sábado, 24 de julho de 2010

Olavo de Carvalho - Bandidos e poltrões

Se o PT insistir em querer processar o candidato vice-presidencial Índio da Costa, o que este e José Serra têm a fazer para desmoralizar por completo a fanfarronada petista é muito simples.

Os termos em que o sr. Presidente da República apelou a José Serra, pedindo-lhe que pare de tocar na ferida das ligações PT-Farc, são uma obra-prima de tartufismo como raramente se viu na história do teatro universal.

Em vez de negar peremptoriamente que aquelas ligações existem - o que seria muito temerário, dada a abundância de provas -, ele tentou sensibilizar o coração do candidato, exigindo dele a omissão cúmplice que, na iminência da revelação de crimes escabrosos, se esperaria de um velho companheiro de militância para quem a solidariedade mafiosa deve estar, segundo os cânones da moral presidencial, acima da verdade, acima do respeito aos eleitores, acima dos interesses da pátria, acima do bem e do mal.

A chantagem emocional é o mais velho recurso dos patifes apanhados de calças na mão, mas o sr. Presidente da República, mesmo sendo incapaz de abster-se desse golpe baixo, poderia ao menos ter tido a decência de usá-lo em privado, em vez de mostrar em público, uma vez mais, que não tem o menor senso de moralidade.

O autor desse apelo abjeto assinou, em 2001, como presidente do Foro de São Paulo, um voto de solidariedade integral às Farc e outras organizações criminosas, e deu provas em cima de provas de que seu governo e seu partido vêm cumprindo o compromisso à risca. Recusar-se a qualificar essas organizações como terroristas e narcotraficantes, que é o que elas são com toda a evidência, já é prova de solidariedade. Somem a isto as mobilizações políticas montadas instantaneamente pelo PT e outras agremiações de esquerda para libertar qualquer membro daquelas quadrilhas que seja preso no território nacional; a participação de ministros do governo Lula na propaganda das Farc através da revista América Libre; a contínua colaboração entre Farc e PT na formulação da estratégia esquerdista continental através das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo; a recusa obstinada de levar em consideração as descobertas do juiz federal Odilon de Oliveira, que apresentou provas cabais da parceria entre as Farc e quadrilhas locais de assassinos e seqüestradores (tornando-se por isso virtualmente um prisioneiro, enquanto os acusados continuam à solta); somem tudo isso e me digam se existe, além do instinto de autodefesa dos envolvidos na tramóia, alguma razão para não falar de ligações entre PT e Farc, entre PT e MIR, entre PT e ELN ou entre o PT e qualquer outra organização pertencente ao Foro de São Paulo.

Quanto ao próprio Foro, que, sob as bênçãos do nosso partido governante, continua todo mês gastando quantias consideráveis em viagens de centenas de seus membros entre as várias capitais latino-americanas, o sr. Lula seria, mesmo quando ainda candidato, o primeiro a ter a obrigação de esclarecer qual o estatuto legal da entidade e de onde vem o dinheiro que a sustenta.

Como ninguém teve a coragem de lhe perguntar isso em 2002 nem em 2006, ele se sentiu livre para não dizer nada. Com o tempo, a licença para silenciar, que então lhe foi concedida como um favor pela polidez covarde dos seus adversários, da mídia, das classes empresariais, dos militares e de tutti quanti, tornou-se, na cabeça dele, um direito adquirido. É em nome desse direito imaginário que ele agora exige dos candidatos oposicionistas a gentileza da omissão cúmplice, mesmo quando essa gentileza arrisque, uma vez mais, tirar das mãos deles a arma da verdade e da justiça, a mais poderosa em qualquer eleição presidencial.

Está na hora de mostrar que esse direito nunca existiu, exceto como conjunção momentânea de interesses vis entre bandidos e poltrões.

Se o PT insistir em querer processar o candidato vice-presidencial Índio da Costa, o que este e José Serra têm a fazer para desmoralizar por completo a fanfarronada petista é muito simples:

1. Inserir no processo as atas completas das assembléias do Foro de São Paulo, a lista dos membros da entidade e a coleção das revistas America Libre. Isso já basta para comprovar a ligação que o PT desmente.

