segunda-feira, 30 de março de 2015

Marcelo Centenaro: Pedagogia do oprimido

No final de 2014, conversei sobre Paulo Freire com uma pessoa de quem gosto muito e que tem opiniões opostas às minhas. Ela perguntou se eu tinha lido algum dos livros dele. Só A Importância do Ato de Ler, mas há tanto tempo que não me lembro de quase nada, respondi. Nunca li Pedagogia do Oprimido, confessei. Você não pode criticar o que não conhece, acusou ela. Prometi que leria Pedagogia do Oprimido e escreveria uma resenha. Aqui está.

Não é uma leitura fácil. Embora o livro não seja extenso, com pouco mais de 100 páginas, levei dois meses para terminar. Achei a linguagem confusa, com termos inventados ou palavras às quais o autor atribui um sentido peculiar, sem contudo definir claramente esse sentido. Muitas vezes, não há um encadeamento lógico entre um parágrafo e o seguinte, entre uma frase e a próxima, entre uma idéia e outra. Nesse aspecto, lembra muito o estilo do Alcorão. Paulo Freire tem um cacoete de separar os prefixos dos radicais das palavras (co-laboração, ad-mirar, re-criar), como se isso significasse alguma coisa. Há muitas passagens com sentido obscuro (vejam algumas abaixo), muitas repetições, citações de supostas autoridades em educação (como Mao, Lênin, Che, Fidel e Frantz Fanon) e menções freqüentes a que se vai voltar ao assunto depois ou a que já se tratou dele antes.

Logo na introdução, somos brindados com esta afirmação: “Se a sectarização, como afirmamos, é o próprio do reacionário, a radicalização é o próprio do revolucionário. Dai que a pedagogia do oprimido, que implica numa tarefa radical cujas linhas introdutórias pretendemos apresentar neste ensaio e a própria leitura deste texto não possam ser realizadas por sectários.” Minha leitura deste trecho é: “Só quem já concorda comigo pode ler o que escrevo.”

Vou apresentar a seguir o que entendi do livro, procurando ao máximo omitir minhas opiniões, que guardarei para o final da resenha.

Paulo Freire descreve dois tipos de educação, uma característica de uma sociedade opressora, outra característica de uma sociedade livre, ou que luta para se libertar. A educação da sociedade opressora é chamada de “bancária”, sempre entre aspas, porque ela deposita conhecimentos nos alunos. Ou seja, ela reduz o aluno a um objeto passivo do processo educacional, no qual são jogadas informações sobre Português, Matemática, História, Geografia, Inglês, Física, Química, Biologia, Filosofia. Já a educação libertadora é chamada de dialógica, porque se baseia no diálogo entre professores e alunos (educadores e educandos, na linguagem do livro). É um processo do qual todos são sujeitos ativos e cuja finalidade é ampliar a consciência social de todos, especialmente dos alunos, para que se viabilize a revolução que acabará com a opressão. O livro não detalha o que a educação libertadora fará depois dessa libertação. Imaginamos que mantenha os educandos conscientes e imunes a movimentos reacionários e contra-revolucionários.

A educação dialógica se baseia no diálogo e o diálogo começa com a busca do conteúdo programático. Na parte do livro em que há mais orientações práticas, Paulo Freire recomenda que seja formado um grupo de educadores pesquisadores que observará os educandos e conversará com eles, em situações diversas, para conhecer sua realidade e identificar o que ele chama de temas geradores, que possibilitarão a tomada de consciência dos indivíduos. Haverá reuniões com a comunidade, identificação de voluntários, conversas e visitas para compreender a realidade, observações e anotações. Os investigadores farão um diagnóstico da situação. Então discutirão esse diagnóstico com membros da comunidade para avaliar o grau de consciência deles. Constatando que esse nível é baixo, vão apresentar as situações identificadas aos alunos, para discussão e reflexão, com o objetivo de despertar sua consciência para sua situação de opressão. Se o pensamento do povo é mágico (religioso) ou ingênuo (acredita nos valores de direita), isso será superado pelo processo, conforme o povo pensar sobre a maneira que pensa, e conforme agir para mudar sua situação de opressão.

Paulo Freire enfatiza que o revolucionário não pode manipular os educandos. Todo o processo tem de ser construído baseado no diálogo e no respeito entre os líderes e o povo. Porém, os líderes devem ter a prudência de não confiar no povo, porque as pessoas oprimidas têm a opressão inculcada no seu ser. Como exemplo de um líder que jamais permitiu que seu povo fosse manipulado, Paulo Freire apresenta Fidel Castro.

A palavra é o resultado da soma de ação e reflexão. Se nos baseamos apenas na reflexão, temos um “verbalismo” estéril. Se nos baseamos apenas na ação, temos um “ativismo” inepto. Os líderes revolucionários e os educadores devem compreender que a ação e a reflexão caminham juntas de maneira indissociável, ou não se atingem os objetivos da educação e da revolução.

As características da opressão são a conquista dos mais fracos, a criação de divisões artificiais entre os oprimidos para enfraquecê-los, a manipulação das massas e a invasão cultural. Os opressores se impõem em primeiro lugar pela força. Depois, jogam os oprimidos uns contra os outros, para mantê-los subjugados. As pessoas são manipuladas para acreditarem em falsos valores que lhes são prejudiciais, embora elas não percebam isso. Sua cultura de raiz é esquecida e trocada por símbolos vazios importados de fora, num processo que esmaga a identidade do povo.

As características da libertação são a colaboração (que Paulo Freire grafa co-laboração), a união, a organização e a síntese cultural. A colaboração está contida em tudo o que foi dito sobre educação dialógica, que é feita em conjunto pelos educadores e educandos. A união entre os oprimidos é fundamental para que tenham força para resistir contra o opressor. No trecho em que explica a organização, é citado o médico Dr. Orlando Aguirre, diretor da Faculdade de Medicina de uma universidade cubana, que afirmou que a revolução implica em três P: palavra, povo e pólvora. Disse o Dr. Aguirre: “A explosão da pólvora aclara a visualização que tem o povo de sua situação concreta, em busca, na ação, de sua libertação.” E Paulo Freire complementa: “O fato de não ter a liderança o direito de impor arbitrariamente sua palavra não significa dever assumir uma posição liberalista, que levaria as massas à licenciosidade.” Ele afirma que não existe liberdade sem autoridade. Sobre a síntese cultural, diz que a visão de mundo do povo precisa ser valorizada.

Agora, o que penso sobre o texto. O próprio Paulo Freire deixa claro em vários momentos, que seu livro não é sobre educação. Ensinar, transmitir conhecimentos, é uma preocupação da educação “bancária” opressora. Não é essa a função de um educador libertador. Não, sua função é criar os meios para uma revolução libertadora, como foram libertadoras as revoluções promovidas pelos educadores citados: Mao, Lênin, Fidel. Ou seja, a única preocupação do livro é com os meios para viabilizar uma revolução marxista. Se você, meu leitor, é professor e acha que essa é a sua função, talvez encontre conhecimentos úteis no livro. Caso contrário, não há mais nada nele.

Fiz uma coletânea de palavras utilizadas por Paulo Freire que poderiam ter saído de um discurso de Odorico Paraguaçu: “involucra”, em lugar de envolve, “implicitados”, em lugar de implícitos, “gregarizadas”, deve ser um derivado de gregário, “unidade epocal”, em lugar de unidade de tempo, “fatalistamente”, por fatalisticamente, “insertado”, por inserido. Dois erros divertidos: chamar Régis Debray de Régis Debret e achar que o nome do padre Marie-Dominique Chenu OP (onde OP significa Ordo Praedicatorum, Ordem dos Pregadores, sigla que designa a Ordem dos Dominicanos) é O. P. Chenu. É sintomático que alguém com tantas dificuldades com a Língua Portuguesa seja o Patrono da Educação Brasileira, considerado nossa maior autoridade em alfabetização.

Desafio os bravos leitores a encontrar o sentido dos trechos a seguir. A melhor interpretação ganhará um pão com mortadela. Os grifos são de Paulo Freire.

1) «Na verdade, não há eu que se constitua sem um não-eu. Por sua vez, o não-eu constituinte do eu se constitui na constituição do eu constituído. Desta forma, o mundo constituinte da consciência se torna mundo da consciência, um percebido objetivo seu, ao qual se intenciona. Daí, a afirmação de Sartre, anteriormente citada: “consciência e mundo se dão ao mesmo tempo”.»

2) «O ponto de partida deste movimento está nos homens mesmos. Mas, como não há homens sem mundo, sem realidade, o movimento parte das relações homens-mundo. Dai que este ponto de partida esteja sempre nos homens no seu aqui e no seu agora que constituem a situação em que se encontram ora imersos, ora emersos, ora insertados.»

