quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Paulo Roberto de Almeida: Qual a melhor política econômica para o Brasil?: algumas opções pessoais

A resposta a uma pergunta desse tipo depende, obviamente, da concepção geral de sociedade da qual está impregnado o respondedor. Keynes dizia que sempre somos prisioneiros de algum economista morto, o que não parece ser o meu caso, já que não exerço a disciplina profissionalmente e posso, assim, ostentar uma aparente independência em relação a escolas e tendências econômicas. Não me classifico como liberal em economia, apenas como racionalista, seja lá o que isso queira dizer. A razão é que não acredito que um governo qualquer, no mundo atual, possa se guiar por grandes princípios filosóficos ou concepções completas de sociedade, cabendo-lhe tão somente ser pragmático e tentar resolver os problemas concretos de administração da economia em meio a uma teia de constrangimentos internos e de limitações externas que circundam as (poucas) escolhas possíveis. Numa palavra: difícil ser totalmente livre para implantar um programa completo de reforma social e econômica, quando tantos compromissos foram sendo assumidos ao longo do tempo.

Pessoalmente, tendo vindo do pensamento socialista, manifesto minha atual preferência por um modo liberal de administração econômica, mas tenho plena consciência de que trade-offs têm de ser realizados no contexto concreto das políticas econômicas possíveis. Um caso: acredito que o monopólio de emissão de moeda pelo governo pode ser um custo a mais para a sociedade; mas, como no caso das drogas duras, fica difícil liberalizar essa área na ausência de outras condições que poderiam limitar os imponderáveis da liberalização e da competição entre as drogas (moedas). Acredito, por exemplo, que a taxa de juros de referência deveria deixar de ser fixada pelo governo, passando a ser a de equilíbrio dos mercados, como no caso do câmbio; mas aqui sabemos, também, que os governos intervêm no preço externo da moeda (seja para perseguir objetivos próprios, anti-inflacionários, por exemplo, ou a favor de certos lobbies, como o dos exportadores). Ponto os juros livres, em todo caso…

Sou radicalmente a favor do corte (ou melhor, da eliminação) de impostos e, obviamente, da redução radical dos gastos do governo; mas sei que isso teria enormes dificuldades de implementação, dada a rede de programas legais já existentes, que obrigam o estado a ser um gastador compulsivo (tanto consigo mesmo, como com corporações que virtualmente assaltam o estado, como empresários, universitários, juízes e toda sorte de rentistas). Talvez se pudesse começar por eliminar a estabilidade no serviço público. Reconheço, porém, que esse é um passo difícil de ser dado.

Sou contra cartéis, monopólios e políticas setoriais, que aumentam nossas faturas de luz, telefone, internet, crédito ao consumidor, tudo. A regulação estatal deveria ser no sentido da máxima abertura possível; mas mesmo isso é difícil de fazer, seja por pressão dos interesses constituídos, seja pelo problema sempre difícil da transição a outro regime; acredito, porém, que se possa caminhar nessa direção. Se eu disser, publicamente, que pretenderia acabar com BNDES, Banco do Brasil, Petrobras e outras empresas públicas, provavelmente vou ser crucificado em praça pública. Mas ainda assim vou dizer: que essas empresas sejam privatizadas e disputem mercado como quaisquer outras, em um ambiente totalmente aberto à competição. Estou absolutamente seguro de que o Brasil seria um país melhor sem qualquer tipo de dinossauro estatal, por mais produtiva ou “estratégica” que seja a empresa: de fato, isso não existe em economia e a única coisa verdadeiramente estratégica, na vida de uma nação, é a boa educação de todos os seus cidadãos.

Não preciso dizer que sou contra qualquer forma de protecionismo e a favor da maior abertura ao capital estrangeiro, sugestão passível de esquartejamento nas academias e nas praças. Provas existem de que os países mais abertos são, também, os mais prósperos e avançados no plano tecnológico e cultural. Os políticos conspiram contra esse objetivo, mas acredito que se deveria formar uma liga de economistas a favor da liberdade de mercados, como na Inglaterra vitoriana aquela a favor do livre comércio. Desconfio, porém, que não teríamos muitos aderentes, tão forte é a crença nos mitos keynesianos (equivocados, aliás, posto que Keynes era um liberal, tendo sido a favor das restrições ao livre fluxo de capitais no contexto da crise de moedas nos anos 1930 e dos desastres econômicos vividos então pela Grã-Bretanha).

No mesmo compasso, sou totalmente favorável à globalização e à interdependência econômica universal, mas também acredito que não teria sucesso qualquer chamado a uma manifestação a favor da globalização. Esse é, aliás, o aspecto que mais me choca nessas marchas de alternativos contra a globalização e a liberalização comercial: como é que pessoas medianamente educadas, ao menos todas alfabetizadas, algumas até universitárias, conseguem ser contra a universalização do progresso, e defender idéias regressistas e até reacionárias? Acredito que seja uma mistura de ingenuidade com ignorância, de um lado, e de má-fé e de manipulação de sentimentos, por outro, por parte dos órfãos do socialismo e das viúvas do comunismo. Ou seja: coisas absolutamente démodées e ancien régime. Esses jovens estão singularmente mal servidos de professores universitários, o que é uma pena.