2. Inserir nos autos os dois discursos em que o sr. Lula reconhece, até com orgulho, o caráter secreto e clandestino das atividades do Foro de São Paulo.

3. Convocar o testemunho do juiz Federal Odilon de Oliveira, provando que o PT continuou a relacionar-se em bons termos com as Farc enquanto a Justiça Federal já tinha provas suficientes de que essa organização criminosa colaborava com quadrilhas locais empenhadas em matar cidadãos brasileiros a granel.

Façam isso e não apenas vencerão o processo e as eleições: conquistarão a gratidão de todos os brasileiros honrados.

domingo, 18 de julho de 2010

Lula: manguaça pura, vexame certo

Lula desconstrói campanha de turismo e destaca perigos do Brasil em 2014
Alexandre Sinato, Bruno Freitas e Mauricio Stycer
Em Johanesburgo (África do Sul)

Num discurso de improviso, destinado a lançar uma campanha de promoção internacional do turismo no Brasil com vistas à Copa de 2014, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reforçou uma imagem do país que o Ministério do Turismo não gostaria de ver enaltecida.

Lula alertou os estrangeiros sobre o risco de ser mordido por “uma sucuri destreinada”, disse que os brasileiros não sabem inglês mas são bons na arte de “mimicar”, garantiu que o país é tão bem servido de homens quanto de mulheres e lamentou que as pessoas vão ao cinema e na volta não encontram o carro, porque foi roubado.

A cerimônia com a presença do presidente ocorreu num espaço montado pelo governo, num centro de convenções, no coração de Johanesburgo. Lula passou um tempo folheando o discurso preparado para o evento. Mas deixou-o de lado e arrancou gargalhadas já ao mencionar as autoridades presentes. Chamou o prefeito Eduardo Paes, do Rio de Janeiro, de governador, corrigiu-se, mas acrescentou, rindo: “Mas um dia vai ser. Um dia vai ser”.

Lula elogiou a diversidade racial brasileira fazendo um contraponto com outros povos. “Quando você vê a Alemanha em campo, com exceção do brasileiro Cacau, você só vê alemão. Quando você vê o Japão, você só vê japonês. Quando você vê a Coreia do Norte e a Coreia do Sul, você só vê coreanos, com a diferença que uns riem mais que os outros. No jogo Itália e Servia, não tinha um único negro nem no banco de reservas”.

Curiosamente, o filme exibido pelo Ministério do Turismo, para ser lançado assim que acabar a final da Copa de 2010, mostra um Brasil quase inteiramente branco. Até ao mostrar o público na arquibancada do Maracanã, a publicidade dirigida por Fernando Meirelles exibe em primeiro plano uma mulher loira.

Lula elogiou a beleza do brasileiro. E observou: “Quando eu falo em beleza, vocês têm que compreender que para cada sapo tem uma sapa. Ninguém fica sem seu par”.

Em seguida, o presidente fez uma digressão sobre os motivos que impedem o brasileiro de ir ao cinema. Queria fazer um paralelo com a dificuldade de levar turistas estrangeiros ao Brasil. E disse: “O cidadão vai ao cinema e depois quando vai buscar o carro, roubaram”.

Ao falar das belezas naturais do país, Lula mencionou especialmente o Amazonas, o Pantanal e a Chapada Diamantina. “A floresta mais incrível do mundo, rios maravilhosos, mas tem que ser de maneira ordeira. Se sair da linha, uma sucuri destreinada vai pegar vocês”.

Lula arrancou aplausos ao criticar as companhias aéreas brasileiras, que não têm vôos diretos para a África. Disse que é uma questão de honra para ele, assumida diante do presidente da África do Sul, Jacob Zuma, que este quadro seja mudado. “Não é possível que o avião brasileiro passe sobre a África e não pare. Tem que parar. O africano que quer ir para o Brasil tem que pegar um avião para Paris. Se ele vai até Paris, por que vai para o Brasil depois?”