3) «Sem ele [o diálogo], não há comunicação e sem esta não há verdadeira educação. A que, operando a superação da contradição educador-educandos, se instaura como situação gnosiológica, em que os sujeitos incidem seu ato cognoscente sobre o objeto cognoscível que os mediatiza.»

4) «Esta é a razão pela qual o animal não animaliza seu contorno para animalizar-se, nem tampouco se desanimaliza.»

5) «Somente na medida em que os produtos que resultam da atividade do ser “não pertençam a seus corpos físicos”, ainda que recebam o seu selo, darão surgimento à dimensão significativa do contexto que, assim, se faz mundo.»

6) «Porque, ao contrário do animal, os homens podem tridimensionalizar o tempo (passado-presente-futuro) que, contudo, não são departamentos estanques.» Alguém pode me dizer como é possível tridimensionalizar o tempo?

7) «Uma unidade epocal se caracteriza pelo conjunto de idéias, de concepções, esperanças, dúvidas, valores, desafios, em interação dialética com seus contrários, buscando plenitude. A representação concreta de muitas destas idéias, destes valores, destas concepções e esperanças, como também os obstáculos ao ser mais dos homens, constituem os temas da época.»

Outra característica curiosa são as citações em idiomas diversos. Há citações de Hegel e Karl Jaspers em inglês, de Marx e Erich Fromm em espanhol e de Lukács em francês. Todos esses autores escreveram em alemão. Frantz Fanon, que escreveu em francês, é citado em espanhol. Albert Memmi, que também escreveu em francês, é citado em inglês, e se menciona que há uma edição brasileira de seu livro. Mao é citado em francês. Porque todas essas citações não foram simplesmente traduzidas para o português? E por que Paulo Freire gosta tanto de ditadores, torturadores e assassinos?

Ele afirma que vender seu trabalho é sempre o mesmo que escravizar-se. Porém, desejar não ser mais empregado e tornar-se patrão é escravizar a um outro, tornar-se opressor. Qualquer tipo de contratação de um indivíduo por outro é maligna, é opressão, é escravidão. Só teremos liberdade quando a nenhum indivíduo for permitido contratar ou ser contratado por outro indivíduo. Faz sentido para vocês?

Paulo Freire afirma que os oprimidos devem ser reconhecidos como Pedro, Antônio, Josefa, mas os chama o tempo todo de “massas”. Diz que valoriza a visão de mundo do povo, enquanto não perde uma oportunidade de desdenhar das crenças religiosas desse mesmo povo, chamando-as de mágicas, sincréticas ou mistificações. E ele se dizia católico.

Como a opressão é uma violência, qualquer violência cometida pelos oprimidos contra os opressores é sempre uma reação justificada. É um raciocínio assustador. Nas palavras dele: “Quem inaugura a tirania não são os tiranizados, mas os tiranos. Quem inaugura o ódio não são os odiados, mas os que primeiro odiaram. Quem inaugura a negação dos homens não são os que tiveram a sua humanidade negada, mas as que a negaram, negando também a sua.” Paulo Freire considera justificados a tirania como resposta a uma tirania anterior e o ódio como resposta a um ódio anterior. E nega a humanidade de quem ele resolver chamar de opressores.

Mais um trecho escabroso: «Mas, o que ocorre, ainda quando a superação da contradição se faça em termos autênticos, com a instalação de uma nova situação concreta, de uma nova realidade inaugurada pelos oprimidos que se libertam, é que os opressores de ontem não se reconheçam em libertação. Pelo contrário, vão sentir-se como se realmente estivessem sendo oprimidos. É que, para eles, “formados” na experiência de opressores, tudo o que não seja o seu direito antigo de oprimir, significa opressão a eles. Vão sentir-se, agora, na nova situação, como oprimidos porque, se antes podiam comer, vestir, calçar, educar-se, passear, ouvir Beethoven, enquanto milhões não comiam, não calçavam, não vestiam, não estudavam nem tampouco passeavam, quanto mais podiam ouvir Beethoven, qualquer restrição a tudo isto, em nome do direito de todos, lhes parece uma profunda violência a seu direito de pessoa. Direito de pessoa que, na situação anterior, não respeitavam nos milhões de pessoas que sofriam e morriam de fome, de dor, de tristeza, de desesperança.»

O fato é que ninguém pode proibir ninguém de comer, vestir, calçar, educar-se, passear ou ouvir Beethoven. E ninguém pode exigir comer, vestir, calçar, educar-se, passear ou ouvir Beethoven às custas dos outros.

Uma última citação abjeta: “Mesmo que haja – e explicavelmente – por parte dos oprimidos, que sempre estiveram submetidos a um regime de expoliação, na luta revolucionária, uma dimensão revanchista, isto não significa que a revolução deva esgotar-se nela.” A revolução não deve se esgotar no revanchismo, mas o revanchismo é parte natural dela. Como alguém que escreveu essas monstruosidades nunca foi processado por incitação à violência e apologia do crime? Como alguém com um pensamento tão anti-social pode ser sequer ouvido, quanto mais cultuado como Patrono da Educação Brasileira?


Chega de doutrinação marxista! Fora Paulo Freire!

domingo, 29 de março de 2015

Fernando Gabeira: Onde está a saída?

Levei a pergunta para uma dezena de políticos experimentados

Tirei terno e gravata do armário e fui a Brasília. Onde está a saída para a crise? Levei a pergunta para uma dezena de políticos experimentados. Nenhum deles apontou a saída imediata. É um cuidado razoável. O máximo que se consegue é apontar variáveis que possam definir os rumo da crise. Comportamento do governo, ajuste econômico, curso da Operação Lava-Jato são as mais citadas.

A sensação predominante é a de que algo vai acontecer, e ninguém sabe precisamente o que é. A hipótese de um governo sangrando até 2018 é a mais improvável, embora seja esse o desejo de uma parcela de observadores, dentro e fora do Congresso. Marchamos para o desconhecido. É uma fase delicada. Os conservadores tendem a achar que o diabo desconhecido é sempre pior do que o existente. Querem mudança, mas dentro de um quadro planejado, com resultados previsíveis. Mas, nesses casos, sempre existe o argumento de que, muitas vezes, é preciso caminhar, mesmo sem saber o que nos espera, com uma abertura para a novidade. Quanto ao ajuste econômico, deve ser objeto de muita discussão, basicamente sobre quem paga a conta. A tendência é de dias mais duros, com possibilidade de racionamento de energia. É o que os técnicos propõem. Não porque faltará energia para o consumo em 2015. Mas porque é preciso poupar, pois, sem oferta adequada de energia, não existe retomada em 2016.

De qualquer forma, o ajuste econômico passou a ser de interesse nacional, não só por causa da realidade interna, mas também da percepção externa. Graças à expectativa do ajuste, o Brasil não foi rebaixado à condição de país especulativo, com inevitável fuga do capital. Sou pessimista quanto aos passos do governo. O documento que vazou da Secretaria de Comunicação mostra como estão perdidos. Falam de tudo, de robôs, redes sociais, blogueiros, propaganda, mas não falam da mensagem. Dilma tem os microfones à disposição. Mas não sabe usá-los. Em alguns casos é possível aprender. Pessoas tímidas, executivos de grandes empresas fazem um treinamento, chamado media training. Mas não há treino que possa criar um líder para conduzir o país numa tempestade.

Não há mensagem nem presidente capaz de comunicá-la. O panelaço segue como a batida da temporada. A saída de Dilma é usar a tática de guerrilha: falar quando o adversário está desprevenido e recuar quando ele está atento. A outra variável é a Operação Lava-Jato, outro dado positivo que teve peso para que o Brasil não fosse rebaixado pelas agências internacionais. No momento, o foco é o PT.

Os políticos deram azar em ter o juiz Sérgio Moro pela frente. Especialista em lavagem de dinheiro, sabe que rastrear o curso da grana é o caminho real nas investigações. Com base na informação dos delatores e em recibos de empresas, as investigações demonstram o golpe do PT: transformar propinas em doações legais. Leio que o Planalto quer que o PT demita o tesoureiro. O PT hesita. É difícil passar a ideia de que foi tudo culpa de um só homem. É gente muito calejada para fingir que João Vaccari era uma fada de barba que produzia fortunas apenas com o toque de sua vara de condão. Isso irá parecer um pouco aquela lenda urbana da filha de família que trabalha fora e volta sempre com presentes caros para casa. E aí os parentes descobrem, um dia, que a menina faz programas.

