheiros passaram a desfrutar dos seus aspectos mais agradáveis. Usineiros continuam, como acontece há séculos, recebendo dinheiro do contribuinte para resolver seus problemas — só neste ano de 2014, levarão perto de 400 milhões de reais para casa. Os "rentistas", maldição-mor na linguagem da moda entre os economistas de esquerda, nunca viveram tão bem com as suas rendas.

Empresários amigos, e amigos dos amigos, continuam desfrutando o caixa do BNDES, a juros inferiores a 1% ao ano, como sempre desfrutaram durante os governos a serviço da "alta burguesia". Tem sido especialmente simpático com frigoríficos, gente da celulose, capitães da "indústria nacional" e empreendedores da modalidade Eike Batista, a quem conseguiu emprestar 200 milhões de reais para reformar um hotel no Rio de Janeiro; Eike não reformou um único mictório, a carcaça do hotel já foi vendida e o BNDES, naturalmente, ainda não recebeu um centavo de volta. As empreiteiras de obras públicas vivem uma nova época de ouro, tão rentável como viviam nos governos de "direita". Uma delas, a Odebrecht, despacha direto com Lula na construção de um incompreensível estádio para o Corinthians, e construiu para Cuba, com dinheiro do povo brasileiro cedido por Dilma. um porto avaliado em quase 1 bilhão de dólares.

O FGTS virou uma festa para milionários. Não há dinheiro que pertença de forma mais clara e direta ao trabalhador — na verdade, existe uma lista, nome por nome, de quem é proprietário das somas ali depositadas e quanto, exatamente, cada um tem na sua conta. O Partido dos Trabalhadores, porém, permite que o governo gaste como bem entender o dinheiro do trabalhador: inventou um "Fundo de Investimento" para o FGTS investir os recursos que recebe todo mês através da folha salarial das empresas, e já tinha, segundo revelação recente da revista EXAME, quase 30 bilhões de reais em carteira no fim de 2013. Três quartos dessa montanha de dinheiro estão aplicados — onde mais poderia ser? — em títulos de dívidas e ações de empresas privadas, muitas de capital fechado. Se algo der errado com elas, as garantias que o FGTS terá serão os papéis de companhias quebradas. Belo investimento para o trabalhador brasileiro, não? Só mesmo um governo dos trabalhadores cuidaria tão bem dos seus interesses financeiros. Na maior parte esse dinheiro está espalhado pela finíssima flor da elite que o PT fala todos os dias em exterminar: a incansável Odebrecht, a Friboi, construtores de sondas para a Petrobras, empreiteiras de obras, construção naval e por aí afora. Deu para entender? O melhor da história é como se decide quem vai receber o dinheiro do fundo. Um conselho de doze membros é quem realmente manda - e ali o governo tem seis representantes, mais três que vêm dessas entidades chapa-branca como Confederação Nacional da Indústria etc. E não há ninguém para falar pelo trabalhador? Sim, um só — um cartola da CUT. Se no lugar dele se sentasse o marajá de Baroda, os trabalhadores brasileiros estariam mais bem representados.

É difícil levar adiante essa vigarice de "governo do povo" quando se considera, além de tudo o que já foi dito, que a presidente da República, como se cogita com certa angústia no Palácio do Planalto, está ameaçada de não poder ir a nenhum jogo da Copa do Mundo, para não levar uma vaia de 24 quilates. Que "governo popular" é esse? O companheiro Carvalho está achando que é uma tremenda injustiça. Mas o que se vai fazer? "Essa gente" é mesmo uma dor de cabeça.

Rodrigo Constantino: Um esquerdista pode tudo

Ser de esquerda, no Brasil, significa ter um salvo-conduto para defender todo tipo de atrocidade e cair nas maiores contradições. É o monopólio das virtudes após décadas de lavagem cerebral demonizando a direita liberal ou conservadora.

Um esquerdista pode, por exemplo, mostrar-se revoltado com o regime militar, tentar reescrever a história como se os comunistas da década de 1960 lutassem por democracia e liberdade, tentar mudar o nome até de ponte, e logo depois partir para um abraço carinhoso no mais velho e cruel ditador do continente, Fidel Castro.

Um esquerdista pode, também, repudiar o “trabalho escravo” em certas fazendas brasileiras, o que significa não atender às mais de 200 exigências legais (incluindo espessura de colchão), e logo depois aplaudir o programa Mais Médicos do governo Dilma, que trata cubanos como simples mercadoria.

Um esquerdista pode tentar desqualificar uma médica cubana que pede asilo político, alegando que tinha problemas com bebida e recebia amantes em seu quarto (é proibido isso agora?), para logo depois chamar de preconceito de elite qualquer crítica ao ex-presidente chegado a uma cachaça e a “amizades íntimas”.