O presidente também divertiu o público ao falar que o turista que for para o Nordeste vai encontrar um povo muito acolhedor, mas que não sabe falar inglês. “Mas tem a grande capacidade de fazer mímica. É a capacidade de mimicar do povo brasileiro”. Dirigindo-se a Marco Aurélio Garcia, assessor especial para assuntos internacionais, Lula perguntou: “Esse verbo existe?” E ouviu um não, mas o verbo existe segundo o dicionário Houaiss.

Lula encerrou o improviso lendo a última frase do discurso preparado para ser lido. “Eu ia ler meu discurso, mas não li. Então vou ler só a última frase. O Brasil está te chamando. Celebre a vida aqui”, disse, fazendo graça.

sábado, 17 de julho de 2010

O falso democrata - Estadão

Por Denise Chrispim Marin:
O presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Alejandro Aguirre, qualificou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um dos “falsos democratas” da região. Ao fim de uma reunião do comitê executivo da SIP, que agrega 1.300 meios de comunicação, ele argumentou que Lula se omitiu diante da censura ao Estado.

A censura foi imposta ao jornal pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) e está em vigor desde 31 de julho do ano passado. A proibição de veiculação de notícias sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal, foi motivada por um pedido do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PDMP-AP). “(A censura ao jornal) não foi denunciada pelo governante”, acusou Aguirre, que também representa na SIP o Diário Las Américas, de Miami.

Vínculos. Aguirre afirmou que o caráter de “falso democrata” de Lula não se limita a esse episódio. Essa condição, argumentou, tornou-se evidente com a estreita relação do presidente brasileiro com os irmãos Fidel e Raúl Castro, de Cuba. Também é justificada pelos vínculos de Lula com líderes eleitos democraticamente, mas que “estão se beneficiando da fé e do poder que o povo neles depositou para destruir as instituições democráticas”.

“Esses governos não podem continuar a se chamar de democráticos. O voto é componente sumamente importante na democracia, assim como a atuação dos governantes”, afirmou. “Eu vi governantes com uma grande delicadeza com o presidente Castro, o que representa um grande apoio moral a esse governo, que violou os direitos humanos por meio século”, completou Aguirre, ao ser questionado especificamente sobre sua avaliação de Lula.

O presidente da SIP ainda incluiu o governo Lula na lista dos que “atacam” os meios de comunicação, composta originalmente pelas administrações de Hugo Chávez, da Venezuela; de Cristina Kirchner, da Argentina; de Rafael Correa, do Equador; de Evo Morales, da Bolívia; de Daniel Ortega, da Nicarágua, e de Porfírio Lobo, de Honduras. “Esses governos usaram leis no Congresso, ameaças, subornos, publicidade oficial, atos judiciais sumamente arbitrários. Esses fatos são públicos”, declarou. Até o fechamento deste edição, o governo brasileiro não tinha se manifestado sobre as declarações de Aguirre.

Argentina. Em seu relatório trimestral, divulgado ontem, a SIP condenou a “campanha sistemática” movida por setores próximos ao governo Kirchner para desmoralizar o jornal Clarín e seus profissionais. Também assinalou como preocupantes a iniciativa do governo equatoriano de lançar uma campanha agressiva contra os meios de comunicação independentes, durante a Copa do Mundo, e a recente denúncia do governo da Guatemala de que reportagens publicadas pela imprensa seriam um atentado contra a segurança do país.


Na quinta-feira, em encontro com representantes da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, em Washington, a SIP reclamou da “incompreensível” decisão judicial que censura o Estado. Também renovou suas denúncias contra atitudes do governo Chávez.

Especificamente Aguirre, tratou de dois casos recentes - a decretação da prisão preventiva do presidente da emissora de televisão venezuelana Globovisión, Guillermo Zuloaga, e a condenação à prisão do colunista do jornal El Carabobeño, Francisco Pérez, sob a acusação de ofensa e injúria a um funcionário público.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

A transgressão consagrada – Estadão

Luiz Inácio Lula da Silva entrará para a história das eleições presidenciais brasileiras sob o Estado Democrático de Direito pela desfaçatez sem paralelo com que se conduz. Ele não apenas colocou os recursos de poder próprios do cargo que exerce à disposição de sua candidata — escolhida, de resto, por um ato de vontade imperial —, como ainda assume ostensivamente o abuso e disso se jacta.