A variável mais importante é pouco discutida em Brasília. Dois milhões de pessoas foram às ruas, sem nenhum incidente. A sociedade brasileira ganhou maturidade nas demonstrações e mantém-se vigilante porque sua sorte está em jogo. O agravamento da crise, a dureza do ajuste econômico e a mobilização social podem nos levar a um novo momento. Não ouso descrevê-lo. Sinto apenas que o dilema brasileiro poderá ser esse: fazer um omelete sem quebrar os ovos. Essa tarefa que parece impossível para os estrangeiros não é tão distante assim das soluções históricas no Brasil. Se os culpados pela corrupção na Petrobras forem punidos e chegarmos a um consenso mínimo sobre o ajuste econômico, abre-se a possibilidade de um governo de unidade nacional. O PMDB tem ocupado o lugar do PT. Mas está encalacrado na Operação Lava-Jato. Teria, em caso de sobrevida, a possibilidade de um aceno nacional. O PT, que sempre dividiu o país entre pobres e ricos, brancos e negros, reacionários e progressistas, não tem chance de tentar esse caminho.

O momento é verde-amarelo. Sem nenhum juízo de valor sobre símbolos históricos, quem o confundiu com o vermelho cometeu um erro decisivo. O Estado não é um partido, uma política externa não pode refletir a cabeça da minoria, os direitos humanos não englobam apenas os escolhidos. Quando desenharam uma estrela no jardim do Palácio e tiveram que removê-la, deveriam ter compreendido que é insuportável viver num país que tem dono, seja ele um partido ou um demagogo.


Não se conhecem os protagonistas do futuro. Mas já se sabe quem será atropelado por ele.

Demétrio Magnoli: O impeachment silencioso

Dilma Rousseff “está numa armadilha”, diagnosticou FHC à Folha (26/3). “Ela não tem o que fazer. O que tinha, já fez: nomeou o Levy. E isso só aumenta a armadilha, porque agora ela não pode demitir. É refém dele.” O diagnóstico está certo, mas ilumina só um terço do cenário. A presidente é refém, igualmente, do PMDB (de fato, do trio Renan Calheiros/Eduardo Cunha/Michel Temer) e do lulopetismo (de fato, de Lula e dos movimentos sociais que operam ao redor dele). Numa entrevista ao “Estadão”, Eduardo Graeff explicou que o governo Dilma “chegou ao fim”. É verdade: imobilizada na armadilha triangular, sem “credibilidade” nem “capacidade de ação política” (FHC), Dilma reduziu-se a “uma assombração política” (Graeff). Já aconteceu um impeachment tácito, informal.

Levy é proprietário da credibilidade econômica. O ministro funciona como uma delgada película que separa a economia de um catastrófico rebaixamento pelas agências de rating. Dilma não pode demiti-lo pois, sem a promessa do ajuste fiscal que ele personifica, o país seria tragado no vórtice da fuga de capitais. Mas, como registrou FHC, “a racionalidade econômica pura esmaga tudo” – ainda mais, acrescente-se, quando essa “racionalidade” está contaminada pelo dogma ideológico do equilíbrio fiscal a qualquer custo. O ajuste sem reformas estruturais de Levy, complemento simétrico da farra fiscal de Mantega, não serve ao país, mas conserva no Planalto a “assombração” de uma presidente sem poder.

O trio peemedebista é proprietário da maioria no Congresso, que hoje se forma pela oscilação do PMDB entre o governo e a oposição. Dilma não pode confrontá-los, pois eles empunham o sabre do impeachment formal e o fazem girar, sadicamente, em torno do pescoço da presidente. O jogo da chantagem, uma norma do nosso doentio “presidencialismo de coalizão”, atinge níveis agônicos. Os chefões do PMDB utilizam esse poder extraordinário em nome dos seus próprios interesses, desenhando a reforma política que lhes convêm e articulando com o governo os acordos de leniência destinados a resgatar as empreiteiras do “petrolão”.

Lula, com seu cortejo de movimentos sociais (CUT, a UNE, o MST), é proprietário da sustentação partidária de Dilma. O candidato declarado às eleições de 2018 pode cortar, num momento conveniente, o tubo do regulador que ainda fornece ar comprimido ao fantasma do Planalto. Os andrajos da autonomia da presidente, que atendem pelos nomes de Aloizio Mercadante, Miguel Rossetto e Pepe Vargas, já foram descartados no cesto de roupa suja. Nas ruas, dia 31, repetindo o dia 13, o “exército” de Lula, força mercenária em declínio, não oferecerá um contraponto impossível às manifestações anti-Dilma, mas cobrará novos gestos de submissão da “companheira”. Eles exigem iniciativas simbólicas (e verbas publicitárias sonantes), destinadas a compensar a militância pela dores do apoio ao ajuste fiscal.

No presidencialismo, o chefe de Estado não pode tudo – mas tem o poder de determinar os rumos estratégicos do governo. A legitimidade emanada do voto popular é o ativo intangível que proporciona ao presidente o poder de contrariar interesses entranhados no sistema político. FHC confrontou o conjunto da elite política ao estabelecer a Lei de Responsabilidade Fiscal. No seu primeiro mandato, Lula confrontou o PT ao conservar o tripé da estabilidade macroeconômica herdado de seu antecessor. Capturada na teia da mentira, Dilma perdeu a legitimidade concedida pelos eleitores. Sem o rito da denúncia, processo e julgamento, a presidente sofreu um impeachment silencioso.


Assombrado pela figura errante da presidente destituída, o Planalto está entregue ao triângulo de beneficiários do impeachment silencioso, que agem em direções diferentes, sob motivações distintas. O desgoverno não pode perdurar por quatro anos.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Editorial O Globo: Intolerância religiosa é incompatível com a democracia

A questão da intolerância religiosa está na agenda política do país. Com preocupante frequência, episódios de violência contra adeptos de religiões de diversas matrizes chegam ao conhecimento da imprensa ou são registrados em órgãos institucionais. Atos condenáveis, são evidências de que o tema merece a atenção da sociedade, através de seus organismos de representação e prevenção. Ainda que uma escalada generalizada de discriminação no terreno da fé seja ainda um risco potencial, inibi-lo liminarmente é um imperativo da democracia.

Há no Brasil um indisfarçável incremento da intransigência. Religiões de matrizes africanas aparecem como alvos preferenciais da violência. O Rio de Janeiro tem um dos mais graves perfis desse tipo de violência, um quadro em que se configura uma perseguição de cunho fundamentalista dirigida contra esses fiéis. São agressões físicas, invasões de terreiros de umbanda ou candomblé e outras ações ditadas por crenças que se atribuem o monopólio da fé, um tônico para a intolerância.

Não são poucos os episódios que justificam a inquietação com esse tipo de procedimento. Ano passado, mães e filhos de santo foram expulsos de morros cariocas por adeptos de um ramo religioso neopentecostal. Mais grave ainda: um juiz federal, ao avaliar uma ação patrocinada por um pastor neopentecostal, sentenciou que umbanda e candomblé não se constituem religiões. São exemplos que ajudam a explicar - nunca a justificar - por que pelo menos metade dos terreiros fluminenses já foi alvo de algum tipo de agressão.

Dentro desse quadro, é compreensível a iniciativa de representantes de religiões de matriz africana, o ramo mais visado pela intransigência de fiéis de outras crenças, de entrar no Ministério Público de 26 estados com pedidos de investigação de casos de intolerância religiosa. O alvo explícito das ações é a criação de um grupo chamado Gladiadores do Altar, ligado à neopentecostal Igreja Universal do Reino de Deus. Deve-se ressaltar que, apesar de essas fileiras adotarem uma liturgia militarizada nas suas aparições, até agora restritas a templos com plateias de fiéis (mas amplamente divulgadas em vídeos na internet), não há qualquer registro comprovado de que se tenham envolvido em atos de violência. A própria Iurd assegura, em pronunciamento oficial, que tem “apreço pelos seguidores de todas as religiões”, e que o projeto dos Gladiadores “se resume a um programa de ensino religioso pacífico”. A ver.


De toda forma, cabe agora ao MP investigar se procedem ou não as preocupações que inspiraram os pedidos de investigação. Por laico e comprometido com os princípios de um Estado Democrático de Direito, o Brasil assegura a todos os cidadãos o pressuposto da liberdade de culto e criminaliza a segregação. Há de fato no país surtos de intolerância religiosa, mesmo que não generalizados, e é sob esse aspecto que o pleito da umbanda e do candomblé precisa ser diligenciado. Por prevenção e para que não se dê curso a criminosas manifestações de violência contra a fé.

terça-feira, 24 de março de 2015

Luiz Felipe Pondé: O outono do PT

Temos que reconhecer: chegamos ao fim de uma era. O PT vive seu outono. Melhor voltar para o pátio da fábrica onde nasceu e de onde nunca deveria ter saído.