Um esquerdista pode culpar o embargo americano pela miséria da ilha-presídio caribenha, ignorando que toda experiência socialista acabou em total miséria, e logo depois condenar a globalização e chamar o comércio com ianques de “exploração” (decidam logo se ser “explorado” pelo capitalismo é bom ou ruim).

Um esquerdista pode execrar uma jornalista que diz compreender a revolta que leva ao ato de se fazer justiça com as próprias mãos, e logo depois aplaudir invasores de terras e outros “movimentos sociais”, que se julgam acima das leis em nome de suas “nobres” causas. Pode até receber os criminosos no Palácio do Planalto!

Um esquerdista pode aliviar a barra do criminoso, tratar o marginal como “vítima da sociedade”, e logo depois posar como defensor dos pobres honestos, ignorando que a afirmação anterior representa uma grave ofensa a todos aqueles que, apesar da origem humilde, mostram-se pessoas decentes por escolha própria.

Um esquerdista pode repudiar a ganância dos capitalistas, condenar o lucro, e logo depois aplaudir socialistas milionários, ou “homens do povo” que vivem como nababos, que cobram fortunas para fazer palestras, ou artistas que negociam enormes cachês com multinacionais para seus filmes ou comerciais.

Um esquerdista pode ser um músico famoso ou um comediante popular, e basta a fama por tais características para fazê-lo acreditar que é um grande pensador político, um intelectual de peso, alguém preparado para opinar com embasamento sobre os mais diversos assuntos sem constrangimento.

Um esquerdista pode insistir de forma patológica na cor do meliante preso ao poste, um rapaz negro, e logo depois ignorar outro bandido amarrado a um poste, pois este tinha a cor “errada”: era branco. Pode, ainda, acusar todos que condenam as cotas raciais de “racistas”, e logo depois descascar Joaquim Barbosa, inclusive por causa de sua cor.

Um esquerdista pode alegar ser a pessoa mais tolerante do mundo, isenta de qualquer preconceito e apaixonada pela diversidade, para logo depois ridicularizar crentes evangélicos, conservadores católicos ou liberais céticos.

Um esquerdista pode surtar com o uso de balas de borracha pela polícia contra “ativistas” mascarados que quebram tudo em volta, para logo depois cair em um ensurdecedor silêncio quando o governo socialista venezuelano manda tanques para as ruas para atirar a esmo em estudantes durante protestos legítimos contra um simulacro de democracia.

Um esquerdista, por fim, pode pintar as cores mais românticas e revolucionárias sobre as máscaras de vândalos e arruaceiros que atacam policiais, para logo depois chamar de “fascista” a direita liberal, ignorando que o fascismo de Mussolini tinha os camisas-negras que agiam de forma bastante similar aos black blocs.

Assim caminha a insanidade na Terra do Nunca, com “sininhos” aprontando por aí enquanto os artistas e “intelectuais” endossam a agressão contra o “sistema”. No fundo, defendem a barbárie contra a civilização. Abusam da dialética marxista, do duplo padrão moral de julgamento, da revolta seletiva, do cinismo, do monopólio da virtude.


Um esquerdista jamais precisa se importar com a coerência, com o resultado concreto de suas ideias, com pobres de carne e osso. Ele goza de um álibi prévio contra qualquer acusação. Afinal, é de esquerda, ou seja, possui as mais lindas intenções. É o suficiente. Um esquerdista pode tudo!

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Felipe Moura Brasil: Incentivadores dos black blocs e suas declarações

Ricardo Boechat
Apresentador do Jornal da Band
 No Youtube: “(…) Essa realidade vai mudar (…) se a população atacar, partir pro contra-ataque. Eu sou favorável a arranhar carro de autoridade, eu sou favorável a jogar ovo, eu sou favorável a revolta, a quebra-quebra, o c…lho. ‘Ah, isso é vandalismo!’ Vandalismo é o cacete! Vandalismo é botar as pessoas quatro horas na fila das barcas todo dia (…). Vandalismo é tu roubar feito um condenado o dinheiro público (…).”

Francisco Bosco
Colunista do Globo
 “(…) quem está tentando saquear lojas está, precisamente, reivindicando um país melhor. E eles nos representam. São os únicos que realmente nos representam.” “(…) aqueles que passam ao real (os ‘vândalos’) na verdade não querem isso, não querem falar a ‘linguagem’ da PM. Esse é apenas o último recurso que resta quando os recursos da realidade são todos falseados.” “(…) é claro que eu preferiria obter transformações estruturais sem as injustiças e as confusões decorrentes dessas passagens ao real (…), mas isso não me parece possível, justamente.”

Chico de Oliveira
Sociólogo, autodeclarado “socialista há 50 anos”
 À Folha: “Faço uma boa avaliação [dos Black Blocs]. Se eles se constituem como novos sujeitos da ação social, é para saudar. Vamos ver se, com a ajuda deles, a gente chacoalha essa sociedade que é conformista.”

