sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Peter Rosenfeld - Foro de São Paulo

O Brasil está sendo gradualmente encaminhado para adotar todas as medidas preconizadas pelo Foro de São Paulo, entidade da qual foi membro-fundador. Logo, encaminha-se para uma ditadura (à la Hugo Chaves).

Eis o processo:

- Abolir a liberdade de imprensa. Há dias, o Presidente da Silva disse alto e bom som que a imprensa não deveria poder investigar; deveria se limitar a informar. Pergunto: informar o quê ? O que lhe for repassado por uma agência governamental de notícias, como era no tempo do DIP do ditador Getúlio Vargas ?

Façam-me o favor ! É da essência do jornalismo investigar tudo aquilo que julgar merecer um maior esclarecimento. O mais notório exemplo dos resultados dessa política foi-nos dado pelo episódio “Watergate”, nos Estados Unidos. Relembro:

Dois jornalistas do matutino Washington Post, quase farejando que no episódio da invasão da sede do partido democrata na capital americana havia algo a mais, buscaram exaustivamente as provas de que a operação ilícita tinha sido comandada pelo Presidente Nixon, que afirmava categoricamente que não sabia de nada.

Graças aos jornalistas, foi apanhado na mentira, tendo que renunciar para não ser demitido(por impeachment) .

Nosso Presidente da Silva negou categoricamente conhecer qualquer uma das enormidades criminosas cometidas por membros de seu partido, o antes impoluto PT ! Waldomiro Diniz, mensalão e seus beneficiários, dólares na cueca e tantos mais.

Infelizmente, no Brasil não é crime o Presidente mentir.

Mas felizmente, graças à liberdade de imprensa e ao direito de os jornalistas investigarem tudo aquilo que julgarem merecer uma investigação, os fatos acima e tantos outros vieram à tona; similares idem.

Mas o Foro de São Paulo não gosta disso !

- Tribunal de Contas – O Presidente da Silva defende a extinção pura e simples do Tribunal de Contas da União. Por que ? Porque o Tribunal, em verificando irregularidades em obras públicas, tem o poder de determinar que sejam paralisadas até que as mesmas sejam corrigidas. Absurdo, diz o Sr. da Silva ! Imaginem o quanto custa essa paralisação ! Se com essa faculdade do TCU já há uma infinidade de obras e outros gastos super-faturados, é inimaginável a roubalheira que existiria sem o TCU ! Mais: se fosse extinto o TCU, seriam extintos os Tribunais de Contas Estaduais. Aí então teríamos o caos !

Novamente o ranço ditatorial, bem na linha do que propõe o Foro de São Paulo !

- Reeleição – O Foro de São Paulo prega que um governante possa se reeleger ad infinitum. Um número razoável de países da América Latina já aderiu plenamente a essa orientação; outros estão a caminho. Dentro de pouco tempo, talvez a quase totalidade tenha adotado esse sistema. Se o Sr. José Mujica for eleito no Uruguai, lá se irá mais um País no caminho do que prescreve o Foro de São Paulo.

Por enquanto, o Presidente da Silva se declara inteiramente contrário a um regime de exceção, como não poderia deixar de ser. Mas como um dos fundadores do Foro, certamente não abandonará a orientação do mesmo. Esperemos até 2014 !

- Campanha eleitoral – Pela lei eleitoral brasileira em vigor, propaganda só poderá ser feita após julho de 2010 (já escrevi que acho errado esse dispositivo da lei, mas lei é lei e tem que ser cumprida, principalmente pela autoridade máxima do País !).

O que está sendo feito pelo Sr. da Silva e pela provável candidata do PT à Presidência é a mais escancarada e ostensiva campanha eleitoral . Tanto assim que o Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal, a mais alta autoridade judiciária do País, alertou sobre a irregularidade. Jamais teria se manifestado não fosse a maneira escandalosa como a Lei vem sendo desrespeitada.

É até surpreendente que o Superior Tribunal Eleitoral ainda não tenha se pronunciado. Da mesma forma, é curioso o silêncio dos normalmente zelosos Procuradores da Justiça Eleitoral. Mas reveladora a posição do novo Advogado-Geral da União !

E não me digam que é porque, no entender dessas autoridades, o Sr. da Silva e sua candidata não estão agredindo a Lei ! Se pensam assim, estão cegos !

Deixando de lado o Foro de São Paulo, é surpreendente a rapidez com que o Sr. da Silva se inteirou (assim entendido por ele) sobre o mercado internacional de produtos siderúrgicos. Espantoso ! Lamentável que tenha falado tanta besteira. Escrevi sobre isso em meu artigo da semana passada, “Exportações”.

Também de entristecer são as lamentáveis gafes cometidas por Sua Excelência, chamando o Sr. Mangabeira Unger de “Gabeira” e o Sr. Samuel Pinheiro Guimarães de “Salomão”.

Dois cavalheiros de destaque, um ex-Ministro e o outro sendo empossado como Ministro. Francamente, o Sr. da Silva deveria abandonar, de uma vez por todas, suas falas de improviso.

Em todas, sempre, acaba falando alguma bobagem; não é o que se espera de um Presidente da República.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Estadão - Chega de afagar a cabeça dos criminosos do MST

É só aplicar a lei

Em boa hora a oposição conseguiu "ressuscitar" a CPI do MST, graças à chocante exibição, em todos os telejornais do País, do vandalismo praticado na fazenda da Cutrale. Espera-se, assim, que ? apesar dos obstáculos a serem colocados pela maioria governista da Comissão ? a CPI consiga apurar os repasses diretos ou disfarçados de verbas públicas para uma entidade deliberadamente fora da lei. Mas a verdade é que nada disso seria necessário se a lei vigente no País fosse cumprida. Bastaria aplicá-la, com o necessário rigor, para que o Movimento dos Sem-Terra (MST) fosse impedido de desrespeitar, sistematicamente os direitos individuais e de propriedade ? e, mais ainda, de receber verbas públicas por interpostas entidades que acabam financiando suas afrontosas operações de esbulho e depredações.

Após participar da abertura do 1º Congresso Nacional de Direito Agrário, promovido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, lembrou que existem instrumentos para coibir os repasses de dinheiro público a invasores de propriedades. "A lei manda que o governo suste os subsídios para entidades que promovem invasões e violências; todo esse aparato legal deveria ser aplicado", afirmou o ministro. Ele considera que a atuação irregular de bandos como o MST pode ser combatida com as leis criminais, a sustação de repasses e o controle sobre autoridades omissas no cumprimento das normas nos conflitos fundiários. Em seu entender, o País tem legislação "suficiente" sobre as questões agrárias nas áreas civil, penal e administrativa. "É preciso que ela seja devidamente aplicada", disse ele.

Quando indagado se o governo está sendo leniente em relação ao MST, Gilmar Mendes observou: "As pessoas têm de fazer a avaliação de suas responsabilidades. Agora, se eventualmente alguém se omite, há um sistema de controle." Por outro lado, ele não acha que esteja havendo uma tentativa de "criminalização" dos movimentos sociais, mas sim a exigência de que o ato criminoso praticado por qualquer pessoa ? pertença a que entidade ou movimento seja ? deva ser tratado, efetivamente, como crime.

O ministro considera que o País não precisa de novas leis para o campo. "O que é preciso é que as leis sejam devidamente aplicadas pelos segmentos incumbidos de fazer esta aplicação", afirma Mendes. Mas o que se assiste no Brasil dos últimos anos é o oposto disso. No campo dos conflitos fundiários e, especialmente, nas mobilizações dos movimentos ditos "sociais", como o MST, o que se vê é a ousadia cada vez maior dos militantes e o concomitante recuo das autoridades, que se omitem do dever de fazer respeitar a lei e a ordem pública.

Mesmo depois daquelas cenas chocantes de tratores destruindo laranjais, que deram margem a reações indignadas da sociedade, um ministro de Estado falou de "ondas persecutórias" que estavam se formando contra um "movimento social". Nisso ele sintetizou toda a complacência que tem levado os militantes emessetistas ? e de grupos assemelhados ? a não respeitar limite algum ao invadir e ocupar fazendas produtivas, destruindo cercas, matando animais, arrasando plantações, colocando empregados rurais em cárcere privado, além de saquear cabines de pedágio, interditar rodovia, ocupar prédios públicos e outras violências semelhantes.

Lembrando que a competência constitucional para fazer a reforma agrária é do governo federal, o secretário estadual de Justiça de São Paulo, Luiz Antonio Marrey, que participava do mesmo evento, observou: "Há declarações conflitantes no governo federal, de diferentes setores e autoridades. Uns repudiam a violência, outros passam a mão na cabeça dos movimentos que invadem e destroem." Acrescentaríamos a essa observação o fato de a segurança pública estar a cargo dos governos estaduais e de suas respectivas forças policiais, quando se trata da prática de crimes, por quem quer que seja, ou do cumprimento de determinações da Justiça. No entanto, há Estados em que as ordens de reintegração de posse são simplesmente ignoradas pela polícia local, seguindo "ordens superiores".

Não é apenas o governo federal que fecha os olhos ao esbulho e afaga a cabeça dos criminosos.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Reinaldo Azevedo - Adams, o Luiz Inácio da Advocacia Geral, e a venda da Varig

Ontem, Adams, novo advogado geral da União e mais recente representante da família Luiz Inácio, concedeu uma entrevista em que “absolveu” o outro Luiz Inácio, o da Silva, e a ministra Dilma Rousseff de qualquer, vamos dizer, exorbitância eleitoreira nos “comícios” (segundo Da Silva) que ambos têm feito por aí.

Luiz Inácio Adams, Luiz Inácio Adams, Luiz Inácio Adams… De onde mesmo, meu Deus? Ah, lembrei. Já sei onde li antes este nome. Leiam esta reportagem a Folha de 9 de junho de 2008:

Procurador discutiu caso Varig com Dilma
Hoje na Folha O ex-procurador-geral da Fazenda Nacional e um dos poucos opositores à venda da Varig nos moldes desejados pelo governo, Manoel Felipe Brandão, 46, disse, em entrevista a Leonardo Souza, que foi chamado pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), por diversas vezes, para tratar do assunto.
Ele negou ter sofrido pressão, mas disse que havia uma “polêmica muito grande na Casa Civil” e forte resistência contra sua posição, incluindo da número dois de Dilma, Erenice Guerra.
Brandão deu parecer pelo qual as dívidas da Varig teriam de ser assumidas pelo comprador da empresa. Esse era o maior empecilho à venda da companhia. Ele foi substituído por Luiz Inácio Adams, que deu parecer exatamente como queria o Palácio do Planalto, ou seja, a dívida não seria da responsabilidade do novo controlador da companhia aérea.
“Eu não acho que eu tenha sofrido pressão, eu sofri resistências ao meu pensamento. E eu resisti dignamente, porque eu achava que estava correto e mantive meu pensamento até o final. Se alguém se sentiu pressionado e fez o que não acreditava, eu não tenho nada a ver com isso”, disse o ex-procurador-geral da Fazenda.

Denúncias
Segundo acusações da ex-diretora da Anac, Denise Abreu, a Casa Civil favoreceu a venda da VarigLog e da Varig ao fundo Matlin Patterson e aos três sócios brasileiros (Marco Antonio Audi, Luiz Eduardo Gallo e Marcos Haftel).
Segundo ela, Dilma a desestimulou a pedir documentos que comprovassem a capacidade financeira dos três sócios para comprar a empresa, já que a lei proíbe estrangeiros de possuir mais de 20% do capital das companhias aéreas.
A ex-diretora, que se disse vítima de uma armação, afirmou ainda que a filha e o genro do advogado Roberto Teixeira –amigo do presidente Lula e cujo escritório era representante dos compradores à época– usaram sua influência para pressioná-la.
A ministra Dilma Rousseff negou as acusações. “As acusações feitas pela doutora Denise Abreu são falsas”, disse a ministra.
“Eu queria destacar que este tema foi tratado no âmbito da Anac e também no âmbito do processo de falência da Varig. O governo teve uma grande preocupação com a falência da Varig e com a descontinuidade do serviço. As acusações serão respondidas no âmbito da Anac e do processo de falência”, afirmou Dilma.