A demolição das leis e das instituições destinadas a separar Estado, governo e campanhas políticas não se fez em um dia. Lula começou a pensar no segundo mandato, e a se guiar rigorosamente por essa meta, mal tirou a faixa recebida do antecessor em 1.º de janeiro de 2003 — se não antes. E começou a pensar no nome do sucessor, e a subordinar a administração federal aos seus cálculos eleitorais, tão logo descartou definitivamente, decerto ao concluir que se tratava de uma aventura de desfecho incerto, a possibilidade de um terceiro período no Planalto.

Depois que os dois grandes escândalos do lulismo — o mensalão e a perseguição a um caseiro — excluíram da lista dos presidenciáveis do presidente os cabeças de seu governo, José Dirceu e Antonio Palocci, a solitária decisão de lançar a candidatura da ministra Dilma Rousseff, com experiência zero em competições pelo voto popular, embutia uma consequência que só o seu patrono poderia barrar. Desde que, bem entendido, tivesse ele um mínimo de apreço pelos valores republicanos dos quais fala de boca cheia.

A consequência, evidentemente, era a conversão do Estado e do governo em materiais de construção da campanha dilmista — numa escala e com uma intensidade que talvez fossem menos extremadas se o candidato se chamasse Dirceu ou Palocci. Diga-se o que se queira deles, um e outro têm bagagem partidária e milhagem na rota das urnas bastantes para não depender, tanto quanto Dilma, do sistemático abuso de poder do chefe (ou, no caso dela, chefe e criador). Em outras palavras, a fragilidade eleitoral intrínseca da ex-ministra clamava pelo vale-tudo para ser neutralizada — e não seria Lula quem deixaria de fazê-lo.

Assim que ele bateu o martelo em seu favor, aflorou no mundo político e na imprensa a questão da transferência de votos. Seria o mais popular dos presidentes brasileiros capaz de eleger a candidata tida como um poste? Seria o seu formidável carisma suficiente para impedir que ela naufragasse por seus próprios méritos, por assim dizer? Perguntas pertinentes — e enganadoras. Do modo como foram formuladas, tendem a fazer crer que os eventuais efeitos, em 3 de outubro, do poder de persuasão de Lula independem da sua gana de atrelar o comando do Executivo aos seus interesses eleitorais.

É bem verdade que Lula chegou lá da primeira vez (na quarta tentativa) concorrendo pela oposição. Mas, em 2002, o desejo de mudança que ele encarnava provavelmente prevaleceria ainda que o então presidente Fernando Henrique, com a mesma falta de escrúpulos que o sucessor exibiria, transformasse o seu gabinete em quartel-general da campanha do candidato José Serra. Agora, chega a ser intrigante, nas análises políticas, a dissociação entre o uso da popularidade de Lula e a sua desmesurada desenvoltura em entrelaçá-lo com o abuso de sua posição.

Não foi por falta de aviso. Já não bastassem as transgressões que cometia ao carregar Dilma nos ombros presidenciais para cima e para baixo, ele anunciou no congresso do PT, em maio passado, que a sua prioridade este ano — como presidente da República — era eleger a sua protegida. Para quem tem a caradura de escarnecer tão desbragadamente do decoro político elementar, nada mais natural do que proclamar que sabe que transgride a lei e nem por isso deixará de transgredi-la.

Foi o que fez anteontem em um evento oficial na sede temporária do governo, numa dependência do Banco do Brasil. “Eu nem poderia falar o nome dela (Dilma) porque tem um processo eleitoral”, reconheceu, “mas a história (da alegada atuação da ministra no projeto do trem-bala) a gente também não pode esconder por causa de eleição.” Sob medida para os telejornais e o horário de propaganda.

Perto disso, que diferença fará uma multa a mais?