Há que se ter uma certa grandeza, mesmo no pecado (o desejo de poder é o pecado máximo de toda a política), e o PT se revelou incapaz até de pecar com elegância.

Este outono do PT não se deve apenas às manifestações contra seu governo. Essas manifestações, diferentes das patrocinadas pelo “PT e Associados”, manifestações com todos os tiques de política de cabresto e mazelas sindicalistas (passeata chapa branca), trazem algo de novo para o cenário, que deixa o “PT e Associados” em pânico. A tendência é a elevação da violência por parte da militância.

O Brasil perdeu o medo do PT e da esquerdinha pseudo. As pessoas descobriram que o mal-estar com essa turminha não é coisa de “gente do mal” (não é coisa de gente do mal, é coisa de gente bem informada), como a turminha pseudo diz, mas sim que somaram 2 + 2 e deu 4: o PT é incompetente para governar. Afundou quase tudo em que tocou, seja municipal, estadual ou federal (e a Petrobras). Mas essa morte do PT significa mais do que o fim de um partido que será esquecido em cem anos.

O fim do PT significa que o ciclo pós-ditadura se fechou. No momento pós-ditadura, a esquerda detinha a reserva de virtude política e moral, assim como de toda a crítica política e social. Ainda que a história já tivesse provado que todos os regimes de esquerda quebram a economia (como o PT quebrou a nossa) ou destroem a democracia (como os setores mais militantes do partido gostariam de fazê-lo).

Vide o caso mais recente e mais próximo, a Venezuela: economia destruída (e com petróleo!) e democracia encerrada de uma vez por todas. Como será que nossa diplomacia, ridícula como quase tudo que o governo do PT toca, reagirá ao fato de ele, Maduro, ter se dado plenos poderes para matar e torturar em nome do socialismo?

Resta pouco espaço para o governo. A tendência é que a presidente fale apenas a portas fechadas para plateias seletas por medo de tomar mais uma panelada. Com a economia em frangalhos, fica difícil para a presidente enterrar o petrolão em consumo, como seu antecessor o fez durante o escândalo do mensalão.

Quando as pessoas estão felizes comprando é fácil fazer vista grossa à corrupção. Quando o bolso esvazia, o saco fica cheio.

Dizer que a corrupção da Petrobras nada tem a ver com o partido no poder é piada. A ganância do novo rico (o PT) aqui mostra seus dentes: querendo enriquecer rápido, meteu os pés pelas mãos e com isso sacrificou a imagem de redentor que o partido tinha para grande parte da classe média. Ele ainda detém o controle de parte da população mais pobre (como a Arena no final da ditadura), mas logo perderá esse trunfo.

É verdade que ainda muitos professores, estudantes, artistas, jornalistas e intelectuais permanecem sob a esfera de influência da “estrela mentirosa”. Mas isso também vai passar na hora em que muitos deles perderem o medo de serem chamados de “reacionários”. Reacionário hoje é quem se fecha ao fato de que a história andou e as pessoas já não têm mais medo do PT e da sua turminha.

Infelizmente, o governo, diante da história que arromba a porta, parece um grupo de náufragos num barquinho, fugindo da traição que perpetrou, xingando a água, dizendo que as ondas são fascistas e que a tempestade é mal-intencionada.

Não, quem discorda hoje do governo federal não é gente “fascista”, é gente que viu que o projeto do PT para o Brasil acabou. É gente educada, bem preparada, autônoma e que está de saco cheio do tatibitate do PT. Sem líderes significativos, sem propostas que criem a credibilidade necessária para sair da lama, a melhor coisa que o PT pode fazer é pedir licença e sair de cena.

Não acho que haja justificativa (ainda) para o impeachment, e devemos preservar as instituições. Mas a água passa debaixo da ponte. Quatro anos é tempo bastante para se afogar na vergonha. E, aí, a humildade será mesmo essencial, não? Sim, mas o PT é pura empáfia.



segunda-feira, 23 de março de 2015

Olavo de Carvalho: Queda de braço

Os fatos são patentes e inegáveis:

1. O PT é filiado a uma organização estrangeira, o Foro de São Paulo, que ele reconhece como “coordenação estratégica da esquerda na América Latina” (sic) e cujas resoluções, unanimemente assinadas nas suas assembléias anuais, ele acata e cumpre. Consultem-se, a respeito, o vídeo do III Congresso do partido (https://www.youtube.com/watch?v=OI8C-vKe6sw), as atas das assembléias do Foro de São Paulo (http://www.midiasemmascara.org/attachments/007_atas_foro_sao_paulo.pdf)  e o discurso comemorativo pronunciado pelo sr. Luís Inácio Lula da Silva, então presidente da República, no décimo-quinto aniversário da entidade – discurso publicado na própria página oficial da Presidência, depois comentado e linkado no meu artigo http://www.olavodecarvalho.org/semana/050926dc.htm). As provas não poderiam ser mais abundantes nem mais inquestionáveis.

A Lei dos Partidos Políticos (Lei número 9.096 de 19 de setembro de 1995) determina que o STF casse o registro desse partido, por violação do artigo 28, alínea II: “estar subordinado a entidade ou governo estrangeiros”.

A violação independe de o partido ter ou não recebido fundos dessa entidade, o que é crime suplementar a ser investigado.

2. O PT tem sob o seu comando e alimenta com vultosas verbas públicas uma entidade paramilitar, armada, clandestina e sem registro legal, treinada por técnicos estrangeiros para atividades de guerrilha, especializada em invadir e queimar propriedades rurais e em bloquear pela força o direito do cidadão brasileiro de circular livremente pelo território nacional, e não hesita em convocar essa entidade, chamando-a mui apropriadamente de “exército”, a mostrar o seu poder e interferir na política nacional como instrumento de pressão e intimidação.

Isso viola a alínea IV da Lei dos Partidos Políticos (“manter organização paramilitar”), obrigando o STF a cancelar o registro do partido, mediante “denúncia de qualquer eleitor, de representante de partido, ou de representação do Procurador-Geral Eleitoral”.

O PT é portanto um partido ilegal, cuja possibilidade de existência continuada só é garantida por um conluio criminoso, regado a dinheiro público, do qual participam políticos, juízes e altos funcionários das estatais, tudo sob a proteção da “grande mídia”.

3. O governo Dilma Rousseff concedeu empréstimos ilegais a várias nações comunistas, violando o artigo 49 da Constituição Federal, segundo o qual assinar tratados e compromissos internacionais que impliquem despesas para os cofres públicos “é de competência exclusiva do Congresso Nacional”.  Reconhecendo cinicamente que esses empréstimos são inconstitucionais e ilegais, o governo Rousseff ainda os tornou secretos, roubando ao Congresso e à nação a mera possibilidade de investigá-los.

Não poderia haver prova mais patente de crime de improbidade administrativa, tornando o impeachment da Sra. Rousseff não apenas legal, mas obrigatório, mesmo sem Mensalão, Petrolão e demais crimes coadjuvantes que esse governo jamais se eximiu de praticar.

Para maiores informações, v. http://www.midiasemmascara.org/artigos/governo-do-pt/15501-2014-10-22-21-30-10.html.

4. A sra. Rousseff deve o seu segundo mandato à fraude eleitoral maciça e ostensiva da apuração secreta dos votos, que nega o mais elementar princípio de transparência sem o qual nenhuma eleição é válida ou legítima à luz da razão e do Direito. Para dar viabilidade ao truque sujo, colocou na presidência do Tribunal Eleitoral, após tê-lo feito passar pelo STF, um advogado do seu partido e homem notoriamente desprovido das qualificações para cargos superiores da magistratura. Nessas condições, proclamar, como o faz praticamente a totalidade da classe política e da mídia, que a sra. Rousseff governa o país com base num mandato legítimo e democraticamente instituído é atitude de uma mendacidade e de um cinismo que raiam a raiam a amoralidade psicopática pura e simples.

Cansados de esperar e implorar que o Congresso e as autoridades judiciárias fizessem cumprir a lei, dois ou três milhões de cidadãos saíram às ruas, no maior protesto político de toda a nossa História, apenas para ver, no dia seguinte, o governo, auxiliado pelos políticos ditos “de oposição” e pela mídia, tentar tirar proveito do seu próprio descrédito e da sua própria torpeza, utilizando-se da ira popular como pretexto para vender, de novo, a fraudulenta proposta da “reforma política” bolivariana.

Com toda a evidência, a elite política e midiática deste país entrou num pacto calculado para impor a autoridade do PT acima da Constituição e das leis, incondicionalmente e sem possibilidade de discussão.

