domingo, 27 de outubro de 2013

Ferreira Gullar: Tanto barulho por nada

Não faz muito tempo, um cidadão de mais de 60 anos invadiu o apartamento acima do seu, aqui no Rio, e matou a tiros o casal que morava ali; em seguida, suicidou-se. E qual foi a causa dessa tragédia? Barulho, excesso de barulho.

Esse é, sem dúvida, um caso extremo, mas não deixa de ser indicativo do alto nível de barulhos de todo tipo que atormenta os cariocas.

O Rio, aliás, é uma cidade particularmente barulhenta. O barulho parece fazer parte de sua cultura, talvez pela tradição dos batuques que estão na origem mesma da cidade, tornada a capital do Carnaval. Nas favelas, originalmente, tornou-se natural promover batuques que atravessavam as noites. Isso se consolidou com o crescimento das escolas de samba, realizando seus ensaios, que mais tarde desceram dos morros e se alastraram por vários bairros da cidade.

Pode ser que me engane, mas a verdade é que, dada essa tradição, todo mundo se sente no direito de fazer festa em cada esquina. Um simples boteco, de apenas uma porta, toma a calçada em frente com mesas e cadeiras para vender chopes e batidas. E, para que a alegria seja completa, põe caixas de som num carro e toca música até altas horas da noite. Os moradores dos apartamentos próximos que se mudem.

E o que mais espanta é que, embora seja ilegal ocupar calçadas e fazer barulho atordoante em área residencial, isso ocorre sem qualquer reação da polícia ou dos órgãos oficiais. Acham engraçado, é o espírito festivo do carioca.

Em alguns casos, paga-se o guarda. Suborno é coisa comum, mas é outro assunto. Fiquemos na poluição sonora que é o tema desta crônica, o que é bastante porque, como já diz aqui, barulho faz parte da cultura carioca. E quem reclama é, no mínimo, um chato.

E tanto isso é verdade, ou seja, que o barulho é parte de nossa cultura, que os órgãos oficiais não apenas se omitem no combate à poluição sonora, como, pelo contrário, ajudam a poluir. Quer um exemplo? As sirenes dos carros de bombeiros e dos carros de polícia. Quando qualquer um desses veículos passa em frente a minha casa, corro e fecho as janelas, além de tampar os ouvidos. São sirenes absurdamente estridentes, que soam numa altura alucinante e sem necessidade, sem razão plausível.

A finalidade dessas sirenes é abrir caminho, no trânsito, para esses veículos. Ou seja, basta que os motoristas que estão à frente do carro da polícia a ouçam para que ela cumpra sua função. Não é necessário que todas as pessoas num raio de centenas de metros tenham de ser atordoadas por tais sirenes, nem quem está a várias quadras de distância nem muito menos quem está em seu apartamento, vendo televisão, conversando ou dormindo.

Certa vez, estava no meu carro, em meio ao tráfego engarrafado, quando um desses carros oficiais subitamente disparou sua sirene atordoante: levei um susto e quase joguei meu carro sobre o veículo que estava a meu lado. Cabe perguntar: não é função do governo combater a poluição, como, então, em vez disso, polui mais que todos? Ou estamos naquela de que ao governo tudo é permitido? Não apenas os chefes, o pequeno funcionário também pensa assim, quanto mais se trata de alguém que zela pela segurança pública. A ele, claro, tudo é permitido.

Mas se fossem só os carros oficiais, já me daria por feliz. Somos, sem dúvida alguma, um povo do barulho. Não por acaso, inventaram de algum tempo para cá, que todo mundo adora música e quer ouvi-la 24 horas por dia.

O resultado disso é que onde você entra há música (ruim) tocando e irritantemente alta: seja no supermercado, na loja de eletrodomésticos e até em algumas farmácias.

Ainda fiquei surpreso ao entrar numa loja de frutas e legumes e me deparar com um fundo musical atordoante. Fugi de lá na mesma hora. E nos restaurantes, há música também, claro. Aliás, em alguns deles, a moda agora é pôr numa altura que permite todo mundo ver uma televisão ligada o tempo todo, no pior programa e para todo o mundo ver e ouvir.


Isso sem falar no pessoal que fala berrando no telefone celular. Como disse um amigo meu: é que eles não sabem que já inventaram o telefone.

sábado, 26 de outubro de 2013

Demétrio Magnoli: Direita e esquerda

O PT é o esteio de um sistema hostil ao interesse público: a concha que protege a elite patrimonialista

Visitei Praga em 1989, às vésperas da Revolução de Veludo. Naquela cidade, “comunista” era estigma. No Brasil, a ditadura militar definiu a palavra “direita”. “O cara é de direita.” Impossibilitado de internar dissidentes em instituições psiquiátricas, o lulopetismo almeja isolá-los num campo de concentração virtual. No processo, devasta o sentido histórico dos termos até virá-los pelo avesso: eles é que são “de direita”; eu sou “de esquerda”.

Eles financiaram com dinheiro público a bolha Eike Batista. Na fogueira do Império X, queimam-se US$ 5,2 bilhões do povo brasileiro. “O BNDES para os altos empresários; o mercado para os demais”: eis o estandarte do capitalismo de Estado lulopetista. Anteontem, Lula elogiou o “planejamento de longo prazo” de Geisel; ontem, sentou-se no helicóptero de Eike para articular um expediente de salvamento do megaempresário de estimação. O lobista do capital espectral é “de direita”; eu, não.

Eles são fetichistas: adoram estatais de energia e telecomunicações, chaves mágicas do castelo das altas finanças. Mas não contemplam a hipótese de criar empresas públicas destinadas a prestar serviços essenciais à população. Na França, os transportes coletivos, que funcionam, são controlados pelo Estado. Eu defendo esse modelo para setores intrinsecamente não-concorrenciais. O Partido prefere reiterar a tradição política brasileira, cobrando de empresários de ônibus o pedágio das contribuições eleitorais para perpetuar concessões com lucros garantidos. “De esquerda”? Esse sou eu, não eles.

Eles são corporativistas. No governo, modernizaram a CLT varguista, um híbrido do salazarismo com o fascismo italiano, para integrar as centrais sindicais ao aparato do sindicalismo estatal. Eles são restauracionistas. Na década do lulismo, inflaram com seu sopro os cadáveres políticos de Sarney, Calheiros, Collor e Maluf, oferecendo-lhes uma segunda vida. O PT converteu-se no esteio de um sistema político hostil ao interesse público: a concha que protege uma elite patrimonialista. “De direita”? Isso são eles.

Eles são racialistas; a esquerda é universalista. O chão histórico do pensamento de esquerda está forrado pelo princípio da igualdade perante a lei, a fonte filosófica das lutas populares que universalizaram os direitos políticos e sociais no Ocidente. Na contramão dessa herança, o lulopetismo replicou no Brasil as políticas de preferências raciais introduzidas nos EUA pelo governo Nixon. Inscrevendo a raça na lei, eles desenham, todos os anos, nas inscrições para o Enem, uma fronteira racial que atravessa as classes de aula das escolas públicas. Esses plagiários são o túmulo da esquerda.

Eles são atavicamente conservadores. Os programas de transferência de renda implantados no Brasil por FHC e expandidos por Lula têm raízes intelectuais nas estratégias de combate à pobreza formuladas pelo Banco Mundial. Na concepção de FHC, eram compressas civilizatórias temporárias aplicadas sobre as feridas de um sistema econômico excludente. Nos discursos de Lula, saltaram da condição de “bolsa-esmola” à de redenção histórica dos pobres. Quando os manifestantes das “jornadas de junho” pronunciaram as palavras “saúde” e “educação”, o Partido orwelliano sacou o carimbo usual, rotulando-os como “de direita”. Eles destroem a linguagem política para esvaziar a praça do debate público. Mas, apesar deles, não desapareceu a diferença entre “esquerda” e “direita” --e eles são “de direita”.


“Esquerda”? O lulopetismo calunia a esquerda democrática enquanto celebra a ditadura cubana. Fidel Castro colou a Ordem José Martí no peito de Leonid Brejnev, Nicolau Ceausescu, Robert Mugabe e Erich Honecker, entre outros tiranos nefastos. Da esquerda, eles conservam apenas uma renitente nostalgia do stalinismo. Sorte deles que Praga é tão longe daqui.

Guilherme Fiuza: Nasce o Brasil talibã

O Brasil virou, definitivamente, um lugar esquisito. A última onda de manifestações reuniu professores em greve (e simpatizantes) por melhores salários para a categoria. Aí os professores cariocas receberam a adesão dos tais black blocs - nome pomposo para um bando de almas penadas em estado de recalque medieval contra tudo. Os professores não só acolheram os depredadores desvairados nas suas passeatas, como declararam, por meio de seu sindicato, que aquele apoio era “bem-vindo”.

Deu-se assim o casamento do século: a educação com a falta de educação. Nem a profecia mais soturna, nem a projeção mais niilista, nem as teses do maior espírito de porco conceberiam esse enlace. O saber e a porrada, lado a lado, irmanados sob o idioma da boçalidade.

Mas o grande escândalo não está nessa união miserável. Está na cidade e no país que a cercam. Se o Rio de Janeiro e o Brasil ainda tivessem um mínimo de juízo, o romance entre profissionais do ensino e biscateiros da violência teria revoltado a opinião pública. As instituições, as pessoas, enfim, a sociedade teria esmagado esses sindicalistas travestidos de educadores. O saber é o que salva o homem da barbárie. Um professor que compactua, ou pior, se associa ao vandalismo é a negação viva do saber - é a negação de si mesmo. Não pode entrar numa sala de aula nem para limpar o chão.

