quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Augusto Nunes: Por que Dirceu foi expulso da Câmara

Bruno Abbud

Na coleção de fantasias apresentadas durante o programa Roda Viva, o entrevistado José Dirceu incluiu a história da cassação do mandato. Até os porteiros do Congresso sabem que o ex-ministro se tornou também ex-deputado federal por ter atropelado o decoro parlamentar. Passados cinco anos, ele tenta transformar crimes comprovados em “perseguição política”.

“Fui cassado pela Câmara sem provas”, afirmou. “Fui cassado politicamente, com base em nada. Foi uma cassação política, para me tirar da vida política do país. Para me tirar da sucessão presidencial, da direção do PT, da participação no governo. A oposição trabalhou para isso dia e noite”. Ele não perdeu a chance de atribuir a articulação traiçoeira ao PSDB.

Falso, berram os fatos. A representação que pediu o despejo de Dirceu foi encaminhada ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara, em 29 de julho de 2005, pelo deputado Flávio Martinez. Presidente do PTB, Martinez só viu tucanos em incursões pelas matas do Paraná. Confira o texto da representação:

R E P R E S E N T A Ç Ã O

contra atos do Senhor Deputado JOSÉ DIRCEU (PT-SP), que fraudaram o regular andamento dos trabalhos legislativos, visando à alteração do resultado das deliberações, configurativos de atos incompatíveis com o decoro parlamentar, consoante expõe a seguir:

1. Em depoimentos prestados ao Procurador-Geral da República, em poder da egrégia Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios e perante a própria CPMI, respectivamente, por MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA, a 14 Jul 2005 e d. RENILDA MARIA SANTIAGO FERNANDES DE SOUZA, a 26 Jul 2005, deram conta de que o Representado, JOSÉ DIRCEU, enquanto licenciado dessa Casa para exercer as funções do cargo de Ministro-Chefe da Casa Civil do Presidente da República, em conluio com o Secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores – PT, DELÚBIO SOARES, levantou fundos junto ao Banco Rural e Banco de Minas Gerais – BMG, tomados sob a intervenção e responsabilidade de MARCOS VALÉRIO, com a finalidade de pagar parlamentares para que, na Câmara dos Deputados, votassem projetos em favor do Governo.

À sua vez, tais fundos levantados como se empréstimos fossem, eram compensados pelo favorecimento aos Bancos mencionados – com cujos diretores, entre eles, FLÁVIO GUIMARÃES (BMG) e KÁTIA RABELO (Rural), esteve reunido JOSÉ DIRCEU – e empresas de que participa MARCOS VALÉRIO, em contratos governamentais, de sua administração indireta ou autárquica, garantidos pela influência do Representado, de modo a que, embora tais mútuos não tenham sido honrados pelos tomadores, tampouco houvesse cobrança daquelas instituições financeiras de seu crédito.

Assim agindo, o Representado quebrou o decoro parlamentar, porquanto membro titular de mandato legislativo aí, valeu-se daquela atividade junto ao Poder Executivo, para interferir e fraudar o regular andamento dos trabalhos legislativos, alterando o resultado de deliberações em favor do Governo, infringindo a Constituição Federal, art. 55, inciso II e § 1°, o Regimento Interno da Câmara dos Deputados, art. 244 e o Código de Ética e Decoro Parlamentar, art. 4°, inciso IV, pelo que se formula a presente Representação, a fim de que apresente a defesa que tiver, até final perda do mandato que detém.

2. O Representante acosta, como prova, os seguintes elementos da notoriedade dos fatos imputados:

- jornal Folha de São Paulo, caderno A, edição de 27 Jul 2005, cuja manchete principal é “Dirceu sabia dos empréstimos, diz mulher de Valério”;

- jornal O Estado de São Paulo, caderno A, edição de 27 Jul 2005, cuja manchete principal é “Dirceu sabia de empréstimos ao PT, diz Renilda; ele nega”;

- jornal Correio Braziliense, 1° caderno, edição de 27 Jul 2005, cuja manchete principal é “Mulher de Valério liga Dirceu a empréstimos”;

- jornal O Globo, 1° caderno, edição de 27 Jul 2005, cuja manchete principal é “Renilda envolve Dirceu e apressa sua convocação”.

3. Também como prova, requer:

a) a requisição à CPMI dos Correios, de cópia do depoimento prestado por MARCOS VALÉRIO FERNANDES DE SOUZA ao Procurador-Geral da República, em 14 Jul 2005;

b) a requisição à CPMI dos Correios, de cópia do depoimento a ela prestado por d. RENILDA MARIA SANTIAGO FERNANDES DE SOUZA, em 26 Jul 2005;

Em 10 de agosto de 2005, o presidente do Conselho de Ética, deputado paulista Ricardo Izar, também do PTB, instaurou o processo disciplinar 04/2005 contra Dirceu. Em 19 de outubro de 2005, o relator do processo, deputado Júlio Delgado, do PSB de Minas Gerais, recomendou ao plenário a “aplicação da penalidade de perda do mandato”. Em 30 de novembro de 2005, o plenário da Câmara aprovou a cassação do ex-ministro por 293 votos. Participaram da sessão 495 deputados ─ 192 votaram contra, oito se abstiveram e um anulou o voto.

Segundo o parecer do deputado Júlio Delgado, aprovado pela maioria, Dirceu “afetou a dignidade do mandato, fraudou o regular andamento dos trabalhos legislativos para alterar o resultado de deliberação e manteve comportamento incompatível com o decoro parlamentar”. Nada a ver com perseguições políticas.