Vladimir Safatle
Professor de Filosofia da USP
Na Folha, querendo uma solução política e não policial para os vândalos que chantageiam o Estado com uma “violência genérica”: “(…) Nesse contexto de mutismo, a violência aparece como a primeira revolta contra a impotência política. A história está cheia de exemplos nos quais as populações preferem a violência genérica à impotência. Ainda mais quando se confrontam com uma brutalidade policial como a nossa. Como todo sintoma, há algo que essa violência nos diz. A resposta a ela não será policial, mas política.”

Bruno Torturra
Representante do Mídia Ninja, parceiro de Pablo Capilé
No Valor: “O Black Bloc não é um movimento. É uma estética, um código simples de reproduzir. Quando vão para a rua a sociedade identifica: o Black Bloc chegou. É um comportamento emergente. (…) A ação direta das pessoas, seja alguém de classe média que pintou a cara de verde e amarelo, seja o garoto de periferia que vai quebrar um banco. (…) Grande parte da sociedade pacata se sente representada. Não está disposta a fazer como o Black Bloc, mas se diz intimamente: ‘Pode continuar, não quero que a Rota quebre esses meninos’.” No Roda Viva: “Para a gente dizer se dá para condenar ou não uma ação do Black Bloc, a gente tem de discutir, antes, a prioridade, inclusive midiática, e o escândalo que a sociedade sente quando um vidro é quebrado, quando o patrimônio de um banco é quebrado, e a gente não tem a mesma reação, e a gente não encara da maneira escandalizada, quando o cidadão é agredido. (…) O que a gente tem de entender é que são jovens que sofrem violência há muito tempo. A maioria deles não confia no estado…”

Caetano Veloso
Compositor e “colunista” do Globo


Tico Santa Cruz
Vocalista da banda Detonautas
Nas redes sociais, conforme reportado pelo Extra: “Vamos para as ruas! Mas vamos conscientes! 7 de setembro – meu ALVO É O CONGRESSO NACIONAL! Democracia não se faz com ratos de terno e gravata e sim com gente trabalhando pelo povo! BLACK BLOCK LIVRES”

Rafael Alcadipani Silveira
Coordenador de pesquisas organizacionais da Fundação Getúlio Vargas
Ao Estadão: “Muitos dos jovens que estão usando essa estratégia da violência nas manifestações vieram das periferias brasileiras. Eles já são vítimas da violência cotidiana por parte do Estado e por isso os protestos violentos passam a fazer sentido para eles.”

Pablo Ortellado
Professor e pesquisador da USP
À Folha: [Por ser uma ação simbólica (o capitalismo ruindo na destruição de uma agência bancária), “a chave para entender a tática está mais na interface da política com a arte do que com o crime, porque ela não é contra pessoas, só contra coisas”. No artigo “Vidas valem mais do que vidraças”, após chamar a destruição de propriedade privada de “ação simbólica”: “Ao chamar a atenção para os bancos, para as grandes marcas e para o Estado brasileiro, o Black Bloc resgata a atenção dos meios de comunicação e a redireciona para o sistema econômico e político que está na gênese da verdadeira violência da nossa sociedade. É uma questão em aberto se essa mensagem está sendo adequadamente recebida pelo público. Mas, seja como for, essa tática não é nem violenta, nem arbitrária – e, sobretudo, ela não é tola. Nossos jovens que estão nas ruas merecem respeito e nosso apoio.”

Eugenio Bucci
Colunista do Estadão e da Época
Na Época: “Os adeptos do quebra-quebra devem ser contidos, por certo, mas não devem ser tratados como se fossem terroristas ou traficantes armados. Esses jovens não são a fonte do mal que nos espreita. Não são assassinos, não são assaltantes, não são integrantes de milícias ilegais.”

Andre Borges Lopes
Colaborador do blog do militante petista Luís Nassif
No blog do Nassif: “Não tenho nem sombra de dúvida de que prefiro esses inconformados que atrapalham o trânsito e jogam pedra na polícia. (...) Esses moleques que tomam as ruas e dão a cara para bater incomodam porque quebram vidros, depredam ônibus e paralisam o trânsito. Mas incomodam muito mais porque nos obrigam a olhar para dentro das nossas próprias vidas e, nessa hora, descobrimos que desaprendemos a sonhar.”

