sábado, 29 de outubro de 2011

David Coimbra: Quando o mundo muda

As pessoas estão insatisfeitas, a vida delas não vai bem. As pessoas querem lutar contra o que existe de errado no mundo, elas querem pegar o inimigo pelo pescoço, esse inimigo que tanto as incomoda. Só que elas têm dificuldade de saber quem, afinal, é o inimigo.

Chega a ser comovente. Aqui, no Brasil, as pessoas protestam contra a corrupção. Lá, no Exterior, as pessoas protestam contra a ganância. Corrupção e ganância, eis os inimigos identificados. Mas... protestar contra a corrupção e a ganância é como protestar contra a maldade.

É como se elas saíssem às ruas gritando: “Abaixo as doenças! Abaixo a decrepitude! Abaixo tudo o que existe de ruim no mundo! Chega de terremotos! Chega de mal-entendidos!”.

Contra o que, exatamente, os protestantes lutam? Onde é que estão os defensores da corrupção, que não se apresentam? Os protestantes não querem mais o capitalismo? Qual é a alternativa? O socialismo nunca deu certo, também no socialismo a ganância e a corrupção grassaram. E agora? Que mudança deve ser empreendida? É impossível voltar atrás, mas como ir para a frente? Tudo está tão confuso.

Ontem mesmo completou-se um mês da invasão do MST de uma área de pesquisa científica da Fepagro. Os sem-terra destroem experimentos enquanto as autoridades do Estado bocejam. Os sem-terra são os ludistas do século 21. Há exatos 200 anos, em 1811, os ludistas invadiam fábricas na Inglaterra, paravam o trabalho e quebravam os teares mecânicos.

Diziam-se liderados por um certo Ned Ludd, um operário que teria quebrado as máquinas da empresa em que trabalhava, no fim do século 18. Na verdade, tratava-se de um ardil dos rebeldes. Ludd nunca existiu, mas sua lenda servia para confundir a repressão. A polícia procurava Ludd em todo lugar e Ludd não estava em lugar algum.

Imagine, os ludistas destruíam as máquinas. Não como um protesto, mas porque, simplesmente, eles eram contra as máquinas. Diziam que as máquinas iam acabar com o seu meio de vida.

E tinham razão. A Revolução Industrial acabou com o meio de vida dos artesãos, assim como a informática acabou com o meio de vida de quem fabricava máquinas de escrever, assim como não há mais cocheiros, amas de leite ou damas de companhia.

As mudanças do mundo acabaram com tantas atividades, com tantos meios de subsistência, com tantas formas de viver. Experimentos agrícolas e veterinários, pesquisas com células-tronco e com transgênicos, a ciência em geral, bem como os movimentos naturais da sociedade e da economia, fazem com que o mundo mude.

O mundo está sempre mudando, mudou rapidamente inclusive durante os mil anos de duração da Idade Média. Não há o que fazer a respeito. A globalização é irreversível e o capitalismo, com a sua flexibilidade e capacidade de adaptação, é invencível.

Lutar contra a mudança, em vez de compreendê-la, não é teimosia: é obscurantismo. Só há uma maneira de enfrentar a mudança: mudar junto. Darwin já ensinou: quem não se adapta, se extingue.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Fernando Gabeira: E o vento levou

Lula aconselhou o PC do B a resistir. É preciso enfrentar o vento, não se deixar levar pela tempestade. Os orientais dariam um conselho oposto: é preciso se curvar ao vento, para que não nos arranque do chão, em sua trajetória.

Existem exceções de homens e mulheres que enfrentaram a ventania de peito aberto e não foram arrastados por ela. Todos eles, entretanto, têm um ponto em comum: a defesa de uma grande causa.

O ex-ministro Orlando Silva disse que estava lendo a biografia de Nelson Mandela para se inspirar. Errou de Mandela. A biografia de Winnie Mandela seria mais adequada, pela fluidez da fronteira entre política e crime em sua história pessoal.

A fragilidade da resistência do governo é esta: uma causa clandestina. Ela só vale para alguns dirigentes e militantes que a consideram legítima. A causa é o direito de aparelhar a máquina do Estado para fortalecer os partidos. Por ser antirrepublicana, não pode vir à luz. Daí a insistência em fazer espumas: querer provas de que um dinheiro foi entregue na garagem, recusando-se a fornecer as provas de gastos de R$ 49 milhões.