E o que diz o Brasil dessa obscenidade? Nada. O movimento grevista continuou tranquilamente - se é que há alguma forma tranquila de estupidez - bloqueando o trânsito a qualquer hora do dia, em qualquer lugar , diante de cidadãos crédulos que acreditam estar pagando pedágio pela “melhoria da educação”. Crédulos, nesse caso, talvez seja um eufemismo para otários.

Claro que uma sociedade saudável logo desconfiaria dos métodos desses professores. E os desautorizaria a lutar por melhores condições de ensino barbarizando as ruas. Os salários dos professores de verdade são uma tragédia brasileira, mas esses comparsas de delinquentes mascarados não merecem um centavo do contribuinte para ensinar nada a ninguém. O problema é que a sociedade está revelando, ainda timidamente, a sua faceta de mulher de malandro. Apanha e gosta.

Na entrega do Prêmio Multishow, o músico Marcelo D2 apareceu no palco com sua banda toda mascarada, com uma coreografia simulando uma arruaça aos gritos de “black bloc!” Não se registrou nenhum mal-estar , reação ou mesmo crítica ao músico que fazia ali, ao vivo, um ato veemente de apoio ao grupo fascistoide que quebra tudo. Está se formando uma opinião pública moderninha que não admite abertamente ser a favor da violência, mas que se encanta e sanciona essa rebeldia da pedrada. A vanguarda, quem diria, foi parar na Faixa de Gaza.

Caetano Veloso também posou com o figurino da máscara negra. Declarou ser a favor da paz, mas disse que a existência dos black blocs “faz parte”. Quando um artista da magnitude de Caetano emite um sinal tão confuso como esse, não restam dúvidas de que os valores andam perigosamente embaralhados. Tem muita gente acreditando que a revolução moderna passa por esse flerte com o obscurantismo. O nome disso é ignorância.

A confusão de valores está espalhada por todo o debate público. Nas ruas, depredação é confundida com civismo; na internet, pirataria é confundida com liberdade. A suposta “democratização da cultura” legitimou o assalto aos direitos autorais de grandes compositores brasileiros, com a praga do acesso gratuito às músicas.

De impostura em impostura, chegou-se à inacreditável polêmica sobre a proibição de biografias não autorizadas - uma resposta obscurantista dos próprios artistas assaltados pela liberdade medieval da internet.

O dilema entre liberdade de expressão e direito à privacidade tornou-se o grande tema do momento. Um dilema absolutamente falso. Ambos são direitos sagrados e podem conviver tranquilamente, ao contrário da paz e da porrada. É aterrador que gênios como Caetano Veloso e Chico Buarque estejam confundindo pesquisa séria e literatura biográfica com voyeurismo, fofoca e curiosidade mórbida. Guarnecer a fronteira entre esses dois campos é muito fácil - numa sociedade que não tenha desistido do bom senso, da justiça e da educação.

Mas numa sociedade que tolera educadores adeptos do quebra-quebra, não haverá mordaça legal que dê jeito. Não existe meio-obscurantismo. Entre os talibãs, por exemplo, a carta magna é o fuzil. E aí tanto faz a maneira de lidar com livros e músicas, porque eles não têm mais a menor importância.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Fernando Gabeira: Biografias inacabadas

Na cadeia se diz: aqui o filho chora e a mãe não ouve. Na política a expressão é outra: a situação está de vaca não reconhecer o bezerro. Ambas denotam uma crise, pela suspensão do amor materno, e revelam um certo desamparo, um mundo de ponta-cabeça.

Às vezes a atmosfera político-cultural do Brasil, neste longo período de dominação do PT, transmite essa sensação, mais evidente nas ruas, onde quase toda manifestação termina em violência, mesmo quando sua bandeira é a defesa dos animais.

Marina Silva lançou a ideia de salvar Dilma Rousseff dos políticos fisiológicos, evitando que deles se torne refém. Não ficou muito claro para mim. Passa a ideia de uma donzela imaculada assediada por experientes chantagistas, como se o governo não fosse também um fator decisivo nesse processo. Onde a proposta de Marina sugere dependência, vejo uma interdependência. Se consideramos o governo refém da fisiologia, é preciso reescrever a história do mensalão, isentando o partido do governo de sua maior responsabilidade.

Também não entendi, no front político-cultural, a defesa da autorização prévia de biografias. Tantas pessoas queridas, entre elas Caetano Veloso – a quem tenho gratidão – embarcam num equívoco por falta de um debate mais amplo.

Para começar, a importância das biografias em nossa formação. Pela trilogia de Isaac Deutscher sobre Trotsky muito se aprendeu sobre a Revolução Russa e os bolcheviques. Sem Rüdiger Safranski não teríamos uma história equilibrada da vida de Martin Heidegger, sem Robert Skidelsky não conheceríamos a vida de lorde Keynes. É um território delicado, pois sem as biografias não conheceríamos a vida de Mao Tsé-tung, nem os pecados dos nossos políticos – que certamente iriam aproveitar-se desses dois artigos inconstitucionais que determinam autorização prévia para publicação de biografias.

Os argumentos também foram defendidos de forma ambivalente. Na maioria das vezes, falava-se em defesa da privacidade. Mas, em outras, surgia a questão do dinheiro, da falsa suposição de que biografias no Brasil rendem fortunas. O artigo de Mário Magalhães contando suas dificuldades para biografar Carlos Marighella é muito mais próximo da realidade, pois revela como ele gastou dinheiro do próprio bolso para completar o seu livro.

Quando surgem de um mesmo núcleo a defesa da privacidade e demandas financeiras, cria-se a falsa impressão de que são intercambiáveis. Quanto custariam, por exemplo, os detalhes da relação com a cunhada numa biografia de Sigmund Freud?

De um ponto de vista existencial, os admiradores dos grandes artistas que participam do movimento ficam preocupados com um debate biográfico. Ainda esperamos deles tantas canções, tantos espetáculos, tantas aventuras políticas, tantos amores… Quem sabe o melhor não virá nos últimos capítulos, nos anos ainda não vividos?

Nas ruas, os black blocs de uma certa forma conseguiram propagar a violência. Isso só é possível por falta de uma certa cartilagem tecida pela política. Tudo vai direto ao osso, termina em incêndio e pancadaria.

Historicamente, essas ondas de violência levam a leis mais rígidas e mais repressão. Quem vem de longe tem o dever de lembrar isso. Mas leis mais rígidas não resolvem sozinhas. O sistema político no Brasil precisa recuperar o mínimo de credibilidade e o sistema repressivo, desenvolver o mínimo de inteligência e capacidade de análise.

No passado os políticos metiam-se no meio dos conflitos com a disposição de atenuá-los. Hoje fogem dos conflito com medo justificado de apanhar da multidão. O Congresso foi incapaz de produzir um debate sobre a violência nas ruas. A sensação é de que as raposas políticas aceitam a explosão de violência porque sabem que ela os ameaça menos que os grandes protestos de massa. Na verdade, ao inibir potenciais manifestações pacíficas os black blocs criam uma camada de proteção útil ao político que se aproveita da confusão para seguir sendo o que é.

O mundo está mesmo virado. Os black blocs consideram-se revolucionários. E no momento em que poderosos instrumentos internacionais devassam a privacidade de bilhões de pessoas, nosso tema central é a biografia de pessoas famosas.

A defesa do aumento do consumo como o único valor político moral nos levou a esse abismo. A gente não quer só comida. Os artistas têm um grande papel na superação dessas ruínas, sobretudo as de Brasília. Grandes momentos nos esperam e Chico Buarque foi bastante simples ao dizer: “Se a lei é esta, perdi”.

A lei é a Constituição. Se não for essa, teremos perdido nós. Não deixarei de lamentar uma contradição tão explícita entre a sentença e um dos seus artigos essenciais: o que prevê a ampla liberdade de expressão.

No momento, o filho chora e a mãe não ouve, a vaca não reconhece o bezerro. É a crise. Suspensa a presença materna, temos de enfrentar uma certa solidão na busca pela saída. O caminho será encontrado via diálogo, mas sem a ilusão de considerar o governo refém da picaretagem. Foi o governo, em sua estreiteza e seu materialismo vulgar, que acabou provocando essa crise: a galinha aterrissou do voo econômico e só cacareja no chão suas previsões otimistas.

Estamo-nos acostumando com as chamas urbanas. Uma pedrada aqui, um coquetel molotov ali, produzimos uma rotina burocrática, sintonizada com o pântano político. Nos fronts político, social e cultural o alarme está soando há algum tempo. Conseguimos sobreviver a uma longa ditadura militar. Será que vamos capitular diante de um governo que distribui cestas básicas e Bolsas Família?

O País foi moralmente arrasado pela experiência petista e de todos os cafajestes que o governo conseguiu alinhar. Predadores oficiais e predadores de rua se encontram nessa encruzilhada em que um profundo silêncio político se abate sobre nós, com exceção de vozes isoladas.


Precisamos reaprender a conversar, reafirmar valores políticos que não se resumem a casa e comida. Precisamos viver a vida, cuidar mais da bio que da grafia. Precisamos sair dessa maré.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Demétrio Magnoli: O Palácio e os ‘movimentos sociais’

“É um absurdo vender isso. A sociedade não participou do debate sobre o tema. Nossa tentativa é sensibilizar o governo para negociar e discutir.” As sentenças, de Francisco José de Oliveira, diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), referiam-se ao leilão de Libra, na faixa do pré-sal. Mas a lógica subjacente a elas, expressa na segunda frase, nada tem de singular. Nas duas últimas décadas, os “movimentos sociais” repetem aborrecidamente a ladainha sobre “a sociedade” excluída do “debate”, enquanto invadem órgãos públicos em nome da “participação”. Vivemos nos tempos do supercorporativismo, um ácido corrosivo derramado sobre o material de nossa democracia.