Se ouso resumir meu mix ideal de políticas econômicas para o Brasil, minha receita poderia ser esta: liberdade cambial e de movimentos de capitais; juros de mercado (como norma legal, o que deixaria a autoridade monetária sem condições de manipular os juros, e também, portanto, sem poder criar essas bolhas que depois são atribuídas aos mercados livres); conversibilidade da moeda nacional; ausência completa de bancos públicos e de financiadores oficiais para setores que produzem bens de mercado, preservando-se o financiamento público para grandes obras de infraestrutura e alguns (poucos) projetos sociais; pouquíssimas políticas setoriais, limitadas à formação de recursos humanos, pesquisa de ponta (estritamente definida) e, claro, educação universal de boa qualidade; previdência unificada com base em um regime de capitalização (e não de repartição, como atualmente), anulação dos privilégios existentes, sem quaisquer regimes especiais; regulamentação da Lei de Responsabilidade Fiscal, que até hoje não possui um Conselho de aplicação de penas (a que muitos administradores já deveriam ter sido submetidos); eliminação dos subsídios (remanescentes) à agricultura e ampliação do seguro agrícola; abertura econômica (receptividade aos investimentos estrangeiros) e liberalização comercial, com negociação ampla de acordos de livre comércio, sem reciprocidade exigida de países da América do Sul (com redefinição do Mercosul); retomada da privatização e reforço das agências regulatórias (sobretudo assegurando-se sua independência em relação ao governo); autonomia legal do Banco Central e ampliação do Conselho Monetário para um seleto número de membros não governamentais, escolhidos dentre figuras eminentes do pensamento econômico (mediante prévia aprovação do Senado); desmantelamento de todo e qualquer cartel informal, sobretudo nas telecomunicações.

Finalmente, eu também acabaria com as televisões públicas (as educativas seriam geridas por fundações independentes), com a “Hora do Brasil” e com todo e qualquer gasto governamental em publicidade, extinguindo-se o “ministério da propaganda oficial” e todas as secretarias de comunicação de governos. A economia financeira talvez seja pequena, mas a despoluição comunicativa seria enorme, Como se pode constatar, eu sou um sonhador incurável…

Paulo Brossard: Democracia agredida

Eu era estudante em 1945 e participei da campanha pela redemocratização do país e votei na eleição de 2 de dezembro daquele ano para presidente da República e para a constituinte que elaboraria a Constituição de 18 de setembro de 1946.

Encerrava-se o longo e triste ciclo do Estado Novo, durante o qual houve de tudo, a começar pela destruição dos valores democráticos e pelo endeusamento do ditador, à semelhança do que se fizera nos países totalitários da Europa. E continuei a participar de campanhas e eleições até ser nomeado para o Ministério da Justiça e, posteriormente, para o Supremo Tribunal Federal. Sempre entendi que o ministro da Justiça não deveria ser parte da campanha, mais do que qualquer outro não podendo ser, ao mesmo tempo, autoridade e ator, pois a ele competiria a adoção de medidas que se fizessem necessárias no período eleitoral.

Digo isto para salientar que em mais de 40 anos fui testemunha de muito “excesso” e “abuso”, mas nunca tinha visto o que passei a ver e continuo a assistir dia a dia se agravando. E isto é tanto mais significativo quando em quase todos os sentidos o país tem progredido e em muitos deles o progresso chega a ser notável; no que tange à instrumentalidade eleitoral, por exemplo, é quase inacreditável o aperfeiçoamento, mas no momento em que o chefe do Estado se despe da faixa presidencial e assume a chefia real e formal da campanha de um candidato e em cerimônia oficial insulta o candidato, por sinal, da oposição, chamando-o de mentiroso, ele se despe da magistratura presidencial, inerente à Presidência, e ingressa no mundo da ilicitude, que, para um presidente, é a mais grave das infrações às suas indisponíveis responsabilidades.

De resto, isto é a porta aberta para a consumação de todas as truculências verbais e físicas. É preciso não esquecer que a violência é doença contagiosa, e com a publicidade que o governo dispõe ele pode incendiar o país. O presidente quer ganhar a eleição a qualquer custo e pode ganhar, mas a sua eleita pode não governar. Já vi coisa parecida e não terminou bem. O presidente alinhou o Brasil na maçaroca do coronel Chávez. A partir de agora alguém pode sair às ruas portando um cartaz, seja do que e de quem for, sem correr o risco de ser agredido pela guarda de choque do presidente. Foi assim na Itália fascista e na Alemanha nazista.

O que efetivamente aconteceu ganhou uma versão cor-de-rosa na publicidade do governo. O agredido de ontem não foi o cidadão apontado de “mentiroso” pelo presidente da República, foi cada um de nós, foram as instituições democráticas. Para começar um incêndio basta um fósforo, para extingui-lo pode custar o incalculável.

Não preciso dizer que estou profundamente impressionado com o rumo que o presidente está dando à sua incursão empreendida na orla da horda. Ele fez um pacto com a fortuna, do qual o imprevisto é sempre possível.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Dora Kramer: Brincadeira tem hora

TEXTO PUBLICADO NO ESTADÃO DESTA SEXTA-FEIRA

Em primeiro lugar, o presidente Luiz Inácio da Silva é a última pessoa com autoridade moral para falar em farsas ou em “mentira descarada”, visto que é protagonista da maior delas: a falácia segundo a qual recebeu uma “herança maldita” e que estabilidade econômica, a abertura do Brasil para o mundo, o crescimento e a entrada de milhões do mercado consumidor deve-se exclusivamente ao seu governo.

Há pouco seu governo inteiro junto com sua candidata à Presidência produziram “mentiras descaradas” ao repudiarem as denúncias de que havia na Receita quebras de sigilo fiscal de adversários políticos e que um esquema de tráfico de influência e corrupção estava montado a partir da Casa Civil.

Lula também se precipitou ao atribuir as quebras de sigilo a uma “briga de tucanos”. Baseava sua tese no fato de o mandante ser repórter do Estado de Minas sem saber que à época Amaury Ribeiro estava em férias a serviço de outrem.

O presidente da República dá razão ao antecessor que o chama de “chefe de uma facção”, quando escolhe insuflar a violência no lugar de contribuir para apaziguar os ânimos.

É o que faria um estadista.

Justiça se faça, Lula não ficou só em sua tentativa de ridicularizar o episódio. Muitos na imprensa partiram para ironias, achando um exagero a reação de José Serra atingido, afinal, só por “uma bolinha de papel”.