Voltei
Era isto! Eu lembrava que Luiz Inácio Adams já tinha estado nos mesmos textos que tratavam na Varig, de Dilma e do Primeiro-Compadre, Roberto Teixeira. Só não me lembrava de detalhes. Agora me lembrei.

Adams, um nome da grande família Luiz Inácio, que governa o Brasil. Convenham: a gente pode até se indignar, mas jamais se surpreender.

Augusto Nunes - Sarney precisa saber que o abandono do local do crime não inocenta o criminoso

O Brasil precisa reaprender a contar o caso como o caso foi, usar a palavra justa no lugar do eufemismo malandro e enxergar as coisas como as coisas são. Por exemplo: onde parece haver a Fundação José Sarney existe a fachada de uma organização envolvida em incontáveis bandalheiras. E o que é apresentado como ”impossibilidade de funcionamento” tem cara de queima de arquivo.

Segundo o presidente vitalício, ”os doadores suspenderam suas contribuições pela exposição com que a instituição passou a ser tratada por uma parte da mídia”. Conversa de 171. Os parceiros fugiram antes que o camburão estacione no outro lado da rua. O barulho da sirene começou em junho, quando a Justiça atendeu ao pedido do Ministério Público Federal e determinou a devolução ao governo maranhense do Convento das Mercês.

Expropriado ilegalmente, o convento foi reduzido a refúgio de pecadores pela ”Madre Superiora”, alcunha que identifica Sarney nas suspeitíssimas conversas por telefone entre o filho Fernando e comparsas de alta patente, gravadas pela Polícia Federal. Em julho, foram reprovadas as contas relativas às movimentações financeiras de 2003 a 2007 e o Ministério Público do Maranhão decidiu intervir.

A Fundação vive de esmolas porque sempre fez questão de manter distância dos cofres públicos, fantasiou a Madre Superiora sem chances no Dia do Juízo Final. É muito cinismo, berram os fatos. Sobram provas materiais de que a turma da Fundação desviou fatias consideráveis de boladas extorquidas do governo estadual, do Ministério da Cultura, da Petrobras e da Eletrobras, fora o resto.

Acumulam-se documentos que confirmam a chegada de quantias milionárias originárias de empresas fantasmas plantadas em paraísos fiscais no exterior por amigos de Sarney. São tantas as evidências comprometedoras que o chefe resolveu apressar o encerramento das atividades e evadir-se do endereço de má fama. Pouco importa. O abandono do local do crime não encerra o caso, não revoga a delinquência, não inocenta o culpado.

Mais de nove meses depois dos primeiros achados nas catacumbas do Senado, Sarney continua na presidência da Casa do Espanto, Pedro Simon desistiu de convencê-lo a largar o osso, Artur Virgílio já não acha intolerável a presença do chefão no centro da Mesa, Álvaro Dias não tem mais nada a investigar, Eduardo Suplicy trocou o cartão vermelho de juiz do Sarney pela cueca vermelha do Super-Homem, Aloízio Mercadante coleciona rendições em outras frentes, Romero Jucá e Renan Calheiros vão comemorar o reveillon em liberdade. A turma do pântano atravessou impune mais um ano. A oposição não se opõe. O Estadão continua sob censura.

Mas nenhum dos muitos crimes comprovados prescreveu. Os bandidos continuam bandidos, e o Brasil que presta tem o dever de seguir exigindo a punição dos fora-da-lei: a alternativa para a resistência é a capitulação. A dedetização judicial da Fundação não pode limitar-se ao Convento das Mercês. A ramificação mais lucrativa do grupo prospera em Brasília e usa como base de operações o Ministério de Minas e Energia, chefiado pelo cúmplice Edison Lobão.

O braço da Justiça deve ser estendido aos porões do Senado, dos tribunais manchados por indicações do imortal maranhense e do ministério controlado por candidatos a um banco dos réus. Se tudo der em nada, o Judiciário terá institucionalizado a absolvição prévia dos pecadores da primeira classe.

A bandidagem federal esbanja autoconfiança por confundir maioria com unanimidade. Tratemos de lembrar-lhe todo o tempo que a espécie dos brasileiros honestos não foi extinta.

Ralph J. Hofmann - Falta um manifesto

Durante décadas ouvimos e lemos sobre os anos de chumbo, quando o Estado de São Paulo altaneiramente enfrentou a censura.

Ouvimos diatribes sobre a mão de ferro do regime. Hoje há uma lista de pessoas, dos quais os mais flagrantes são Carlos Heitor Cony, Ziraldo e Jaguar, pensionistas do atual governo, que alegadamente teriam tido suas carreiras cerceadas pelo regime de exceção, que se calam ante o ataque à liberdade de expressão nestes três meses em que se aplica um zíper à boca do Estadão.

Vemos intelectuais do mundo inteiro e do Brasil deblaterar contra uma CPI que avalie as agressões à liberdade realizadas pelo MST.

Vemos pessoas indubitavelmente capazes de raciocínio que nunca hesitaram em criticar Fernando Henrique Cardoso mas agora permanecem silenciosos ante os desmandos no Brasil, ante a derrocada das liberdades na Venezuela, ante o visível extermínio da capacidade de produzir alimentos daquele país, ante atos pueris como a nacionalização de um hotel, em um ato que nada contribui para o seu progresso (aliás, talvez essas vozes silenciosas estejam se regozijando ante os futuros convites para estadias gratuitas naquele estabelecimento, sem lembrar que de Cuba à antiga União Soviética, os estados comunistas nunca conseguiram manter a qualidade da hotelaria – passa a ser uma atividade subserviente, destinada aos quadros mais incompetentes do partido).

Repito tudo isto, sobre o Brasil e sobre os países vizinho, lembrando que há muito mais, que já está sendo dito em muitos blogs e newsletters, para declarar categoricamente. Hoje está muito claro. Os batalhadores contra o regime de 1964 o faziam por vaidade. Acirravam os ânimos, causaram a longevidade do regime militar para sentirem-se bravos batalhadores. Raros dentre os sobreviventes tiveram perdas reais. Nenhum deles soube recusar uma “compensação de guerra”, mesmo os mais prósperos dentre eles. Me desculpem os poucos, que tenho certeza existem, que altaneiramente recusaram alguma compensação por perdas decorrentes de posições tomadas naqueles vinte e poucos anos. Estes fizeram o que acreditavam ser seu dever, e o fizeram no mesmo espírito em que aos dezoito anos de idade cumpriam o dever do serviço militar. Viam uma obrigação nisto. Mas a maioria encara o atual momento com o espírito cartaginês. “VaeVicti”, ai dos vencidos. Não vêem espaço nom obrigação de preservarem posições morais ou éticas.

Hoje, decorridos outros 23 anos, ou seja, período igual ou maior ao do regime militar, com uma constituição em vigor, cuja elaboração os líderes do atual governo menosprezaram, apesar de terem disputado eleições para serem membros da constituinte, mas que em última instância devia nortear as liberdades no país, vemos o direito à expressão, o direito à propriedade, o direito à segurança, o direito à saúde serem preteridos.

Quero saber se um dia veremos um manifesto assinado pelas vozes das décadas de sessenta e setenta levantadas contra a bagunça que aí está. Não precisam abandonar seus ideais. Apenas precisam ser corretos e leais. Durante vinte anos protestaram os “casuísmos” que enxergaram no regime. E agora, prósperos, homenageados, paparicados, recusam-se a reconhecer as injustiças, roubos, assassinatos e malversações de seus camaradas.

Houve um tempo em que se podia esperar que as pessoas de sessenta ou setenta anos tinham algo a demonstrar aos mais jovens em termo de bom senso, experiência e até coragem moral. A maioria dos velhos combatentes dos anos mil novecentos e sessenta e setenta está nessa faixa etária. Mas nos desaponta. Não lembram em nada aqueles velhos combatentes franceses que em 1939 vestiam suas fardas das batalhas do Somme e de Verdun em 1914-18 e vinham instar com o exército que os aceitasse de volta à fileiras.

São frouxos, aproveitadores, indivíduos indignos de qualquer consideração.

Paulo Guedes - Raízes do socialismo bolivariano II

“Proclamando-se libertador e ditador da Venezuela, Simón Bolívar formou uma tropa de elite para sua guarda pessoal. Sua ditadura não tardou a degenerar em anarquia. Os negócios importantes eram entregues aos amigos, arruinando as finanças públicas. O entusiasmo popular tornou-se descontentamento. (...) Em 4 de janeiro de 1817, decretou a Lei Marcial, concentrando todos os poderes em suas mãos. Passados cinco dias, quando o general Arismendi caiu numa emboscada dos espanhóis, o ditador fugiu para Barcelona. Em 5 de abril, os espanhóis tomaram essa cidade, e as tropas patriotas retiraram-se para uma fortificação nas proximidades. Bolívar deixou seu posto à noite, transferindo o comando ao coronel Freites, com a promessa de voltar com mais soldados. Confiante, Freites recusou a proposta de capitulação e foi trucidado com toda a guarnição pelos espanhóis.”

“Presidente e libertador da Colômbia, protetor e ditador do Peru, padrinho da Bolívia, promoveu congresso no Panamá com Brasil, La Plata, México e Guatemala, sob pretexto de criar um novo código democrático internacional. O que Bolívar realmente queria era ser o ditador de uma federação sul-americana. Insistia na necessidade de se outorgarem novos poderes ao Executivo. Sob pressão de suas baionetas, assembléias populares em Caracas, Cartagena e Bogotá investiam-no de poderes ditatoriais. Bolívar exortava os cidadãos a expressar seus desejos por modificações na Constituição”, registra Marx no verbete “Bolívar y Ponte” (1857), preparado para a “Nova Enciclopédia Americana”.

A evidência é devastadora: Karl Marx é visceralmente antibolivariano. As críticas de Marx a Simón Bolívar são de extraordinária ferocidade. Descredenciam suas manobras militares, depreciam suas motivações políticas e desqualificam seu caráter pela exposição de repetidos episódios de covardia e deslealdade.

As raízes do visceral antibolivarianismo marxista estariam no autoritarismo e nos atos antidemocráticos de Bolívar, em profunda contradição com os ideais libertários e democráticos de Marx, explicam Arico, Rosenmann e Cuadrado, em “Simón Bolívar por Karl Marx” (2001).

Karl Marx inicia seu “O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte” (1852) com a observação de Hegel de que todos os fatos e personagens de grande importância na História se repetem. Mas acrescenta sua clássica advertência: ocorrem a primeira vez como tragédia, e depois como farsa.

São perturbadores os sintomas da reengenharia social de Hugo Chávez. A desorganização da economia, a síndrome plebiscitária por mudanças constitucionais, o impedimento da alternância no poder, a asfixia do Judiciário e do Legislativo, a supressão dos partidos oposicionistas, o controle dos meios de comunicação, a formação de milícias armadas e a interferência política em países vizinhos são o prenúncio inequívoco de tempos conturbados à frente.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Datafolha - Pesquisa sobre corrupção

Opinião Pública - 05/10/2009

83% dos brasileiros admitem já ter cometido pelo menos uma prática ilegítima

Chega a 83% o percentual de brasileiros que admitem já ter cometido pelo menos uma prática ilegítima, ou corrupta, mostra pesquisa realizada pelo Datafolha entre os dias 4 e 6 de agosto de 2009.

Entre os que têm de 16 a 24 anos essa taxa vai a 93%.A admissão de prática ilegítima é maior entre os homens (86%) do que entre as mulheres (80%). Fica acima da média entre os que moram nas regiões Norte e Centro-Oeste (90%) e também entre os que residem em regiões metropolitanas, capitais incluídas (87%).

Foram realizadas 2122 entrevistas em 150 municípios e a margem de erro máxima é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Foram utilizados dois questionários na pesquisa. Primeiramente, o pesquisador do Datafolha fez uma série de perguntas sobre moralidade e corrupção, entre elas uma “bateria” de questões sobre alguns atos específicos, como comprar produtos piratas ou colar em provas ou concursos.

A seguir, o pesquisador entregou ao entrevistado um questionário para que ele próprio preenchesse, no qual se perguntava se ele tinha cometido tais atos ilícitos. Esse questionário foi depositado em uma urna lacrada, de forma a que o pesquisador não tivesse acesso às respostas do entrevistado, garantido assim que ele não se preocupasse com o sigilo das informações.