O Brasil moderno nasceu, pelo fórceps de Getúlio Vargas, sob o signo do corporativismo. A “democracia social” do Estado Novo cerceava os direitos do indivíduos, subordinando-os a direitos coletivos. Na definição do historiador Francisco Martinho, “o cidadão nesse novo modelo de organização do Estado era identificado através de seu trabalho e da posse de direitos sociais e não mais por sua condição de indivíduo e posse de direitos civis ou políticos” (“O corporativismo em português”, Civilização Brasileira, 2007, p. 56). Inspirado no salazarismo português e no fascismo italiano, o corporativismo varguista organizou a sociedade como uma família tripartida: governo, sindicatos patronais e sindicatos de trabalhadores. O supercorporativismo, uma obra do lulopetismo, infla o balão do corporativismo original até limites extremos.

Um traço forte, comum a ambos, é o desprezo pelos direitos civis e políticos, que são direitos individuais associados à ordem da democracia representativa. A principal diferença encontra-se no atributo nuclear da cidadania: o cidadão varguista definia-se pelo trabalho; o cidadão lulopetista define-se pela militância organizada. No Estado Novo, a carteira de trabalho funcionava como atestado de inserção na ordem política nacional. Sob o lulopetismo, o documento relevante é a prova de filiação a um “movimento social”. Na invasão do Ministério das Minas e Energia, junto com a FUP, estavam líderes do Movimento dos Sem Terra (MST) e do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) - que, em tese, não têm interesse no tema da exploração do pré-sal. A sociedade, segundo o supercorporativismo, é a soma das entidades sindicais e dos “movimentos sociais”. É por isso que, sem o consenso dessas corporações da nova ordem, nenhum assunto jamais estará suficientemente “debatido”.

Lula nasceu no berço do sindicalismo. O PT estabeleceu, na origem, íntimas relações com os “movimentos sociais”. Nas democracias, a sociedade civil organiza-se para exercer pressão legítima sobre os poderes de Estado. O lulopetismo, porém, borrou a fronteira entre sociedade civil e Estado assim que chegou ao governo: sua reforma da CLT estendeu a partilha do imposto sindical varguista às centrais sindicais, enquanto os “movimentos sociais” passaram a receber financiamento público direto ou indireto. O cordão umbilical que liga o poder de Estado aos “movimentos sociais” é a Secretaria Geral da Presidência, um ministério estratégico chefiado por Luiz Dulci, no governo Lula, e por Gilberto Carvalho, no governo Dilma Rousseff. Os dois engenheiros do edifício do supercorporativismo pertencem ao círculo de fiéis incondicionais de Lula.

O PT sempre enxergou os “movimentos sociais” como tentáculos partidários. Os líderes mais destacados desses movimentos são militantes petistas. O financiamento público elevou a conexão a um novo patamar: na última década, eles se converteram em satélites do Palácio. Os dirigentes do MST, do MAB e de inúmeros movimentos similares ajustam suas agendas políticas às do Partido e cerram fileiras com o lulopetismo nos embates eleitorais. Durante a odisseia do mensalão, eles desceram às trincheiras enlameadas para proteger José Dirceu et caterva. Contudo, na dialética do supercorporativismo, os “movimentos sociais” também precisam promover mobilizações contra o governo, sob pena de se condenarem à irrelevância.

O corporativismo varguista almejava a harmonia social. No mecanismo de regulação do lulopetismo, a desordem é um componente da ordem. Os “movimentos sociais” palacianos produzem fricções cíclicas, que são reabsorvidas pelo recurso a negociações simbólicas e compensações materiais. A extensão inevitável do “direito à desordem” a movimentos controlados por facções dissidentes (PSOL, PSTU) provoca perturbações suplementares, mas, paradoxalmente, robustece os alicerces lógicos do supercorporativismo. Os invasores do Ministério de Minas e Energia são obrigados a confirmar periodicamente seu estatuto de interlocutores privilegiados do poder por meio de ações de contestação limitada da ordem.

A democracia representativa ancora-se no princípio da soberania popular, que é exercida por meio da delegação de poder, em eleições gerais. O sistema político-partidário brasileiro desmoraliza a representação para assegurar privilégios especiais a uma elite política de natureza patrimonialista. O lulopetismo, um sócio majoritário desse sistema, aproveita-se de seus desvios para erguer o edifício do supercorporativismo como esfera paralela de negociação política. Na dinâmica extraparlamentar do supercorporativismo, o Partido pode ignorar as demandas dos cidadãos comuns, dialogando exclusivamente com a casta mais ou menos amestrada de dirigentes dos “movimentos sociais”. Sabe com quem está falando? Você só é alguém se possuir a carteirinha de um “movimento social” - eis a mensagem veiculada pelo Palácio.

Nas “jornadas de junho”, manifestações multitudinárias falaram em “saúde” e “educação”, reivindicando direitos universais estranhos à lógica do supercorporativismo. Por isso, nervoso e assustado, o Partido as rotulou como uma “reação da direita”. Ah, bom...

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Veja: Desempregada, Rosemary Noronha, a amiga do peito e de outras coisas de Lula, consegue manter um batalhão de 40 advogados para defendê-la na Justiça.

Reportagem de Robson Bonin, com colaboração de Bela Megale, publicada em edição impressa de VEJA

A MILIONÁRIA EQUIPE DE ROSE
Desempregada, a ex-chefe do escritório da Presidência da República tem quase quarenta advogados a sua disposição. Especialistas estimam que os honorários já beirem um milhão de dólares

Ao longo dos quase cinco anos em que comandou o escritório da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha conheceu o céu e o inferno. Ex-secretária do Sindicato dos Bancários de São Paulo, ela nunca foi uma mulher de posses. Mas mudou radicalmente nos últimos tempos.

Com um salário de quase 12.000 reais, comprou dois apartamentos, trocou de carro, criou uma empresa de construção civil e rodou o mundo em incontáveis viagens, até ser apanhada surfando na crista da onda de uma quadrilha que negociava facilidades no governo. Rosemary escapou da prisão por um fio. Talvez estivesse no lugar certo, na hora errada. Talvez o contrário.

Um fato, porém, é indiscutível: ela conhece e tem acesso a quem dá as ordens, conta com amigos influentes que se preocupam com seu destino. Desde que foi flagrada traficando interesses no gabinete presidencial, Rosemary vem sistematicamente conseguindo driblar os processos a que responde. Para isso, a ex-secretária dispõe do apoio de três grandes bancas de advocacia do país. Escritórios que têm em sua carteira de clientes banqueiros, corporações, figurões da República, milionários dispostos a desembolsar o que for preciso para assegurar a melhor defesa que o dinheiro pode comprar. Rosemary, apesar do perfil diferenciado, faz parte desse privilegiado rol de cidadãos.

Desde que a polícia fez uma busca em seu escritório e colheu provas contundentes de que a ex-secretária levava uma vida de majestade, ela cercou-se de um batalhão de quase quarenta advogados para defendê-la. São profissionais que, de tão requisitados, calculam seus honorários em dólares americanos, mas que, nesse caso, não informam quanto estão cobrando pela causa, muito menos quem está pagando a conta.

Acostumado a cuidar dos interesses de empresários como o bilionário Eike Batista, o criminalista Celso Vilardi defende Rosemary na esfera penal. Já no processo disciplinar em andamento na Controladoria-Geral da União (CGU), atuam dois pesos-pesados do direito público, que têm entre seus clientes banqueiros e megacompanhias como a Vale.

Que os pecados de Rosemary encarnam o que há de pior nas ratoeiras da máquina pública, sobram evidências a comprovar. Ela já foi indiciada por formação de quadrilha, tráfico de influência, corrupção passiva, e também acabou processada pelo próprio governo, após uma sindicância da Casa Civil rastrear indícios de enriquecimento ilícito nas suas traficâncias. Mas, graças a sua estrelada banca de defensores, nada disso, por enquanto, resultou em aborrecimentos.

Juristas de renome nacional ouvidos por VEJA explicam que os honorários advocatícios costumam ser calculados a partir de uma conjunção de fatores. O poder econômico, a complexidade da causa, a influência do cliente e a repercussão de uma condenação, com implicações a terceiros, por exemplo, são alguns determinantes do preço final. “Se o cliente não é rico e a condenação se esgota nele, pedimos um preço. Mas, se o caso envolve algum endinheirado ou respinga em gente poderosa, a coisa muda de figura e a conta vai lá para cima”, explica um requisitado advogado que atua em Brasília, que conhece detalhes do caso da ex-secretária.

Seguindo essa lógica de precificação, portanto, o caso Rosemary reúne todos os ingredientes capazes de lançar às alturas a fatura de honorários. Nas estimativas mais conservadoras de especialistas, uma estrutura semelhante não assinaria uma única petição por menos de 1 milhão de dólares. Se for algo que se aproxime disso, a única certeza é que não é Rosemary que paga seus advogados.

Em depoimento à Polícia Federal no ano passado, a ex-secretária deixou clara sua condição financeira. Declarou possuir um carro usado e dois apartamentos comprados por um total de 370.000 reais. Também disse que tinha como fonte de renda apenas o salário de 12.000 reais da Presidência da República. Perguntada sobre como a família sobreviveria, caso fosse condenada, foi realista: “Não sabe”.

Depois disso, Rosemary foi demitida e sua única fonte de renda, cortada. Há outras duas hipóteses que podem explicar como a ex-chefe do escritório da Presidência da República consegue manter a banca de advogados.

Bem relacionada, seria sensato imaginar que os honorários são pagos por algum amigo gentil e endinheirado. Pode-se ainda supor que os advogados tenham cobrado um preço simbólico em nome da amizade que têm com figuras importantes próximas a ela. Um dos amigos ainda presentes na vida da ex-secretária é o próprio ex-presidente Lula, a quem ela costumava chamar apenas de “Luiz Inácio” e “chefe”.