No tempo de Collor e FHC, qualquer passeata de umas dezenas de milhares de manifestantes, convocados e dirigidos por organizações políticas, era glorificada como “clamor popular” e alegada como razão iminente para um impeachment. Dois milhões de pessoas clamando espontaneamente nas ruas pelo simples cumprimento das leis não bastam para demover essa elite da sua firme e inabalável decisão de vender como “democracia” um ritual grotesco de legitimação do crime e da iniqüidade.

A ruptura entre o povo e a elite mandante é hoje profunda, radical e insanável. Não há diálogo nem conciliação possível. A vida política nacional tornou-se uma queda de braço entre os happy few e a massa indignada, entre a palhaçada de cima e a realidade de baixo.

Mais dia, menos dia, a realidade vencerá, mas quanto sofrimento isso ainda vai custar aos brasileiros?

terça-feira, 17 de março de 2015

Ricardo Noblat: As lições do dia em que o PT perdeu o controle das ruas e o povo insultou Lula como jamais o fizera

Lição número um do domingo histórico de 15 de março de 2015, quando o Brasil celebrou com maturidade, coragem e alegria os 30 anos do fim da ditadura de 1964 e do início da redemocratização: o PT perdeu o controle das ruas.

De fato começara a perder desde que a corrupção passou a corroê-lo por dentro em 2005 – portanto, há exatos 10 anos –, tão logo o escândalo do mensalão fez o primeiro governo Lula tremer. Não caiu, é verdade. Mas perdeu a pose e nunca mais a recuperou.


Lição número 2 de um domingo histórico: Lula deixou de ser intocável. Em nenhum ato público de grande porte até aqui, manifestantes haviam ousado, em coro e por muito tempo, ofender Lula com palavras de ordem.

Os que tentaram em outras ocasiões não foram bem-sucedidos. Mas ontem foram sim. “Lula cachaceiro, devolve meu dinheiro” foi uma das agressivas palavras de ordem. Estamos longe da cultura nórdica que cobra boa educação a qualquer hora.

Infelizmente é assim e sempre será neste país abençoado por Deus e bonito por natureza. Não foi  assim quando Dilma acabou insultada no jogo de abertura da Copa do Mundo, no ano passado? Não devemos nos julgar inferiores por isso.

Quantos países, de pouca experiência democrática como o nosso, seriam capazes de pôr mais de dois milhões de pessoas nas ruas pacificamente? Isso é quase metade da população da Noruega. É sete vezes mais do que a população da Islândia.

Atravessamos apenas 30 anos ininterruptos de Estado Democrático de Direito. A democracia por aqui está mais no papel do que na realidade das pessoas. Temos liberdade. Não temos rede de esgoto. E liberdade sem rede de esgoto não melhora a vida de ninguém.

Agravou-se a situação da presidente Dilma. Ela não pode falar ao país por meio de rede nacional de rádio e de televisão porque seria recepcionada por um panelaço. Não pode circular por aí para não ser vaiada. Muito menos confraternizar com seu povo sem medo.

À crise econômica somou-se a crise política. Roguemos para que disso não resulte uma crise institucional. No momento, Dilma nada tem a dizer aos brasileiros – nada de novo, nada que mude sua situação. E os brasileiros não desejam ouvi-la. Simples.

Como restabelecer o diálogo sem o qual o país entrará em uma das fases mais delicadas de sua história recente? O governo carece de líderes. Os partidos, idem. Por espontâneas e desorganizadas, as manifestações não têm quem as guie. E não admitem ser guiadas.

A solução não está no impeachment. Presidente só pode ser deposto se cometer um dos oito crimes de responsabilidades previstos na Constituição. Dilma não cometeu nenhum deles. O que fazer então? Eu não sei. De outras vezes pensei que sabia. Desta, não.

Eurípedes Alcântara, diretor de redação de VEJA: Fora PT!

“Quanto a mim, fico com São Paulo, pois para lá se transportou a alma cívica da Nação”. Com essa frase e sua atuação na Revolução de 1932 o mineiro Arthur Bernardes, que presidiu o Brasil entre 1922 e 1926, se redimiu perante muitos de seus desafetos da justa fama de repressor e reacionário. Neste domingo, dia 15 de março de 2015, a alma cívica da Nação se transportou para São Paulo, onde se encarnou nos mais de 1 milhão de pessoas que, juntas na Avenida Paulista, fizeram a maior manifestação política da história da cidade e do Brasil.


Há trinta anos, nesse mesmo dia 15, acabava oficialmente o regime militar de 21 anos de duração. Ao protesto na Avenida Paulista se somaram outros em todos os Estados brasileiros. No final do dia, mais de 1,4 milhão de brasileiros tinham saído às ruas para protestar contra o PT, o partido que há doze anos detém o poder em Brasília. “Fora PT” foi o grito que uniu a maioria absoluta dos manifestantes. E o “Fora Dilma”? Foi a palavra de ordem circunstancial. Dilma é a presidente e sobre ela recaíram as culpas imediatas da falência moral, ética e, agora, política do “lulopetismo”.

A alma cívica vista nas caras-pintadas e nas roupas verde-amarelas do domingo, dia 15, foi a evidência que faltava – se é que faltava – de que venceu o prazo de validade do PT. O “lulopetismo” será lembrado na história apenas como mais uma das inúmeras e dolorosas ilusões populistas que acabam quando acaba a riqueza dos outros. Essas experiências ignoram que em comparação com o desafio de produzir riqueza, distribuir a riqueza já produzida é um piquenique no parque. Produzir riqueza é complexo. Não se faz com conversa fiada, com marqueteiro talentoso. Não se faz no palanque.

A escassez é um dado da vida humana desde a bíblica expulsão do paraíso. Todos os simulacros de socialismo, como é o caso do lulopetismo, acabaram pela incapacidade crônica de vencer a escassez. A presidente Dilma disse há dias que a situação de penúria atual do Brasil se deve ao fato de que “nós esgotamos todos os nossos recursos de combater a crise que começou lá em 2009″. Nós quem, cara-pálida? A administração ruinosa do PT esgotou os recursos. Dito de outra maneira, a presidente afirmou o que o mundo inteiro já descobriu sobre ela e seu partido: suas políticas se esgotam quando esgotam os recursos criados por outros. Quem são os outros? São os brasileiros que foram às ruas neste domingo, dia 15. São os brasileiros que trabalham e entregam na forma de impostos, taxas e contribuições tudo que ganham nos primeiros cinco meses do ano ao governo e só depois trabalham para si próprios e suas famílias e, assim, conseguir pagar por todos os serviços que o governo não entrega: segurança, saúde, educação.

As formas de produção de riqueza com que o Brasil conta hoje já existiam antes da chegada do lulopetismo ao poder. Doze anos depois, todas essas fontes de riqueza ou estão quebradas ou fortemente abaladas pelo abuso sofrido pela gestão ruinosa e a corrupção endêmica do período. A corrupção institucionalizada na Petrobras no governo Lula custou 6 bilhões de dólares. Pois a Petrobras foi sangrada em 60 bilhões de dólares por ter sido obrigada por Dilma a subsidiar os combustíveis e, assim, não pressionar a inflação. Subsidiar combustíveis é distribuir riqueza? Sim. Mas os governos que sabem produzir riqueza controlam a inflação de outra maneira e, assim, evitam tirar riqueza que distribuem de uma empresa com milhões de acionistas privados – entre eles milhões de brasileiros que foram levados pelo governo a comprar ações da estatal do petróleo.

​Governos que não sabem produzir riqueza colocam a culpa de sua própria incompetência em crises externas – e quando o ambiente externo é favorável, como foi nos oito anos de Lula, fingem que as coisas estão dando certo por que são sábios. Embromação. Com Lula ou sem Lula teriam entrado no Brasil os mesmos 100 bilhões de dólares a mais pelo mesmo volume de ferro e soja exportados, o que se verificou pelo aumento do preço internacional dessas mercadorias. Lula, Chávez, Dilma, Cristina Kirchner sofrem da mesma incapacidade de gestão. Não sabem como criar um ambiente de negócios que incentive a produção de riquezas. São ignorantes nesse tema. Portanto, enquanto as pessoas não puderem se alimentar de vento e luz, sempre que o dinheiro dos outros acabar, acabam os lulopetismos.

Dá para entender por que a alma cívica da nação gritou a todos pulmões, com mais força ainda na avenida Paulista: “Fora PT!”​

quinta-feira, 12 de março de 2015

Carlos Alberto Sardenberg: Não é para principiantes

A gente que nasceu e vive aqui no Brasil vai se acostumando e achando muito natural as coisas que acontecem na política. Por exemplo: a presidente se eleger pela esquerda e governar pela direita. O PMDB estar montado no Executivo e no Legislativo e achar que não manda o suficiente. Um gerente da Petrobras confessa ter acumulado propinas — em caráter pessoal e coletivo! — no valor equivalente a R$ 300 milhões. O partido da ética dizendo que todo mundo rouba.