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Claudio Mafra - A lavagem cerebral e eu

Churchill: “Mal completara meu décimo segundo aniversário, entrei na região inóspita dos exames, onde seria condenado a viver durante sete anos. Dura provação, esses exames. Os assuntos prediletos dos examinadores eram quase sempre os que menos me atraíam. Gostaria que me examinassem em história, poesia e redação. Os examinadores insistiam em latim e matemática. E prevalecia a sua vontade. Ainda por cima, as perguntas que me faziam sobre as duas matérias eram invariavelmente, ou quase, aquelas que eu não podia responder satisfatoriamente. Gostaria que me pedissem para dizer o que sabia. Mas, procuravam sempre interrogar-me sobre o que eu ignorava. Enquanto eu preferia exibir meus conhecimentos, eles procuravam expor a minha ignorância. Esse tratamento só teve um resultado: meus exames foram péssimos.” (My Early Life)

Eu tenho um livro onde o senador McCain é tratado como um hipócrita. Chama-se “The Real MCain”. Algumas coisas devem ser verdade, outras não. Da mesma maneira que todo mundo, eu uso a sensibilidade, experiência de vida e o raciocínio lógico quando leio. No entanto, acho que sou mais rigoroso do que a maioria. Tem a ver com a minha virada da esquerda para a direita. Não gostaria de ser enganado outra vez. Mesmo que sejam micro-assuntos. O que houve naquela época não foi apenas o que as pessoas gostam de explicar com o famoso “éramos generosos”, ou seja, um fenômeno próprio dos jovens. Gostamos de pensar que “foi natural porque queríamos um mundo mais justo e o socialismo parecia ser a resposta”. Isso não esgota a questão. O que não gostamos de admitir é que, além da juventude, também fomos vítimas da mais pura e simples lavagem cerebral. Isso parece humilhante e nunca será aceito. A vida tão curta e a gente passando o seu melhor momento fazendo papel de bobo. Todos nós temos amigos que não são mais aqueles radicais que estiveram ao nosso lado – a idade tratou disso – mas ainda assim continuam esquerdistas. Se perguntados sobre o que aconteceu, vão dizer mil coisas, mas JAMAIS admitirão que os seus cérebros foram lavados, enxaguados e passados. Na qualidade de intelectual é dificil ser humilde, e também existe o problema de que nosso cérebro nos protege contra uma perigosa desestruturação. Então lá vai o nosso amigo, feliz no seu caminho, assoviando de vez em quando a Internacional, que vem assim, sem ele saber como, confirmando Freud e a negação do livre arbítrio.

Também é muito interessante o que se passou com os que nos enganaram, partindo de Marx até os ideólogos dos primórdios do comunismo russo. Hoje são considerados criminosos por haverem assassinado dezenas de milhões e causado sofrimento em centenas de milhões por muitas décadas, mas a psique desses líderes, o que os levou a serem tão crueis, ainda não está muito bem explicado. A ideologia levou à crueldade, ou os cruéis se abrigaram nessa ideologia? Eu gostaria de um livro sobre o tema. Não apenas biografias de Lenin e Stalin, mas algo maior.

A lavagem foi algo impressionante porque se propagava feito peste, sem necessidade de intervenções constantes dos seus autores. Eu “lavei” o cérebro de muita gente. O comunista comum, o homem que se encontrava excluído das benesses do poder, também era vítima. O Kremlin foi igual a um filme do James Bond. O centro, a máquina perversa que dava os rumos para a conversão das pessoas. Como estávamos na Guerra Fria, o objetivo fixado não era levá-las para dentro do Partido – muito mais difícil – >mas colocá-las contra os Estados Unidos. A classificação que todos os PCs do mundo faziam das pessoas é muito significativa: militantes, simpatizantes, idiotas úteis.

Essa brainwash que continua de maneira mais suave, após a queda do império sovietico, é vencedora. O mundo detesta os Estados Unidos, e deseja que os imigrantes e os liberais tomem o poder por um período grande de tempo, e destruam o país. O processo começou com a imigração hispânica descontrolada, e agora estamos vivendo uma etapa importante, a vitória do Obama. Ele pode ser uma espécie de Mandchurian candidate.