Ivana Bentes
Professora e pesquisadora da Escola de Comunicação da UFRJ
“(...) é inútil e simplista dividir os manifestantes entre “vândalos”, “mascarados” e os manifestantes pacíficos. Se gritam é uma dor que dói. Ou uma intensa alegria. Estamos todos juntos! É impressionante ver como os garotos da periferia do Rio estão se apropriando e emponderando da linguagem politica e estética das manifestações e vice-versa. Porque ali, de máscara ou cara lavada, com táticas lúdicas (performance, fantasias, carnaval politico) ou violência real e simbólica o que está sendo viralizado e se propaga por contagio [sic] e intensos debates é um desejo de transformação. Uma escola de ativismo em fluxo, processo político. Os Black Blocks, mas não só eles, todos os que sofrem o poder no corpo (jovens negros das favelas, população de rua e agora ativistas e midialivristas) colocam de forma muito explicita [sic] uma questão decisiva para todos nós: o monopólio da violência pelo Estado.”

Jean Wyllys
Deputado federal do PSOL
No Facebook, usando o vandalismo da extrema esquerda de 1968 para aliviar a barra do da extrema esquerda atual: “O ‘vandalismo’ e sua linguagem da violência contra ‘patrimônios’ têm algo a nos dizer sobre esses tempos vivemos. Não vamos nos esquecer de que sair assaltando, ops!, ‘expropriando’ banco e sequestrando embaixadores também era considerado ‘baderna sem sentido’ na ida década de 70; queimar sutiãs em público e defender a inserção da mulher no mundo do trabalho também já foi considerado ‘baderna sem sentido’. Ora, se quem assaltou banco e sequestrou autoridades nos anos 70 tinham motivos (não compreendidos à época), os ‘vândalos’ de hoje também têm os seus; se na incompreensão dos motivos da geração 68, seus contemporâneos defenderam repressão contra ela, algo parecido pode estar se passando hoje com os ‘vândalos’! Já pararam pra pensar nisso?!”

Marcelo Freixo
Deputado estadual do PSOL
No Youtube: “Acho que é um movimento. Vários movimentos têm vários métodos distintos. Eu não sou juiz para ficar avaliando os métodos em si. Eu tenho uma militância de muitos e muitos anos, muito antes do Parlamento. São mais de 25 anos de militância. Tem uns métodos que eu acho que são mais eficientes, tem outros que eu acho que são menos, mas eu não sou juiz pra dizer que movimento é um movimento correto ou não é. Eu acho que qualquer movimento que visa a construção de uma sociedade mais justa é válido. E os métodos representam um outro debate.”

Edilson Silva
Militante do PSOL e membro da Executiva Nacional do partido
No site do PSOL, estabelecendo em teoria o manual de conduta que Freixo segue na prática no vídeo do comentário acima: “(…) não nos parece que o conceito da tática Black Bloc seja algo retrógrado ou mesmo indesejável em essência e propósitos originais. É algo progressivo, politicamente moderno, trazido pelas mãos da dialética na história. Se este fenômeno é mesmo a síntese de um processo histórico e do desenvolvimento das forças produtivas, creio estar descartada a hipótese da não convivência com ele. (…) Por outro lado, não parece o mais correto o aplauso fácil e irresponsável à tática, tratando as suas fragilidades e portas abertas a todo tipo de oportunismo e infiltrações fascistas e policiais como um mero efeito colateral. Não perceber e não buscar evitar estas fragilidades é permitir que um fenômeno progressivo seja capturado pelo regime político que em essência busca combater, dando matéria-prima para justificar a ampliação da repressão estatal ao conjunto das forças e movimentos que questionam a ordem. Para quem pretende mudar o mundo de verdade, não deve parecer utópico ou ingênuo demais querer ver os movimentos e partidos da esquerda coerentes, como o PSOL, dialogando com a tática Black Bloc, respeitando todas as táticas e o máximo possível as sensibilidades mais positivas da opinião pública e da consciência das massas, respeitando-a e sem capitular a ela, como defendia Lênin; ou disputando a hegemonia, como teorizava Gramsci, fazendo desta consciência social mais um aliado na construção de uma sociedade mais próxima da que precisamos. Talvez esteja aí o nosso desafio nesta questão da tática Black Bloc.”

[PÓS-ESCRITO DE TERÇA-FEIRA: O artigo de Edilson Silva - oh, coincidência! - foi retirado do site do PSOL um dia após a morte de Santiago. O endereço original era este: http://www.psol50.org.br/site/artigos-e-entrevistas/583/tatica-black-bloc-condenar-conviver-ou-se-aliar, mas ele ainda pode ser lido aqui. Será que o PSOL quer apagar os vestígios de parceria com os Black Blocs? Puxa vida, ficavam tão bem juntinhos!...]

João Damasceno
Juiz
“A criminalização dos manifestantes, dos movimentos sociais, é expressão da violência ilegítima do Estado, da truculência contra a democracia.”

Bianca Comparato
Atriz
“[Órgãos de imprensa] só reportam o que é que foi quebrado, o que foi destruído. E eu também acho que tem de parar para pensar o que é que está sendo destruído. São casas de pessoas, como (sic) a polícia joga uma bomba de gás dentro de um apartamento? Não! São lugares simbólicos”.