De modo geral, a pesquisa mostra que os que admitem que já cometeram tais ações ilegítimas consideram esses atos mais aceitáveis do que aqueles que dizem não tê-los cometido. Os brasileiros que fazem parte das classes A e B também são mais tolerantes quanto a esses atos do que os que integram as classes D e E. Esse resultado que provavelmente se relaciona ao fato de que os mais abastados são exatamente os que mais admitem práticas ilegítimas: 94% entre os que fazem parte das classes A e B, ante 83% dos que integram a classe C e 71% dos que pertencem às classes D e E.

A maioria (68%) dos brasileiros já comprou produtos piratas, como DVDs, CDs ou programas de computador. Apesar disso, 54% dos que já compraram produtos piratas considera essa prática moralmente errada. Do total de brasileiros entrevistados, 63% consideram essa prática moralmente errada.

Um terço (31%) já colou em provas ou concursos. Dos que já colaram em provas ou concursos, 72% acham que isso é moralmente errado, taxa que é de 86% entre o total de brasileiros.

Um terço (30%) já comprou produtos contrabandeados. Para 80% dos brasileiros, como um todo, esse é um hábito moralmente errado, taxa que cai para 59% entre os que já se envolveram com contrabando.

Dizem já ter recebido troco a mais, e não tê-lo devolvido, 27%. Para 88% do total de entrevistados, receber troco a mais e não devolver é moralmente errado: entre o total de entrevistados que já embolsaram dinheiro extra ao fazer uma compra, 74% acham que isso é moralmente errado.

Já baixaram músicas na internet sem pagar por elas 27%. Do total de entrevistados, 64% acham que esse é um ato moralmente errado. Entre os que já fizeram downloads musicais na rede, a taxa dos que acreditam que se trata de algo moralmente aceitável (39%) é ligeiramente superior à dos que acham que se trata de algo moralmente errado (34%). Para um quinto (20%) dos que já baixaram músicas gratuitamente não se trata de uma questão moral.

Admitem já ter ultrapassado o farol vermelho 26%. Para 83% do total de entrevistados essa é uma prática moralmente errada (66% entre os que já cometeram o delito).

Afirmam já ter comprado ingressos de cambistas 18%. Para 73% do total de entrevistados esse é um ato moralmente errado. Entre os que já compraram ingressos dessa forma, 39% acham moralmente errado e 35% consideram moralmente aceitável; 16% dizem que não se trata de uma questão moral.

Já baixaram filmes na internet sem pagar por eles 15%. Do total de brasileiros entrevistados, 66% consideram esse ato moralmente errado. Entre os que admitem ter baixado filmes sem pagar ocorre empate entre os que acham que se trata de algo moralmente errado e os que não vêem problema na prática: 37% em ambos os casos.

São 14% os que admitem já ter parado o carro em fila dupla. Chega a 82% os que acham se tratar de algo moralmente errado (61% entre os que já fizeram).

Já compraram ou pagaram para que outra pessoa fizesse um trabalho escolar 12%. Para 88% do total de entrevistados trata-se de um ato moralmente errado (69% entre os que já fizeram).

Afirmam já ter mudado ou decidido o voto em uma eleição em troca de emprego ou favor 10%. Para 89%, isso é moralmente errado. Entre os que já mudaram ou decidiram o voto em troca de emprego ou favor, cerca de um terço (29%) considera essa atitude moralmente aceitável. Para 59% desses entrevistados ela é moralmente errada.

Percentual pouco menor (6%) admite já ter mudado ou decidido o voto em troca de dinheiro. Nesse caso, 94% do total acha que é algo moralmente errado e, taxa que é de 72% entre os que já literalmente venderam seu voto.

Os percentuais são parecidos no que se refere aos que dizem ter mudado ou decidido o voto em troca de algum presente: 5% já fizeram e 94% do total consideram a prática moralmente errada, que é condenada por 74% dos que já trocaram seu voto por algum presente.

Fazer ligações clandestinas (vulgarmente conhecidas como “gato”) de fiação elétrica é uma prática admitida por 9% do total de entrevistados. Chega a 93% a taxa dos que consideram tal ato moralmente errado (76% pensam assim entre os que já fizeram).

Admitem ter levado material ou equipamento do trabalho para casa, sem autorização da empresa, 8%. Para 94% trata-se de um ato moralmente errado (79% entre os que admitem já ter feito).

Também são 8% os que dizem já ter pago para obter um atestado médico. Para 92% do total de entrevistados trata-se de algo moralmente errado, taxa que cai para 73% entre os que já fizeram.

As taxas são semelhantes quando se trata dos que já pagaram para obter uma receita médica: 7% já fizeram e 92% do total consideram a prática moralmente errada, que é condenada por 74% dos que já compraram uma prescrição médica.

Declaram ter levado objetos de restaurantes 6%. Consideram algo moralmente errado 95%; entre os que admitem já ter feito tal coisa, essa taxa é de 74%.

A taxa dos que admitem ter levado objeto de hotéis também é de 6%. Nesse caso, 93% do total de entrevistados acha que é algo moralmente errado e 70% dos que já fizeram tal coisa têm a mesma opinião.

Ofereceram dinheiro, ou uma caixinha, para um funcionário público, para obter alguma vantagem, 5%. Para 94% do total de entrevistados esse é um ato moralmente errado; 77% dos que já ofereceram caixinha concordam que se trata de um erro.

O percentual dos que ofereceram uma caixinha para um guarda de trânsito, para não pagar multa, também é de 5%. Para 93% do total de entrevistados esse é um ato moralmente errado; 68% dos que já ofereceram caixinha concordam que se trata de uma conduta moralmente errada, ante 22% que acham que é algo moralmente aceitável.

Também são 5% os que já mentiram ao declarar o imposto de renda. Consideram algo moralmente errado mentir ao declarar o imposto 82%; entre os que admitem já ter mentido ao preencher sua declaração essa taxa é de 65%.

Mentiram ao declarar o imposto de renda sobre despesas que não fizeram para obter uma restituição maior 4%. Consideram esse ato moralmente errado 87% do total de entrevistados e 77% dos que já o praticaram.

Pagaram para ser atendidos antes em serviços públicos de saúde 4%. Do total de entrevistados, 93% acham que é algo moralmente errado. Entre os que já pagaram por esse tipo de serviço a taxa dos que consideram esse ato moralmente errado é de 86%.

Têm ou já tiveram empregados ou funcionários sem registro em carteira 4%. Acham que isso é algo moralmente errado 86% do total de entrevistados. Metade (51%) dos que têm funcionários nessa condição acha que é algo moralmente errado, ante 27% que acreditam que se trata de algo moralmente aceitável.

Já compraram dólares no mercado paralelo, com doleiros ou cambistas, 4%. Para 81% do total de entrevistados trata-se de algo moralmente errado, percentual que é de 52% entre os que já fizeram tal coisa. Entre os que já compraram dólar no paralelo chega a 34% a taxa dos que acreditam que trata-se de algo moralmente aceitável.

O percentual dos que falsificaram documentos, de modo geral, é de 3%. Para 97% do total de entrevistados esse é um ato moralmente errado, taxa não muito diferente da verificada entre os que já praticaram falsificações (91%).

Falando de um documento específico, a carteira de estudante, que dá ao portador o direito de pagar meia-entrada em alguns estabelecimentos, 3% admitem já tê-la falsificado. Mais uma vez, quase a totalidade (95%) do total de entrevistados acha que se trata de um ato moralmente errado. Entre os que admitem já ter falsificado a carteira de estudante, 75% acham que cometeram um erro moral e 16% acreditam que fizeram algo moralmente aceitável.

Trouxeram produtos do exterior acima do limite legal, sem pagar o imposto correspondente, 3%. Para 85% do total de entrevistados trata-se de uma atitude moralmente errada, taxa que cai para 58% entre os que já fizeram – um terço (30%) dos que já trouxeram produtos do exterior sem pagar impostos acha que fez algo moralmente aceitável.

Admitem já ter comprado ou pago para facilitar a obtenção de uma carteira de motorista 2%. Para 95% do total de entrevistados trata-se de um erro moral, taxa que é de 89% entre os que já tomaram tal atitude.

Também são apenas 2% os que já ofereceram um dinheiro por fora, ou uma caixinha, por um serviço, seja no setor público ou privado. Para 94% do total de entrevistados trata-se de uma atitude moralmente errada (89% entre os que já fizeram).

Apenas 1% diz já ter comprado um diploma. Entre os que admitem ter feito isso, 96% acham que se trata de um erro moral (mesma opinião de 84% dos que já compraram um diploma).

A grande maioria dos entrevistados acha que é eticamente errado um político usar dinheiro do governo em viagem de férias (97%), um policial aceitar dinheiro, ou uma caixinha, de uma pessoa que teve seu carro recuperado pela polícia (90%), um político fazer pressão para que um parente obtenha um emprego no governo ou no setor público (89%), um político dar emprego para parentes no governo ou no setor público e um funcionário público aceitar presentes de empresas que são fornecedoras ou prestam serviços para o governo (79% em ambos os casos).



74% dizem sempre obedecer as leis, mesmo se isso fizer com que percam oportunidades

Algumas frases foram apresentadas aos entrevistados, para que eles dissessem se concordam ou discordam delas.

Chega a 74% a taxa dos que concordam com a frase “eu sempre obedeço as leis, mesmo se isso me fizer perder boas oportunidades” (55% concordam totalmente).

Concordam com a frase “a maioria das pessoas que eu conheço tentaria tirar proveito de mim se tivessem a chance” 56%, sendo que 35% concordam totalmente.

Atinge 76% a discordância com a frase “se eu quero ganhar dinheiro, nem sempre posso ser honesto” – 65% discordam totalmente.

A maioria (62%) também discorda da frase “não é possível fazer política sem um pouco de corrupção”, dos quais 51% discordam totalmente.

Afirmam que rejeitariam uma oferta de dinheiro para mudar seu voto às vésperas de uma eleição 82%. Admitem que aceitariam dinheiro para trocar de voto 12%.

Por outro lado, quando perguntados como seus compatriotas se comportariam desse tipo de oferta, 79% dizem que os brasileiros, de modo geral, aceitariam uma oferta de dinheiro para mudar de voto.


Para 88% existe corrupção na presidência da república e nos ministérios

O Datafolha perguntou aos entrevistados sobre a existência de casos de corrupção em 20 instituições nacionais. A maioria acredita que existe corrupção em todas elas.

Acreditam que existe corrupção na Presidência da República e ministérios 88%.

Quando se fala no Congresso Nacional, ou seja, entre senadores e deputados federais, 92% acreditam na existência de corrupção, mesma taxa dos que acham que há corruptos nos partidos políticos, de modo geral.

Acreditam existir corrupção no governo do Estado onde moram 87%, e acham que há corrupção na Assembléia Legislativa do seu Estado 86%.

Para 81% existe corrupção na prefeitura da cidade onde moram; percentual idêntico acha que há vereadores corruptos na Câmara de vereadores de sua cidade.

Quando se trata das forças policiais, 81% acham que existe corrupção na Polícia Militar do seu Estado; essa taxa é de 79% no que se refere à Polícia Civil e de 74% no que diz respeito à Polícia Federal.

Para 77% existe corrupção nos clubes de futebol.

A percepção de corrupção nas empresas privadas empata com a que é verificada no que diz respeito às empresas estatais: 72% em ambos os casos. Acham que existem corruptos em bancos e financeiras 69%.

Acreditam que há corrupção no Poder Judiciário, ou seja, entre juízes e promotores, 73%, taxa similar à registrada no que se refere aos que vêem corruptos nos sindicatos dos trabalhadores (70%).

Para 61% existe corrupção na Imprensa. Acham que existe corrupção nas Forças Armadas 54%, percentual que empata com a dos que acreditam que há corruptos entre os integrantes da Igreja Católica (53%). A taxa dos que percebem corrupção nas igrejas evangélicas é maior, chegando a 64%.

A maior parte dos brasileiros associa corrupção ao governo, segundo a pesquisa realizada pelo Datafolha. Quando solicitados a dizer, espontaneamente, como definem o conceito de corrupção, 43% fazem referências ao setor público ou ao governo, como, por exemplo, apropriação indevida (ou roubo) do dinheiro público (19%), e políticos que utilizam o dinheiro público em benefício próprio (14%).