Foram duas imagens captadas em dois momentos diferentes, comprovou-se ao longo do dia. Mas, ainda que o candidato tucano tenha feito drama, continuam sendo inaceitáveis os ataques de militantes contrariados com a passagem do tucano pelas ruas de Campo Grande (RJ). Brincar com isso é má-fé, tratar como banal a violência eleitoral e, sobretudo, não entender o valor em jogo.

Impedir um ato de campanha com tumultos é violência. Bem como foi violência atirar um balão cheio de água sobre o carro onde estava a candidata Dilma Rousseff ontem em Curitiba. O balão não a atingiu, mas poderia ter atingido. Ainda assim resta a intenção: agredir.

O presidente da República condenará uma violência, mas aprovará a outra? Ou dirá que estava apenas condenando o “teatro” do adversário? Nisso não é crítico autorizado.

É partícipe e mesmo condutor de uma caminhada em direção ao retrocesso: a nos tornarmos permissivos com o uso da violência na política, assim como já estamos no rumo de revogar a integralidade do preceito do livre pensar.

Ovos da serpente. É assim que começa: a Assembleia Legislativa do Ceará aprovou projeto de um conselho para atuar entre outras funções no “exercício fiscal sobre a prática da comunicação”.

Em Goiás, a TV Brasil Central, do governo do Estado, não pode entrevistar adversários políticos.

O projeto de controle da mídia foi iniciativa de uma deputada estadual do PT cearense, aprovado por unanimidade, e ainda precisa passar pelo crivo do governador Cid Gomes.

A censura foi denunciada, num gesto inédito, ao vivo pelo jornalista Paulo Beringhs, proibido de entrevistar o candidato ao governo Marconi Perillo (PSDB), chamado no dia anterior de “mau caráter” pelo presidente Lula em palanque.

Liberdade e luta. Já que Chico Buarque puxou o assunto ao manifestar seu encanto com o fato de o governo Lula “não falar fino com Washington nem falar grosso com Bolívia e Paraguai”, vamos ao fato: o governo brasileiro não deveria é falar fino com ditaduras.

Aliás, o mundo da cultura, que sofreu pesadamente os efeitos da durindana local, nos últimos anos não se incomodou ─ se o fez não foi em voz alta ─ com a maleabilidade das vértebras do presidente Lula diante de tiranos.

A complexidade das relações exteriores não cabe em um jogo de palavras. Já a condenação aos crimes das ditaduras às quais o Brasil se dobra para espanto do mundo requer apenas dois atributos: coerência e solidariedade.

Independentemente da opinião eleitoral.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Arnaldo Jabor: A difícil missão de Dilma Rousseff

O Estado de São Paulo

"Dilma faz isso, Dilma faz aquilo... Dilma, corta o cabelo! Dilma se maquia mais rosadinha! Dilma você está sem emoção, tem de passar mais verdade... Dilma, seu sorriso não está sincero... Dilma isso, Dilma aquilo..."

(Coitada da pobre senhora que, canhestramente, segue as ordens do patrão e dos petistas que a usam para ficar eternamente em seus buraquinhos ou para realizar o que seria a torta caricatura de um vago socialismo, que não passa de uma reles aliança com a banda podre do PMDB.)

"Dilma, não fale nada de novo sobre aborto que você já deu uma entrevista na TV e agora não adianta desmentir. Dilma, ajoelha, isso, sei que está cansada, mas ajoelha e faz cara de religiosa devota de Nossa Senhora Aparecida; Dilma, eu sei que você é ateia, que para você a religião é o ópio do povo, mas, dane-se, ajoelha e reza, mas não fica com a cara muito em êxtase feito uma madre Teresa de Calcutá, não, que eles desconfiam. Dilma, levanta e vai confessar e comungar, mas não conte tudo ao padre, não, porque esses padres de hoje não são confiáveis e podem fazer panfletos. Dilma isso, Dilma aquilo!... Sei que foi duro para você, bichinha, ser preterida pela Marina, tão magrinha, uma top model do seringal , sabemos de tudo que você tem sofrido, mas você é uma revolucionária e tem de aguentar as intempéries para garantir os empregos de tantos militantes que invadiram esse Estado burguês para "revolucionar" por dentro. Viu, Dilma? Feito ensinou aquele cara italiano, que os comunas vivem falando, o tal de Gramsci... só que nosso Gramsci é o Dirceu.... ah ah... Você tem de esquentar minha cadeira ate 2014, pois você acha que vou ficar de pijama em São Bernardo?"

Aí, chegam os marqueteiros, escondendo sua depressão, pois o segundo turno não estava em seus planos de tomada do poder:

"Dilma, companheira, esculacha bem o FHC e o Serra , pois você pode inventar os números que quiser, porque ninguém confere. Diz aí que nós tiramos 28 milhões de brasileiros da miséria! Claro que é mentira, pô, mas diz e esconde que foi o governo do FHC que inventou o Bolsa Família e negue com todas as forças se disserem que o Plano Real tirou 30 milhões da faixa de pobreza, quando acabou com a inflação. Esqueça no fundo de tua mente que a inflação só ameaçou o Plano Real quando Lula barbudo ia vencer... Mas, quando o Duda escreveu a cartinha do Lulinha "paz e amor", a inflação voltou ao normal.