Além de estar defendendo uma causa que não pode vir à luz, o governo não analisou a natureza da ventania. Há ventos, como o Sudoeste, no Rio, que são indício de tempestade. Lula usou um argumento de força, não de sabedoria, porque está baseado em dois fatores: a popularidade interna e o reconhecimento internacional. Ambos são fatores dinâmicos, não qualidades naturais, imutáveis. Dependem das escolhas políticas.

A corrupção no campo esportivo é de fácil compreensão popular. Ela não foca somente o que se passa no governo, mas também na CBF, dirigida por Ricardo Teixeira. O anfitrião da Copa do Mundo iria apresentar-se, internacionalmente, com uma dupla singular de dirigentes: Teixeira e Silva. Um é investigado pela Polícia Federal, o outro é investigado pelo Supremo Tribunal Federal a pedido do Ministério Público.

A terceira fragilidade na resistência do governo é a análise do adversário. Alguns adeptos entusiasmados escreveram na rede que a manutenção de Orlando Silva e do esquema do PC do B era o confronto de uma presidente eleita com a mídia golpista. A análise vai mais longe, a julgar por declarações esparsas de Lula. Numa delas, afirmou que quase ninguém lê jornais na Baixada Fluminense. Esqueceu que, pela internet, os jornais chegam, como nunca chegaram, às áreas metropolitanas.

O que anima essas distorções é a redução da imprensa a uma variável eleitoral. Foi possível vencer as eleições sem ela, logo, é possível enfrentá-la - afirmam. Daí o espanto do governo com a sucessão de denúncias, classificada por Gilberto Carvalho como um momento de histeria.

Mas o quadro é outro: a sucessão de denúncias é apenas o trabalho da máquina profissional na coleta de dados. Sem ela a população ficaria mais indefesa diante dos governos. As denúncias aparecem, nesse ritmo, porque repórteres trabalham dia e noite para elucidar a passagem do PC do B pelo Ministério do Esporte.

Outra frágil sustentação no confronto é a evidência de que o PC do B cresceu nesse período. É fato que o uso da máquina do Estado turbina o crescimento dos partidos. Não é a única forma de crescer. Com essa prática a democracia se enfraquece, as eleições vão perdendo vida. Como vencê-las só com um candidato, um programa e uma equipe de governo?

Não tenho o hábito de olhar para trás e dizer: naquela época tinha razão. Mesmo porque já me equivoquei muitas vezes. No entanto, quando descobrimos, em 2008, que os kits de merenda do programa Segundo Tempo foram usados na boca de urna, protestei, porque sentia na carne que a democracia na competição estava sendo fraudada.

Não me equivoco agora: a resistência do governo foi um erro histórico. Manter o PC do B com essas ONGs fajutas e enfrentar a onda de denúncias abriria um grande flanco interno. Ignorar o elo entre Ministério do Esporte e a corrupção e entregá-lo a um partido associado, no imaginário internacional, ao século passado abriria um grande flanco externo.

A Copa do Mundo representa um investimento alto, embora ainda não saibamos quanto. Seu êxito se mede pela eficácia na realização dos jogos, pelo legado de infraestrutura e também pela projeção do prestígio do País.

As pessoas que veem no episódio um confronto da imprensa golpista com o governo ficariam surpresas com as reportagens fora do Brasil. Nesse caso, teriam de migrar para um conceito de golpe da imprensa internacional. Viveriam um pesadelo, achando que a opinião pública planetária se uniu para tirar os empregos do PC do B. Não é isso só que está em jogo.

Não somos uma República bananeira. Mas também não podemos ser uma República de laranjas. Esse processo de tomada da máquina estatal não é perverso apenas por desviar dinheiro de áreas necessitadas. É um processo cuja estratégia é a permanência no poder, reduzindo as chances de alternância democrática.

Não quero dizer com isso que o governo seja o culpado pela fragilidade da oposição. São poucos os políticos que se opõem claramente à ocupação partidária da máquina. No entanto, vivemos um momento claro de transição. As demandas sociais por mudanças políticas estão no ar, embora ainda neutralizadas por uma sensação de bem-estar com o crescimento econômico.

Classificar a luta contra a corrupção como algo da direita moralista, congelando-a em outro momento da História do Brasil, é a cereja no bolo do festival de equívocos.

Corrupção, esporte, Copa do Mundo. Não é fórmula para vencer. Como dizer isso aos patriotas do PC do B, que têm um cargo de direção na Agência Nacional do Petróleo e constroem uma casa de campo em cima de um oleoduto da Petrobrás? Responderiam que torcemos contra o clube verde e amarelo, do qual se sentem sócios proprietários.

