A presidente vai reduzir seu salário, do vice-presidente e
dos 31 ministros a partir de novembro. Dilma Rousseff ganha R$ 26,7 mil mensais
e deve perder 10%, pouco mais de três salários mínimos.
O corte salarial no topo do poder, porém, é meramente
simbólico num governo onde os gastos são crescentes.
O caso da Presidência da República é exemplar. Na última
década, se tornou um agrupamento burocrático de dezenas de organismos, fundos e
secretarias extraordinárias. Gastou R$ 9,3 bilhões no ano passado - 210% mais
que em 2005, já descontada a inflação do período.
É um volume de dinheiro quase três vezes maior, por exemplo,
que o gasto anual do Estado do Rio na manutenção da rede pública de saúde, com
60 hospitais (1.050 leitos de UTI).
Ano passado, as despesas do núcleo administrativo diretamente
vinculado a Dilma somaram R$ 747,6 milhões, recorde no primeiro mandato.
Pouco mais da metade disso (R$ 390,3 milhões) foi usado para
pagar assessoria e serviços prestados à presidente nos palácios onde trabalha e
reside e durante as viagens, segundo dados da Secretaria de Administração da
Presidência disponíveis no Portal da Transparência, do governo federal.
Dilma já custa para os brasileiros praticamente o dobro do
que a rainha Elizabeth II e a família real para os súditos britânicos. A
monarquia consumiu, em 2014, o equivalente a R$ 196,3 milhões, segundo
relatório anual da Casa Real, tendo-se como referência a cotação da moeda
(libra) no fim de agosto.
Numa comparação republicana, o custeio do gabinete de Dilma
equivale a 60% do escritório de Barack Obama. O presidente dos Estados Unidos
gastou R$ 648 milhões com serviços na Casa Branca e na residência oficial,
segundo relatório sobre a execução orçamentária no último ano.
Em Washington, como em Brasília, parte das despesas
presidenciais acaba dissimulada no orçamento. A diferença fica por conta da
credibilidade sobre as contas dos dois governos e a eficácia do controle
público.
Nos EUA, Congresso e organizações sociais mantêm ativa
fiscalização. No Brasil, sobra desconfiança, e o controle é rarefeito. “Aqui,
além da pouca transparência, o excesso de truques e maquiagens fez crescer em
progressão geométrica o descrédito nas contas governamentais”, diz Gil Castelo
Branco, da ONG Contas Abertas.
Em Brasília, a rotina de Dilma fica circunscrita a um raio
de 15 quilômetros: trabalha no Palácio do Planalto, mora no Alvorada e passa
fins de semana na Granja do Torto, uma casa de campo.
Logo cedo, a presidente passeia nos jardins do Alvorada, à
margem do Lago Paranoá, entre araucárias e sibipurunas plantadas por Yoichi
Aikawa, jardineiro do imperador japonês Hirohito, que doou o projeto
paisagístico há mais de meio século. Caminha sobre um tapete vegetal três vezes
maior que o Maracanã, com sutil variação de tons de verde derivada das gramas
Esmeralda (Zoysia japonica), Batatais (Paspalum notatum) e São Carlos (Axonupus
compressus). A irrigação e a jardinagem consomem R$ 4 milhões anuais.
Os prédios da Presidência abrigam multidões de servidores
públicos, assessores contratados e a mão de obra alugada de secretárias,
telefonistas, vigilantes, faxineiros e garçons, entre outros. Os serviços de
manutenção somam R$ 220 milhões por ano.
Vigilância e limpeza custam R$ 5,7 milhões anuais. Nas
portarias, há um batalhão de vigias. Representam uma fração (R$ 1,5 milhão) de
uma das maiores despesas do setor público: R$ 3 bilhões ao ano em policiamento
privado, com elevada concentração em quatro grupos (Confederal, TBI, Albatroz e
Santa Helena Vigilância). Ano passado, esse tipo de gasto superou os
investimentos realizados por um conjunto de 33 órgãos, incluídos os ministérios
do Esporte, das Comunicações e da Cultura.
Há despesas mais prosaicas, como R$ 9,7 mil para quatro
camareiras que lavam as roupas do vice-presidente Michel Temer, sob compromisso
de “sigilo de informações”. E R$ 7,8 mil para tratamento semanal da piscina do
Palácio do Jaburu, onde Temer mora.