Dilma, você tem de negar em todos os debates que o PT tentou impedir o Plano Real no STF, assim como não assinou a Constituição de 88 para não compactuar com o "Estado burguês"; todos têm de esquecer que fomos contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, que demos força a todos os ladrões que pudemos para manter as alianças para nosso poder eterno, pois as ordens do companheiro Dirceu ("sim, doutor Dirceu, como está? Estamos ensinando aqui à dona Dilma suas recomendações...") eram: atacar tudo do governo FHC, mesmo as coisas inegavelmente boas. Dilma, afirme com fé e indignação que as "privatizações roubaram o patrimônio do povo", mesmo sabendo que a Vale, por exemplo, quando foi privatizada em 97 valia 8 bilhões de reais e que hoje vale 273 bilhões, que seu lucro era de 756 milhões e que agora é de 10 bilhões, que seus empregados eram 11 mil e que agora emprega 40.000. Mesmo sabendo que a Embraer entregava 4 jatos em 97 e que agora entrega 227, que a telefonia não existia na Telebrás e que agora quase todos os brasileiros têm celular. Não podemos divulgar, mas a telefonia privatizada aumentou o número de telefones em 2.500 por cento... Isso. Mas, não diga nada... Pode citar número quanto quiser que ninguém confere... diga que os municípios têm saneamento básico, quando metade deles não tem esgoto nem água tratada, depois de nossos oito anos no poder... Pode dizer o que quiser. Viu o belo exemplo do Gabrielli, que ousou dizer que o FHC queria que a Petrobras morresse de inanição e que o Zylberstajn era a favor da privatização do pré-sal"? Ninguém contesta, mesmo sendo publicado o que FHC escreveu na época, dizendo que "nunca privatizaria a Petrobras". Diga sempre que a culpa é das "elite", que o povão do Bolsa acredita... Dilma, faz isso, faz aquilo... Dilma, sobe no palanque, desce do palanque..."

(Eu acho que Dilma é uma vítima. Uma "tarefeira" do narcisismo de Lula. Agora que Dilma não tem mais certeza de que vai vencer, seu semblante é repassado por uma vaga inquietude. Gente autoritária odeia dúvidas, porque a dúvida não é "de esquerda"; a dúvida é coisa de pequenos burgueses - como dizia Marx: "Pequeno burguês é a contradição encarnada." Lula também odeia dúvidas...Ele fica retumbante quando vitorioso, mas sua cara muda com fracassos. Lembram do seu pior momento, quando explodiu o mensalão?

Agora Lula está deprimido de novo, o PMDB está angustiado, querendo trair, como mostra a cara do candidato a vice-presidente, o mordomo inglês de filme de terror... Lula teme a derrota, como se caísse de volta na linha de pobreza que ele diz que interrompeu. Talvez no fundo, Dilma tema a própria vitória, porque terá de aguentar o PMDB exigindo coisas, Força Sindical, CUT, ladrões absolvidos, renunciados, cassados, novos corruptos no poder, novas Erenices, terá de receber ordens do comissário do povo Dirceu, terá de beijar e gostar do Sarney, Renan, Collor, seus aliados. Vai ter de beijar com delícia o Armadinejad, o beiçudo leão de chácara Chávez, o cocaleiro Evo, com o MST enfiando bonés em sua cabeça, vai ter de aturar as roubalheiras revolucionárias dos fundos de pensão que já mandaram para o Exterior bilhões em contas secretas.

Coitada da Dilma - sendo empurrada com a resignação militante, para cumprir ordens, tarefas, como os militantes rasos que pichavam muros ou distribuíam panfletos. Dilma às vezes dá a impressão de que não quer governar... Ela quer sossego, mas não deixam...

Como é que fazem isso com uma senhora?

Merval Pereira: Utilização da máquina pública na campanha eleitoral

O Globo

Mais grave do que terem colocado o nome do diretor de “Tropa de elite 2″, José Padilha, num manifesto a favor da candidatura Dilma Rousseff à Presidência da República sem sua autorização é o fato de que dirigentes da Agência Nacional de Cinema (Ancine) atuaram fortemente para que pessoas ligadas à indústria assinassem o documento.

Há indicações de que vários outros cineastas e atores, muitos inscritos à revelia, foram procurados por funcionários da Ancine na tentativa de engrossar a lista dos apoiadores da candidatura oficial.

Criada em 2001, a Agência Nacional do Cinema é uma agência reguladora que tem como atribuições, segundo a definição oficial, “o fomento, a regulação e a fiscalização do mercado do cinema e do audiovisual no Brasil”.

A Ancine, por sinal, foi uma das responsáveis pela escolha dos jurados que definiram o filme “Lula, o filho do Brasil” como o representante brasileiro ao Oscar de melhor filme estrangeiro.

Esse é um dos exemplos mais visíveis da utilização da máquina pública na campanha eleitoral de maneira despudorada, a começar pelo próprio presidente da República, que, na reta final da campanha — e com a disputa demonstrando estar mais difícil do que imaginavam seus estrategistas —, já não se incomoda de gravar participações nos programas de propaganda eleitoral no horário do expediente oficial.

E utiliza prédios públicos, como o Palácio da Alvorada, para reuniões políticas com os coordenadores da campanha da candidata oficial.

Seguindo o exemplo de seu chefe, também os ministros de Estado já não tentam disfarçar a campanha que fazem, misturando suas funções de Estado com as de cabo eleitoral da candidata oficial.

No lançamento do programa de saúde da candidatura oficial, a foto dos ministros da Saúde, José Gomes Temporão, e das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ao lado do candidato a vice-presidente da chapa oficial, Michel Temer, os três ostentando uma camiseta com propaganda de Dilma Rousseff, é o exemplo da falta de pudor que domina o primeiro escalão governamental.

Da mesma maneira, funcionários de vários escalões das empresas estatais estão sendo estimulados, ou diretamente ou pela leniência de seus chefes imediatos, a fazer campanha usando o e-mail das próprias empresas.

Funcionários da Petrobras estão distribuindo mensagens com propaganda eleitoral a favor de Lula e Dilma, ou mesmo repassando informações caluniosas contra o candidato do PSDB.

Um deles tem o seguinte aviso, todo em caixa alta: “UMA GRANDE VERDADE!!!! REPASSE ESTE E-MAIL PRA TODOS E NÃO VAMOS DEIXAR A ONDA VERMELHA (PT) PARAR DE CRESCER POR TODO PAÍS!!!!”

A despreocupação é tamanha que já não escondem a identificação. As mensagens têm nome, telefone, cargo.

Entre as muitas mensagens que circulam, uma é da Gerência Setorial de Serviços de Segurança Patrimonial de Escritórios da Petrobras e tem a seguinte identificação: Serviço de Infraestrutura e Segurança Patrimonial. Regional Sudeste. Serviços Compartilhados. CQAY.