Ainda bem que Orlando Silva se considerava indestrutível. Sua pobreza de espírito é adequada para seguir os conselhos de Lula. E ser levado pelo vento.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Marco Antonio Villa: Lula para sempre

Luiz Inácio Lula da Silva não é um homem de palavra. Proclamou diversas vezes que, ao terminar o seu mandato presidencial, iria se recolher à vida privada e se afastar da política. Mentiu. Foi mais uma manobra astuta, entre tantas que realizou, desde 1972, quando chegou à diretoria do sindicato de São Bernardo, indicado pelo irmão, para ser uma espécie de porta-voz do Partidão (depois de eleito, esqueceu do acordo).

A permanente ação política do ex-presidente é um mau exemplo para o país. Não houve nenhuma acusação de corrupção no governo Dilma sem que ele apoiasse enfaticamente o acusado. Lula pressionou o governo para não “aceitar as pressões da mídia”. Apresentou a sua gestão como exemplo, ou seja, nunca apurou nenhuma denúncia, mesmo em casos com abundantes provas de mau uso dos recursos públicos. Contudo, seus conselhos não foram obedecidos.

Não deve causar estranheza este desprezo pelo interesse público. É típico de Lula. Para ele, o que vale é ter poder. Qualquer princípio pode ser instrumento para uma transação. Correção, ética e moralidade são palavras desconhecidas no seu vocabulário. Para impor a sua vontade passa por cima de qualquer ideia ou de pessoas. Tem obtido êxito. Claro que o ambiente político do país, do herói sem nenhum caráter, ajudou. E muito.

Ao longo do tempo, a doença do eterno poder foi crescendo. Começou na sala de um sindicato e terminou no Palácio do Planalto. E pretende retornar ao posto que considera seu. Para isso, desde o dia 1 de janeiro deste ano, não pensa em outra coisa. E toda ação política passa por este objetivo maior. Como de hábito, o interesse pessoal é o que conta. Qualquer obstáculo colocado no caminho será ultrapassado a qualquer custo.

O episódio envolvendo o ministro do Esporte é ilustrativo. A defesa enfática de Orlando Silva não dependeu da apresentação de provas da inocência do ministro. Não, muito pelo contrário. O que contou foi a importância para o seu projeto presidencial do apoio do PCdoB ao candidato petista na capital paulista. Lula sabe que o primeiro passo rumo ao terceiro governo é vencer em São Paulo. 2014 começa em 2012. O mesmo se repetiu no caso do Ministério dos Transportes e a importância do suporte do PR, independentemente dos “malfeitos”, como diria a presidente Dilma, realizados naquela pasta. E, no caso, ainda envolvia o interesse pessoal: o suplente de Nascimento no Senado era o seu amigo João Pedro.

O egocentrismo do ex-presidente é antigo. Tudo passa pela mediação pessoal. Transformou o delegado Romeu Tuma, chefe do Dops paulista, onde centenas de brasileiros foram torturados e dezenas foram assassinados, em democrata. Lula foi detido em 1980, quando não havia mais torturas. Recebeu tratamento privilegiado, como mesmo confessou, diversas vezes, em entrevistas, que foram utilizadas até na campanha do delegado ao Senado. Nunca fez referência às torturas. Transformou a casa dos horrores em hotel de luxo. E até chegou a nomear o filho de Tuma secretário nacional de Justiça!!

O desprezo pela História é permanente. Estabeleceu uma forte relação com o símbolo maior do atraso político do país: o senador José Ribamar da Costa, vulgo José Sarney. Retirou o político maranhense do ocaso político. Fez o que Sílvio Romero chamou de “suprema degradação de retrogradar, dando, de novo, um sentido histórico às oligarquias locais e outorgando-lhes nova função política e social”. E pior: entregou parte da máquina estatal para o deleite dos interesses familiares, com resultados já conhecidos.

O desprezo pelos valores democráticos e republicanos serve para explicar a simpatia de Lula para com os ditadores. Estabeleceu uma relação amistosa com Muamar Kadafi (o chamou de “amigo, irmão e líder”) e com Fidel Castro (outro “amigo”). Concedeu a tiranos africanos ajuda econômica a fundo perdido. Nunca – nunca mesmo – em oito anos de Presidência deu uma declaração contra as violações dos direitos humanos nas ditaduras do antigo Terceiro Mundo. Mas, diversas vezes, atacou os Estados Unidos.

