Outro dia, escrevendo sobre o comício das diretas em
Caruaru, lembrei-me de que no palanque estavam Collor e Lula, entre outros.
Naquele momento não poderia prever ainda a importância que ambos teriam no
processo democrático. Collor, o caçador de marajás, preparava sua cruzada
contra a corrupção. Lula, encarnando a esquerda, falava de ética na política.
Ambos os projetos, destinados a combater a corrupção, foram tragados por ela,
sem distinção ideológica.lulacollor
Leio no New York Times que dois políticos do Estado de
Albany serão julgados nos próximos dias: Dean Skelos e Sheldon Silver. As
acusações soam familiares: enriquecimento ilícito, propinas mascaradas em
doações legais, parentes envolvidos. A matéria diz que a cultura da corrupção
em Albany será julgada com os dois políticos. Acredito que sim, mas acho
difícil suprimir uma cultura apenas com um veredicto.
Albany ainda tem uma pressão corretiva nacional. No caso
brasileiro, não se trata apenas da cultura de um Estado da Federação: é de todo
um país.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conseguiu
administrar a corrupção em seu governo, no sentido de que não evitou os
escândalos; mas realizou seus objetivos. Ele próprio, porém, admite um problema
sistêmico, a julgar pela sugestão que fez a Dilma e Lula numa viagem à África
do Sul. Argumentando com a rejeição popular ao processo político tradicional,
propôs uma urgente mudança.
Hoje, confrontados com todo o material que a Operação Lava
Jato e outras investigações revelaram, estamos diante de uma situação singular:
corrupção alarmante e grave crise econômica.
Diante da inflação e do desemprego crescente, que afetam
todos nós, os políticos responsáveis acham que é preciso conversar, buscar uma
saída antes que tudo seja engolfado por uma crise social. No entanto, nenhuma
conversa, por mais produtiva que seja, pode deixar de lado que a cultura da corrupção
está sendo julgada no Brasil. O veredicto final não resolverá o problema, mas
certamente será um passo decisivo, tão importante para completar a democracia
brasileira como foi aquele momento na década de 1980, quando lutávamos por
eleições presidenciais diretas.
Embora a corrupção fosse tema de Collor em 1988 e de Lula em
2002, a revolução nas comunicações, a presença da internet, o avanço dos órgãos
investigativos, a cooperação internacional, tudo isso converge agora para
fortalecer a transparência. E enfraquecer os salvadores.
Diante da experiência fracassada de Collor e do PT, talvez
fosse oportuno refletir sobre a frase de Cioran: a certeza de que não existe
salvação é uma forma de salvação, é mesmo a salvação. As pesquisas, todavia,
indicam um ângulo favorável aos salvadores. O PT é naturalmente rejeitado pela
maioria, mas os opositores também registram altos índices negativos. Uma
terceira força, vinda de fora, teoricamente, poderia derrotar a todos.
Na minha opinião, os políticos estão sendo julgados por
todos esses anos de democratização, mas também, e sobretudo, por como se
comportam no momento em que escândalos e crise econômica se entrelaçam.
Um exemplo da luta contra a cultura da corrupção se dá em
torno de um instrumento legal, a delação premiada. É apenas uma lei que reduz
penas se a pessoa disser a verdade e reparar seu crime, no caso, devolvendo o
dinheiro.
Dilma combateu a delação premiada com uma emoção de
esquerda. Lembrou-se dos que delataram os militantes nos anos de chumbo.
Suprimiu um pequeno detalhe: que foram torturados para dizer a verdade.
Lula chamou a delação premiada de mentira premiada. Responde
com uma piada nervosa diante de tantas evidências de que os depoimentos são
verdadeiros. Ignorou que a Lava Jato, com 33 delações premiadas e três acordos
de leniência, devolveu R$ 2,4 bilhões ao país.
Existe nas ruas uma certa hesitação em colaborar com a
polícia. As expressões alcaguete e dedo-duro têm uma conotação negativa.
Tiradentes, com a figura parecida com a de Cristo, teve seu Judas em Joaquim
Silvério dos Reis. Para quem vê a democracia apenas como uma etapa é fácil
confundir a polícia com repressão política; afinal, todas as instituições visam
a preservar o sistema.
Com um viés de esquerda, foi possível transitar de uma luta
pela ética na política para defesa da cultura da corrupção. Os empresários
querem business as usual, as figuras que sobraram do palanque das diretas ainda
devem ter conversas necessárias e a própria crise econômica pode ser superada
num par de anos. Mas a sociedade, além das aflições da crise econômica,
sente-se lesada por um governo quadrilheiro, desapontada com uma oposição
hesitante.
A fratura não se fechará enquanto o problema em torno do
crime e castigo não for resolvido. Isso pode consolidar os laços da sociedade
com as instituições e, quem sabe, capacitá-la a empurrar os políticos para a
frente, apesar deles.
Das diretas para cá o clima se degradou. Hoje vemos Lula
movimentando fortunas na conta bancária, casa de campo, tríplex, exigindo menu
de travesseiro. Ninguém imagina que tudo aquilo daria tanto dinheiro aos
salvadores: Collor com seus carros de luxo, Lula faturando milhões com suas
aulas magnas e, no fundo, a sirene do camburão.
Collor e o PT são dois momentos do processo. Seu fracasso
precisa ser levado em conta na tentativa de recomeçar. Mais do que discursos e
promessas e uma certa ingenuidade diante da fraqueza humana, será importante a
transparência, apoiada em novas leis e no fortalecimento das instituições que
investigam o poder político.
O governo elegeu-se com verba de corrupção, descumpriu a Lei
de Responsabilidade Fiscal, manteve um esquema de rapina na Petrobras. Enquanto
estiver no poder, o relógio do recomeço está desligado. Não adianta tocar para
a frente, como se não tivesse acontecido. Nem mantê-lo desligado até 2018. Não
se para o tempo. No máximo, é possível ganhar horas com o fuso horário, como o
deputado do PT que virou dono de um apartamento em Miami.