Marcos Palmeira
Ator
 “Essa violência absurda da polícia contra a população, botando todo mundo no mesmo balaio, quer dizer, são duzentas pessoas presas politicamente… Isso é uma loucura em 2013. (…) Vamos anistiar esses presos políticos.”

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Carlos Andreazza: Ponte Democrata Carlos Marighella?

Neste país, decerto como consequência do bem-sucedido projeto brasileiro de deseducação, só se pensa e age em manada, em bando, em patrulha, de modo que não há jeito - a menor chance - de se reconhecer e valorizar, por exemplo, um mérito pontual do regime militar de 1964 sem ser logo chamado de ditador, quando não de torturador.

Trinta anos passados, três décadas de proscrição, de degredo, de petrificação dos malditos, tempo em que o simples referir-se aos militares - que não nos piores termos - significou adesão imediata e incondicional ao que ocorria nos porões. Reconhecer a importância da infraestrutura - a única que temos ainda hoje, diga-se - erigida naquele período? Ora, experimente... Comente, com base nos fatos, que o Brasil depende hoje de obras públicas - de portos, de estradas etc. - construídas pelo regime militar e torne-se de súbito partidário e defensor, signatário do AI-5; um golpista!

Se é que a teve um dia, este país terá de todo perdido a mão para o que seja reflexão, equilíbrio e ponderação; mas não sem estender a outra, ato contínuo, ao ridículo.

Ah, o ridículo!

Outro dia mesmo, enquanto atravessava a Rio-Niterói, peguei-me a perguntar: quanto faltará até que um desses lavadeiros da verdade proponha mudar o nome oficial, Presidente Costa e Silva, da ponte? Era questão de tempo - sempre soube. Intuía, contudo, que a hora se acelerava, pois a tinturaria da história tivera gestão mais eficiente nos últimos anos; ademais, acercávamo-nos dos 50 anos do golpe. Era questão de pouco tempo. E, batata!, tinha poucas dúvidas de que a iniciativa partiria de um dos copidesques do Ministério Público, desocupado progressivamente desde o fim da ditadura e finalmente inútil - tornado sem propósito - com a assunção redentora do povo oprimido ao poder, instante em que, no Brasil, como sabido, nada mais houve a ser investigado, denunciado, enfrentado.

Afinal, bicheiros, traficantes, mensaleiros, milicianos e assassinos de mais de 50 mil brasileiros por ano - tudo isso é passado, vencido, superado, miragens que só possuem materialidade na percepção histérica da classe média manipulada, claro, pela mídia golpista. O perigo - apontam os diligentes revisores do Ministério Público - está nos monumentos, nas placas das ruas, avenidas e estradas, nas fachadas de escolas do interior, em qualquer poste que leve o nome de um militar de 1964, de um ditador daquele período proibido.

Mas, atenção!, só daquele - apenas daquele intervalo desgraçado entre 1964 e 1985. No Brasil, também se é seletivo com tiranos. Porque há, tão fofos, os nossos ditadores de estimação. (E não falo nem do amor pátrio por assassinos estrangeiros - e em atividade - como Fidel Castro). Ou não teremos aí o nosso querido Getúlio Vargas, brasileiríssimo, o “pai dos pobres”, homem cruel, vil, perseguidor, golpista, torturador, no entanto a nomear de goleiro a fundação, passando por uma das mais importantes vias urbanas do país?

Eis que, então, aos 50 anos redondos do golpe militar somam-se os 40 de uma das obras públicas mais importantes não só daquele período como, sem dúvida, da história do país. Palco perfeito - cenário iluminado, holofotes todos direcionados - para os justiceiros que não perdem oportunidade de aparecer. E como são bons, generosos na construção do passado que melhor lhes convém.

Ponte Presidente Costa e Silva? Não! Nem pensar! Não se pode deixar uma placa velha, escondida, enferrujada e ignorada sob uma fundação carcomida qualquer - que efeito, que impacto negativo terá sobre as crianças, sobre as novas gerações? (Decerto muito pior que o do crack, cujo consumo por menores, como sabido, já foi perfeitamente controlado). Não pode. Não mesmo. Um absurdo! Uma afronta! Tem de mudar. Alude ao golpe, afinal, ao arbítrio, à tortura; perpetua um passado que se quer apagar, que se fez interdito, e de que não se pode tratar senão com o implacável esfregão seletivo.

A esses revisores da história - tapados pela mistificação, obstruídos pela doutrina do justiçamento da memória, cegos aos fatos - não ocorre examinar, portanto, que sem este homem, sem Artur da Costa e Silva, não haveria a ponte, tão simples quanto isso, não como a conhecemos hoje, e que ali, pois, não se homenageia a ditadura, o arbítrio, a tortura, mas um indivíduo que, apesar de muitos e tantos erros, acertou, não fossem várias as vezes, ao menos uma.