Desta forma, é considerável a sua ojeriza a qualquer forma de oposição. Ele gosta somente de ouvir a sua própria voz. Não sabe conviver com as críticas. E nem com o passado. Nada pode se rivalizar ao que acredita ser o seu papel na história. Daí a demonização dos líderes sindicais que não rezavam pela sua cartilha, a desqualificação dos políticos que não aceitaram segui-lo. Além do discurso, usou do “convencimento” financeiro. Cooptou muitos dos antigos opositores utilizando-se dos recursos do Erário. Transformou as empresas estatais em apêndices dos seus desejos. Amarrou os destinos do país ao seu projeto de poder.

Como o conde de Monte Cristo, o ex-presidente conta cada dia que passa. A sua “vingança” é o retorno, em 2014. Conta com a complacência de um país que tem uma oposição omissa, ou, na melhor das hipóteses, tímida. Detém o controle absoluto do PT. Usa e abusa do partido para fortalecer a sua capacidade de negociação com outros partidos e setores da sociedade. É obedecido sem questionamentos.

Lula é uma avis rara da política brasileira. Nada o liga à nossa tradição. É um típico caudilho, tão característico da América Hispânica. Personalista, ególatra, sem princípios e obcecado pelo poder absoluto. E, como todo caudilho, quer se perpetuar no governo. Mas os retornos na América Latina nunca deram certo. Basta recordar dois exemplos: Getúlio Vargas e Juan Domingo Perón.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

José Anselmo dos Santos (Cabo Anselmo): Carta Aberta a Presidente da República

Exma. Sra. Dilma Russeff. Infelizmente, não tive espaço democrático o suficiente em uma emissora pública, no programa Roda Viva, da TV Cultura, para situar as reflexões derivadas da minha experiência pessoal e da leitura tardia de documentos – história, filosofia, religiões e outros campos de conhecimento, que V. Exa. deve conhecer muito mais que pessoas como eu, situadas no espaço dos comuns.

Hoje estou convicto de que a história é escrita em páginas amarelas de medo, para justificar as políticas desastrosas de formas de Estado que se agigantam, favorecendo os mesmos de sempre, uma elite de coroados e vassalos internacionais, que se apossou de todo o conhecimento e recursos do trabalho humano, posicionando-se acima das Leis, sobre pilhas de cadáveres que emolduram suas políticas catastróficas, vitimando todas as nações.

Os currais que rotularam de “direita” ou “esquerda”, impedem a gente de andar para frente. Impedem a reflexão sobre o essencial. Inviabilizam a educação para a liberdade, para a curiosidade que excita a busca do saber e criatividade individual, que serve ao bem estar, ao bem comum. A razão econômica se sobrepõe às razões dos humanos que querem construir uma civilização com trabalho e respeito aos semelhantes, segundo os méritos de cada um, preservando sua cultura e tradições, preservando os valores construtivos, priorizando o respeito a vida dos semelhantes e do planeta.

O núcleo duro do poder global utiliza elementos traumáticos de todo tipo, para dissociar a gente da realidade essencial: controle mental, utilização de símbolos, transes hipnóticos que parecem gravar geneticamente as pessoas, passando de geração em geração. O abuso físico é visível nos corpos dos que lidam na roça enfrentando as secas e a fome, nos que se prostituem nas ruas desde a infância, nas filas dos serviços de saúde, naquelas imagens que chegam da África, Somália e outros recantos, na figura dos drogados que parecem caracterizar este admirável mundo novo. É visível na multiplicação do stress provocado por sucessivos traumas que afligem as populações urbanas e rurais.

É insólito saber hoje que os impérios cristãos ocidentais (Estados e corporações) financiaram e propiciaram as revoluções comunistas. Que o nazismo foi uma seqüência daquele laboratório de horrores. Que a inteligência nazista foi acolhida na Europa e nos EUA depois da guerra. Que a violência do momento é uma seqüência destas políticas de saque e submissão. Em 1964 esta informação estava expurgada da história que nos contavam sobre uma suposta oposição entre as grandes potências que ameaçavam o planeta com uma guerra atômica.

Estas são evidências apreendidas da obra de Antony Sutton e outros, que evidenciam os malefícios ideológicos e religiosos em seus desvios violentos e conspiratórios. Muitas destas obras são catalogadas no rol de teorias da conspiração e são mantidas nas gavetas da espiral do silêncio. O “index librorum proibitorum” disseminou-se como prática da “igreja econômica” que fundamenta as diretrizes das políticas de submissão internacional, responsáveis pela eterna dependência das nações, ao contrário do respeito interdependente entre pares.