A lavagem cerebral me impede de usar um botton, ou uma T-shirt com a figura de Hitler, mas não há restrição para Lenin, ou Stalin, Mao, Che. Uma braçadeira com a suástica pode me levar para a cadeia, se eu conseguir dar meia dúzia de passos na rua, mas as bandeiras com a foice e o martelo continuam sendo agitadas na nossa cara. Todos esses líderes são “mass murders”, mas existe um que é mais “mass murder” do que os outros, embora tenha matado incomparavelmente muito menos gente. De fato, foi uma fração muito pequena dos números dos seus contemporâneos do século XX. Nada de estranho. Também acho significativo que não haja uma reabilitação do senador McCarthy. Trata-se de um excelente exemplo da persistência da lavagem cerebral. Já são décadas com seu nome ligada à demagogia, à canalhice, e do emprego constante, chato, da palavra síntese: macartismo. A sua denúncia, de uma extensa infiltração comunista em todos os setores da comunidade americana, está comprovada desde a abertura ao público, em julho de 1995, de documentos secretos. Mas, é impossivel jogar fora as calúnias e simplesmente dizer: é, afinal ele não era nenhum filho da puta, nos enganaram quando nos fizeram odiá-lo. McCarthy estava certo no atacado e errou algumas vezes no varejo.

Outro bom exemplo é Solzhenitsyn. Os comunistas conseguiram pintá-lo como um maluco, um anti-semita e um bêbado. E nós acreditamos em tudo. Durante anos ignoramos suas denúncias.

Churchill escreveu “Minha Mocidade” (My Early Life), que é considerado um dos melhores livros do século que passou. Ele teve um grande problema em sua juventude. Sentia-se frustrado porque estava seguindo uma carreira militar e achava que isso limitava sua cultura. Achava que seus amigos, que estudavam humanidades, eram mais felizes. Descreve uma dúvida ao ler um livro qualquer: “Será isso mesmo? Não estarei sendo enganado? Felizes os meus amigos que podem ler algo que contrarie esse livro, que se contraponha a ele”. Bem, infelizmente não sou parecido com Churchill, mas vivo suas preocupações todo o tempo, porque o seu temor realizou-se em mim na juventude. Fui enganado por conviver apenas com um lado da questão. Bem que algumas pessoas tentaram me ajudar, mas de que jeito? Eu estava sentado, amarrado, com holofotes em cima, e dois carrascos liam o besteirol socialista para mim, dia e noite.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Fernando Henrique Cardoso - Eleição sem maquiagem

Artigo publicado no Estadão deste domingo.

Fernando Henrique Cardoso

O mundo continua se contorcendo sem encontrar caminhos seguros para superar as consequências da crise desencadeada no sistema financeiro. Até a ideia (que eu defendi nos anos 1990 e parecia uma heresia) de impor taxas à movimentação financeira reapareceu na voz dos mais ortodoxos defensores do rigor dos bancos centrais e da intocabilidade das leis de mercado. No afã de estancar a sangria produzida pelas exacerbações irracionais dos mercados, outros tantos ortodoxos passaram a usar e até a abusar de incentivos fiscais e benesses de todo tipo para salvar os bancos e o consumo.

Paul Krugman, mais recentemente, lamentou a resistência europeia à frouxidão fiscal. Ele pensa que o corte aos estímulos pode levar a economia mundial a algo semelhante ao que ocorreu em 1929. Quando a crise parecia acalmada, em 1933, suspenderam-se estímulos e medidas facilitadoras do crédito, devolvendo a recessão ao mundo. Será isso mesmo? É cedo para saber. Mas, barbas de molho, as notícias que vêm do exterior, e não só da Europa, mas também da zigue-zagueante economia americana e da letárgica economia japonesa, afora as dúvidas sobre a economia chinesa, não são sinais de uma retomada alentadora.