Até hoje, para as conversas que são realmente importantes, Rose, como é chamada pelos colegas mais íntimos, mantém canal direto e seguro com o ex-presidente. Já para necessidades mundanas do dia a dia, ela costuma sacar o celular e telefonar para o “P.O.”, como prefere se referir a Paulo Okamotto, braço-direito e faz-tudo de Lula no instituto que leva seu nome.

P.O. tem ajudado a resolver as emergências financeiras e a conter crises. Crises graves, como uma vez em que a ex-secretária reclamou da falta de apoio e ameaçou contar detalhes de tudo o que viu e ouviu em mais de uma década nos bastidores do Planalto. Talvez esteja aí a explicação para o voluntarismo da banca disponibilizada para defender Rosemary Noronha.

A estratégia jurídica é responsabilidade do advogado Luiz Bueno de Aguiar, amigo e defensor de petistas importantes. Foi ele quem selecionou os advogados e é ele quem mantém a cúpula petista informada de tudo o que se passa no caso. Rose, além de militante do PT, é amiga íntima do ex-ministro José Dirceu, com quem costumava se encontrar com frequência antes do escândalo.

Bueno entrou na defesa de Rose já no dia em que os agentes da Polícia Federal bateram na porta dela. Nada acontece sem a aprovação dele, que, quase sempre, reflete o desejo das “instâncias superiores” do partido. Para se ter uma ideia do grau de influência, no começo do ano Rose ameaçou surtar ante a falta de autonomia na defesa. Sentindo-se traída pelos companheiros de PT e temendo ser condenada na sindicância da CGU, ela quis implodir a estratégia determinada por Bueno.

Como prova de que não blefava, arrolou para testemunhar no processo o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, e a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, ex-braço-direito de Dilma Rousseff. A reação de Rose foi resultado da desconfiança que nutria em relação ao engajamento partidário dos seus advogados.

Segundo confidenciou a pessoas próximas, ela temia estar sendo usada para livrar a imagem do governo de constrangimentos do escândalo de corrupção. Rose contou a amigos que, em dado momento, os advogados tentaram orientá-la a simular um estado de insanidade mental. A ideia era que ela assumisse a culpa pelos crimes. Ao alegar problemas de saúde, poderia ser considerada incapaz de responder pelos seus atos e, portanto, seria considerada inimputável.

A ex-secretária, porém, foi advertida por pessoas próximas sobre uma possibilidade a ser considerada: como em todo caso de insanidade, ela cairia em total descrédito. Ato contínuo, como todo desequilibrado, ninguém acharia estranho se Rose cometesse suicídio, disselhe um amigo. Foi quando ela decidiu ameaçar revelar tudo o que sabia. A partir daí, houve a mobilização dos três grandes escritórios, e quase quarenta advogados receberam procuração para defendê-la.

Procurado, Luiz Bueno admite ter indicado os escritórios, diz que ainda hoje opina na defesa, mas o faz na condição de “amigo”: “Não tenho nenhuma influência no trabalho deles. Eles me consultam. Nunca recebi um tostão para defender a Rose”. Bueno, ao que parece, é o único voluntário no caso.

O advogado Sérgio Renault, dono de uma carteira de clientes ue inclui o mensaleiro Delúbio Soares e a ex-ministra Erenice Guerra, informou que foi a própria Rose que o contratou, mas, “em virtude de sigilo profissional”, não comentaria honorários nem os termos da contratação. Celso Vilardi confirma que assumiu o caso por indicação de Luiz Bueno, “a quem conhece há mais de vinte anos”, e que todos os custos de  honorários são pagos por Rose: “Ela arca com os honorários. Os comprovantes dos pagamentos efetuados foram devidamente registrados e declarados na forma da lei”.

Já Fábio Medina se recusou a dar qualquer informação. “Nossa relação com Rosemary Noronha e com a empresa New Talent, que atualmente representamos, é acobertada por sigilo advogado-cliente. Entendemos indevida qualquer tentativa de ingerência nessa seara”, informou o escritório em nota. Os advogados de Rose também têm procuração para atuar na defesa do atual e do ex-marido dela, além de sua filha - trabalho extra que, em situações normais, elevaria ainda mais o valor da fatura.


Rosemary Noronha, porém, não parece mais preocupada. Nas últimas semanas, ela vem se dedicando a redecorar o próprio apartamento em São Paulo - investimento, segundo pessoas próximas, de parcos 20.000 reais.

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Percival Puggina: O Fenômeno Dilma

Uma pulga passeava, irrequieta, atrás da minha orelha. Dilma Rousseff ponteia as pesquisas. Mantido o panorama atual, vencerá sem dificuldade a eleição do ano que vem. Datafolha credita-lhe, nos vários cenários, o apoio bastante firme de 40% do eleitorado. A tal pulga ia para lá e para cá, desassossegada: como pode?

Foi um feito de Lula, a primeira eleição da presidente. Guerrilheira que um dia sonhara tomar o poder pelas armas, Dilma haveria de receber esse poder - quem diria? - como um regalo de amigo. Coisa tipo - "Lembrei-me de você!". Em 2010, Lula tomou-a pela mão e saiu a apresentá-la aos brasileiros. "Muito prazer, Dilma Rousseff", dizia ela. "Mas pode chamá-la de mãe do PAC", completava ele, pimpão. Assim, de mão em mão, de grão em grão, as urnas foram enchendo o papo e Dilma subiu a rampa catapultada pelo voto de 55,7 milhões de brasileiros. Agora, quando seu governo sacoleja no trecho final, deve estar mandando lavar, passar e engomar a faixa presidencial para nova entronização.

Contar com quarenta por cento dos 140 milhões de eleitores brasileiros significa que Dilma inicia a nova campanha com um estoque equivalente aos votos que obteve no segundo turno de 2010. Pois bem, o que eu me proponho trazer à apreciação dos leitores é a explicação para esse fenômeno. Fácil, como se verá. O SUS, sabe-se bem, caminha para a perfeição. Todos são atendidos a tempo e hora, em condições adequadas. Não há bom médico, no mundo, que não queira trabalhar aqui. A longa espera nas emergências tem se revelado um excelente meio de integração social e formação de novas camaradagens. Os finais de turno não deveriam ser brindados com champanha? A marcação de consultas especializadas e cirurgias segue cronograma rigoroso. Pontual e mortal. Doravante, insatisfeitos, procurem Raúl Castro! Aposentados do INSS providenciam passaportes e trotam mundo afora, efetivando aquele direito que Lula oposicionista apontava como coisa normal à velhice dos povos civilizados. A Educação, seja na base, cumprindo papel de promoção social e cultural, seja no topo, alinhando o Brasil com a elite tecnológica do planeta, opera prodígios na transformação da nossa realidade. A Economia? É lunática: contabilidade nova, inflação crescente, PIB minguante, carga tributária cheia... E a segurança pública enfim promove, como nunca antes neste país, digamos assim, o encontro dos criminosos com as grades e do povo com a paz social. Corrupção? Tudo intriga, maledicência, coisa de quem não tem o que falar.

Repare como Dilma esbanja carisma. Não é uma sedutora? Que discursos! Palavra fácil, empolgante! Ao final de cada locução, os auditórios se erguem e aplaudem-na em pé, seja em Itapira, seja na ONU. Durante estes anos como "presidenta", não confirmou ela, plenamente, o que Lula assegurava a seu respeito? Observem como o governo foi bem gerenciado. Vejam o rigor com que se cumprem os prazos e se enxugam os gastos. O Brasil tem programa e cronograma, estratégias, previsões e provisões. Você duvida? Não prometera a presidente, aqui na terrinha, em 2010, que sua Porto Alegre teria, enfim, linha de metrô e nova ponte no Guaíba? Pois para desgosto dos incrédulos, as obras estão aí, novamente prometidíssimas! Basta que o Estado e o município, nos anos por vir, "casem" os bilhões que faltam. Um sucesso, o governo Dilma. Agora, se os motivos não se acham bem visíveis acima, então só resta procurá-los dentro das bolsas.

Denis Lerrer Rosenfield: O marinês

O marinês é uma nova língua política que se caracteriza por abstrações e fórmulas vagas com o intuito de capturar o apoio dos incautos. Suas expressões aparentemente nada significam, porém procuram suscitar a simpatia de pessoas que aderem ao politicamente correto. Mas só aparentemente nada significam, pois carregam toda uma bagagem teórica que, se aplicada, faria do Brasil um país não de sonháticos, mas de pesadeláticos.

Marina Silva ganhou imenso protagonismo nas últimas semanas ao ingressar no PSB do governador Eduardo Campos, fazendo um movimento político inusitado. Ao, aparentemente, aderir ao candidato socialista acabou roubando para ela a cena política, como se fosse, de fato, a protagonista. De segunda posição, a de vice, age como se encarnasse a primeira, de candidata a presidente.

No afã de ganhar espaço midiático, não cessa de dar entrevistas e declarações: num único dia conseguiu o prodígio de ser entrevistada pelos maiores jornais do País, Estadão, O Globo e Folha de S.Paulo, que fizeram manchetes dessas declarações. Nada disse, porém não parava de falar. Vejamos algumas dessas expressões, sob a forma de um dicionário explicativo.

Coligação ou aliança programática - eis uma fórmula das mais utilizadas. Numa primeira abordagem, significaria uma aliança de novo tipo, baseada em programas, e não mais em acordos meramente pragmáticos. Seu objetivo é mostrar que as ideias são prioritárias, não os meros interesses partidários.