E isso era piada. Lembram-se do personagem de Jô Soares, o sonegador apanhado pela Receita, que dizia: “Só eu? E os outros?”

Ou da muita antiga frase de Chico Anysio: “No Brasil de hoje, os cidadãos têm medo do futuro. Os políticos têm medo do passado”.

Mas me lembrei mesmo de Tom Jobim — “O Brasil não é para principiantes” — ao imaginar a sua situação, caro leitor, tendo de explicar a conjuntura nacional a um amigo de fora.

Mais ou menos assim: o estrangeiro desembarca no Brasil na sexta-feira, 13 de março, e topa com uma manifestação com muitas bandeiras vermelhas.

— Isso é contra o governo? — pergunta ele, já que esse tipo de manifestação em geral é prerrogativa das oposições.

Você tem que explicar, pelo menos em linhas gerais. Melhor simplificar:

— Na verdade, é a favor da presidente Dilma. É o pessoal dos sindicatos de trabalhadores.

O estrangeiro estranha, ainda mais que, arranhando o português, identifica alguns cartazes que parecem ser contra alguma coisa.

Melhor simplificar de novo:

— Eles estão a favor da presidente, mas contra a política econômica conservadora.

— Então a presidente é de direita?

— Não, é de esquerda, do Partido dos Trabalhadores, que se considera a maior esquerda do mundo.

— Esquerda tipo Cuba, Venezuela ou como a social-democracia e o trabalhismo europeu?

— Meio que uma mistura.

— E por que faz uma política econômica de direita?

Aqui dá para explicar:

— Porque a presidente precisou fazer alianças com partidos de centro e de direita para compor a maioria no Congresso. E porque a economia desenvolvimentista deixou uma baita crise.

Você chega a pensar que está resolvido, mas volta a pergunta do gringo:

— E quem aplicou esse desenvolvimentismo está na oposição?

— Não, porque foi a mesma presidente que fez aquela política no primeiro mandato. E se reelegeu prometendo continuar. Mas aí, sabe como é, inflação, déficit, juros, teve que chamar os ortodoxos para a economia.

Agora parece bem claro. O pessoal mais à esquerda e os sindicatos não gostam da política econômica, estão manifestando isso, mas também querem defender a presidente Dilma do pessoal que está contra ela por outros motivos.

Lógico, o estrangeiro vai querer saber quais outros motivos.

Não faltam: preços em alta, juros em alta, crédito apertado, estagnação, impostos subindo, medo do desemprego e uma baita corrupção. Tem também os que estão contra porque a presidente prometeu uma coisa na campanha e está governando com outra.

Volta o estrangeiro:

— Mas os partidos de direita e centro que fazem parte da coligação dela certamente estão ajudando.

— Pois é, o problema é esse. Tem um partido, o maior deles, PMDB, que tem o vice-presidente da República, seis ministros e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. E está de briga com a presidente Dilma porque acha que não manda e porque diversos membros do partido estão sendo acusados de corrupção.

— Caramba! É uma campanha da esquerda contra a direita corrupta?

— Não, porque muitos membros do partido da presidente Dilma também estão sendo apanhados na corrupção.

— Então, admira-se o estrangeiro, a presidente de vocês está promovendo uma faxina geral.

— Mais ou menos, não é ela, mas os promotores e os juízes. Para falar a verdade, a presidente está tão nervosa com isso quanto os aliados de direita.

— Então esses manifestantes (o estrangeiro aponta para os sindicalistas) estão contra a política econômica do governo, a corrupção no governo e nos partidos do governo, mas estão a favor do governo e da presidente?

— É mais ou menos por aí, e também a favor da Petrobras, a estatal foco da corrupção.

— Contra a corrupção, mas a favor da empresa onde tudo aconteceu?

— Isso aí.

— E ninguém protesta direto contra a corrupção? — inquieta-se o gringo.

— Essa manifestação será no domingo.

— E será a favor da política econômica ortodoxa?

— Tem gente que até era, mas agora é contra tudo. Sabe como é... Aceita uma caipirinha?

terça-feira, 10 de março de 2015

Ricardo Noblat: Branco, rico e golpista

Rico não pode se manifestar. A não ser por escrito. Ou dentro de casa. Ou em pequenas reuniões com amigos. Sem fazer alarde. Caso resolva aderir a uma manifestação de massa, saiba que a desqualificará. Seu lugar não é na rua protestando. Se for visto na rua protestando poderá ser acusado pelo PT de ser golpista. Certamente o será. Não há nenhum dispositivo na Constituição que proíba o rico de pensar e de dizer o que pensa, mas ele que suporte as consequências.

Da mesma forma o branco. Pior ainda se ele for branco e rico. É fato que a elite branca e rica lucrou uma enormidade com os governos de Lula e de Dilma. E que os mais ricos e brancos da elite pressionaram Lula para que ele voltasse a ser candidato no ano passado. Não importa. A eles deve apenas ser assegurado o direito de apoiar o PT. De preferência sem condições. E de financiar o PT tirando dinheiro do seu próprio bolso ou desviando recursos públicos.

Quantos negros e pobres você vê no comando das maiores empreiteiras envolvidas com a corrupção na Petrobras? Só vê ricos e brancos. E todos parceiros do PT. Deram mais dinheiro para o PT ganhar as eleições do ano passado do que para outros partidos.

Bem, se além de rico e de branco o cidadão morar em São Paulo, aí qualquer margem de tolerância com ele deve ser abolida. Dilma e o PT perderam feio em São Paulo. O candidato de Lula ao governo colheu ali uma votação humilhante. O que venha de lá, portanto, não deve ser levado em consideração. Antigamente foi a saúva. Agora, o paulista rico e branco é a praga que mais infelicita o Brasil.

Quem sabe o Congresso não aprova alguma lei que desconsidere o voto de São Paulo na hora de se contar os votos para presidente da República? O radicalismo da proposta talvez possa ser suavizado com a restrição ao voto apenas nos bairros povoados por uma maioria branca, rica e golpista.

Burgueses!

Há quanto tempo eu não enchia a boca para chamar de “burgueses” os adversários das mudanças sociais, que só fazem enriquecer à custa dos miseráveis.

É verdade que a maior parte dos miseráveis ascendeu socialmente e compra o que os brancos e ricos lhe oferecem. E que quanto mais ascenderem e comprarem, mais os brancos e ricos se tornarão mais ricos. Mas esse é um dilema que a esquerda corporativa, ávida por emprego público e órfã de ideologia, não sabe ainda como resolver.

segunda-feira, 9 de março de 2015

Ferreira Gullar: No reino do faz de conta

Espero que o leitor me desculpe por voltar com frequência às questões relacionadas ao governo federal e, inevitavelmente, com a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o PT.

Isso é, porém, inevitável, uma vez que o país vive um momento crítico, que se agrava a cada dia, enquanto os principais responsáveis pela crise insistem em se fazer de vítimas. Vítimas de uma conspiração inexistente, inventada por eles.

Essa é uma atitude preocupante, já que o que está em jogo é a situação econômica e também social do país, cujo agravamento é indisfarçável e cujas consequências podem se tornar mais graves, se os responsáveis pelo governo do país insistirem em fingir que ela não existe.

Ou, pior, que é mera conspiração de adversários políticos –ou seja, a imprensa e a Justiça.

Na verdade, o que o governo pretende ocultar é que tanto os escândalos envolvendo a Petrobras quanto o desequilíbrio que afeta a economia são consequências dos erros cometidos pelas gestões petistas e, principalmente, pela arrogância da presidente da República.

Muito antes de assumir a chefia do governo, quando era ministra de Minas e Energia, opunha-se à linha econômica adotada por Antonio Palocci, que seguia programa do governo Fernando Henrique Cardoso.

Ela insistia na linha populista, que terminou sendo adotada por Lula e ampliada por ela ao se tornar presidente. A redução dos preços dos combustíveis –que criou um rombo financeiro na Petrobras– obriga-a a aumentá-los agora, quando a situação econômica o exige, mas para descontentamento geral.

Não é por acaso que os caminhoneiros paralisaram o país, levando ao aumento dos preços dos alimentos, sem falar nas outras consequências.

Ninguém diria que o governo do Partido dos Trabalhadores seria posto contra a parede pelos próprios trabalhadores.

Os caminhoneiros exigiam a redução do preço do diesel, coisa que o governo não pode fazer, a menos que decida agravar ainda mais a situação da Petrobras.

O que se vê, portanto, é que a redução demagógica do preço dos combustíveis –aliada a outras medidas igualmente populistas, às custas dos impostos que vinham sendo aumentados progressivamente– teria que dar o resultado que deu.