Citam falta de ética 21%. Roubar bens ou dinheiro, de modo geral, atinge 19%.

sábado, 24 de outubro de 2009

Manifesto dos intelequituais a favor do MST

Contra a violência do agronegócio e a criminalização das lutas sociais 22 de outubro de 2009

As grandes redes de televisão repetiram à exaustão, há algumas semanas, imagens da ocupação realizada por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em terras que seriam de propriedade do Sucocítrico Cutrale, no interior de São Paulo. A mídia foi taxativa em classificar a derrubada de alguns pés de laranja como ato de vandalismo.

Uma informação essencial, no entanto, foi omitida: a de que a titularidade das terras da empresa é contestada pelo Incra e pela Justiça. Trata-se de uma grande área chamada Núcleo Monções, que possui cerca de 30 mil hectares. Desses 30 mil hectares, 10 mil são terras públicas reconhecidas oficialmente como devolutas e 15 mil são terras improdutivas. Ao mesmo tempo, não há nenhuma prova de que a suposta destruição de máquinas e equipamentos tenha sido obra dos sem-terra.

Na ótica dos setores dominantes, pés de laranja arrancados em protesto representam uma imagem mais chocante do que as famílias que vivem em acampamentos precários desejando produzir alimentos.

Bloquear a reforma agrária

Há um objetivo preciso nisso tudo: impedir a revisão dos índices de produtividade agrícola – cuja versão em vigor tem como base o censo agropecuário de 1975 – e viabilizar uma CPI sobre o MST. Com tal postura, o foco do debate agrário desloca-se dos responsáveis pela desigualdade e concentração para criminalizar os que lutam pelo direito do povo. A revisão dos índices evidenciaria que, apesar de todo o avanço técnico, boa parte das grandes propriedades não é tão produtiva quanto seus donos alegam e estaria, assim, disponível para a reforma agrária.

Para mascarar tal fato, está em curso um grande operativo político das classes dominantes objetivando golpear o principal movimento social brasileiro, o MST. Deste modo, prepara-se o terreno para mais uma ofensiva contra os direitos sociais da maioria da população brasileira.

O pesado operativo midiático-empresarial visa isolar e criminalizar o movimento social e enfraquecer suas bases de apoio. Sem resistências, as corporações agrícolas tentam bloquear, ainda mais severamente, a reforma agrária e impor um modelo agroexportador predatório em termos sociais e ambientais como única alternativa para a agropecuária brasileira.

Concentração fundiária

A concentração fundiária no Brasil aumentou nos últimos dez anos, conforme o Censo Agrário do IBGE. A área ocupada pelos estabelecimentos rurais maiores do que mil hectares concentra mais de 43% do espaço total, enquanto as propriedades com menos de 10 hectares ocupam menos de 2,7%. As pequenas propriedades estão definhando enquanto crescem as fronteiras agrícolas do agronegócio.

Conforme a Comissão Pastoral da Terra (CPT, 2009) os conflitos agrários do primeiro semestre deste ano seguem marcando uma situação de extrema violência contra os trabalhadores rurais. Entre janeiro e julho de 2009 foram registrados 366 conflitos, que afetaram diretamente 193.174 pessoas, ocorrendo um assassinato a cada 30 conflitos no primeiro semestre de 2009. Ao todo, foram 12 assassinatos, 44 tentativas de homicídio, 22 ameaças de morte e 6 pessoas torturadas no primeiro semestre deste ano.

Não violência

A estratégia de luta do MST sempre se caracterizou pela não violência, ainda que em um ambiente de extrema agressividade por parte dos agentes do Estado e das milícias e jagunços a serviço das corporações e do latifúndio. As ocupações objetivam pressionar os governos a realizar a reforma agrária.

É preciso uma agricultura socialmente justa, ecológica, capaz de assegurar a soberania alimentar e baseada na livre cooperação de pequenos agricultores. Isso só será conquistado com movimentos sociais fortes, apoiados pela maioria da população brasileira.

Contra a criminalização das lutas sociais

Convocamos todos os movimentos e setores comprometidos com as lutas a se engajarem em um amplo movimento contra a criminalização das lutas sociais, realizando atos e manifestações políticas que demarquem o repúdio à criminalização do MST e de todas as lutas no Brasil.

Ana Clara Ribeiro
Ana Esther Ceceña
Boaventura de Sousa Santos
Carlos Nelson Coutinho
Carlos Walter Porto-Gonçalves
Claudia Santiago
Claudia Korol
Ciro Correia
Chico Alencar
Chico de Oliveira
Daniel Bensaïd
Demian Bezerra de Melo
Fernando Vieira Velloso
Eduardo Galeano
Eleuterio Prado
Emir Sader
Gaudêncio Frigotto
Gilberto Maringoni
Gilcilene Barão
Heloisa Fernandes
Isabel Monal
István Mészáros
Ivana Jinkings
José Paulo Netto
Lucia Maria Wanderley Neves
Luis Acosta
Marcelo Badaró Mattos
Marcelo Freixo
Maria Orlanda Pinassi
Marilda Iamamoto
Maurício Vieira Martins
Mauro Luis Iasi
Michael Lowy
Otilia Fiori Arantes
Paulo Arantes
Paulo Nakatani
Plínio de Arruda Sampaio
Reinaldo A. Carcanholo
Ricardo Antunes
Ricardo Gilberto Lyrio Teixeira
Roberto Leher
Sara Granemann
Sergio Romagnolo
Virgínia Fontes
Vito Giannotti

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Carlos Chagas - Ladrões da paciência popular

Ontem foi dia de fazer ao cidadão comum do Centro Oeste, Sudeste e Sul a clássica pergunta de todos os anos: acordou feliz?

Para o trabalhador, o escriturário, o funcionário público, o estudante, o agricultor e quantos mais levantam de manhã bem cedo, o sair da cama aconteceu entre reclamações e cansaço, bem como durante o resto do dia, de medíocre aproveitamento no trabalho, no escritório, na repartição, na escola e no campo.

Por que? Porque o governo, o atual, assim como os anteriores, roubou uma hora de sono de todos nós, a pretexto desse abominável horário de verão que assola a metade do país. Norte e Nordeste, rebelados, não aceitaram o esbulho, mas os estados mais populosos curvaram-se a um novo capítulo desse festival de prepotência encenado para economizar energia. Poucos cidadãos deixaram de acender a luz, ao levantar, pois estava escuro às cinco horas da manhã, com os relógios enganosamente marcando seis horas.

Falta cidadania aos brasileiros, ou à metade deles, para rejeitar a imposição da tecnocracia, que não demora muito chegará à proibição do uso de energia durante várias horas do dia. Horário de verão é regressão. Justificar-se-ia em situações anômalas, como a iminência de apagões, a destruição de hidrelétricas pela natureza, invasão do planeta pelos marcianos e sucedâneos. Apenas para satisfazer as colunas de gasto e de economia barata nas planilhas de empresas públicas e privadas ávidas de lucrar com o sacrifício popular, de jeito nenhum.

Semanas vão transcorrer até que o nosso relógio biológico se adapte à canhestra modificação dos relógios mecânicos e elétricos, mas, quando fevereiro chegar, começa tudo de novo, ao contrário. Convenhamos, dos governos militares a José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula, não houve coragem para dar um basta à olímpica ignorância dos tecnocratas. Economizam alguns milhares de quilowates mas roubam toneladas de paciência da população.

domingo, 18 de outubro de 2009

Augusto Nunes - O maior dos presidentes está pronto para virar Pedro III


No primeiro dia da Grande Viagem pelo São Francisco, o país ficou sabendo que o maior dos presidentes é também muito melhor que os dois imperadores. D. Pedro I foi ultrapassado em 6 de setembro, quando Lula, de uma vez só, anunciou o Descobrimento do Pré-Sal e proclamou a Segunda Independência. D. Pedro II capitulou nesta semana, na cidade mineira de Buritizeiros, durante o improviso do chefe da nação e chefe da caravana de pais-da-pátria convocada para conferir, olho no olho, a transposição das águas do rio.

“Nós nos damos até o luxo de fazer uma obra que dom Predo queria fazer há 200 anos atrás”, informou. A inversão das letras no nome ilustre reitera que o orador precisa contratar urgentemente um revisor oral instantâneo. O recuo no tempo avisa que alguém tem de enfiar noções de História na cabeça do presidente que nunca estudou: em 1809, quem reinava no Brasil era o pai do primeiro imperador e avô do segundo. A omissão do I ou do II acompanhando o Pedro mencionado no discurso sugere que Lula, embora desconfie de que o Pedro da transposição foi aquele de barbas brancas, acha que alguém resolveu embaralhar ainda mais a memória do Brasil com a troca dos algarismos romanos. Desde que viu os retratos dos dois, não acredita que o moço com cara de quem está pensando na mucama seja o pai do outro com cara de avô.

Não importa: Lula fez em menos de sete anos o que não fizeram, juntos, todos os Orleans e Bragança. “Quase 200 anos depois”, continuou a fala do trono, já de volta aos inimigos da República, “essa obra não conseguiu andar para a frente, porque nós tivemos muitos governantes de duas caras, que prometiam fazer a obra em um Estado e não faziam”. Se fosse só a transposição do São Francisco, Lula nem perderia tempo com a multidão de bifrontes. Mas tem todo o direito de queixar-se da trabalheira o presidente que, como os antecessores nada fizeram, também teve de acabar com a fome, erradicar o analfabetismo e fabricar em poucos meses um sistema de saúde que está perto da perfeição. Sem falar do tsunami reduzido a marolinha. Fora o resto.

“A água é criada pela natureza, o rio é federal, é o rio da integração nacional”, concluiu o rei do improviso, que apareceu na escala seguinte já encarnando o déspota não esclarecido. Ao longo de 3 dias, levou Dilma Rousseff para não pescar nenhum peixe, autorizou o povo do Nordeste a comer cobras, calangos e passarinhos, ordenou a José Serra que fique esperto e se limite a governar São Paulo, dormiu em aposentos de barão sertanejo, comparou a ONU a uma fruta caindo do galho, foi o primeiro a acordar e o último a dormir, cantou muito, conversou muito, comeu muito e bebeu socialmente. Tremenda viagem. Melhor que isso, só uma eleição presidencial com dois candidatos: “Só nós contra eles, pão, pão, queijo, queijo”, vislumbrou o olhar de comício.

Quem poderá resistir a uma candidata escolhida por quem fez a transposição que vai acabar com a sede e a seca no sertão? É verdade que o que foi investido na revitalização do rio representa apenas 3,88% do total. É verdade que o conjunto da obra mal chegou a 15%, que o dinheiro chega sempre com atraso, que a coisa vai demorar. Mas só os famosos 6% de descontentes encontram tempo para lembrar-se disso bem na semana em que o maior dos presidentes ficou pronto para virar Pedro III.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Reinaldo Azevedo - Lula, o sem-limites, é o maior difamador da república

Pode-se achar justa ou injusta a popularidade de Lula; bom ou mau o seu governo — ou, ainda, bom no curto prazo, razoável no médio e desastroso no longo —; certas ou erradas as suas escolhas. Nas democracias, as divergências fazem parte do jogo, e se combinam, então, as regras que vão regular o confronto das diferenças. Assim é se os atores aceitam os princípios da democracia chamada, nos bons compêndios, de “liberal”. Um “bom” governo não quer dizer, necessariamente, um governo popular; um governo popular não é necessariamente bom — ou teríamos de reverenciar totalitarismos do século passado. Onde a disputa democrática atinge padrões elevados de civilidade, o jogo não é de aniquilação do outro. Um governo tenta aniquilar o “outro”, o(s) adversário(s), quando recorre à máquina do estado para obter uma vantagem que, de outro modo, não existiria. Por que o populismo, já muito estudado, é perverso? Porque ele corrói as instituições em benefício do mandatário de turno, que tenta, então se eternizar.