Acertou em bancar, em viabilizar, em sustentar a construção de uma obra que, embora sonhada e ansiada por mais de século, imperador, ditador ou democrata nenhum antes lograra encarar - obra que se tornaria elemento decisivo à integração física não só do Rio, mas do Brasil, marco incontornável da engenharia nacional; obra que ele próprio não veria pronta, morto bem antes; obra, a Ponte Rio-Niterói, que sequer é conhecida pelo nome oficial, mas que o homenageia porque simplesmente não poderia ser de outra maneira.


Celebremos e fortaleçamos a democracia, mas sem jamais nos esquecermos de que o autoritarismo não é exclusividade das ditaduras. E que, portanto, ao apoiar este processo de apagamento seletivo da história, de aniquilamento dos bons feitos alheios, os fernandohenriques da vida não se pensem livres do mesmo destino. Também é questão de tempo.

J. R. Guzzo: Outras perguntas

Encaminhamos à apreciação das autoridades federais, novamente, algumas perguntas sobre questões de possível interesse para o leitor. Como costuma acontecer, não virá nenhuma resposta, mas é dever desta revista fazer o que pode, mesmo sabendo que o governo não reconhece a existência no Brasil de cidadãos capazes de ter dúvidas — brasileiros que terminaram o ensino básico, pensam com a própria cabeça e podem, eventualmente, não entender direito que diabo está acontecendo com seu país.

Por que o governo continua a olhar sem fazer nada, como se o fato estivesse acontecendo na Transilvânia, o estelionato praticado sistematicamente contra o trabalhador brasileiro pelas altas autoridades que decidem qual é o saldo que ele tem, ao fim de cada mês, no Fundo de Garantia? Ao longo dos últimos quinze anos, cerca de 20% do dinheiro que os trabalhadores têm no FGTS sumiu, mastigado por cálculos de reajuste que sempre ficam abaixo da inflação. O Partido dos Trabalhadores, a esse respeito, já teve onze anos inteiros para fazer alguma coisa a favor dos trabalhadores. Não fez. Por quê?

Os jornalistas Gustavo Patu e Mario Kanno, do blog Dinheiro Público & Cia, tiveram a paciência de ler do começo ao fim a ata que o Banco Central soltou depois de sua última reunião, no fim de janeiro. Chegaram a uma conclusão assombrosa: os dirigentes do BC precisaram escrever nada menos de 74 parágrafos para explicar por que subiram a taxa de juro em 0,5 ponto percentual. Embora o idioma oficial do Brasil seja o português, a maior parte do texto era ocupada por frases como a seguinte: “O Copom entende ser apropriada a continuidade do ritmo de ajuste das condições monetárias ora em curso”. Ou: “Não obstante a concessão neste ano de reajuste para o salário mínimo não tão expressivo quanto em anos anteriores, bem como a ocorrência nos últimos trimestres de variações de salários mais condizentes com as estimativas de ganhos de produtividade do trabalho, o Comitê avalia que a dinâmica salarial permanece originando pressões inflacionárias de custos”. Se era para ninguém entender nada, por que escrever tanto?

Haveria alguma explicação lógica para a presidente da República anunciar a “construção de 6 000” creches e, ao fim do prazo fixado para isso, entregar só 1 000? Ou, pior ainda, por que Dilma prometeu um ano atrás construir “mais de 880 aeroportos regionais”, como lembrou há pouco o colunista Lauro Jardim, de VEJA, e conseguiu a proeza de não entregar nenhum — um só que fosse? Como se pode explicar, mesmo para uma classe do 1º ginasial, que um governo com um mínimo de amor-próprio cometa erros tão grosseiros assim? Dilma também prometeu ferrovias que não vai entregar, e águas que não vai transpor, nem do São Francisco nem de lugar nenhum. “Falta de dinheiro” é a resposta comum em todos esses casos. Mas então por que, se o dinheiro está tão escasso, o governo paga 54 000 reais por mês de aluguel para dar um teto ao seu diplomata-mor em Nova York?

O Brasil, como já se estima há bom tempo, deve ter uma safra recorde de 90 milhões de toneladas de soja em 2014. Também já se sabe que mais de 20% desse total será simplesmente jogado no lixo, porque os portos brasileiros não têm condições de escoar uma produção de tamanho volume. Por que, sabendo perfeitamente disso tudo, o governo aplicou miseráveis 15 milhões de dólares em seus portos em todo o ano de 2013 — contra, por exemplo, 1,4 bilhão de reais gastos para construir o Estádio Mané Garrincha, em Brasília? Pior: por que Dilma deu de presente a Cuba um porto novo em folha, no valor de 1 bilhão de dólares, enquanto nossa soja ficará apodrecendo no pé?