Recorrentes mudanças administrativas, produto da instabilidade
nas relações da presidente com aliados, levaram à contratação permanente (por
R$ 1 milhão por ano) de empresa especializada na montagem e desmontagem de
paredes divisórias no Planalto.
Cada despesa nova leva uma justificativa pomposa. Exemplo:
os R$ 39 mil pagos para encerar o piso de mármore do Planalto têm “o objetivo
de manter a nobreza dos ambientes por onde circulam autoridades”, diz o
contrato.
O esmero burocrático se reflete na mesa do poder, com espaço
para opções individuais, como a escolha do chefe de cozinha. Nem sempre dá
certo. No governo Fernando Henrique Cardoso, por exemplo, um sargento da
Marinha foi enviado a Paris com a missão de aprender a cozinhar. Voltou,
agradeceu e partiu para a aventura de um negócio próprio.
Nas 28 copas, a prestação de serviços custa R$ 7,4 milhões.
Por elas circulam 88 garçons, sempre em camisa branca, calça, paletó de dois
botões e cinco bolsos, gravata-borboleta e sapatos pretos. Há 58 copeiras em
calças sem pregas, blusa de mangas três-quartos, em microcrepon (do tipo
anarruga), sob avental xadrez preto e branco, com viés nas laterais. Os
uniformes são exigência contratual.
A intensidade do movimento entre copa e cozinha varia
conforme a predileção do governante por festas e homenagens. O governo Dilma foi
de comemorações no primeiro mandato: gastou-se R$ 302,7 milhões, 40% mais que
Lula em oito anos. Em 2014, foram R$ 77,3 milhões, média de R$ 213 mil por cada
dia do calendário da reeleição.
Luxo e fartura ambientam as cozinhas dos palácios. Paga-se
R$ 9 mil por banho restaurador dos utensílios em prata 925 (esterlina, com
92,5% de pureza). Os gastos com alimentação no Planalto somam R$ 16 milhões
anuais.
Desse total, uma fatia de R$ 1,3 milhão fica reservada para
prover a despensa, os cardápios sob encomenda e a adega da presidente, com
capacidade para 2.000 garrafas. Quase tudo é mantido em segredo. Aos curiosos,
a presidência acena com um decreto (nº 7.724) assinado pela própria Dilma, em
2012, onde se lê: “As informações que puderem colocar em risco a segurança do
presidente da República, vice-presidente e seus cônjuges e filhos ficarão sob
sigilo até o término do mandato em exercício ou do último mandato, em caso de
reeleição.”
Como nem os donos de segredos de Estado conseguem
guardá-los, sabe-se que um dos mais caros cardápios é mantido à margem da
contabilidade rotineira de copa e cozinha palaciana: custa R$ 2 milhões anuais
o serviço de comida a bordo do avião presidencial.
Já foi mais. Em 2006, Lula chegou a gastar R$ 3,7 milhões -
mais que a conta dos cinco mil telefones da presidência naquele ano. Ele
instituiu um padrão em voos, preservado por Dilma, com variedade de carnes
(coelho assado, costeleta de cordeiro, rã, pato, picanha e peixe). O café da
manhã a bordo custa R$ 58,60; a bandeja de frutas, R$ 102; cada canapé de
caviar sai a R$ 7; camarão ou salmão defumado, a R$ 4,60.
Em viagens ao exterior, Dilma prefere hotéis às residências
oficiais nas embaixadas brasileiras. Em junho, passou três dias numa suíte do
St. Regis, em Nova York, decorada por joalheiros da Tiffany. Depois, passou um
dia em São Francisco, Califórnia, no hotel Fairmont, cuja suíte principal tem
um mapa estelar em folhas de ouro contra um céu de safira. O custo médio das
diárias nos EUA foi de R$ 36 mil.
Para servi-la e à comitiva foram contratados 19 limusines,
15 motoristas, dois ônibus e um caminhão para transportar bagagens. Custou R$
360 mil (o pagamento atrasou dois meses).
Em Atenas, na Grécia, em 2011, a presidente gastou R$ 244
mil numa “escala técnica” de 24 horas - mais de R$ 10 mil por hora.