Assistimos, nos dias correntes, a formas quando menos derivadas do populismo — e o governo Lula está obviamente entre elas. Daquele modelo, revela especialmente o uso ilimitado da máquina pública a serviço do governante — no caso, a serviço do partido. Embora Lula seja a grande figura da legenda, cumpre não esquecer o DNA entre leninista e fascista do PT. Voltarei a este tema outras vezes, especialmente para tratar de um livro fascinante que acaba de ser publicado no Brasil: “Fascismo de Esquerda” (Editora Record), de Jonah Goldberg, de que se falará bastante ainda, espero. A tentação autoritária se esconde, muitas vezes, em idéias que parecem até muito práticas e mansas. Submetidas as falas de sólidas reputações democráticas ao escrutínio dos direitos individuais, não é difícil encontrar, palpitante, a tentação totalitária. Mas isso fica para os dias vindouros. Voltemos a Lula.

Vamos supor que o seu governo realmente fosse tudo aquilo que ele diz e que seus, sei lá, 70% ou 80% de popularidade sugerem. Isso lhe confere o direito de violar a Lei Eleitoral, a exemplo do que fez nesta patética viagem aos rudimentos de obras do São Francisco? Isso lhe confere autoridade para atacar o Tribunal de Contas da União, atribuindo-lhe a responsabilidade pelo atraso de obras públicas, convidando-o, na prática, a desrespeitar as leis? Ora, o regime democrático tem seus rituais estabelecidos para mudar leis que não funcionam ou que são contraproducentes. Por que Lula não tentou mudá-las? O PSDB anuncia que entrará com uma representação; isso correrá lá pelos escaninhos do tribunal; alguém se lembrará de dizer que o que ele fez não caracterizou campanha porque o(a) candidato(a) do partido ainda não está definido etc. E tudo, muito provavelmente, dará em nada. Um tribunal que se especializou em cassar governadores — e instalar em seu lugar gente que não foi eleita — parece nada poder contra os abusos do presidente da República. Poder, ele pode. Mas, como diria Gregório de Matos, “não quer”.

Lula foi muito além do razoável e do aceitável ao levar Dilma Rousseff e Ciro Gomes (este já não conta nada, coitado!) à sua viagem, fazendo “comícios” (ele próprio usou a palavra) em canteiros de obras — atrasadas, diga-se, e não por culpa do TCU. Não vociferou contra adversários apenas entre tratores e escavadeiras. Usou amplamente a imprensa local para satanizá-los. Afirmou, por exemplo, de forma irônica, que não sabia que o tucano José Serra se preocupava com o Nordeste. Ora, é evidente que tudo aquilo se fazia com dinheiro público.

O governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), evidenciou que tem lá seus descontentamentos com Lula, mas errou feio ao afirmar que o presidente tem o direito de fazer o que fez. Não tem, não, governador! Para fazer o que ele fez, é preciso esperar o início da campanha, licenciar-se (se for fazer comício em dia útil) e viajar com recursos do seu partido. Não há, atenção!, uma só democracia do mundo que permita aquele espetáculo grotesco. Aécio reclamou, com razão, que as verbas alardeadas estão só no discurso. É verdade. E essa impostura tem de ser denunciada. Mas o uso da máquina pública é inaceitável.

Lula usa, assim, a sua popularidade para fragilizar os mecanismos de controle da sociedade sobre o estado quando deveria, obviamente, estar fazendo o contrário. Ele não aceita que seu governo seja olhado e examinado de fora. Não por acaso, os alvos dessa viagem foram a oposição, a Justiça, o TCU e a imprensa — todos com olhares distintos entre si, não-concertados, mas obviamente externos. E ele só aceita ser olhado (e admirado!) por seus subordinados políticos e morais. Isso significa uma visão autocrática da política.

Tal comportamento faz dele um político muito pouco generoso e revela um caso que pode ser perfeitamente interpretado na aula de Massinha I de psicologia. Observem que, dizendo-se ao lado do povo, ele está sempre em guerra contra inimigos imaginários, que resistiriam em reconhecer a sua obra; que lhe negariam méritos. Será mesmo?

Quem é que jamais reconhece qualidades num governante do passado?
Quem é que se coloca sempre como a força inaugural?

Há 15 longos anos, de maneira explícita, Lula se dedica, dia após dia, a atacar FHC. Na hipótese de que se possa ser petista e intelectualmente honesto, como deixar de reconhecer os méritos do antecessor? Lembro que, na propaganda que o próprio governo faz do país em revistas estrangeiras, exalta-se a estabilidade da economia dos últimos 15 anos. Quem fundou as bases?

Ocorre que o Lula que reage à suposta difamação de seu governo e até de sua figura é o mais eficaz, tenaz e permanente difamador da República. E foi, mais uma vez, esse lado que aflorou na sua viagem ao São Francisco, numa prévia lamentável do que ele pretende que seja a campanha eleitoral. Estava lá a vender uma porção de mentiras, a exemplo do seu pactóide? Estava. Como sempre. Como de hábito. Mas esse nem foi o aspecto mais detestável das suas intervenções.

O mais detestável é usar a sua popularidade para fraudar as regras do jogo democrático. E é bom que seus adoradores, especialmente aqueles que dependem de regras estáveis para tocar os seus negócios, fiquem atentos. O caso da Vale — parece haver um recuo; vamos ver se é só tático — revela que essa gente não tem compromisso com formalidades de nenhuma natureza. No delírio da popularidade, atropela os códigos. É de se pensar o que não faria em momentos de dificuldade. Ou alguém supõe que essa brutalidade tem seus alvos preferenciais e episódicos — Agnelli, Serra, o DEM etc —, mas não deriva de um método? Se pensar assim, estará oferecendo o próprio lombo a prêmio.

Lula passou das medidas. E tanto pior para a política e para as instituições se isso não ficar claro. Tanto pior porque Lula não tem receio de superar os marcos do próprio Lula. Ele já sabe conjugar o verbo “intervir”, mas seu superego continua analfabeto.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Aristoteles Drummond - O muro que não caiu

A queda do Muro de Berlim acaba de fazer 20 anos, um aniversário redondo. O fato mereceu muitas reportagens na mídia internacional, mas muito pouco se falou sobre o que está acontecendo no mundo de lá para cá.

Em primeiro lugar, a queda do muro trouxe o ponto positivo da libertação de centenas de milhões de seres humanos que viviam nos campos de concentração, que, na verdade, eram os países da área de influência de Moscou. Sem liberdade de imprensa, sem o simples direito de ir e vir, inclusive dentro dos próprios países, permissão para prática religiosa e o direito à propriedade. Foi um ganho que valeu o século 20, consagrou três personagens admiráveis, aos quais a humanidade muito deve: João Paulo II, Ronald Reagan e Margareth Thatcher.

Os democratas e cristãos consideram que a libertação destes povos, pela qual tanto pediu Nossa Senhora de Fátima, encerra o processo.

Não é dos democratas, mais voltados para o mundo real do trabalho, no seu DNA, o sentimento de revanchismo, de vingança, de alimentar divisões entre famílias, povos e nações. Por isso, nada aconteceu aos verdugos da Alemanha comunista, dos países libertos e na própria antiga URSS, onde, por décadas, matou-se a torto e a direito pela vontade de Lênin, Stalin e a mente doentia de Béria, figuras em nada diferentes do monstro alemão e seus asseclas. Aliás, no que toca ao antissemitismo pela via da “solução final”, os comunistas precederam e superaram os nazistas na vergonhosa prática. Mas o mundo deixou estes crimes passar em branco, pela tolerância dos democratas e a pusilanimidade dos esquerdistas ditos não comunistas. Mas olhar para a frente sem ressentimentos é sempre positivo.

Derrubado o muro, veio a era da democracia. Depois da estabilidade econômica e do progresso – afinal a inflação não foi derrotada no Brasil apenas – com este fantástico crescimento do comércio mundial, puxado pela China, que se curvou ao capitalismo, infelizmente sem acabar com a ditadura cruel que sobrevive coberta por uma cortina de silêncio.

A África, no pós-guerra libertada, na verdade foi abandonada à própria sorte pelos antigos colonizadores. Exceto Portugal, que fez a entrega precipitada em função de uma tomada do poder, em Lisboa, por forças influenciadas por Moscou, que resultou na prolongada e cruel guerra civil em Angola. A libertação do continente deveria ter sido lenta, gradual e segura, para que não vivesse este drama de violência, corrupção, subnutrição e doenças. E, antes de abandonar estes países, é de se supor ético e moral investimento na educação, na saúde e na gestão, para que suas potencialidades econômicas fossem aproveitadas.

Na América Latina, o comunismo andou de mãos dadas com o ouro de Moscou. Depois, fascinado pelo ditador Fidel Castro, o mal não foi de todo cortado. Vivemos, aqui, o ressurgimento de trogloditas de esquerda, através de lideranças no estilo ético, moral e até estético de Zelaya, Morales, Chávez, Correa e a versão feminina tipo Barbie de Cristina Kirchner. Nosso presidente Lula não assumiu esta linha, mas, para alguns observadores, estaria a um passo, depois que permitiu que nossa embaixada em Honduras se tornasse escritório político de um presidente deposto pelo Judiciário e pelo Congresso de seu país, se devolvessem na calada da noite dois modestos atletas que fugiam de Cuba – e depois fugiram mesmo – ao mesmo tempo em que quer acobertar um terrorista assassino condenado numa democracia da União Europeia, como é a Itália.

O presidente Lula, faria bem se derrubasse o que significa o muro no Brasil. Enquadrar o MST e não apoiar suas teses que comprometem o agronegócio. Diminuir a carga fiscal, simplificando nossos impostos, confiando mais na informática – tipo CPMF – e menos na fiscalização passível de fraquezas humanas. Modernizar a legislação trabalhista, para estimular o emprego e não a formação de castas entre aqueles mais bem organizados e mais agressivos. Liberar para valer a entrada da livre empresa na infraestrutura, que não resiste a três anos de crescimento na base dos 5% previstos para o próximo ano.

Afinal, o presidente defendeu as ZPEs, e elas não saíram do papel. O presidente quer ver Angra e Belo Monte em construção, e as licenças estão atrasadas na própria máquina oficial. O Judiciário prometeu terminar todos os processos anteriores a 2005, mas repousam nas gavetas dos tribunais pendências teoricamente resolvidas, mas que perduram décadas, por meio de recursos que agridem o direito.

Mas para isso deve confiar mais na sociedade que se manifesta nas “cartas aos leitores”, nos postos de trabalho, do que neste grupelho de pelegos modernos, esquerdistas ultrapassados e abonados, que só pensam em manter o poder que ocupam sem a contrapartida da competência. Jornal do Brasil

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Denis Lerrer Rosenfield - Arbítrio

O ESTADO DE S PAULO

As imagens, exibidas pela TV Globo, da invasão da Fazenda Santo Henrique, do grupo Cutrale, produtor de laranjas, são impactantes. Mostram a face arbitrária do MST, com destruição de plantações, saqueio de maquinário, ocupação de alojamentos dos empregados e da própria sede e pichações. Nada disso, no entanto, é novo. Os exemplos são inúmeros. Basta relembrar a invasão do Horto da Aracruz, em 8 de março de 2006, por um grupo de mulheres dessa organização, numa ação feita sob a bandeira da Via Campesina, braço internacional do MST. O arbítrio e a violência foram totais, com imagens também impactantes de mulheres mascaradas agindo na madrugada. Convém ressaltar que é a mesma Via Campesina que, em Honduras, propugna por uma Assembleia Constituinte para abolir a Constituição existente, mostrando que esse é o verdadeiro problema daquele país, pois se trata, para eles, lá e aqui, de implantar a democracia totalitária, o "socialismo do século 21".

O contexto não poderia ser mais adequado para uma investigação do modo de funcionamento dessa organização política. A proposta de uma CPI do Campo torna-se cada vez mais necessária, pois não podemos tolerar que o arbítrio se instale ainda mais entre nós e, o que é pior, com os recursos dos contribuintes. A senadora Kátia Abreu e os deputados Ônix Lorenzoni e Ronaldo Caiado estão à frente dessa iniciativa. Não se trata só de um problema dos "ruralistas", mas da afirmação da democracia entre nós, do fortalecimento das liberdades e do direito de propriedade, condições mesmas de avanços sociais, econômicos e políticos. Os cidadãos brasileiros têm o direito de saber a destinação dos seus impostos e contribuições.