Outro é da Eletrobras, do Departamento de Contratações — DAC Divisão de Suprimentos — DACS.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Augusto Nunes: Vox Populi abre o segundo ato da farsa

Às 20:02 de 3 de outubro, sob o título O grande naufrágio, um texto de três linhas fez aqui no Direto ao Ponto a constatação necessária:

Embora a apuração não tenha terminado, as pesquisas de intenção de voto, somadas, já permitem identificar os protagonistas do maior fiasco das eleições de 2010.

Foram os institutos de pesquisa.

No dia 9, o tema foi retomado pelo post que resumia a ópera dos malandros no título: Os comerciantes de porcentagens estão prontos para o segundo ato da farsa. Trecho:

Um dia antes da eleição, a última pesquisa do Vox Populi liquidou a fatura em favor de Dilma Rousseff: com 57% das intenções de voto, a candidata de Lula e do instituto foi dispensada da disputa do segundo turno por uma diferença de muitos milhões de cabeças. “Fomos os primeiros a identificar o crescimento de Dilma”, gabou-se Marcos Coimbra, presidente da loja de porcentagens. Esqueceu-se de combinar com as urnas: terminada a contagem dos votos, os 57% foram reduzidos a 46%.

Entre a profecia de Coimbra e o encerramento da apuração, quase 14 milhões de brasileiros sumiram misteriosamente no buraco negro escavado por 11 pontos percentuais. Em paragens civilizadas, os coimbras da vida passariam a semana sentados no meio fio, chorando lágrimas de esguicho e examinando as opções possíveis: sair em desabalada carreira ou apresentar-se à delegacia mais próxima, escoltado por um advogado que cobra por minuto. Mas o País do Carnaval ainda não aprendeu a tratar como criminosos os especialistas em estelionato estatístico. Sem medo de cadeia, os ilusionistas preparam outro lote de pesquisas forjadas para que se dissemine a certeza da vitória governista. Sem terem sequer balbuciado desculpas pelo fiasco no primeiro turno, estão prontos para o segundo ato da farsa.

Eles regressaram à cena do crime com movimentos furtivos de punguista. Para que a plateia iludida não explodisse em vaias, o Vox Populi, o Ibope e o Sensus trataram de aproximar seus resultados dos obtidos pelo DataFolha, o único que erra sem evidências de má fé. Seria demais instalar Dilma Rousseff, já na primeira pesquisa do recomeço da campanha, na folgada dianteira que ocupou até receber o corretivo das urnas. Mas comerciantes gulosos são impacientes. Nesta terça-feira, o Vox Populi inventou uma distância de 12 pontos entre a candidata do grande cliente e o adversário oposicionista.

A vantagem imaginária ajuda a abastecer o caixa da campanha, mantém elevado o moral das milícias, pode eventualmente reduzir o entusiasmo do inimigo. Brasileiro, raciocinam os fabricantes de algarismos, acredita em assombração, alma do outro mundo, ET de Varginha, até no que Lula diz. Por que não iria acreditar em institutos agrupados no Departamento de Pesquisas e Boas Notícias do PT?

Entre o levantamento da semana passada e o desta terça-feira, Aécio Neves desencadeou a vigorosa ofensiva do PSDB mineiro, Geraldo Alckmin acelerou a mobilização para ampliar a votação do candidato tucano em São Paulo, os governadores eleitos do Paraná e de Santa Catarina lançaram-se à consolidação da frente sul com o apoio dos chefes do PMDB gaúcho, os programas do horário eleitoral se tornaram mais consistentes — os ventos, enfim, sopraram a favor de Serra.

No mesmo período, Dilma reencontrou o palanque mineiro esvaziado pelo sumiço de Hélio Costa e Patrus Ananias, tripulantes do barco governista começaram a estender uma perna em direção à caravela da oposição, a candidata aprendiz atravessou um debate inteiro à beira do chilique, Lula perdeu a voz por alguns dias, Sérgio Cabral foi passear na Europa. Tudo somado, a coisa estaria de bom tamanho se Dilma ficasse no mesmo lugar. Marcos Coimbra achou pouco. E foram providenciados os 12 pontos.

Só quando os brasileiros estiverem a alguns metros das urnas virão as correções de curvas e súbitas mudanças nos índices, atribuídas a tendências de última hora. A metodologia é a de sempre. O que há de novo é a insolência que resulta da certeza da impunidade. Entre o estelionato do primeiro turno e o começo da reprise, passou-se apenas uma semana. Os envolvidos nas delinquências sabem que serão desmoralizados pelos votos e expostos ao deboche. Como não se assustam com isso, resta interromper-lhes o avanço com o Código Penal.

sábado, 16 de outubro de 2010

Normal Gall - “Lulinha, paz e amor”

Si Shakespeare estuviera vivo, podría haber escrito que Luiz Inácio Lula da Silva, como Julio César, domina el estrecho mundo de la política brasileña como un coloso, mientras que “hombres menudos caminan bajo sus enormes piernas rumbo a una deshonrosa tumba”.

El presidente más popular de la historia de Brasil se prepara para dejar el poder, impedido por la Constitución de postularse de nuevo. Sus índices de aprobación del 78% deben de ser la envidia de los políticos del mundo. Lula se hizo símbolo de los recientes avances de América Latina al consolidar la democracia y parar la inflación crónica, rindiendo gran progreso en la justicia social.

Lula no tuvo una vida fácil. Es una figura de heroica complejidad que, al contrario que los héroes de Shakespeare, no procede de noble cuna. Nació en el Noreste azotado por las sequías. Abandonada por su marido, su madre emigró a São Paulo con sus hijos en la trasera de un viejo camión. Una película hagiográfica, O filho do Brasil (El hijo de Brasil), financiada por empresas clientes del Estado, narró esta leyenda. Juan Luis Cebrián, en una larga entrevista para EL PAÍS, admiraba la sabiduría popular de Lula y contaba que “posa su mano de obrero sobre mi rodilla, en un ademán de complicidad, de camaradería, de evidente franqueza”. Le comparó con Sancho Panza, citando las últimas palabras del escudero: “Saliendo yo desnudo como salgo, no es menester otra señal para dar a entender que he gobernado como un ángel”.