Sabe-se que o bacharel José Eduardo Cardozo é ministro da Justiça, mas de que país? Recentemente, comentando os horrores sem paralelo ocorridos na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, ele disse o seguinte: “O sistema carcerário no Brasil é medieval”. E quem é o responsável por isso? O governo brasileiro, claro, e especialmente a área dirigida por ele próprio, Cardozo. Não dá para dizer que a calamidade — o Brasil tem no momento 550 000 presos para 350 000 vagas na cadeia — seja obra das elites de direita: o PT já está há onze anos no governo, e isso é tempo mais do que suficiente para melhorar alguma coisa, por menor que seja, em qualquer situação de catástrofe. De lá para cá, o ministro não mexeu um palito para eliminar o inferno de Pedrinhas; fez questão, porém, de levar a “solidariedade” do Palácio do Planalto à governadora Roseana Sarney, a quem cabe cuidar do presídio. Por quê?

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Ferreira Gullar: O prazer de matar

É a insensatez levada ao último grau, que só se explica pela cegueira a que leva o fanatismo religioso

Não passa uma semana sem que novos atentados matem dezenas de pessoas. Isso ocorre com mais frequência no Iraque, no Egito, no Afeganistão, na Síria, em países da África Central. Matar inocentes indiscriminadamente é difícil de entender. Toda vez que leio uma notícia dessas, surpreendo-me como se a lesse pela primeira vez.

Não há dúvida de que homicídio puro e simples não deixa de me espantar. De fato, tirar deliberadamente a vida de alguém é coisa que não compreendo nem aceito. Mas sei, como todo mundo, que, dependendo de seu temperamento, pode uma pessoa perder a cabeça e matar um suposto inimigo.

Há, porém, pessoas que têm o prazer de matar e, por isso mesmo, fazem isso com certa frequência. Lembro-me de um jovem que foi preso logo depois de liquidar um desafeto. Quando o policial lhe disse que no próximo ano seria maior de idade e, se voltasse a matar alguém, iria para a cadeia, ele respondeu: "Pois é, não posso perder tempo".

No que se refere aos atentados, há os motivados por razões políticas e religiosas e há os que, ao que tudo indica, têm causas psíquicas, ou seja, o cara é pirado. Esses são os atentados tipicamente norte-americanos. Com impressionante frequência, surge um sujeito empunhando um revólver ou um fuzil-metralhadora que começa a disparar a esmo dentro de um shopping ou de uma universidade. Ele sabe que vai morrer e, quase sempre, é abatido por policiais.

A loucura é certamente um componente desse desatino homicida. Não obstante, a gente se pergunta por que só acontece nos Estados Unidos. Será porque todo mundo lá tem armas em casa e aprende a atirar desde criancinha, no quintal de casa ou no porão? Os fabricantes de armas garantem que não, que não é por isso, mas tenho dificuldade de acreditar neles.

Esse tipo de atentado difere daqueles outros, cuja motivação é político-religiosa, e difere também, por seu resultado, não de um surto psicótico e, sim, pelo contrário, fruto de uma decisão tomada objetiva e friamente por um líder.

A afinidade que há entre eles é o propósito de assassinar pessoas inocentes. E é precisamente este ponto que tenho maior dificuldade de aceitar. Por exemplo, um terrorista, com o corpo coberto de bombas, entra num ônibus escolar do país inimigo, explode as bombas e a si mesmo, matando dezenas de crianças. Não vejo nenhum sentido nisso, a não ser mostrar seu ódio ao adversário; e, nesse caso, por se tratar de crianças, mostrar que sua fúria homicida desconhece limites. É outra modalidade de loucura.

Mas há ainda os casos em que a fúria homicida mata indiscriminadamente pessoas de outros países, que nada têm a ver com os propósitos do atentado. Exemplo disso foi o caso das Torres Gêmeas, em Nova York, onde morreram quase 3.000 pessoas. O atentado visava os norte-americanos, mas matou franceses, holandeses e até muçulmanos. Nem mesmo se pode excluir, dentre as vítimas daquele atentado, pessoas que possivelmente apoiavam a causa defendida pelos terroristas. É a insensatez levada ao último grau, que só se explica pela cegueira a que leva o fanatismo religioso.

O que torna mais absurdo tudo isso é o fato de que o atentado terrorista não traz nenhum benefício a quem o projeta e o faz acontecer, a não ser satisfazer seus desejos homicidas. De fato, o terrorismo é a expressão da derrota política de quem o promove, a reação desesperada de quem sabe que não tem qualquer possibilidade de vencer o adversário e chegar ao poder.

Mas, ao fim de tudo, não consigo na verdade entender tal desvario, mesmo porque, além do assassinato em massa de crianças e cidadãos quaisquer, que o terrorista nem sequer conhece ou sabe que matou, há fatos quase inacreditáveis.