Convém não cair na armadilha ideológica de atribuir a senadores e deputados a pecha de "direitistas", de "ruralistas" defensores dos latifundiários, que visam a criminalizar os ditos movimentos sociais. Na verdade, o MST criminaliza-se por seus atos, devendo ser responsabilizado por aquilo que faz. Se a contraposição direita x esquerda for válida, ela significa, então, que a direita defende o Estado de Direito, a democracia e o direito de propriedade, enquanto a esquerda sustenta a invasão de propriedades, a destruição, a violência e o desrespeito sistemático à lei. É isso ser "progressista"?

Já está mais do que na hora de abandonar a visão retrógrada da reforma agrária, de que o problema consiste na produção de comida. Nunca o País produziu tantos alimentos e a tão baixo custo. E isso se deve a uma moderna agricultura, que soube integrar em distintos níveis a agricultura familiar e o agronegócio. O discurso do MST e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) não resiste aos fatos. Os assentados não são agricultores familiares propriamente ditos, muito menos os responsáveis pela magnífica produção agropecuária. Sua produção e sua produtividade são pífias, apesar dos seus 84 milhões de hectares. Não possuem títulos de propriedade, não são emancipados e vivem à custa do governo.

O discurso da coordenadora da invasão de que a destruição dos pés de laranja foi feita para plantar feijão para alimentação é de uma bobagem atroz. Eles são alimentados pelo Bolsa-Família e pela cesta básica, financiados pelo governo. Para se ter ideia da enormidade dita, o Exército brasileiro necessita dispensar os seus recrutas e soldados porque não pode alimentá-los durante toda a semana. O governo não libera recursos. O MST não tem esse tipo de problema.

A agricultura familiar, baseada no direito de propriedade, é a que se desenvolve, por estar integrada a uma economia de mercado. O MST é contra a economia de mercado, a favor do "socialismo do século 21". Há cadeias produtivas bem-sucedidas, como as de fumo, aves e suínos, que exibem, precisamente, essa integração, fundada na defesa da propriedade privada, na segurança jurídica e no direito de cada um dispor do seu trabalho e de seus investimentos, sem a tutela de uma organização política.

O País não tem mais nenhum passivo histórico, na medida em que as transformações do campo brasileiro produziram uma agricultura e uma pecuária competitivas, capazes de enfrentar outras empresas num contexto global de concorrência acirrada. Pertence ao passado a ideia de "latifúndios improdutivos", que só servem para alimentar a ideologia retrógrada do MST. O País não tem um passivo fundiário propriamente dito, mas um passivo social, que deve ser resolvido com trabalho, renda, emprego e investimentos, tanto no campo quanto nas cidades. Não esqueçamos que boa parte dos "sem-terra" é recrutada entre os desempregados e subempregados dos centros urbanos.

Há, ainda, um componente propriamente político nessa destruição perpetrada pelo MST. Chama a atenção que o alvo seja uma empresa sediada no Estado de São Paulo e do setor de produção de laranjas. Nem esse Estado nem esse setor têm sido alvos prioritários do MST. Suas ações estão centradas em outros Estados e suas preferências residem nos setores de papel e celulose, cana-de-açúcar e usinas de etanol, movimentos sendo esboçados em direção ao cultivo de soja. Por que essa mudança de postura?

A explicação mais plausível é a de que o MST se insere na agenda eleitoral, com o intuito de criar problemas para a candidatura de José Serra. Suas primeiras declarações de que não respeitariam o mandado de reintegração de posse sinalizaram nesse sentido. Recuaram, no entanto. E o fizeram pela repercussão negativa das destruições, filmadas ao vivo. Não contavam com esse elemento, pois normalmente "controlam" a cobertura midiática. Imaginem se houvesse uma morte numa desocupação? O mártir teria sido criado e o objetivo político teria sido atingido. Isso foi dito com todas as letras por militantes do MST que escreveram em seus diários, no Rio Grande do Sul, que a morte de um militante seu, quando de uma reintegração de posse mal conduzida, tinha cumprido o seu objetivo. Nem os mortos são respeitados!

sábado, 10 de outubro de 2009

Augusto Nunes - Só no Brasil, ladrão que rouba com o patrocínio do governo acusa o assaltado

O primeiro texto publicado nesta coluna, em 22 de abril, tratou de mais uma abjeção produzida pelo MST ─ a única organização fora-da-lei da história do Brasil patrocinada pelo Executivo, protegida pelo Legislativo e estimulada pela leniência do Judiciário. Dias antes, invasores de uma fazenda no Pará haviam acrescentado ao repertório de práticas bandidas o uso de escudos humanos.

De novo, fizeram o que quiseram e saíram quando quiseram, com a insolência dos contemplados com a cumplicidade, por ação ou omissão, dos três Poderes. Em vez da voz de prisão, em vez da voz enérgica dos encarregados de defender o Estado de Direito, em vez da voz do juiz anunciando a sentença, ouviram a voz companheira do chefe de governo.

Por tratar como caso de polícia o que era uma questão social, lembrou o parágrafo de abertura, o presidente Washington Luis antecipou a chegada à senilidade precoce da República Velha, enterrada sem honras pela Revolução de 1930. Por tratar como questão social o que é um caso de polícia, o presidente Lula continua a retardar a chegada à maioridade da democracia brasileira.

Os líderes do incipiente movimento operário do século passado, que apresentavam reivindicações elementares, não mereciam cadeia. Mereciam de Washington Luiz mais atenção. Chefões de velharias ideológicas como o MST, que berram exigências de napoleão-de-hospício enquanto aumentam a gigantesca coleção de crimes contra o patrimônio, não merecem as atenções que vivem recebendo de Lula. Merecem cadeia.

Sete meses depois das delinquências no Pará, o MST continua estuprando o direito de propriedade, o governo continua financiando os conglomerados de barracas de lona preta, o Congresso continua assassinando no útero CPIs concebidas para apurar ligações incestuosas entre os cofres do Planalto e os caixas da sigla, a população carcerária continua sem representantes do MST. Vida que segue. As imagens da invasão da exemplarmente produtiva Fazenda Santo Henrique, no interior de São Paulo, avisam que o bando está cada vez mais ousado.

Também informam que a Justiça tem uma chance das boas de revogar a suspeita de que o MST foi condenado à impunidade. “Vamos dar uma resposta à sociedade”, prometeu o delegado de Borebi, Jader Biazon. ”Alguns dos responsáveis pelo que aconteceu vão responder criminalmente”. O que aconteceu foi mais que outra invasão ilegal consumada por 250 famílias. Foi um assalto praticado por centenas de ladrões sem medo.

As cenas exibidas pela TV não mostram lavradores em busca de terra para o plantio. Mostram homens e mulheres arrasando laranjais, arrancando árvores pela raiz, depredando equipamentos agrícolas, roubando móveis, furtando aparelhos domésticos. “O que eles não puderam furtar eles destruíram”, resumiu o delegado de polícia, que já identificou sete criminosos.

O produto do assalto passou de R$ 3 milhões. “Levaram DVD, TV, rádio, roupas, sapatos, ferro de passar, o chuveiro, até lâmpadas e torneiras”, conta Silvana Fontes, 37 anos, cozinheira e faxineira da sede da fazenda. Casada há três meses com um vigilante da empresa, ela ficou sem muitos presentes quem nem havia desembrulhado.

Os culpados culpam inocentes. “Querem criminalizar o movimento”, repete sem ficar ruborizado Paulo Albuquerque, comandante do ataque. “Se destruíram alguma coisa, foi a Cutrale”. Pero Vaz de Caminha tinha razão: no Brasil, em se plantando, tudo dá. Até ladrão que rouba com o patrocínio do governo e acusa o assaltado.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

COMISSÃO PASTORAL DA TERRA FAZ NOTA APOIANDO O MST - SAFADOS IDEM

Mais uma vez mídia e ruralistas investem contra o MST

A Coordenação Nacional da CPT vem a público para manifestar sua estranheza diante do “requentamento” por toda a grande mídia de um fato ocorrido na segunda feira da semana passada, 28 de setembro, e que foi noticiado naquela ocasião, mas que voltou com maior destaque, uma semana depois, a partir do dia 5 de outubro até hoje.

Trata-se do seguinte: no dia 28 de setembro, integrantes do MST ocuparam a Fazenda Capim, que abrange os municípios de Iaras, Lençóis Paulista e Borebi, região central do estado de São Paulo. A área faz parte do chamado Núcleo Monções, um complexo de 30 mil hectares divididos em várias fazendas e que pertencem à União. A fazenda Capim, com mais de 2,7 mil hectares, foi grilada pela Sucocítrico Cutrale, uma das maiores empresas produtora de suco de laranja do mundo, para a monocultura de laranja. O MST destruiu dois hectares de laranjeiras para neles plantar alimentos básicos. A ação tinha por objetivo chamar a atenção para o fato de uma terra pública ter sido grilada por uma grande empresa e pressionar o judiciário, já que, há anos, o Incra entrou com ação para ser imitido na posse destas terras que são da União.

As primeiras ocupações na região aconteceram em 1995. Passados mais de 10 anos, algumas áreas foram arrecadadas e hoje são assentamentos. A maioria das terras, porém, ainda está nas mãos de grandes grupos econômicos. A Cutrale instalou-se há poucos anos, 4 ou 5 mais ou menos. Sabia que as terras eram griladas, mas esperava, porém, que houvesse regularização fundiária a seu favor.

As imagens da televisão, feitas de helicóptero, mostram um trator destruindo as plantas. As reações, depois da notícia ser novamente colocada em pauta, vieram inclusive de pessoas do governo, mas, sobretudo, de membros da bancada ruralista que acusam o movimento de criminoso e terrorista.

A quem interessa a repetição da notícia, uma semana depois?

No mesmo dia da ação dos sem-terra foi entregue aos presidentes do Senado e da Câmara, um Manifesto, assinado por mais de 4.000 pessoas, entre as quais muitas personalidades nacionais e internacionais, declarando seu apoio ao MST, diante da tentativa de instalação de uma CPMI para investigar os repasses de recursos públicos a entidades ligadas ao Movimento. Logo no dia 30, foi lido em plenário o requerimento para sua instalação, que acabou frustrada porque mais de 40 deputados retiraram seu nome e com isso não atingiu o número regimental necessário. A bancada ruralista se enfureceu.

A ação do MST do dia 28, que ao ser divulgada pela primeira vez não provocara muita reação, poderia dar a munição necessária para novamente se propor uma CPI contra o MST. E numa ação articulada entre os interesses da grande mídia, da bancada ruralista do Congresso e dos defensores do agronegócio, se lançaram novamente as imagens da ocupação da fazenda da Cutrale.

A ação do MST, por mais radical que possa parecer, escancara aos olhos da nação a realidade brasileira. Enquanto milhares de famílias sem terra continuam acampadas Brasil afora, grandes empresas praticam a grilagem e ainda conseguem a cobertura do poder público.

Algumas perguntam martelam nossa consciência:

Por que a imprensa não dá destaque à grilagem da Cutrale?

Por que a bancada ruralista se empenha tanto em querer destruir os movimentos dos trabalhadores rurais? Por que não se propõe uma grande investigação parlamentar sobre os recursos repassados às entidades do agronegócio, ao perdão rotineiro das dívidas dos grandes produtores que não honram seus compromissos com as instituições financeiras?

Por que a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), declarou, nas eleições ao Senado em 2006, o valor de menos de oito reais o hectare de uma área de sua propriedade em Campos Lindos, Tocantins? Por que por um lado, o agronegócio alardeia os ganhos de produtividade no campo, o que é uma realidade, e se opõe com unhas e dentes á atualização dos índices de produtividade? Por que a PEC 438, que propõe o confisco de terras onde for flagrado o trabalho escravo nunca é votada? E por fim, por que o presidente Lula que em agosto prometeu em 15 dias assinar a portaria com os novos índices de produtividade, até agora, mais de um mês e meio depois, não o fez?

São perguntas que a Coordenação Nacional da CPT gostaria de ver respondidas.

Goiânia, 7 de outubro de 2009.