Acontece que um escrutínio mais atento dessas ideias mostra uma concepção extremamente conservadora da relação homem-natureza, devendo ele abandonar a “civilização” do “lucro” e do “consumo” e voltar à floresta. É como se o homem atual fosse uma espécie de excrescência natural. A natureza é endeusada sob a forma de um neopanteísmo, como se mexer numa árvore constituísse uma agressão a algo sagrado.

Se há desmatamento é porque os seres humanos precisam alimentar-se, e não por simples ímpeto destrutivo. O Brasil, lembremos, é o país mais conservacionista do planeta: preservou 61% de sua cobertura natural nativa, além de mais de 80% da Amazônia. A oposição de Marina à agricultura e à pecuária, se viesse a ser governo, se traduziria por um imenso prejuízo para o País, hoje celeiro do mundo. A candidata, quando ministra do Meio Ambiente, mostrou-se claramente avessa ao progresso, procurando, por exemplo, de todas as formas tornar inviável não só a comercialização dos transgênicos, mas a própria pesquisa. Ou seja, ela se colocou contra o conhecimento científico. O “novo” significa aqui opor-se ao progresso da ciência e ao desenvolvimento econômico. O alegado “princípio da precaução” era nada mais do que o “princípio da obstrução”.

Digna de nota também é sua concepção dos indígenas, como se seus direitos se sobrepusessem a quaisquer outros. Ela tem uma aversão intrínseca ao direito de propriedade, não se importando nem com os agricultores familiares e os pequenos produtores. Justifica pura e simplesmente sua expropriação, devendo eles ser abandonados. Ademais, seguindo suas ideias, os indígenas deveriam ser consultados - na verdade, decidiriam - sobre quaisquer projetos em áreas próximas às deles ou sobre as quais tenham pretensões de direito.

Convém lembrar que o País tem, segundo o IBGE, uma população indígena, em zona rural, em torno de 530 mil pessoas (um bairro de São Paulo), à qual se acrescentam outras 300 mil em zona urbana. Já ocupam 12,5% do território nacional. Ora, se todas as pretensões de ONGs indigenistas fossem contempladas, com o apoio militante da Funai, chegar-se-ia facilmente a 25% do território. Nem haveria índios para ocupar toda essa vasta extensão de terra.

Acrescentem-se regras cada vez mais restritivas em relação ao meio ambiente - algumas das quais, até o novo Código Florestal, que ela procura reverter, tinham o efeito totalitário da retroatividade - e outras aplicações em curso de quilombolas e populações ribeirinhas, os “povos da floresta”, no marinês, para que tenhamos as seguintes consequências: 1) O País não poderia mais construir hidrelétricas na Amazônia, impedindo a utilização nacional dos recursos hídricos. A oposição à hidrelétrica de Belo Monte é um exemplo disso. 2) Ficaria cada vez mais difícil a extração de minérios, impossibilitando a exploração de jazidas, o que produziria um enorme retrocesso econômico e social. 3) A construção de portos e rodovias se tornaria inviável em boa parte do território nacional, quando se tem imensas carências nessas áreas. 4) A construção civil seria outra de suas vítimas. 5) A agricultura e a pecuária e de modo geral o agronegócio, os motores do desenvolvimento econômico, seriam os novos bodes expiatórios.

Democratizar a democracia - eis outra expressão muito bonita que encobre sua função essencial. Trata-se, na verdade, de instituir formas de consulta que confeririam poder decisório aos ditos movimentos sociais, que compartilham as “ideias” marinistas. Assim, para qualquer projeto seria necessário fazer consultas às seguintes entidades (a lista não é exaustiva): Comissão Indigenista Missionária e Comissão Pastoral da Terra, órgãos esquerdizantes da Igreja Católica, que seguem a orientação da Teologia da Libertação, avessa ao lucro, à economia de mercado e ao estado de direito; MST e afins, como a Via Campesina e outros, que seguem a mesma orientação esquerdizante, propugnando a implementação no Brasil dos modelos chavista e cubano; ONGs nacionais e internacionais (algumas delas financiadas por Estados e empresas estrangeiros), como o Greenpeace e o Instituto Socioambiental, que passariam a decidir igualmente sobre os diferentes setores listados da economia nacional.


Palavras muitas vezes encobrem significados inusitados, sobretudo dos que se dizem puros, não contaminados pela política.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Reinaldo Azevedo comenta a infeliz decisão de Fux em favor de grevistas

FEBEAJU – Surto populista chega ao STF. Liminar de Fux em favor de grevistas é uma aberração; país afora, espalha-se a máxima: invada que a Justiça garante

Um surto populista, como nunca antes na história destepaiz, toma o Poder Judiciário, embalado pelo chamado clamor das ruas. Se não existem mais leis e direitos assegurados, então tudo é permitido, e que o diabo se encarregue de nós, que Deus tem mais o que fazer. Se o mérito das decisões é absurda, a sua justificativa chega a ser estupefaciente. A última contribuição ao Febeaju (Festival de Besteiras que Assola o Judiciário) - com a licença de Stanislaw Ponte Preta - foi dada pelo ministro Luiz Fux, do STF,  nesta terça. Ele concedeu uma liminar suspendendo a decisão do Tribunal de Justiça do Rio, que havia autorizado o corte dos dias parados dos professores em greve na rede estadual. Marcou uma audiência de conciliação em seu gabinete no dia 22. O ministro escreveu uma pequena pérola da agressão ao bom senso e aos valores fundamentais de uma sociedade livre. Leiam:

“Quando examinada sob o quadro fático subjacente, a decisão reclamada, autorizativa do governo fluminense a cortar o ponto e efetuar os descontos dos profissionais da educação estadual, desestimula e desencoraja, ainda que de forma oblíqua, a livre manifestação do direito de greve pelos servidores, verdadeiro garantia fundamental. Com efeito, não foi outro o objetivo do aresto reclamado que não o de inviabilizar o exercício dessa liberdade básica do cidadão, compelindo os integrantes do movimento a voltarem às suas tarefas diuturnas”

Como, excelência? Vamos ver por onde começo a desarmar a coleção de bobagens. Em primeiro lugar, não cabe ao Estado nem encorajar nem desencorajar “a livre manifestação do direito de greve”, seja lá o que isso queria dizer, redigido como está. A função do Estado, como ente, não é fazer nem uma coisa nem outra, mas, no que concerne à educação, garantir uma escola de qualidade aos estudantes, o que só se realiza com o professor em sala de aula. Ainda assim, o profissional tem o direito de entrar em greve, desde que arque com as consequências do seu ato.

No caso, são consequências de caráter administrativo. Os professores, que se saiba, reivindicam ganhar mais pelo trabalho que fazem. Exigir o pagamento pelo trabalho que não fazem não é nem luta política nem luta sindical. Trata-se apenas de enxergar o Estado como um mero cartório de despachos de seus interesses - no caso, da categoria. “Greve não são férias”, já repetia um sindicalista de renome chamado Luiz Inácio Lula da Silva.

Há mais, muito mais. Apenas uma minoria dos professores da rede estadual está em greve. A maioria exerceu o seu direito de não aderir ao movimento. O que o ministro Luiz Fux está fazendo é garantir de maneira cartorial o sucesso da paralisação. A ser assim, greves não precisam mais contar com a adesão da categoria, e parar ou não parar passam a significar a mesma coisa. Pergunto: e os milhares que não aderiram ao movimento? Devem, então, por uma questão e coerência, cruzar também os braços, já que a diferença entre trabalhar e não trabalhar passa a ser nenhuma? O corte dos dias parados não é uma decisão política, mas administrativa. Trata-se de um absoluto despropósito, muito típico de quem está procurando afinar a Justiça não com o que os fundamentos da lei e do estado de direito, mas com o alarido das ruas.

No mundo de Fux, então, greves poderão, doravante, ser decretadas ao sabor da vontade das lideranças de extrema esquerda que dominam os sindicatos de funcionalismo sem nem mesmo precisar consultar a categoria. O “grevista” pode ficar em casa, de papo para o ar, à espera do contracheque.

A violência de volta às ruas
Nesta terça, as ruas do Rio e de São Paulo foram, mais uma vez, palco da violência de bandidos mascarados. Há dias, a Polícia de São Paulo prendeu um casal de namorados e os enquadrou numa porção de crimes, apelando inclusive à Lei de Segurança Nacional, que continua em vigor. Afirmar que se trata de um despropósito porque uma lei da ditadura está abaixo de qualquer consideração: é delinquência intelectual e política. A ser assim, deixemos, então, de cumprir todas as leis aprovadas no Brasil em períodos ditatoriais - quase todo o Código Penal, por exemplo, que é do Estado Novo.

A polícia prendeu o tal casal - Humberto Caporalli, de 24 anos, e a namorada dele, a estudante Luana Bernardo Lopes, de 19 -, e a Justiça mandou soltar, apesar do conjunto de evidências que há contra os dois. A decisão foi do juiz Marcos Vieira de Morais, do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo). Ainda que ele tenha achado, sei lá, incorreto ou excessivo o enquadramento na Lei de Segurança Nacional, o casal também foi acusado de dano qualificado, incitação ao crime, formação de quadrilha ou bando e posse ou porte ilegal de armas de uso restrito. Nada disso convenceu o doutor. Os dois estão nas ruas. Esse foi apena o caso mais notório. A Justiça não quer saber de manter presos os mascarados. Estão sendo soltos às pencas.