Como o que ouvi da boca do chefe supremo do Hezbollah, na televisão. Ele afirmou que o menino-bomba, que praticou o atentado no ônibus escolar, em Israel, era seu filho e tinha 16 anos. E acrescentou: "O mais novo, que tem 12 anos, já está sendo preparado para se sacrificar por Alá". O curioso é que ele manda os filhos morrerem, mas ele, o pai, continua vivo.

Deonísio da Silva: Supostos e suspeitos na ordem do dia

Vários profissionais estão desconcertados com o português de boa parte da mídia, mas não apenas com erros de ortografia, mais leves; ou de sintaxe, mais graves, por ferirem a lógica e confundirem os leitores. Sua perplexidade é com ataques absurdos como o seguinte: o bandido é flagrado com arma na mão, confessa o crime diante de câmeras e microfones, sem nenhum tipo de coação, e, às vezes, reconhece, orgulhosamente, que o sujeito filmado pelos sistemas de vigilância de lojas ou residências é ele, sim, o meliante. E ainda assim boa parte da mídia o denomina “suposto assaltante”, “suspeito de crime” e outras delicadezas.

Escrever bem começa pelo seguinte: dar às coisas o nome que as coisas têm. E não é só em relação a assaltantes e gatunos, não. São assustadoras as indulgências concedidas a esses políticos corruptos. Elas são mais perigosas do que aquelas dadas aos bandidos comuns. Quando vão parar nos presídios, irrompe na cena a cara de pau adicional de simular esmolas recebidas para lhes custear as multas aplicadas pela autoridade competente. Esmolas de meio milhão de reais! O Brasil acaba de criar o mendigo de elite, que é o bandido político.

Gozam dos benefícios dos eufemismos citados também políticos de outros países. “Suposto” e “suspeito” vêm sendo palavras curingas e têm servido para tudo, principalmente para substituir o que significa outra coisa.

Suposto quer dizer admitido por hipótese. Deixamos a palavra ali embaixo de “posto”, aguardando que a verdade seja apurada. Suspeito tem o significado de alguém do qual desconfiamos, que tenha feito algo que ele até pode negar. Porém, quando supostos e suspeitos admitem ou confessam, sem coação nenhuma, que foram os autores do que lhes é atribuído, eles não são mais suspeitos nem supostos.

Podemos fazer pouco, mas podemos ao menos contar ao distinto público as coisas como as coisas são. E para isso as palavras são outras, a sintaxe é outra, a lógica é outra.

É preciso que profissionais da fala e da escrita voltem aos bancos escolares ou ao menos façam algumas oficinas que lhes ensinem a escrever! Eles lidam com uma ferramenta, já caracterizada também como arma, cujos poderes foram reconhecidos por generais que se destacaram em batalhas memoráveis, algumas das quais mudaram o mundo. Eles diziam temer mais a pena do que a espada!

A vida privada não pode ser pauta da mídia, mas, quando está em questão o dinheiro público ou o interesse público, daí é bom lembrar que no passado os políticos tinham ao menos vergonha na cara. Um destes casos resultou no filme Escândalo (1989). Na Inglaterra dos anos 60, John Profumo era ministro da Guerra e namorava a modelo e corista Christine Keeller, que dormia também com o adido militar russo naquele país, Yevgeny Ivanov. Alertado pelo Serviço Secreto Inglês, Profumo deu fim ao caso, escrevendo à amante.

Ela seguiu sua vida. Posou pelada para uma revista e ganhou algum dinheiro. E aconteceu uma coisa curiosa: quem ficou mais famosa e vendeu bastante dali por diante foi a cadeira em que ela foi fotografada, a chaise 3107, do arquiteto e decorador dinamarquês Arne Jacobsen, por esconder seios e baixo ventre da moça e assim respeitar os códigos da censura daquela época. Ele renunciou à política e foi trabalhar de faxineiro em serviços comunitários.

Hoje não seria assim. Depois de receber mesadas vindas do dinheiro público, amantes de políticos influentes, do Executivo e do Legislativo, seguem gozando dos benefícios da impunidade. Delas mesmas e de seus protetores. Eles, quando ameaçados de perder o mandato, renunciam. E depois voltam ao antigo posto ou a um novo, consagrados pelo voto! A culpa é dos eleitores? Não é só deles. É de boa parte da mídia, que em muitos casos não contou as coisas como as coisas foram.

O tempora, o mores (que tempos, que costumes!), exclamou o orador Cícero, de quem no passado todos sabíamos de cor o seguinte trecho de um de seus discursos contra o senador Catilina: “Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?” (Até quando, Catilina, abusarás de nossa paciência?).

Resposta: todos os Catilinas do Brasil vão continuar abusando sempre, ao que parece. Mas aparência e essência não são a mesma coisa. Se fossem, a ciência seria desnecessária e nós não precisaríamos saber de nada!