Coordenação Nacional da CPT

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

A DENÚNCIA DO ÍNDIO KAIOWÁ

Declaração de índio guarani/kaiuwá, por Escritura Pública no Tabelião Albuquerque, Amambaí – MS, convalidada na Comissão de Direitos Humanos do Senado, mostra a falta de controle do governo sobre as ONGs

A declaração pública do índio Kaiowá Adair G. Sanches, de Amambaí – MS, dá-nos uma visão de como as ONGs, o CIMI, o PKÑ (Projeto Kaiowá Ñandeva) e o PT estão agindo no Mato Grosso do Sul, “fabricando” supostas terras de ocupação tradicional. Isto tem servido de fundamento para falsos relatórios da FUNAI, com o objetivo de expropriar (roubar) terras de produtores rurais honestos, que as compraram na melhor formado Direito. Hoje muitos deles já foram expropriados por ações da FUNAI,algumas acolhidas pela justiça, que infelizmente deixou-se enganar poresses falsos relatórios.

Seguem trechos da transcrição da Declaração, apresentada em audiência no Senado Federal no dia 7 de abril de 2005.

* * *

“Perante mim, Tabelião, compareceu em pessoa, Adair Gonçalves Sanches, indígena ,lavrador, capaz, residente e domiciliado no Posto Indígena Amambaí,neste Distrito, portador do RG: 2320, Posto ADR, Amambaí, MS; CPF:408.038.561-72, reconhecido por mim, Tabelião.

“Por ele, foi-me dito que vinha, de sua livre e espontânea vontade, sem constrangimento de quem quer que seja, prestar a seguinte declaração,cujo teor transcrevo a seguir:

“Que é índio daTribo Guarani, nascido em 1959, na Aldeia Amambaí; Vereador eleito em Amambaí, MS, com o voto dos índios da Aldeia de Amambaí; ex-Presidentedo Conselho da Aldeia de Amambaí; ex-representante da União das Nações Indígenas do Mato Grosso do Sul; ex-companheiro do antropólogo japonêsCelso Aoki e Paulo Pepe, chefe de uma entidade que se chama PKÑ, Projeto Kaiowá-Ñandeva, entidade criada em nome do índio Kaiowá-Guarani, em Amambaí. O PKÑ, o CIMI — Conselho IndigenistaMissionário — e o Partido dos Trabalhadores (PT) são entidades ligadas entre si. Essas entidades, usando de — são as expressões que estão na escritura — ‘malandragem e safadagem’, fazem montagens aqui em Mato Grosso do Sul, coisas que ninguém nunca imagina e que eu, que fui companheiro e conhecedor, sei que eles fazem no Mato Grosso do Sul, o PKÑ recebe verba do exterior, Holanda, Canadá e Suíça, em nome do povo indígena do Mato Grosso do Sul, do Kaiuá e Guarani.

“Dizem que é para ajudar esses povos. Só que esses dólares que vêm do exterior, o indígena nem sabe, usa o nome do índio e usa o índio tambémda seguinte forma: todos os problemas de terras que estão ocorrendo no Mato Grosso do Sul, na fronteira do Paraguai, são mandados pelo Sr.Celso Aoki e Paulo Pepe, antropólogos e chefes do PKÑ.

“Eu fui companheiro dessa entidade e do Partido do PT por três anos, na época do Presidente José Sarney e do Ministro Ronaldo Costa Couto. Essa escritura é de 1992. Nós fazíamos assim: procurávamos onde o índio estava trabalhando e há quantos anos estava morando naquela fazenda. Se eles falavam que estavam há cinco, seis ou dez anos, nós perguntávamosse não tinham familiares que faleceram naquele local e nós já falávamos para esse índio dar entrevista dizendo que ali era terra indígena antigamente.

“Se tivesse algum cemitério dealguém da família ou parente, era para falar que eles já haviam nascido ali, se criaram ali, seus pais, avós, bisavós e netos, e assim pordiante. Já nós pegávamos o pai daquela família para ser líder naquelelugar.

“Os antropólogos Celso Aoki e Paulo Pepe são agitadores que pegam rios de dinheiro em troca desse tipo de trabalho. Já mandam elaborar documentos naquele lugar, naquela fazenda, já fazem um mapa baseado em mais ou menos quantos hectares, dizendo quea área é indígena e que só falta a demarcação; já colocam o nome de como se chamava antigamente aquele lugar ou trocam o nome ou colocam onome da fazenda mesmo. Se tiver três ou quatro famílias trabalhando lá, colocam como se tivessem 80 ou 90 famílias naquela área, dizendo que a aldeia e o pessoal do PKÑ já vão comprar mercadorias baratas refugadas, gradil de gado, banha podre e já sai nas aldeias grandes, que são demarcadas, que têm segurança, juntas as lideranças em todas as aldeiasque são dominadas por eles e fazem uma reunião com todos os capitães do Mato Grosso do Sul.

“Eles fazem o documento daquele lugar, dizendo que o índio mora naquela fazenda, mesmo que o índio seja só peão. Já o indicam de capitão e mandam todos assinarem o documento, mandando para o Presidente da Funai em Brasília, dizendo que ali tem área indígena que falta demarcação, com 80 ou 90 famílias [...].

“Coma pressão, o Presidente da Funai assina o documento e manda para o Ministério da Reforma Agrária. Depois, passa para o grupão, depois parao Ministro do Interior. Na época, nós fazíamos assim. Hoje é Ministério da Justiça.

“Eu não sou contra a demarcaçãode terras. Só que sou contra esses elementos que vocês não conhecem. Eu descobri porque eles não compram as terras. Com os dólares que pegam no exterior, em nome do índio, só ficam jogando os índios contra os proprietários de terras e proprietários de terras contra os índios.[...]

“Eles não querem ver o indígena se civilizar, melhorar. Para eles continuarem a usar e manipular. Se o índio se sensibilizar e estudar vai descobrir o que eles fazem, e eles não vão ter mais como sobreviver à custa dos povos indígenas. [...]

“Estou pronto para fazer qualquer declaração ou debate, para ir perante o juiz com Celso Aoki e Paulo Pepe mostrar a realidade. As pessoas dessas entidades não querem que eu fale, e os administradores da Funai não querem que eu fale nada com os brancos. O novo administrador da Funai, José Antônio Martins Flores, pediu, pelo amor de Deus, para não fazer esse tipo de entrevista para os brancos e para a Justiça porque podem perder na Justiça as questões de terras.

“Uma vez já estive na rádio esclarecendo uma parte do trabalho sujo que eles estavam armando. Desde então, o administrador Antônio Martins Flores queria que eu guardasse segredo sobre isso. E de como assim disse e dou fé, me pediu e lavrei essa escritura”.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

AUGUSTO NUNES - OS VAMPIROS ALIADOS FESTEJAM A AMPLIAÇÃO DO BANCO DE SANGUE

Menos de um mês depois de promover o Brasil a potência petroleira, Lula promoveu-se a presidente de uma potência olímpica. Em 6 de setembro, Dia da Segunda Independência, não precisou de um só barril a mais para apresentar ao mundo o caçula da OPEP. O que resolveu que vai acontecer daqui a 10 ou 15 anos pareceu-lhe suficiente. Em 2 de outubro, depois de derrotar os ianques, os espanhóis e os japoneses na Batalha da Dinamarca, não precisou de uma única medalha de bronze para instalar o país no clube dos colossos esportivos. Bastou o que resolveu que vai acontecer no Rio em 2016.

O curto espaço entre os dois assombros avisa que a metamorfose ambulante sofreu mais uma mutação para pior. Lula sempre se apropriou do passado para fingir que fez o que outros fizeram. Quem ouve a discurseira imagina, por exemplo, que a inflação liquidada em 1994 pelo Plano Real foi banida em 2003. Pois o maior governante da história agora deu de também expropriar o futuro para moldá-lo às conveniências do presente ─ e fingir que já foi feito o que está por fazer. O craque que vive assumindo a paternidade de gols alheios passou a reivindicar a autoria dos que nem aconteceram.

A fantasia seria menos inverossímil se Lula não inaugurasse o futuro sempre em companhia de gente que eterniza o passado. No descobrimento do pré-sal, protagonizou uma superprodução futurista à frente de um elenco de cinema mudo liderado pelos canastrões José Sarney e Edison Lobão. No comício em Copenhague, anunciou a ascensão do Brasil à primeira divisão do planeta num palanque de segunda. O país não tem sequer arremedos de política esportiva. Investe apenas, e equivocadamente, no esporte de alto rendimento. O Brasil coleciona fiascos a cada Olimpíada por falta de direção e de verbas.

Dinheiro existe de sobra, esclareceu o presidente ao comunicar que serão investidos no Rio quase R$ 30 bilhões. A bolada vai ser muito maior, corrigiu o sorriso de empreiteiro malandro no rosto da cartolagem. E boa parte vai engordar o patrimônio dos campeões do salto sobre cofres públicos, modalidade não-olímpica praticada com muita competência por figurões federais e supercartolas.

Só os olhos gulosos dos bandidos e a miopia dos idiotas incuráveis enxergam um Brasil dividido entre nacionalistas grávidos de patriotismo com o triunfo incomparável e traidores da nação em aliança com os mortos de ciúme da Cidade Maravilhosa. O Brasil não precisa hospedar a Olimpíada para afirmar-se como nação em marcha acelerada para longe das cavernas. O Rio não precisaria virar sede dos Jogo de 2016 para merecer as atenções, o respeito, o carinho e os investimentos que a mais bela das cidades reclama há décadas. Consumada a escolha, ninguém minimamente sensato vai torcer pelo naufrágio. Mas o desastre só será evitado se a tripulação for trocada a tempo.

Em 2003, os cariocas souberam que o Pan-2007, orçado em R$ 400 milhões, traria como dote a linha de metrô da Barra, a despoluição da Baía de Guanabara, a ressurreição da Lagoa Rodrigo de Freitas e outros espantos. A conta ficou em R$ 4 bilhões e os milagreiros nada santos esqueceram o prometido. Tudo será feito agora, reincide Carlos Nuzman, que presidiu o comitê do Pan, preside o COB e presidirá o comitê dos Jogos de 2016. É errando que a gente aprende, recita Orlando Silva, ministro do Esporte desde 2006, que forma com Nuzman uma dupla que anda fazendo bonito nos torneios de gastança suspeita promovidos pelo Tribunal de Contas da União.

O cinismo dos vendedores de ilusões só não é mais espantoso que a euforia da multidão de iludidos. Com o mesmo entusiasmo dos vampiros encarregados da administração, os doadores festejam a ampliação do banco de sangue.

domingo, 4 de outubro de 2009

ENTREVISTA COM YOANI SÁNCHEZ NA VEJA

A cubana Yoani Sánchez, 34 anos, foi convidada a falar no Senado brasileiro e a comparecer ao lançamento de seu livro De Cuba, com Carinho (Contexto), em São Paulo. A obra, que chega às livrarias neste fim de semana, é uma coletânea de textos publicados por ela no blog Generación Y, o primeiro a ser criado em Cuba. Na internet, Yoani discorre livremente sobre o cotidiano do povo cubano, a ausência de liberdade e a escassez de gêneros de primeira necessidade – mas, bloqueado pelo governo, seu blog (desdecuba.com/generaciony) só pode ser acessado fora da ilha. Sua vinda ao Brasil, na segunda quinzena de outubro, depende de improvável permissão do governo cubano. Nos últimos doze meses, ela solicitou visto de saída em dez ocasiões para atender a convites no exterior. O visto foi negado em três delas. Nas demais, os trâmites burocráticos demoraram tanto que ela desistiu. Com 1,64 metro e 49 quilos, Yoani é formada em letras e vive em Havana com o filho e o marido. Ela conversou com VEJA pelo celular.

Em discurso a respeito do seu pedido de visto, o senador Eduardo Suplicy citou o que considera três conquistas da revolução cubana: a alfabetização, o aumento da expectativa de vida e a medicina de qualidade. Se pudesse, o que você diria sobre isso em Brasília?
Eu diria que os laços entre países não devem ocorrer apenas entre governantes ou diplomatas. Quando se trata de Cuba, as estatísticas oficiais divulgadas pelas nossas embaixadas não podem ser levadas a sério. Sou defensora da diplomacia popular, aquela que se inteira da realidade diretamente com o cidadão. Não sou uma analista política. Não sou especialista em nenhum tema. Não sou diplomata. Simplesmente vivo e conheço a realidade do meu país. Aqueles que roubam o estado, que recebem dinheiro enviado por parentes do exterior ou fazem trabalhos ilegais vivem melhor que os demais. Uma pessoa que escreve em um blog pode ser condenada sob a acusação de fazer propaganda inimiga. Os outros países não podem repercutir o clichê de que Cuba é uma ilha de música e rum. É preciso olhar para o cidadão. Aqui, nós vivemos e morremos todos os dias.