USP
Os comandados do PSOL, do PSTU e de outras minorias extremistas invadiram a Reitoria da USP com marreta e pé de cabra. Foram eles, note-se, que lideraram os protestos desta terça em São Paulo, que degeneraram, como sempre, em violência e depredação. O comando da universidade fez o óbvio: entrou com um pedido de reintegração de posse. Foi negado duas vezes. O juiz Adriano Marcos Laroca, da 12ª Vara da Fazenda Pública, afirmou:

“A ocupação de bem público (no caso de uso especial, poderia ser de uso comum, por exemplo, uma praça ou rua), como forma de luta democrática, para deixar de ter legitimidade, precisa causar mais ônus do que benefícios à universidade e, em última instancia, à sociedade. Outrossim, frise-se que nenhuma luta social que não cause qualquer transtorno, alteração da normalidade, não tem força de pressão e, portanto, sequer poderia se caracterizar como tal.”

Concedamos que toda luta causa algum transtorno… Ocupar o coração de uma instituição da base da violência, da porrada, impedindo o seu funcionamento passa a ser um ato legítimo por isso? O juiz Laroca não quis nem saber. E ainda deu um pito na Reitoria. Escarnecendo do bom senso, a Justiça de São Paulo deu nesta terça um prazo de, ATENÇÃO!, 60 dias para que os invasores deixem o prédio.

Câmara dos Vereadores do Rio
Fux não quer desconto dos dias parados dos grevistas da rede estadual do Rio, e a juíza Roseli Nalin, do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio. concedeu liminar suspendendo a sessão da Câmara dos Vereadores que aprovou o plano de cargos e salários dos docentes da rede municipal. Ela atendeu ao pedido de 9 vereadores, que alegaram que os professores foram proibidos de acompanhar a sessão, o que se caracterizaria como um cerceamento do debate e do direito da minoria… É um escracho. Os sindicalistas só não puderam acompanhar a sessão porque, na verdade, queriam impedir que ela acontecesse. De resto, o Poder Legislativo é exercido por representantes ELEITOS pelo povo. As corporações de ofício não precisam ocupar as galerias para que um vereador, um deputado estadual ou um parlamentar federal tenham legitimidade.

Vejam que fabuloso! A juíza Roseli decidiu suspender uma sessão da Câmara porque, sei lá como dizer, “o povo” não estava presente. Em agosto, uma colega sua, Margaret de Olivaes Valle dos Santos, da 6ª Vara de Fazenda Pública do TJ, negou uma liminar de reintegração de posse do prédio, que fora ocupado por membros do PSOL, que exigiam que um vereador seu fosse relator da CPI dos Transportes.

E se esse mesmo adorável “povo” decidir invadir os tribunais da Justiça brasileira, partindo do pressuposto de que, afinal, também os juízes agem por delegação. A Justiça, tanto quanto o Legislativo e o Executivo, é só uma representação do povo. Os magistrados estão lá porque não é possível a cada cidadão fazer Justiça por conta própria e com as próprias mãos. Juízes, na história da humanidade, precedem os políticos na tarefa da representação. Ora, assim como as pessoas demonstram um certo enfaro com os membros do Legislativo, podem descobrir que boa parte da impunidade é mesmo fabricada, infelizmente, nos tribunais. Também no caso de ocupação de palácios da Justiça, negar-se-iam


terça-feira, 15 de outubro de 2013

José Casado: Segredos bilionários

Os brasileiros estão obrigados a esperar mais 14 anos, ou seja, até 2027 para ter o direito de saber como seu dinheiro foi usado em negócios bilionários e sigilosos com Angola e Cuba.

Pelas estimativas mais conservadoras, o Brasil já deu US$ 6 bilhões em créditos públicos aos governos de Luanda e Havana. Deveriam ser operações comerciais normais, como as realizadas com outros 90 países da África e da América Latina por um agente do Tesouro, o BNDES, que é o principal financiador das exportações brasileiras. No entanto, esses contratos acabaram virando segredo de Estado.

Todos os documentos sobre essas transações (atas, protocolos, pareceres, notas técnicas, memorandos e correspondências) permanecem classificados como “secretos” há 15 meses, por decisão do ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, virtual candidato do PT ao governo de Minas Gerais.

É insólito, inédito desde o regime militar, e por isso proliferam dúvidas tanto em instituições empresariais quanto no Congresso — a quem a Constituição atribui o poder de fiscalizar os atos do governo em operações financeiras, e manda “sustar” resoluções que “exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”.

Questionado em recente audiência no Senado, o presidente do banco, Luciano Coutinho, esboçou uma defesa hierárquica: “O BNDES não trata essas operações (de exportação) sigilosamente, salvo em casos como esses dois. Por que? Por observância à legislação do país de destino do financiamento.” O senador Álvaro Dias (PSDB-PR) interveio: “Então, deve o Brasil emprestar dinheiro nessas condições, atendendo às legislações dos países que tomam emprestado, à margem de nossa legislação de transparência absoluta na atividade pública?” O silêncio ecoou no plenário.

Dos US$ 6 bilhões em créditos classificados como “secretos”, supõe-se que a maior fatia (US$ 5 bilhões) esteja destinada ao financiamento de vendas de bens e serviços para Angola, onde três dezenas de empresas brasileiras mantêm operações. Isso deixaria o governo angolano na posição de maior beneficiário do fundo para exportações do BNDES. O restante (US$ 1 bilhão) iria para Cuba, dividido entre exportações (US$ 600 milhões) e ajuda alimentar emergencial (US$ 400 milhões).

O governo Dilma Rousseff avança entre segredos e embaraços nas relações com tiranos como José Eduardo Santos (Angola), os irmãos Castro (Cuba), Robert Mugabe (Zimbabwe), Teodoro Obiang (Guiné Equatorial), Denis Sassou Nguesso (Congo-Brazzaville), Ali Bongo Odimba (Gabão) e Omar al Bashir (Sudão) — este, condenado por genocídio e com prisão pedida à Interpol pelo Tribunal Penal Internacional.

A diferença entre assuntos secretos e embaraçosos, ensinou Winston Churchill, é que uns são perigosos para o país e outros significam desconforto para o governo. Principalmente, durante as temporadas eleitorais.


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Millôr Fernandes: Sarney e o Brejal dos Guajas

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte I

(Uma tentativa de entender o livro, o autor, e o país em que nasceu um e foi publicado o outro)

Leitor, mais uma vez fui enganado. E enganado em literatura, por gente da melhor qualidade pra julgar literatura, como João Gaspar Simões, Jorge Amado, Carlos Castello Branco, Josué Montello, Luci Teixeira, Antônio Alçada Baptista, Lago Burnett. E last but not least, pelo mais preparado de todos pra tarefa específica (estudou em Heidelberg), o crítico literário Leo Gilson que, em 66, me levou para a honrosa propaganda da Olivetti, de onde fomos afastados, Deus do céu!, por suspeitos de comunismo.

Fui enganado por todos esses luminares do pensamento. Da literatura de Sir Ney me afirmaram, em escritos de fé: “Uma nova vertente na literatura Norte-Nordeste”- Carlos Castelo Branco. “Grande escritor”- Josué Montello. “O processo ficcional de repente se faz em correlações onde pequenos binários de ação se sintonizam por força da mesma tenção significadora” Luci Teixeira. “Lamentar o prejuízo que a literatura de expressão portuguesa tem vindo a sofrer pelo fato de José Sarney se lhe não dedicar o tempo inteiro”- Alçada Baptista. “José Sarney é um escritor político no amplo sentido em que atinge a abrangência aristotélica”- Lago Burnett. “O regionalismo que ele renova com a sua paisagem humana, sua poesia, sua afinidade com a ingenuidade, a pureza e a graça maliciosa do povo maranhense, mosaico do povo brasileiro”- Leo Gilson Ribeiro.

Todos me enganando. Só fui desconfiar, apavorado com o complô, na primeira vez em que ouvi Sir Ney usar o apelativo rastaquera, “Brasileiras e brasileiros”, fazendo média contraproducente (por ridícula) com o feminismo. E percebi, também, que ele era incapaz de construir uma frase, quanto mais um período, e nem falar de um discurso lógico. Por isso fui reler o Brejal dos Guajas com mais atenção. Fiquei estarrecido. Não se pode confiar o destino de um povo, sobretudo neste momento especialmente difícil, a um homem que escreve isso. Não tendo no cérebro os dois bits mínimos para orientá-lo na concordância entre sujeito e verbo, entre frase e frase, entre idéia e idéia, como exigir dele um programa de governo coerente pelo menos por 24 horas?

Não escrevi imediatamente sobre o livro por uma questão de... piedade. Mas agora, depois da jogada de gigantesca corrupção em que, como medíocre ditador, troca esperança de 140 milhões de brasileiras e brasileiros por mais um ano de sua gloríola regada a jerimum, começo uma pequena análise dessa ópera de 50 páginas. Esclareço logo que não se trata de um caso de má, ou até mesmo péssima, literatura, de uma opinião malévola ou discutível. Em qualquer país civilizado Brejal dos Guajas seria motivos para impeachment.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte II

As opiniões divergem. Alguns brilhantes e cultos intelectuais, como os já citados aqui, afirmam, audaciosamente, que Brejal dos Guajas é um livro. Eu garanto que não. É uma anedotinha “socialzinha” tolinha (já contada mais de um milhão de vezes) da briguinha de dois coroneizinhos de uma cidadezinha perdidinha no interiorzinho do Maranhão. O autor deve ter lido umas 20 páginas de Jorge Amado (Marli, que socialismo!) e umas cinco de Guimarães Rosa (Zezinho,que linguagem! E que difícil, Murilo!) e isso, claro, lhe causou uma indigestão na cabeça. Reacionário desde sempre, deve ter achado fascinante e lucrativo ser um escritor do povo. Sem jamais ter entendido a realidade em volta, naturalmente fundiu diante do realismo mágico. Incapaz de juntar sujeito e predicado em português escolar, se perdeu na aventura da linguagem que é Guimarães Rosa - e até hoje não encontrou a volta.