No es para tanto. Las campañas electorales brasileñas cuestan miles de millones de dólares, trayendo pesadillas para Lula. Duda Mendonça, el asesor de marketing político mejor pagado de Brasil, inventó el lema Lulinha, paz e amor, para suavizar su imagen antes de los comicios de 2002, cuarto asalto de Lula a la presidencia, después de tres intentonas predicando una ruptura con las élites dominantes. Cuando tres años después, en una audiencia parlamentaria, Duda reveló que recibió pagos ilegales, Lula fue amenazado de destitución a causa de las fechorías cometidas por los hombres menudos que caminaban bajo sus piernas. Tres ministros dijeron a Lula que debía renunciar. Uno de ellos era su propia jefa de Gabinete, Dilma Rousseff, a la que el presidente ha ungido como su sucesora en los comicios de este mes. “No me conocéis”, respondió él entonces. “Esos tíos se engañan. No comprenden mi vínculo con el pueblo. A esos hijos de puta les voy a ganar las elecciones”.

Lula sobrevivió porque se lanzó a una incansable campaña entre los pobres y porque les dio muchos beneficios. La popularidad de Lula se basa en un consumo disparado, con un gran aumento del empleo y de los salarios públicos, así como de las transferencias sociales, entre ellas el programa Bolsa Familia, que concede a las madres pequeñas cantidades mensuales a cambio de que mantengan escolarizados a sus hijos. Las transferencias y los nuevos empleos formales ayudaron a sacar a unos 29 millones de personas de la pobreza. Esos brasileños cuentan con el rápido aumento del crédito al consumo para comprar electrodomésticos, ordenadores, motos, coches y viviendas subsidiadas. Los préstamos personales aumentaron en un 35% anual desde 2003, y en un 45% en los últimos tres años, a tipos de interés encima del 40%, absorbiendo más del 20% de los ingresos mensuales de las familias endeudadas. El consumo crecía a un 9,5% anual al inicio de la campaña electoral. Así, Brasil podría caer en su propia crisis de deudas populares impagables.

El aumento del consumo da a los brasileños una visión positiva de su futuro y del mundo. Según la Encuesta sobre actitudes globales del Pew Research Center de Washington de este año, de los 22 países estudiados, y con la única excepción de los chinos, los brasileños son los ciudadanos más contentos con la situación económica. Alrededor del 77% piensa que Brasil se convertirá en una potencia mundial, o cree que ya lo es, aunque ese concepto sigue siendo vago.

Esta confianza ha llevado a los brasileños a expresar opiniones que no encajan con la política exterior de Lula. En contra del constante desdén mostrado por su presidente hacia Estados Unidos, el 62% de los brasileños tiene una opinión favorable de EE UU, mientras que el 77% ve con buenos ojos a las grandes empresas extranjeras y el 87% se muestra partidario del libre mercado y del comercio exterior. Frente al 56% de aprobación de Obama, solamente el 13% de los brasileños admiran al presidente venezolano Hugo Chávez y el 18% expresa solidaridad por Irán, dos aliados de Lula.

En lo que para algunos fue una deprimente campaña electoral y para la mayoría una orgía de adulación, Lula fue de nuevo la estrella, escoltando de mitin en mitin por todo el país a la heredera menos conocida, pronunciando la mayoría de los discursos. A Dilma Rousseff, de 62 años, economista de izquierda radical y en su juventud guerrillera urbana encarcelada y torturada por el régimen militar, la han presentado ante la gente como a una muchacha debutante. “Elegir a Dilma será la decisión más importante de mi presidencia”, proclamó Lula una y otra vez, entre las especulaciones de que Dilma ocuparía la presidencia solamente lo necesario para que Lula volviera al cargo en las elecciones de 2014. Dilma obtuvo su mayor votación en los municipios pobres con mayor concentración de beneficiarios de Bolsa Familia.

Con el 47% de los votos, Lula y Dilma perdieron por poco la primera vuelta de las elecciones del domingo 3 de octubre, debido al sorprendente resultado de la senadora Marina Silva, ex ministra de Medio Ambiente de Lula, que, hija de un recolector de caucho y nacida en las profundidades de la Amazonia, aprendió a leer y escribir a los 16 años. Su defensa de mejoras en la educación y su habla pausada y elegante le granjearon el voto de protesta (19%) de los descontentos con la medrosa e insulsa campaña del principal candidato de la oposición, José Serra, cuyo valioso desempeño como ministro de Sanidad y como alcalde y gobernador de São Paulo no impresionó a los votantes.

La elección de Dilma traería dos riesgos: primero, es conocida como una Mujer Dragón. Cuentan en los círculos políticos varias anécdotas sobre su maltrato a colegas y subordinados, incluso a los médicos y enfermeros que trataron su cáncer linfático el año pasado en un hospital de São Paulo. Su mal genio puede chocar con los hombres menudos que caminan bajo las piernas de Lula. Lula los protegió porque necesitaba alianzas con propios y extraños, encubriendo los múltiples escándalos de corrupción que asolaron sus ocho años de presidencia.

El segundo peligro, el más importante, es el de que el periodo de vacas gordas esté llegando a su fin, ya que la facilidad de acceso al crédito y el enorme incremento del gasto público han sobrecalentado la economía brasileña. Los elevados tipos de interés que pretendían controlar la inflación han fortalecido todavía más una divisa ya sobrevalorada, que agrava un déficit por cuenta corriente en aumento.

Entonces, ¿cuál sería el legado de Lula? No paz e amor, sino la elección de Dilma Rousseff, cuya supervivencia y el éxito a largo plazo del propio Brasil dependerán de la capacidad para ahorrar más y de invertir eficientemente en educación e infraestructuras para que su gente sea más productiva.