Mas é verdade que 99,8% da população cubana é alfabetizada?
Antes da revolução, nosso país já ostentava um dos menores índices de analfabetismo da América Latina. Uma das primeiras ações do governo autoritário de Fidel Castro foi ensinar o restante da população a ler e escrever. A questão principal hoje não é a taxa de alfabetização, e sim o que vamos ler depois que aprendemos. A censura controla totalmente o que passa diante de nossos olhos. E isso começa muito cedo. As cartilhas usadas na alfabetização só falam da guerrilha em Sierra Maestra ou do assalto ao quartel de Moncada pelos guerrilheiros barbudos. Meu filho tem 14 anos. Na sala de aula dele há seis fotos de Fidel Castro. Tudo o que se ensina nas escolas é o marxismo, o leninismo, essas coisas. Não se sabe o que acontece no resto do mundo. A primeira vez que vi imagens da queda do Muro de Berlim foi em 1999, dez anos depois de ela ter ocorrido. Foi num videocassete que um amigo trouxe clandestinamente. Para assistir às imagens do homem pisando na Lua, foi necessário esperar vinte anos.

A expectativa de vida realmente aumentou?
É uma estatística oficial, sem comprovação, que não resistiria a um questionamento mínimo feito por uma imprensa livre. Pelo que vejo nas ruas, é difícil acreditar que os cubanos possam sobreviver tantos anos. Os idosos estão em estado deplorável. Há uma avalanche de dados que poderiam ilustrar o que digo, mas estes nunca são divulgados. Jamais fomos informados sobre o número de pessoas que fogem da ilha a cada ano. Ninguém sabe qual é o índice de abortos, talvez o mais alto da América Latina. Os divórcios são inúmeros, motivados pelas carências habitacionais. Como há cinquenta anos quase não se constroem casas, é normal que três gerações de cubanos dividam uma mesma residência, o que acaba com a privacidade de qualquer casal. Também nunca se falou do número de suicídios, um dos mais altos do mundo.

Cuba tem mesmo uma medicina avançada?
O país construiu hospitais e formou médicos de boa qualidade na época em que recebia petróleo e subsídios soviéticos. Com o fim da União Soviética, tudo isso acabou. O salário mensal de um cirurgião não passa de 60 reais. A profissão de médico é hoje a que menos pode garantir uma vida decente e cômoda. A carência nos hospitais é trágica. Quando um doente é internado, todos os seus familiares migram para o hospital. Precisam levar tudo: roupa de cama, ventilador, balde para dar banho no paciente e descarregar a privada, travesseiro, toalha, desinfetante para limpar o banheiro e inseticida para as baratas. Eles não devem esquecer também os remédios, a gaze, o algodão e, dependendo do caso, a agulha e o fio de sutura.

Por que o modelo cubano continua sendo admirado na América Latina?
Cuba só é reverenciada por quem nunca morou aqui. Eu já conheci um montão de gente que idolatrava Fidel e, depois de um mês vivendo conosco, mudou de opinião. Quando as pessoas descobrem como é receber em moeda sem valor, enfrentar as filas de racionamento ou depender do precário transporte público, começam a pensar de modo mais realista. Não estou falando dos turistas que ficam uma semana, dormem em hotéis cinco-estrelas e andam em carros alugados. Convido quem vê Cuba como um exemplo a vir para cá, sentir na pele como vivemos.

Como o governo tem reagido a seu blog?
O portal Desdecuba.com, em que o site está hospedado, está bloqueado há mais de um ano para quem tenta acessá-lo de Cuba. Há algumas semanas, cancelaram o site Voces Cubanas, que possuía vários diários virtuais, incluindo uma cópia do meu. O governo também se esforça para me transformar em uma pessoa radioativa. Membros da polícia política me vigiam todo o tempo e dizem a meus vizinhos, amigos e parentes que sou perigosa. Falam que quero destruir o sistema e sou uma mercenária do império. Em um país onde todo mundo trabalha para o estado ou depende da ajuda do governo, esse método surte efeito. Muita gente já se afastou de mim. Alguns nem me telefonam. É uma luta desigual. Todo o poder de um estado recai sobre mim. Até minha mãe tem sido vítima dessa campanha atemorizante. Eles a pressionam no trabalho. Ameaçam tirar seu emprego. Ela não faz nada especial, que possa desestabilizá-los. Não tem blog. Não é jornalista.

Qual é o trabalho de sua mãe?
Ela preenche formulários em um ponto de táxi.

Como os cubanos veem Hugo Chávez, hoje o maior benfeitor do regime comunista?
Hugo Chávez é o grande responsável pela perpetuação do regime cubano. Cuba seria hoje muito diferente sem esse aporte de petróleo e de dinheiro da Venezuela. O que me preocupa é o componente de autoritarismo e de messianismo de governos como os da Venezuela, Bolívia e Equador. Chávez reprime brutalmente a liberdade de expressão, e temo que os outros sigam essa abordagem, de cujas consequências parecem não ter a menor ideia. Em lugar da linha de Chávez, Evo Morales ou Rafael Correa, prefiro a da chilena Michelle Bachelet e a de Lula. Eles perseguem mudanças menos traumáticas e não criam conflitos viscerais entre grupos sociais.

O presidente Lula tem condenado com insistência o embargo comercial americano a Cuba. O que você acha disso?
Se o objetivo do embargo era enfraquecer a ditadura, não funcionou. Essa política não afeta os governantes, que continuam vivendo muito bem e importando os produtos que desejam. Tampouco se plantou na ilha uma semente de insatisfação capaz de desestabilizar o governo. A maior parte das pessoas que eram contra o regime já escapou da ilha. Acima de tudo, o embargo tem sido o maior pretexto do governo cubano para justificar o descalabro econômico no país. Diante de cada coisa que não funciona, o partido comunista diz que a culpa é dos americanos. Sou totalmente contra o embargo. Não porque ache que as coisas seriam muito diferentes se ele deixasse de existir, e sim porque seu fim eliminaria o argumento oficial de que estamos em uma praça sitiada e, por causa disso, o povo deve aceitar as mazelas cubanas.

Você acha possível que um dia Cuba libere a viagem de cubanos ao exterior?
Tenho escutado esses boatos, mas é improvável que isso ocorra. O controle de entrada e saída é talvez a mais importante arma do governo para manter a fidelidade ideológica. Imagine o que pensaria meu vizinho, um militante do partido que ganha em moeda nacional, se eu fosse ao Brasil, conhecesse várias cidades e voltasse cheia de histórias para contar sobre o que vi e comi. Seria um golpe muito forte no estado. No mais, essa questão é antiga. Eu até coloquei no blog uma foto de uma revista espanhola de 1991 na qual uma autoridade cubana fala da iminência da liberação das viagens. Já se passaram dezoito anos desde então, e nada mudou.

Caso consiga permissão para vir ao Brasil, você pensaria em ficar e trabalhar aqui?
Não tenho esse plano. A matéria-prima do meu trabalho é a realidade cubana. Não quero e não posso ficar longe das minhas histórias. Se pudesse viajar, eu certamente o faria, mas não seria apenas para o Brasil. Tenho de passar nos Estados Unidos e na Espanha para receber os prêmios que ganhei. Talvez desse um pulo à Alemanha e à Suíça. E só. Faz tempo que aprendi que a vida para mim não está em outro lugar a não ser em Cuba. Para o meu país eu voltarei sempre.

Raúl tem 78 anos e Fidel está à beira da morte. Quem vai assumir o poder em Cuba quando eles forem embora?
Os futuros governantes de Cuba serão pessoas comuns, que não conhecemos. Não mostram publicamente suas ideias reformistas por medo de que aconteça a elas o mesmo que ocorreu com Carlos Lage, o médico que era vice-presidente e foi condenado ao ostracismo. Quando a velha-guarda deixar o poder, muita gente carismática e talentosa sairá das sombras. Será como na União Soviética. Até assumir a Presidência, Mikhail Gorbachev tinha uma trajetória cinza. Era um funcionário a mais, fiel ao partido. No Kremlin, destacou-se como um transformador.

Seu filho completou 14 anos. Qual é o futuro que o espera?
Teo é um garoto inquieto. Foi criado em clima de tolerância e liberdade. Ele terá muita dificuldade se Cuba continuar assim. Cedo ou tarde, vai esbarrar nesse muro e pensará em sair. Isso me dói muito. Vivo o dilema da mãe cubana: manter o filho aqui mesmo sabendo que um dia ele terá problemas com o governo ou deixá-lo ir embora para realizar seus sonhos. Eu ficaria feliz se Teo não precisasse sair, mas creio que ele será um emigrante.

Como é a situação econômica atual comparada à grande crise ocorrida quando Cuba perdeu a mesada da União Soviética?
A crise contemporânea ainda não se compara com a dos anos 90. Naquele tempo meus pais me mandavam ir dormir mais cedo porque não tínhamos o que comer. Minha magreza é, em parte, uma sequela daquele período de fome. Hoje certamente há uma recaída econômica muito forte. A produção nacional é ínfima e obriga Cuba a importar 80% dos alimentos que consome. O problema é que o país não tem liquidez para comprar no exterior. A queda, contudo, está sendo amortecida pelo turismo, pelo dinheiro enviado por cubanos do exterior e pela possibilidade de exercer uma profissão ilegal.

A liberação de viagens de americanos para a ilha já mudou alguma coisa?
Essa foi uma notícia magnífica para os cubanos, que agora podem reencontrar seus parentes. Essas visitas ajudam também com palavras de estímulo, dinheiro e produtos básicos. Lamentavelmente, nunca fomos tão dependentes dos Estados Unidos

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

RODRIGO CONSTANTINO - JOGOS OLÍMPICOS OU POLÍTICOS?

A empolgação dos brasileiros em relação à Olimpíada de 2016 é parcialmente justificável, mas levanta algumas interessantes questões. A meta do COI deveria ser achar um país para fazer os jogos, e não usar os jogos para fazer um país. Há algo estranho no ar quando se necessita de um evento desses para investir em infra-estrutura básica. Ora, se é realmente desejável realizar tais investimentos, por que seria preciso sediar os jogos olímpicos para tanto? Não faria sentido simplesmente realizar os investimentos, independente dos jogos?

O histórico das Olimpíadas, no que diz respeito ao seu legado para a cidade em que foi sediada, é inconclusivo. Atenas não apresentou grandes melhoras, e muitos repetem o caso de Barcelona como grande ícone de mudanças radicais por causa dos jogos. Mas seria o caso de perguntar: foram mesmo os jogos olímpicos que transformaram tanto assim Barcelona? Alguns juram que sim, mas tenho minhas dúvidas. Madri é tão pior assim que Barcelona? Devemos tomar cuidado com a falácia post hoc ergo propter hoc, ou seja, a confusão entre correlação e causalidade. Não é porque uma coisa ocorreu em seguida à outra, que aquela teve de ser causada por esta. A Espanha como um todo melhorou muito na década de 1990, com reformas liberalizantes e abertura comercial. O crescimento foi expressivo a partir de 1996. Alguém diria que isso tudo foi graças aos jogos de 1992?

Além disso, devemos manter sempre uma forte suspeita em relação à corrupção possível pela realização de um evento desta magnitude. Os jogos pan-americanos de 2007 deixaram verdadeiros “elefantes brancos” na cidade carioca, e com certeza alguns bolsos bem cheios. A aprovação da candidatura de Chicago é baixa entre os próprios habitantes da cidade justamente por conta deste receio. Os recursos para os investimentos necessários não caem do céu; eles são retirados do próprio povo. Será que não haveria alternativas atraentes para uso desse dinheiro? Sempre que o governo aumenta seus gastos, isso significa redução nos gastos ou investimentos privados, que por lógica econômica, são sempre mais eficientes.

Por fim, gostaria de alertar sobre o antigo uso político dos esportes, que desde o Coliseu romano têm servido para distrair o povo e afastá-lo das questões políticas. Nada como a realização de uma Olimpíada em casa para manter o povo ocupado por bastante tempo, sem foco nos escândalos de corrupção do governo. Esse é o verdadeiro jogo político.