A istória do Brejal não se sustenta no todo ou em partes. No todo, porque tem um “enredo” sem a mais mínima consistência, a tentativa poética é lamentável, a de filosofia ridícula. Em partes porque, no livro, praticamente, não tem uma frase que não seja errada em si mesma ou incoerente em relação a outras mais adiante ou mais pra trás. E, perto da estrutura dos personagens do Brejal, os personagens da Praça da Alegria, da televisão, são obras-primas de criação psicológica, heróis do Guerra e Paz.
Brejal dos Guajas só pode ser considerado um livro porque, na definição da Unesco, livro “é uma publicação impressa não periódica com um mínimo de 49 páginas”. O Brejal tem 50. Materialmente, Sir Ney salvou-se por uma página. Contam os íntimos que o “escritor” , depois de vinte anos de esforço, bateu o ponto final na página 50 e gritou, aliviado, pra dona Kyola: “Maiê, acabei!”

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte III

Descoordenado motor (incapaz de se agachar e tirar a etiqueta de um sapato), Sir Ney é mais descoordenado como pensador. Brejal é o livro de um autista.

Há solecismos em penca, as idéias nunca se completam e sempre se contradizem. A cidade, que não tem escola, tem professora e alunos, não tendo telégrafo transmite telegramas, não possuindo edifícios públicos tem prefeitura, câmara de vereadores, juizados de casamento, dois cartórios, ostenta uma força policial de pelo menos 12 homens (relativamente, o Rio teria que ter uma força policial de quase meio milhão de policiais), é dominada por dois primos por pais diferentes (!!!!), “ricos e poderosos”, e, tendo só duas ruas (quase uma impossibilidade urbanística; eu sei como desenhar uma cidade de duas ruas, Ele não sabe), tem duas orquestras (ele quer dizer bandas), e comporta ainda mercado, lojas, igrejas matriz, etc. O verdadeiro milagre brasileiro! Tem mais, essas duas espantosas ruas de 120 casas (com o que Sir Ney quer significar um vilarejo perdido do mundo ), por meus cálculos matemáticos irrefutáveis, abrigam uma população de 15. 272 pessoas, o que faz do Brejal, em 1945, época da istória, talvez a maior cidade maranhense, depois de São Luís.

Ou isso é o mais maravilhoso realismo mágico de que eu jamais tive notícia, obra esfuziante de um gênio que só vai ser compreendido daqui a séculos, ou estamos diante da mais espantosa incapacidade de expressão da literatura universal.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte IV

Fascinado, continuarei a demostrar que Brejal dos Guajas é obra sem similar na literatura de todos os tempos. Só um gênio conseguiria fazer um livro errado da primeira à última frase. Espero que meus modestos comentários alertem os amigos do vosso Presidente, como o governador José Aparecido de Oliveira, pra que lutem a fim de que a Unesco transforme esse livro num patrimônio da humanidade. Depois dos artigos de caráter geral, começo hoje a analisar frase por frase dessa catedral do avesso do pensamento humano. Tendo o livro cinqüentas (para usar a concordância do autor ) páginas de 36 linhas, estaremos juntos aqui durante cinco anos (epa! ). Sei que vão me considerar mais um puxa-saco, mas isso não me impedirá de divulgar tão gigantesca efeméride (literatura é efeméride?). Comecemos pelo título, Brejal dos Guajas. É espantoso que, maranhense, o homem não saiba a acentuação tônica (é tônica, pois não? ) desse gentílico. Não é Guajas. É oxítono, Guajás.

Na página 22, o autor se aprofunda, explicando o Brejal: “Chamado dos Guajás, porque ficava próximo à aldeia dos Guajajaras, hoje longes (sic), perdidos, mortos e domados”. O cós não tem nada a ver com as calças: Guajás e Guajajaras (*) são duas tribos diferentes (ambas do Maranhão), a primeira ainda nômade, com alguns elementos com os quais não se conseguiu contato, e a segunda normalmente sedentária. As duas tribos até que, até hoje, se estranham. A frase de Sarney equivale a: “Chamados de brasileiros porque ficavam próximo à aldeia dos argentinos”. Sem falar que os Guajajaras não estão “longes (sic), perdidos, mortos e domados”. Reduzidos a uns 800 na década de 40, são hoje aproximadamente 6 mil. Uma grande tribo. E não vão votar no Sir Ney, porque não gostam de ser chamado de Guajás, e nem mesmo de Guajajaras, mas de Tenetearas. Guajas não sabem o que é. Nem querem saber.

(*) Em matéria de guajas, guajás, guajajaras e tenetearas, meus agradecimentos ao antropólogo Carlos Alberto Ricardo - Beto)

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte V

Comento hoje a 1ª. linha do livro : “O caminho do Brejal era longe”.

Como o caminho do Brejal era longe? O autor esta querendo mostrar o isolamento da cidade, um mundo perdido, pobre, abandonado, com apenas duas ruas ( mais tarde provarei que era a maior cidade do maranhão, depois da capital ); portanto, Brejal seria “longe de todos os caminhos”. Quando o autor diz que “O caminho do Brejal era longe”, como garante que é o caminho do Brejal? Sendo longe do Brejal, o caminho, em última análise, não é do Brejal. Vai ver é de Pirapora, Cascadura, Nova Zelândia, sei lá. Uma coisa, Sir Ney, o caminho de um lugar é sempre perto desse lugar, a partir de. Pode ate não ir longe, mas é perto. Se, porém, o autor assume um ponto de vista exterior em relação ao Brejal (o que absolutamente não foi feito), tem que dar uma idéia de onde está. Na Academia Brasileira de Letras, por exemplo? Mas daí pro Brejal, todos sabem, o caminho é muito perto.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte VI

TRECHO DO LIVRO: “I) O caminho do Brejal era longe. II) Longe demais para ser contado em dias ou léguas. III) A distância dependia da época das viagens: se era no Inverno, invernão de pingo grosso, seis meses de água por todos os lados, não tinham (1) fim. IV) De comboio ate longe, de longe em canoa subindo o rio Itapicuru ate a Laje Amarela, e de lá a cavalo até a ponta da rua ou mais, se era amigo, e se não era, da ponta da rua ate à hospedaria do mercado, falando mansinho, olhando de lado e de frente (2), ate que se soubesse a que vinha e donde”.

I) Frase já comentada. II) Contado (é medido que ele quer dizer? Então em quê? Anos - luz? Não, na frase III vê-se que o caminho do Brejal era longe como qualquer caminho quando chove paca. Por exemplo, do Clube Caiçaras ao Clube Piraquê, ali na lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, são 900 metros. Mas, se chover, eu levo duas horas (medidas!) pra atravessar esse Brejal dos Tivolis. Porém a distância entre um ponto e outro continua 900 metros. Não da pra dizer que o caminho do Caiçaras (ou do Piraquê) é longe. Esses tinham (1) aí é gênio! Não bate com caminho. Não bate com distância. Se (só na cabeça neosemântica do autor!) bate com seis meses, então tinham fim: 180 dias. IV) Nesta frase, o autor assume uma posição nitidamente exterior ao Brejal. Deve achar que o leitor sabe onde ele está. Não sabe. Eu sei porque é evidente que a cabeça do autor só raciocina a partir de Pinheiros, Maranhão, 24 de abril de 1930. Ainda não saiu daí, nem no espaço nem no tempo. De onde o autor está até o Brejal, o cara tem que pegar um comboio, depois uma canoa até Laje Amarela, onde, é evidente, existe uma posta de cavalos. Ou o cara leva seu cavalo no comboio e na canoa? A frase nem é analisável em sua tronchisse barroca , exceto nesse (2) “olhando de lado e de frente”. Significando o quê levantando desconfiança? De lado e de frente é como todo mundo olha .Se o viajante viesse olhando pro alto e pro chão é que dava na pinta.

Vocês vão ver que o Brejal é bem localizável: 1) os “coronéis” estavam a toda hora em São Luís. 2) Bamburral (pág. 22) dista 4 léguas, e a Encruzilhada do Manuel , onde mora o vereador Pipira Preta, fica a seis léguas (pág. 37). Só falta o autor dar o CPF.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte VII

TRECHO DO LIVRO: “Ruas tinha duas: a da Matriz e do Mercado. A cidade era menos mais que umas três quarentenas de casas. Nem telégrafo, nem calçadas, nem prédios públicos, nem escolas. Aliás, escola tinha uma, de uma sala, construída recentemente; nela residia o sargento da força policial de dez praças''.
Três quarentenas. Esse parâmetro numeral praticamente não existe. Só a última edição do Aurélio (1986) dá quarentena com esse sentido e a frase de abonação é... exatamente a aí acima, do Sir Ney! Desconfio que isso é coisa do Joaquim Campelo, craque em léxico, grande colaborador do Aurélio e... grande colaborador do Sir Ney.
Bem, uma cidade de apenas 120 casas (ele quer dizer o fim do mundo) tinha igreja matriz, um mercado (grande, pois nele havia “uma hospedaria”), açougue, venda (pág. 20), e loja do genro do coronel Francelino (pág.12). Fala-se ainda (pág.45) do coronel Guiné “utilizando o Caixa e Razão de sua loja”. Mariquita tinha “uma pousada” (pág.12), e à pág.27 “os pequenos comerciantes não abriram as portas”. Estamos no coração de Manhattan.