Traducción de Jesús Cuéllar Menezo.

Norman Gall es director ejecutivo del Instituto Fernand Braudel de Economía Mundial de São Paulo.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Olavo de Carvalho: Quem manda nesta coisa

As denúncias que hoje circulam contra o PT, e que tanto enfurecem o sr. Presidente da República, não se comparam, em número e virulência, àquelas que o próprio PT espalhou na mídia e alardeou no Parlamento ao longo de vinte anos, destruindo ou subjugando todas as lideranças políticas que pudessem se opor aos seus intentos. Se hoje um Collor, um Sarney, um Maluf e inumeráveis líderes empresariais beijam a mão do presidente da República (como até o valentão Antônio Carlos Magalhães chegou a beijá-la pouco antes de morrer), é porque o partido dele lhes mostrou quem é o chefe, quem é que manda nesta coisa. E o mostrou a gritos e cusparadas, à força de acusações escabrosas, ameaças terrificantes e escândalos fabricados, tão numerosos e persistentes que os anos 90 ficariam marcados para sempre como a década da bandalheira se depois deles não viessem o Mensalão, os dólares na cuéca, os assassinatos dos prefeitos de Campinas e Santo André, etc. etc., reduzindo toda a corrupção anterior à escala de um roubo de chicletes numa cantina de escola.

Ao queixar-se da mídia, o sr. Presidente se esquece de que foi ela a sua principal aliada não só na destruição maciça de reputações perigosas, mas na construção, simultânea e complementar, da imagem do PT como paladino da justiça, sem o que jamais esse partido poderia ter chegado ao poder em 2002 nas asas da “Campanha pela Ética na Política”, uma apoteose de denuncismo e moralismo hipócrita como raramente se viu no mundo.

Sem a transformação da mídia inteira em instrumento da indústria petista do escândalo, o sr. Presidente não teria chegado a ser o sr. Presidente: teria continuado a ser o derrotado que sempre fôra até o momento em que seu partido, superando a velha repugnância da esquerda pela tradição udenista de combate à corrupção, descobriu o poder criador da difamação e da calúnia.

Longe de tratar o sr. Presidente a chicotadas, como ele se queixa de ter sofrido, a mídia, que o criou, sempre procurou poupá-lo e afagá-lo. Vocês já se esqueceram do petismo desbragado da Globo, a mais poderosa rede de TV do país, onde até uns poucos anos atrás não se podia falar do “presidente operário” sem voz embargada e lágrimas mal contidas de comoção cívica?

Naquela época, o sr. Lula não falava de “mídia golpista” nem se queixava de que “oito famílias” monopolizavam a imprensa deste país. Ele deixava isso para os “radicais”, para os jovens enragés que rosnavam no fundo do porão da esquerda, enquanto ele, apadrinhado e beneficiário número um do monopólio, brilhava no palco com sua nova identidade tranqüilizante de “Lulinha Paz e Amor”, pronto a imitar mais tarde o discurso dos enfezados, quando o fim do seu segundo mandato lhe trouxesse a certeza de não precisar mais da ajuda de seus protetores de ontem.

Em setembro de 2004 escrevi: “No tempo de Collor, a conversa vagamente suspeita entreouvida por um motorista indiscreto desencadeou a mais vasta investigação que já se fez contra um presidente. Hoje em dia, seis testemunhas mortas no caso Celso Daniel não abalam em nada a reputação de governantes ungidos pelo dom da inatacabilidade intrínseca.”

Referindo-me às CPIs de 1993, quando os srs. Dirceu e Mercadante berravam acusações do alto das tribunas como se fossem reencarnações de Marat e Robespierre, prosseguia: “É impossível não perceber, hoje, que tudo isso foi apenas um pretexto para aplanar a estrada para o PT, colocá-lo no poder e nunca mais fazer perguntas, aceitando dos novos patrões, com docilidade incuriosa e muda, condutas muito mais suspeitas e extravagantes que as de todos os seus antecessores.”

Assim foi em todos os escândalos do governo Lula. Por mais que se revelassem os crimes dos aliados e colaboradores mais próximos do sr. Presidente, o cuidado obsessivo da mídia era um só: preservar a pessoa dele, aceitar como cláusula pétrea do jornalismo nacional a hipótese louca de que ele nunca, nunca sabia de nada.

É esse o homem que hoje, diante de acusações mais que justas – e dirigidas nem mesmo a ele, mas à sua candidata –, choraminga, num show abjeto de autopiedade histérica, que levou mais chibatadas que Jesus Cristo e, ao mesmo tempo que clama pelo controle estatal da mídia, diz que o exercício do mero direito de cobrar explicações do seu seu partido é “uma ameaça à liberdade de imprensa”.

Vejam a enxurrada de livros investigativos que espalharam acusações temíveis contra Fernando Collor, contra os militares, contra o Congresso, contra as empreiteiras, e comparem-na ao destino do livro que ousou provar a responsabilidade do sr. Presidente no caso do Mensalão: “O Chefe”, de Ivo Patarra, não encontrou um só editor com coragem para publicá-lo. Circula pela internet, como um sussurro proibido.

Liberto de adversários substantivos e elevado ao posto supremo da nação pelos bons serviços da mídia, esse homem se acostumou de tal modo à subserviência da classe jornalística que já não suporta da parte dela a menor desobediência, o menor deslize. E de nada adianta apelar à “opinião pública”. Ele, e só ele, é a opinião pública.

Mas, afinal, quem criou as condições para isso foi a própria mídia. Invertendo o senso moral normal, que desprezava os medalhões de cabeça oca e louvava os pobres estudiosos, ela convenceu o país inteiro de que a coisa mais linda, mais louvável, mais meritória, é subir na vida permanecendo analfabeto. Se você cria um monstrengo desses, não tem muito direito de reclamar quando ele, inflado dos aplausos imerecidos com que você mesmo o alimentou, manda você calar a boca e proclama que quem manda é ele.

domingo, 3 de outubro de 2010

Sandra Cavalcanti: Qual é o preço da liberdade?