Enquanto isso, vive-se no Brasil oficial como se nos tivéssemos transformado numa Noruega tropical, na feliz ironia deste jornal em editorial recente. E em tão curto intervalo que estamos todos atônitos com tanto dinheiro e tantas realizações. Basta ler o último artigo presidencial no Financial Times. A pobreza existia na época da “estagnação”. Agora assistimos ao espetáculo do crescimento, sem travas, dispensando reformas e desautorizando preocupações. Se no governo Geisel se dizia que éramos uma ilha de prosperidade num mundo em crise, hoje a retórica oficial nos dá a impressão de que somos um mundo de prosperidade e o mundo, uma distante ilha em crise. Baixo investimento em infraestrutura? Ora, o PAC resolve. Receio com o aumento do endividamento público e o crescente déficit previdenciário? Ora, preocupação com isso é lá na Europa. Aqui, não. Afinal, Deus é brasileiro.

Só que a realidade existe. A prosperidade de uns depende da de outros no mundo globalizado. Por mais que estejamos relativamente bem em comparação com os países de economia mais madura, se estes estagnarem ou crescerem a taxas baixas, haverá problemas. A queda nos preços das matérias-primas prejudicará as nossas exportações, grande parte delas composta de commodities. A ausência de crescimento complicará a solução dos desequilíbrios monetários e fiscais dos países ricos e isso significará menos recursos disponíveis para o Brasil no mercado financeiro global. Não devemos ser pessimistas, mas não nos podemos deixar embalar em devaneios quase infantis, que nos distraem de discutir os verdadeiros desafios do País.

Infelizmente, estamos às voltas com distrações. Um cântico de louvor às nossas grandezas, de uma falta de realismo assustador. Embarcamos na antiga tese do Brasil potência e, sem olhar em volta, propomo-nos a dar saltos sem saber com que recursos: trem-bala de custos desconhecidos, pré-sal sem atenção ao impacto do desastre no Golfo do México sobre os custos futuros da extração do petróleo, capitalização da Petrobrás de proporções gigantescas, uma Petro-Sal de propósitos incertos e tamanho imprevisível. Tudo grandioso. Fala-se mais do que se faz. E o que se faz é graças a transferências maciças do bolso dos contribuintes para o caixa das grandes empresas amigas do Estado, por meio de empréstimos subsidiados do BNDES, que de quebra engordam a dívida bruta do Tesouro.

A encenação para a eleição de outubro já está pronta. Como numa fábula, a candidata do governo, bem penteada e rosada, quase uma princesinha nórdica, dirá tudo o que se espera que diga, especialmente o que o “mercado” e os parceiros internacionais querem ouvir. Mas a própria candidata já alertou: não é um poste. E não é mesmo, espero. Tem uma história, que não bate com o que se quer que ela diga. Cumprirá o que disse?

No México do PRI, cujo domínio durou décadas, o presidente apontava sozinho o candidato a suceder-lhe, num processo vedado ao olhar e às influências da opinião pública. No entanto, quando a escolha era revelada ao público – “el destape del tapado” -, o escolhido via-se obrigado a dizer o que pensava. Aqui, o “dedazo” de Lula apontou a candidata. Só que ela não pode dizer o que pensa para não pôr em risco a eleição. Estamos diante de uma personagem a ser moldada pelos marqueteiros. Antigamente, no linguajar que já foi da candidata, se chamava isso de “alienação”.

Esconde-se, assim, o que realmente está em jogo. Queremos aperfeiçoar nossa democracia ou aceitaremos como normais os grandes delitos de aloprados e as pequenas infrações sistemáticas, como as de um presidente que dá de ombros diante de seis multas a ele aplicadas por desrespeito à legislação eleitoral? Queremos um Estado partidariamente neutro ou capturado por interesses partidários? Que dialogue com a sociedade ou se feche para tomar decisões baseadas em pretensa superioridade estratégica para escolher o que é melhor para o País? Que confunda a Nação com o Estado e o Estado com empresas e corporações estatais, em aliança com poucos grandes grupos privados, ou saiba distinguir uma coisa da outra em nome do interesse público? Que aposte no desenvolvimento das capacidades de cada indivíduo, para a cidadania e para o trabalho, ou veja o povo como massa e a si próprio como benfeitor? Que enxergue no meio ambiente uma dimensão essencial ou um obstáculo ao desenvolvimento?

Está na hora de cada candidato, com a alma aberta e a cara lavada, dizer ao País o que pensa.