O dólar e os termômetros andam apostando corrida para ver
quem derrete o Brasil primeiro. Os dois vão perder, porque vilão aqui não tem
vez. O país já está sendo desmilinguido pelos heróis do povo. Veja a cena: João
Vaccari, o tesoureiro da revolução, é condenado a 15 anos de prisão na Operação
Lava-Jato; ao mesmo tempo e no mesmo planeta, o PT vira líder da proibição de
doações eleitorais por empresas — exatamente onde Vaccari fez a festa para
abarrotar os cofres do partido. Enquanto você olhava para esta cena de
moralização explícita, os companheiros no STF enfiavam a faca na Operação
Lava-Jato — em mais uma ação heroica para salvar o Brasil da gangue de Sergio
Moro.
O Supremo Tribunal companheiro só vai conseguir cozinhar a
Lava-Jato se você continuar olhando para a cena errada. Caso contrário, a
operação prosseguirá mais abrangente e infernal que um arrastão no Arpoador.
Podem fatiar à vontade, podem mandar processo até para o quintal do Sarney, que
a maior investigação da história da República haverá de varrer inexoravelmente
tudo, como água morro abaixo e fogo morro acima. Mas se você zapear para o
Discovery Channel, onde a reforma política do PT está salvando a democracia das
garras do capitalismo selvagem, a Lava-Jato poderá virar um retrato na parede de
um triplex no Guarujá.
Quem achava que tinha chegado ao fim a capacidade do
brasileiro de ser ludibriado pela demagogia coitada, errou feio. Eis que surge
o Partido dos Trabalhadores, todo melecado de pixulecos de variados calibres,
no centro de uma orgia bilionária onde inventou a propina oficial com doações
eleitorais de empresas, propondo o fim das… doações eleitorais de empresas.
Você teve que ouvir: o PT quer purificar o processo eleitoral brasileiro,
protegendo-o da influência do poder econômico. É o socialismo de porta de
cadeia.
O Brasil cai em todas, e não deixaria de cair em mais essa.
O companheiro monta em cima, rouba, estupra, enfia a mão na bolsa da vítima
tentando arrancar mais uma CPMF, e ao ser pego em flagrante, grita: vamos
discutir a relação! A vítima se senta, acende um cigarro, faz um ar inteligente
e começa a debater o celibato das empresas no bordel eleitoral. Contando,
ninguém acredita.
Boa parte das democracias no mundo permite a doação
eleitoral de empresas. E também há várias que não permitem. Evidentemente, o
problema não é esse. Os tesoureiros do PT ordenharam todo tipo de empresa no
caixa dois do mensalão, no caixa um do petrolão, e saberão atualizar seu manual
de extorsão de acordo com qualquer nova legislação vigente. Bandido é bandido —
e não é para eles que se legisla. O problema é que o Brasil tem bandidos do
bem, progressistas e humanitários. E quando eles gritam contra o poder
econômico — mesmo já sendo podres de ricos — os brasileiros se comovem.
Com a missão cumprida, tendo colado o selo oficial de
caloteiro na testa do Brasil após 12 anos de pilhagem, o governo popular
voltou-se para seu hobby predileto — a “construção de narrativas”, como definiu
o filósofo Gilberto Carvalho. Como a narrativa em curso é a de um governo
prestes a ser posto na rua, fez-se necessário recorrer aos efeitos especiais.
Os companheiros devem ter se perguntado se ainda havia algum
otário capaz de embarcar nas suas fantasias de esquerda, e a resposta
provavelmente foi: sempre há! Resposta certeira. Com um trabalho impecável da
co-irmã OAB (apelidada injustamente de Ordem dos Aloprados do Brasil) e do
companheiro Luis Roberto Barroso (o que decidiu que a quadrilha não era
quadrilha) o disco voador da moralização eleitoral petista pousou no Supremo.
Como todo disco voador que se preze, ele trazia uma mensagem
dos ETs — tornando sumariamente inconstitucionais as doações eleitorais de
empresas. Perfeitamente sintonizado com o mundo da Lua (e da estrela), o STF do
companheiro Lewandowski assinou embaixo. Spielberg talvez achasse um pouco
forte, mas dane-se o Spielberg. Ele entende de ET, não de PT — ou seja: em
termos de truques, é uma criança.
E foi assim que o Brasil inteiro se viu de repente coçando a
cabeça, como num arrastão de piolhos, tentando entender o que vale e o que não
vale nos mandatos vigentes e vindouros. Dá até para imaginar os heróis da luta
contra o capitalismo fumando seus charutos diante da TV e fazendo o célebre
top-top de Marco Aurélio Garcia: delícia de lambança. Do alto de sua narrativa
surrealista, Dilma Rousseff, a presidenta mulher, confirma a manobra do STF e
salva a democracia nacional do capitalismo selvagem.
Aí só fica faltando narrar um capítulo da história: os
capitalistas selvagens foram assaltados pelos oprimidos e o produto do roubo
elegeu Dilma Rousseff, conforme indica a Operação Lava-Jato. A não ser que
queira se refundar como cleptocracia, o Brasil terá que mandar os oprimidos
selvagens procurar seu final feliz na suíte do companheiro Vaccari.