Estamos vivendo dias constrangedores. Muita gente no Brasil não tem a menor noção do que seja exercer uma atividade pública. Tanto representantes do povo como esmagadora parte do próprio povo, todos demonstram que não sabem fazer a correta distinção entre o que é público e o que é privado.

O comportamento da maioria dos cidadãos e dos governantes revela esta realidade: os conceitos de bem público e de bem privado aparecem sempre muito misturados, de forma confusa e até ardilosa, sufocados pelos interesses particulares de pessoas, famílias, corporações, sindicatos, ONGs suspeitas e seitas pseudorreligiosas.

Os resultados dessa criminosa contaminação são aterradores. Populismo, demagogia, uso perverso dos meios de comunicação, acirramento dos ressentimentos entre categorias sociais. Total falta de transparência no gerenciamento dos tributos arrecadados, nepotismo, enriquecimentos inexplicáveis. E o pior: o apodrecimento dos valores morais. Por isso tem sido tão deprimente enfrentar o que vem sendo trazido à tona nestes últimos tempos.

Não adianta alegar que em épocas anteriores também havia pilhagem do bem comum. Sabemos disso. Mas havia reação. Havia quem se escandalizasse. Havia quem se envergonhasse… Hoje, não. A impunidade está sendo aceita. Virou regra geral. Parece que todo o talento de nossa gente se aplica à fantástica criatividade de novas modalidades de golpes.

Pior do que isso é ter de aturar, na mídia, as declarações e as explicações dos nossos caciques. Pedem respeito às suas pessoas incomuns. Exigem consideração por sua biografia. E o fazem alegando valores republicanos!

É muito cinismo!

É muita arrogância!

A palavra República nada tem que ver com esses comportamentos. República não é nada disso. A expressão res publica, que herdamos da língua latina, significa coisa pública. A República, portanto, cuida da coisa pública. Seu objetivo principal é o bem comum.

Ser republicano é dar primazia ao bem comum. Significa que cabe ao político cuidar do bem comum. Significa que a atividade política se desenvolve na área da justiça. E se vincula integralmente à ética. Sem ética não há política nem políticos. Sem justiça não há política nem políticos.

Diante do panorama que temos à nossa vista, vale a pergunta: de que cuidam os políticos em nosso país, nestes tempos negros? A resposta é aterradora: só pensam em chegar ao poder. Ficar no poder. Usufruir o poder. Gozar o poder. Aproveitar o poder. Tirar vantagens do poder.

Acontece que na verdadeira República o poder só existe para que alguém exerça a tarefa de governar. É isto o que os brasileiros devem exigir de quem chega ao poder: cuidem apenas de governar.

O significado republicano de governar exige zelo pelo bem comum, honesto gerenciamento dos recursos públicos, prestação de contas rigorosa de todos os atos e respeito às leis. As leis, na República, são votadas para ser cumpridas por todos, governantes e governados.

Não é isso o que estamos vendo, mas exatamente o contrário. Os encarregados de zelar pelo bem comum cuidam somente de interesses particulares, partidários, ideológicos, sindicais, corporativos e familiares. Desdenham dos objetivos do bem comum. Apropriam-se dele sem nenhum sinal de vergonha ou constrangimento.

E é nesta realidade deprimente que o Brasil, no domingo, vai escolher de novo seus governantes! Raras vezes vivi um clima pré-eleitoral tão esquisito. Tão absurdamente apalermante! Qual vai ser a reação de nosso povo diante de tudo o que vem acontecendo, como uma enxurrada em dias de tempestade? Onde está a indignação de nossa gente?

Encarapitado no planalto goiano, o governo vive fora da vigilância da população. Ali é quase milagre escapar da contaminação. O presidente, seus subordinados, os senadores, os deputados, os ministros, os membros do Judiciário e mais os aliciantes amigos dos Poderes, todos os que atuam nesse ambiente à parte do País respiram o dia inteiro as vantagens e os privilégios; os conluios e os conchavos marcaram a implantação da capital. Em Brasília, tudo o que é coisa pública está pronto para virar coisa privada! Ninguém conhece limites. Emprego para aliado, protegido, marido, filho, esposa, nora, sogra, avó… Supostas verbas indenizatórias. Luz, telefone, passagens, gastos com as bases, malícias nos artigos das medidas provisórias, espertíssimas emendas orçamentárias, concorrências de fachada, licitações com cartas marcadas, recibos e notas frias. Enfim, um labirinto burocrático infernal, onde o poder jamais cuida do bem comum.

Qual a solução? Existe alguma? Existe. Mas para isso é preciso que apareçam lideranças de verdade. Não há de ser com a UNE subordinada de hoje, nem com candidatos que se escondem sob as ordens de marqueteiros.

Qual o caminho? Tentar acabar com a passividade do eleitor brasileiro. Dando-lhe voz. Dando-lhe meios para exigir dos partidos a indicação de nomes sérios. Dando-lhe meios para cobrar fichas limpas. Sem isso, nada feito. Pelo sistema de hoje, nosso voto não passa de um simples voto de boas-festas, de parabéns, de pêsames ou de louvor. Os partidos atuais não vivem pela força de seus filiados atuantes. Sobrevivem por causa de alianças passivas com o poder. Essa mudança tem de ser feita. Quem fará? Nós! Cabe a nós lutar para garantir a liberdade de opinião e o direito de escolha. Nossa liberdade está prestes a ser agredida. Mas nós vamos reagir. A imprensa mudou o mundo, mas a internet ainda mudou mais. Essa revolução é a nossa força. A turma que está no poder quer impedir a nossa praça!

Na hora de votar, lembre-se disso. O preço da liberdade é a eterna vigilância. Vigiai e orai! Quantos somos? Onde estamos? Qual nosso alvo? Dia 3 de outubro vamos reproclamar a República?