Como já haviam afirmado os entendidos no assunto, a política econômica fundada no consumismo dá sempre em desastre.

Mas foi graças a isso que Lula e sua turma se mantiveram no poder durante todo este tempo.

Só que a hora do desastre chegou e, junto com ela, os escândalos do Petrolão, que não param de crescer, com novas revelações e novas propostas de delações premiadas. Já imaginou o que os executivos da Camargo Corrêa vão revelar?

Por tudo isso, torna-se impossível prever o que vem por aí. Quando os advogados das empreiteiras buscam o ministro da Justiça para que ele intervenha na Lava Jato, contrariando a lei, é que eles mesmos já não sabem o que fazer.

Pior: a surpreendente atitude de Renan Calheiros (PMDB-AL), devolvendo ao Planalto a medida provisória do ajuste fiscal, deixa evidente a fraqueza política do governo.

Diante de tamanha encrenca, nem o espertalhão do Lula sabe o que fazer. Tanto é verdade, que teve a coragem de, mais uma vez, inventar uma manifestação em defesa da Petrobras. Logo ele que nomeou e manteve nos cargos principais da empresa quem a saqueou?

Isso, de certo modo, me faz lembrar o presidente da Venezuela, o farsante Maduro, que diz se comunicar com o falecido Hugo Chávez com a ajuda de um passarinho.

Como Lula, ele sabe que afirmações como essas não podem ser levadas a sério, a não ser por débeis mentais. Lula não chega a esse nível de surrealismo, mas abusa da inteligência alheia quando promove atos públicos em defesa da empresa que ele e sua gente saquearam.

Talvez seja por isso que, vendo que quase ninguém ainda acredita em tais lorotas, outro dia perdeu a cabeça e, para tentar intimidar os adversários, ameaçou pôr nas ruas o "exército de Stédile".

Creio que ninguém sabia que esse já um tanto esquecido líder dos sem-terra possui um exército. Vai ver que é o famoso exército de Brancaleone.

Guilherme Fiuza: O exército de Lula em defesa do que é nosso (deles)

A Operação Lava Jato é como um filme de gângsteres passado na cabeça de algum roteirista de Hollywood.

Lula convocou o "exército" do MST - nas palavras dele para defender o PT nas ruas. Até que enfim alguém faz algo concreto em defesa do nascente e moribundo governo de Dilma 2, a missão. A esta altura dos acontecimentos, talvez só mesmo um exército usando a força bruta possa salvar o mandato da grande dama - porque na legalidade está difícil.

Mas não tem problema, porque o PT sabe que esse negócio de legalidade não tem a menor importância. Pelo menos não para quem tem bons despachantes, doleiros diligentes e militantes bem pagos dispostos a tudo. Lula convocará todos os seus exércitos até o dia 15, se possível com o auxílio sofisticado de alguns depredadores de elite. Entre uma soneca e outra, o Brasil está programando sair às ruas nesse dia. E não é de vermelho.

Cumpre ao grande líder, portanto, reunir todas as forças populares de aluguel para mandar o Brasil de volta para casa, que é o lugar dele.

Tudo isso acontece num momento histórico para o país. Após anos de trabalho exaustivo, o PT conseguiu o que parecia impossível: rebaixar a Petrobras à categoria de investimento especulativo. Não pensem que isso é tarefa fácil, nem para o mais laureado dos parasitas.

Tratava-se da oitava maior empresa do mundo, que ia ficar maior ainda após a descoberta do pré-sal. Jogar a Petrobras na lona, levando-a a perder o grau de investimento e a sair vendendo bugigangas como uma butique em liquidação é façanha para poucos. Os brasileiros que sairão às ruas no dia 15 só podem estar com inveja dessa obra-prima.

O Brasil deu 16 anos consecutivos de mandato presidencial ao PT, e pode-se afirmar com segurança que uma grossa fatia desses votos foi dada em defesa do nacionalismo - em defesa da Petrobras. Lula e o império do oprimido conquistaram o monopólio da defesa do que é nosso e não têm culpa se o povo não entendeu que eles estavam lutando pelo que é "só nosso". No caso, os dividendos bilionários que a Petrobras podia dar a um esquema subterrâneo de sustentação política. É mais ou menos como a situação do padre pedófilo, que guarnece a pureza da criança para poder abusar dela.

Os brasileiros levaram essa curra ideológica e continuam relaxados. Ninguém deu queixa. A Operação Lava Jato continua sendo assistida como um filme de gângsteres, como se isso se passasse na cabeça de algum roteirista de Hollywood. Um mistério insondável permanece impedindo que se entenda por que as vítimas do estupro ainda não botaram os gângsteres para correr. Talvez isso comece a se esclarecer no dia 15 de março de 2015. Ou não.

Em junho de 2013, o petrolão ainda não tinha jorrado nas manchetes em todo o seu esplendor. Mas o mensalão e seus sucedâneos já revelavam a jazida de golpes do governo popular contra o Estado - esse que o PT jurava defender contra a sanha da direita neoliberal. Ou seja: o padre pedófilo já estava escondido com a batina de fora, não via quem não queria. Foi então que o Brasil saiu às ruas indignado, disposto a dar um basta nos desmandos que já lhe custavam, entre outras coisas, a subida da inflação e o aumento do custo de vida. O padre pedófilo assistiu àquela explosão de olhos arregalados, certo de que tinha sido descoberto e de que agora vinham buscar o seu escalpo. Mas os revoltosos nem o notaram, e ele pôde até, tranquilamente, estender seu tempo de permanência na paróquia. Foi o fenômeno conhecido como a Primavera Burra.

Agora o outono se aproxima, com ares primaveris. As vítimas do abuso começam, aparentemente, a entender que o seu protetor é o seu algoz. Como sempre no Brasil, tudo muito lento, meio letárgico e confuso, com as habituais cascas de banana ideológicas largadas no caminho pelo padre - "a culpa é de FHC", "querem a intervenção militar", "é a burguesia contra o Bolsa Família" etc. Como escreveu Fernando Gabeira, o velho truque de jogar areia nos olhos da plateia - única instituição que dá 100% certo no Brasil há 12 anos. O problema é que, mesmo com areia nos olhos, está dando para ver que o petrolão ajudou a financiar a reeleição de Dilma. E agora?


Agora é hora de tirar a batina do padre e mostrar que o rei está nu. Sem medo dos exércitos de aluguel que farão o diabo para defender o que é nosso (deles).

Discurso de Dilma em 8/03/2015 (texto)

Meus queridos brasileiros, e, muito especialmente, minhas queridas brasileiras.

Hoje é o Dia Internacional da Mulher. Falar com vocês mulheres – minhas amigas e minhas iguais – é falar com o coração e a alma da nossa grande nação. Ninguém melhor do que uma mãe, uma dona de casa, uma trabalhadora, uma empresária, é capaz de sentir, em profundidade, o momento que um país vive.

Mas todos sabemos que há um longo caminho entre sentir e entender plenamente. É preciso, sempre, compartilharmos nossa visão dos fatos. Os noticiários são úteis, mas nem sempre são suficientes. Muitas vezes até nos confundem mais do que nos esclarecem. As conversas em casa, e no trabalho, também precisam ser completadas por dados que nem sempre estão ao alcance de todas e de todos.

Por isso, eu peço que você – e sua família – me ouçam com atenção. Tenho informações e reflexões importantes que se compartilhadas vão ajudá-los a entender melhor o momento que passamos. E a renovar a fé e a esperança no Brasil! É uma boa hora para que eu tenha uma conversa, mais calma e mais íntima, com cada família brasileira – e faça isso com a alma de uma mulher que ama seu povo, ama seu país e ama sua família.

Vamos começar pelo mais importante: o Brasil passa por um momento diferente do que vivemos nos últimos anos. Mas nem de longe está vivendo uma crise nas dimensões que dizem alguns. Passamos por problemas conjunturais, mas nossos fundamentos continuam sólidos. Muito diferente daquelas crises do passado que quebravam e paralisavam o país.

Nosso povo está protegido naquilo que é mais importante: sua capacidade de produzir, ganhar sua renda e de proteger sua família. As dificuldades que existem – e as medidas que estamos tomando para superá-las – não irão comprometer as suas conquistas. Tampouco irão fazer o Brasil parar ou comprometer nosso futuro.

A questão central é a seguinte: estamos na segunda etapa do combate à mais grave crise internacional desde a grande depressão de 1929. E, nesta segunda etapa, estamos tendo que usar armas diferentes e mais duras daquelas que usamos no primeiro momento.