A cidade não tinha telégrafo, mas se lê: “O coronel Guiné passara um telegrama aderindo” (pág. 10), e, na pág. 11, “não era duas nem três vezes que (o coronel Javali) telegrafara; não tinha calçadas, mas na pág. 12 descreve-se a casa de Javali (“sortida, de dez portadas, calçadas altas”), na pág. 26, Mário, depois de cortar o rabo da jumenta “atirou na calçada a encomenda” , e na pág. 58 (*) Zacarias fica “protegido na quina de uma calçada alta.”; não tinha prédios públicos mas tinha cobradores de impostos (pág. 11), nove vereadores, dois notários. Na pág. 21 diz-se “Às quatro todos esperavam na delegacia”, na pág. 35 Zé do Bule convida os presentes “a comparecerem ao baile da Prefeitura”; não tinha escolas mas, neste mesmo período, se diz que tinha uma, ocupada pela força policial; na pág. 45 “O veículo seria recebido pelos meninos do colégio da Prefeitura”, na pág. 52 o coronel Guiné fala de uma escola, e nomeia-se uma professora (pág. 40). O verdadeiro baião do maranhense doido.

(*) Como eu disse o livro tem 50 páginas. Mas, pra parecer mais com um livro, a numeração começa na página 8.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte VIII

TRECHO DO LIVRO: “Do antigo teso grande onde agora se localiza a cidade só restava um pé de tamboril, copudo, verde, de folhagens abertas, em frente à casa de D. Rosa Menina (1). Na época da safra (2) os moleques vinham e juntavam as favas chatas (3). Ali, antigamente, os veados deviam chegar (4) para a comida nas noites de Verão (5). Boa espera teria sido (6) aquele tronco onde agora ficavam amarrados os animais e a rancharia (7). Na cidade todos se conheciam (8) e o que se vendia eram os teréns de vestir e de comer, e um pouco de arroz (9), porque não era zona de arroz, mas de muito babaçu e farinha (10). Chamado dos Guajas (11) porque ficava próximo à aldeia dos guajajaras (12), hoje longes (13), perdidos, mortos e domados”.

ANÁLISE APENAS SUPERFICIAL: 1) A primeira e única vez em que Rosa é tratada de Dona. Logo o autor esquece, fica íntimo, Rosa pra cá, Rosa pra lá. A memória, como já se viu, não é o forte do autor. Mesmo a apenas duas frases de distância. 2) Safra de uma árvore só? Eta, arvorão! 3) Fava, por definição, é chata. Pode até ser redonda, mas é chata. 4) Deviam chegar ou chegavam? O autor tá aí pra dar informações, pô! 5) Veado só come em noite de verão? Seria a Ceia de Natal? 6) Teria sido? Pô, esse autor não tem certeza de nada? 7) Rancharia amarrada num tronco de árvore? Eta arvorão porreta! 8) Pudera não! 9) E arroz não é de comer? 10) Gente, no Brejal tem pé de farinha! 11) Sujeito oculto por elipse, e bota elipse nisso. 12) Por que Guajas com maiúscula e guajajaras com minúscula? Era uma tribo inferior? 13) Substantivo-advérbio já desclassificado na primeira eliminatória.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte IX

Pra não dizerem que tenho má vontade, terminada a ingente tarefa de análise da 1ª. página do Brejal, realizo a tarefa ingentíssima de copidescar a mesma. Como bom copy, respeitei o estilo do autor, mudando léxico e sintaxe só quando fundamental. Fiz também ligeiras alterações de sentido, preparando a base lógica do futuro. Coisa que o autor não soube fazer, nem no Brejal, nem no Brasil.

Era longe, o Brejal. Longe demais, difícil mesmo de medir em dias ou léguas. Pois, quando chovia, no invernão de pingo grosso, seis meses de água por todos os lados, o Brejal se afastava, a distância não tinha fim. Daqui, primeiro um comboio até bem longe, de longe em canoa, subindo o Rio Itapicuru até Laje Amarela, e de lá, num cavalo já avisado, até a ponta de uma das ruas, e mais, se era gente amiga, senão só até o único quarto de hospedaria do pequeno mercado e olhando assim, só de frente e de lado, cuidando de falar mansinho, até que se soubesse a que vinha e donde.

Ruas mesmo, tinha duas: a da Matriz e a do Mercado. A cidade era menos que seis vintenas de casas. O telégrafo era só quando Deus queria, as calçadas um luxo de poucos, três ou quatro casebres faziam de prédios públicos. Escola não tinha, quer dizer, tinha uma, de uma sala, construída recentemente, nela residia o sargento da força policial de dez praças, outra escola estava sempre ficando pronta, e havia um galpão na Prefeitura.

Do antigo teso grande onde agora se localizava a cidade só restava um pé de tamboril, copudo, verde, de folhagens abertas, em frente à casa da Rosa Menina. Quando estava no tempo, os moleques vinham e juntavam as favas. Ali, antigamente, os veados chegavam à noite para a comida sem sustos. Boa espera deveria ser aquele tronco onde agora ficavam amarrados os animais, junto da rancharia. Na cidade, como era, todos se conheciam, e o que se vendia eram os teréns de vestir e de comer, pouco arroz, mas de muito babaçu e mandioca. Brejal dos Guajas, porque ficava próximo à aldeia dos Guajajaras, hoje domados, perdidos, mortos nos longes.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte X

Aqui vão, leitores, apenas mais algumas pequenas observações sobre Brejal Dos Guajas, obra-prima inigualável. O único livro que conheço errado da primeira à última linha. Reitero meu pedido ao governo José Aparecido para que lute por tombar (também) esse livro, transformando-o em patrimônio da humanidade. Os dadaístas num tão cum nada.

Pág. 10) “Quem ganhar as eleições será o dono de todas as posições municipais e o chefe do partido.” Pudera.

Pág. 11) Fala do senador Guerra: “O nosso partido, compadre, foi feito pra servir os amigos. A lei é dura pra quem é mole (...) inimigo aqui não tem bandeira...” O coronel Javali fica perplexo com essa “ameaça velada”.

Pág. 12) “Afinal de contas, herdaram do avô, ele e o primo Né, por pais diferentes, o eleitorado e os bens.” Primos por pais diferentes? É mesmo o primado da ignorância.

Pág. 19) “Uns chamavam de jíparo, outros de jipa.” Por volta de 1960 (*) os brejalenses que nunca viram um carro, nem em efígie! chamam o jipe assim. Nos anos 40, quando os repórteres da O Cruzeiro desciam no Xingu de Beechcraft, os índios chamavam o avião de... Beechcraft (bixicrafi). Sir Ney conseguiu uma corruptela mais difícil do que o corruptelado jipe. Essa istória do jipe, no livro, vale um estudo especial.

Pág. 12) O Coronel Javali “Falava devagar, usando sempre vossa mercê”. Nem uma vez o coronel usa o vossa mercê no livro.

Pág. 12) “O Coronel Né Guiné usava o 'meu senhor' sem muitos rebuços (?)”. O coronel Né Guiné também não tem memória e esquece essa recomendação do autor.

Pág. 22) “A notícia correu célere. De ponta a ponta, de lado a lado.” As duas ruas teriam no máximo 300 metros. Bastava um grito.

Pág. 22) “Seus amigos de longas datas.” Longas datas? Viiinnte e seettte deee maaiiiiooo de miiilllll noooveeeeceeeeeentttooosss e quaareeeenta eeee oooito? É por aí? Tão bem longas?

(*) A história se passa mais ou menos em 1960, por certas dicas do autor. Mas ele não sabe.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte XI

Observação final (a não ser que me solicitem mais) com demonstração de matemática elementar, meu caro Watson (a partir de dados fornecidos inconscientemente pelo próprio autor), provando que o Brejal, com apenas duas ruas, era uma das maiores cidades do Maranhão, cuíca do mundo. Rationale.

I) Na pág. 60 está: “- Quantos eleitores tem o Brejal? - 2.053 - ambos responderam”.

II) Pode-se precisar razoavelmente a época da istória pela frase à pág. 10: os dois coronéis eram “da mesma corrente política invicta em todos os pleitos realizados desde a queda da ditadura”. José Ribamar Sir Ney está falando da outra ditadura, 1930/45, anterior à dele, 1964/85. Ora, “ todos os pleitos” são mais três, no mínimo. Dois, definitivamente, não são todos. Portanto, a istória (!) acontece por volta de 1960, mais ou menos 15 anos depois da queda da ditadura getulista. Isso é estatisticamente importante: nessa época. Numa região pobre, a população abaixo de 18 anos elevava-se a mais de 60% (hoje é 40% em todo o país). Mas vamos deixar por 50%. Portanto os 2.053 eleitores são parcela, não de 100% da população, mas de 50% dela, já que metade não estaria na faixa do voto.

III) Nas quatro linhas finais da istória, numa babaquice que pretende, acho, ser poética-social-irônica, o autor grandilóqua: “...E o povo do Brejal feliz: oitenta por cento de tracoma, sessenta de bouba, cem por cento de verminose, oitenta e sete de analfabetos, mas feliz, ouvindo a valsa do Brejal, Brejal dos Guajajaras”.
Ora, quem tem 87% de analfabetos, tem penas 13% de alfabetizados. Como os 50% da população abaixo de 18 anos não votam (embora, por serem mais novos, devam ter até maior índice de alfabetização) isso significa que dos 13% alfabetizados apenas 6,5% votam. Quer dizer, os 2.053 eleitores do Brejal correspondem a 6,5% da população total. Façam agora uma simples regra de três: “6,5% estão para 2.053 assim como 100% estão para X”, e verificarão que Brejal dos Guajas tinha uma população de 31.584 pessoas. Mesmo distribuindo generosamente 60% dessa população para área rural (da qual, aliás, não se fala), ainda assim teríamos 12.683 pessoas nas duas ruas. 105 pessoas por casa! Eta, apertamento!

- Janeiro 1988

E FORAM TODOS FELIZES PARA SEMPRE.
Zé pai, Zé filho (Zequinha), Roseana, Murad e outros menos votados.


F I M