Como o mundo mudou, o Brasil mudou e as circunstâncias mudaram, tivemos, também, de mudar a forma de enfrentar os problemas. As circunstâncias mudaram porque além de certos problemas terem se agravado – no Brasil e em grande parte do mundo -, há ainda a coincidência de estarmos enfrentando a maior seca da nossa história, no Sudeste e no Nordeste.

Entre muitos efeitos graves, esta seca tem trazido aumentos temporários no custo da energia e de alguns alimentos. Tudo isso, eu sei, traz reflexos na sua vida. Você tem todo direito de se irritar e de se preocupar. Mas lhe peço paciência e compreensão porque esta situação é passageira. O Brasil tem todas as condições de vencer estes problemas temporários – e esta vitória será ainda mais rápida se todos nós nos unirmos neste enfrentamento.

Peço a vocês que nos unamos e que confiem na condução deste processo pelo governo, pelo Congresso, e por todas as forças vivas do nosso país – e uma delas é você!

Queremos e sabemos como fazer isso, distribuindo os esforços de maneira justa e suportável para todos. Como sempre, protegendo de forma especial as classes trabalhadoras, as classes médias e os setores mais vulneráveis. Temos compromissos profundos com o futuro do país e vamos continuar cumprindo, de forma inabalável, estes compromissos.

Minhas amigas e meus amigos,

A crise afetou severamente grandes economias, como os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão. Até mesmo a China, a economia mais dinâmica do planeta, reduziu seu crescimento à metade de suas médias históricas recentes. Alguns países estão conseguindo se recuperar mais cedo.

O Brasil, que foi um dos países que melhor reagiu em um primeiro momento, está agora implantando as bases para enfrentar a crise e dar um novo salto no seu desenvolvimento. Nos seis primeiros anos da crise, crescemos 19,9%, enquanto a economia dos países da Zona do Euro, caiu 1,7%.

Pela primeira vez na história, o Brasil ao enfrentar uma crise econômica internacional não sofreu uma quebra financeira e cambial. O mais importante: enquanto nos outros países havia demissões em massa, nós aqui preservamos e aumentamos o emprego e o salário. Se conseguimos essas vitórias antes, temos tudo para conseguir novas vitórias outra vez. Inclusive, porque decidimos, corajosamente, mudar de método e buscar soluções mais adequadas ao atual momento. Mesmo que isso signifique alguns sacrifícios temporários para todos e críticas injustas e desmesuradas ao governo.

Na tentativa correta de defender a população, o governo absorveu, até o ano passado, todos os efeitos negativos da crise. Ou seja: usou o seu orçamento para proteger integralmente o crescimento, o emprego e a renda das pessoas. Realizamos elevadas reduções de impostos para estimular a economia e garantir empregos. Ampliamos os investimentos públicos para dinamizar setores econômicos estratégicos. Mas não havia como prever que a crise internacional duraria tanto. E, ainda por cima, seria acompanhada de uma grave crise climática. Absorvemos a carga negativa até onde podíamos e agora temos que dividir parte deste esforço com todos os setores da sociedade.

É por isso que estamos fazendo correções e ajustes na economia. Não é a primeira vez que o Brasil passa por isso. Em 2003, no início do governo Lula, tivemos que tomar medidas corretivas. Depois tudo se normalizou e o Brasil cresceu como poucas vezes na história. São medidas para sanear as nossas contas e, assim, dar continuidade ao processo de crescimento com distribuição de renda, de modo mais seguro, mais rápido e mais sustentável.

Você que é dona de casa ou pai de família sabe disso. Às vezes temos de controlar mais os gastos para evitar que o nosso orçamento saia do controle. Para garantir melhor nosso futuro. Isso faz parte do dia a dia das famílias e das empresas. E de países também. Mas estamos fazendo de forma realista e da maneira mais justa, transparente e equilibrada possível. As medidas estão sendo aplicadas de forma que as pessoas, as empresas e a economia as suportem. Como é preciso ter equidade, cada um tem que fazer a sua parte. Mas de acordo com as suas condições.

Foi por isso, que começamos cortando os gastos do governo, sem afetar fortemente os investimentos prioritários e os programas sociais. Revisamos certas distorções em alguns benefícios, preservando os direitos sagrados dos trabalhadores. E estamos implantando medidas que reduzem, parcialmente, os subsídios no crédito e também as desonerações nos impostos, dentro de limites suportáveis pelo setor produtivo.

Estamos fazendo tudo com equilíbrio, de forma que tenhamos o máximo possível de correção com o mínimo possível de sacrifício. Este processo vai durar o tempo que for necessário para reequilibrar a nossa economia. Como temos fundamentos sólidos e as dificuldades são conjunturais, esperamos uma primeira reação já no final do segundo semestre deste ano.

Mais importante, no entanto, do que a duração destas medidas será a longa duração dos seus resultados e dos seus benefícios. Que devem ser perenes no combate à inflação e na garantia do emprego. Que devem ser permanentes na melhoria da saúde, da educação e da segurança pública.

As medidas serão suportáveis porque além de sermos um governo que se preocupa com a população, temos hoje um povo mais forte do que nunca. O Brasil tem hoje mais qualificação profissional, mais infraestrutura, mais oportunidades de estudar e mais empreendedores. Somos a 7a economia do mundo. Temos 371 bilhões de dólares de reservas internacionais. 36 milhões de pessoas saíram da miséria e 44 milhões foram para a classe media. Quase dez milhões de brasileiras e brasileiros são hoje micro e pequenos empreendedores. E continuamos com os melhores níveis de emprego e salário da nossa história.

Minhas amigas e meus amigos,

O que tenho de mais importante a garantir, hoje, vou resumir agora.

Primeiro: o esforço fiscal não é um fim em si mesmo. É apenas a travessia para um tempo melhor, que vai chegar rápido e de forma ainda mais duradoura.

Segundo: não vamos trair nossos compromissos com os trabalhadores e com a classe média, nem deixar que desapareçam suas conquistas e seus direitos.

Terceiro: não estamos tomando estas medidas para voltarmos a ser iguais ao que já fomos. Mas, sim, para sermos muito melhores.

Quarto: durante o tempo que elas durarem, o país não vai parar. Ao contrário, vamos continuar trabalhando, produzindo, investindo e melhorando.

As coisas vão continuar acontecendo. Junto com as novas medidas, estamos mantendo e melhorando os nossos programas. Entregando grandes obras. Nossas rodovias e ferrovias, nossos portos e aeroportos continuarão sendo melhorados e ampliados.

Para isso, vamos fazer, ainda este ano, novas concessões e firmar novas parcerias com o setor privado. Incluímos – e vamos continuar incluindo – milhões e milhões de brasileiros. Mas agora a inclusão tem que se dar, sobretudo, pelo acesso a melhores oportunidades e a serviços públicos de maior qualidade.

Este esforço tem que ser visto como mais um tijolo, no grande processo de construção do novo Brasil. Esta construção não é só física, mas também espiritual. De fortalecimento moral e ético.

Com coragem e até sofrimento, o Brasil tem aprendido a praticar a justiça social em favor dos mais pobres, como também aplicar duramente a mão da justiça contra os corruptos. É isso, por exemplo, que vem acontecendo na apuração ampla, livre e rigorosa nos episódios lamentáveis contra a Petrobras.

Minhas amigas mulheres homenageadas neste dia,

Por último, quero anunciar um novo passo no fortalecimento da justiça, em favor de nós, mulheres brasileiras. Vou sancionar, amanhã, a Lei do Feminicídio que transforma em crime hediondo, o assassinato de mulheres decorrente de violência doméstica ou de discriminação de gênero. Com isso, este odioso crime terá penas bem mais duras. Esta medida faz parte da política de tolerância zero em relação à violência contra a mulher brasileira.

Brasileiros e brasileiras,

É assim, com medidas concretas e corajosas, em todas as áreas, que vamos, juntos, melhorar o Brasil. É uma tarefa conjunta de toda sociedade, mulheres e homens. Tenho certeza que contará com a participação decisiva do Congresso Nacional, que sempre cumpriu com seu papel histórico nos momentos em que o Brasil precisou.

Temos que encarar as dificuldades em sua real dimensão e encontrar o melhor caminho de resolvê-las. Pois, se toda vez que enfrentarmos uma dificuldade pensarmos que o mundo está acabando – ou que precisamos começar tudo do zero – só faremos aumentar nossos problemas.

Precisamos transformar dificuldades em soluções. Problemas temporários em avanços permanentes.

O Brasil é maior do que tudo isso e já mostrou muitas vezes ao mundo como fazer melhor e diferente. Mais que nunca é hora de acreditar em nosso futuro. De sonhar. De ter fé e esperança.

Viva a mulher brasileira! Viva o povo brasileiro. Viva o Brasil!


Obrigada e boa noite.