Senhora Presidente ou Presidenta,

Em 1964 era um menino com baixa escolaridade, atuando entre meninos sonhadores, fáceis de manipular por quem lhes desse atenção e alimentasse sua estrutura de plausibilidade. Os emocionantes lances daquela assembléia de marinheiros, engendrada nos bastidores por sindicalistas com ascendência sobre o Presidente da República, resultou na cena do canhão de um tanque de guerra apontado para o recinto onde estavam marinheiros, fuzileiros e trabalhadores civis. Parte da tropa de fuzileiros que cercava o recinto, largou as armas e os cintos com balas, para juntar-se aos participantes da assembléia.

Quatro dias depois – 31 de Março de 1964 – concretizou-se a queda do governo, conspiração militar-civil que se gestava há três anos, quando da renúncia de Jânio Quadros. Sabe-se hoje que forças poderosas atuavam silenciosamente nos bastidores internacionais, acima das disputas ideológicas da guerra fria. Iniciou-se o período chamado agora pela mídia de ditadura militar, mas, naquela época efusivamente saudada por todos os grandes jornais: “os militares salvavam a nação do comunismo internacional”, diziam as manchetes.

Os militares subalternos não gozavam de direitos políticos (não tinham direito a voto). Mesmo assim, fui o centésimo a perder os direitos (que não tinha) na primeira lista de cassações. Estava oficialmente no rol dos inimigos do Estado. Decorreram dois anos, desde a prisão no DOPS do Rio de Janeiro. Depois no Presídio Fernandes Viana, em contato com presos comuns. Convocado para depor em diversos IPMs (inquéritos policiais militares instaurados em várias instituições tendo à frente Coronéis do Exército). Depoimentos no Cenimar (Centro de Informações da Marinha). Diversos Processos na Justiça Militar comparecendo às audiências com a presença do Advogado de defesa, Alcione Pinto Correa.

Transferência de prisão para a carceragem de uma delegacia de polícia no Alto da Boa Vista por interferência da defesa, para separar dos presos comuns. Quase uma centena de presos políticos foram liberados por hábeas corpus, incluindo uns 30 ex-marinheiros e fuzileiros navais. A Justiça ainda gozava de alguma respeito e a letra da lei era obedecida, mesmo pelos ditadores.

Último prisioneiro político, fugi da prisão com auxílio de AP e POLOP. Clandestinidade fechada em São Paulo. Saída para a clandestinidade (não asilo político) no Uruguai, acolhido pela organização do Engenheiro Leonel Brizola, “para aprender as táticas e as técnicas da guerrilha cubana”, que poderiam, mas não seriam precisamente necessárias “à nossa luta no futuro” – como ele bem me frisou. Diante do insucesso, Brizola retirou-se. Ficamos seis órfãos em Cuba, precisamente contrários ao comunismo. Até que se abriu uma porta para voltar ao Brasil. Fui preso pelo DOPS de São Paulo. Com tortura: pau de arara, choques e porrada em duas sessões nas madrugadas do terceiro e quarto dia.

Colaborei com o Estado ditatorial, tanto pelo terror a que estive submetido, quanto por ter alcançado a consciência da insanidade do estado comunista, experiência vivida na passagem pela Checoslováquia e na clandestinidade da estadia de dois anos em Cuba. Consciência que se cristalizou na volta ao Brasil, onde percebi que a escolha da gente era a vida, o trabalho, criar os filhos, o que era diferente de provocar uma guerra civil. A população estava amedrontada diante da matança, seqüestros, roubos, bombas e barbaridades de uma minoria: de um lado os guerrilheiros, então abertamente na prática do foquismo que levaria à guerra civil, criação do “exército do povo” e tomada do poder com a instalação de um governo comunista, presumivelmente contrário ao “imperialismo norte americano” e submisso ao “imperialismo soviético ou chinês”.

Do outro lado os policiais e militares servidores do Estado que conduziam a nação para um desenvolvimento diferenciado, financiado com recursos externos. Uma forma diferente daquela que um dia ouvi do Engenheiro Leonel Brizola: nacionalismo para “fechar o país, arrumar a casa”. Os militares brasileiros conduziam uma forma de governo com exceções que proporcionava o pleno emprego, criava escolas, modernizava a infra estrutura e as comunicações, no ambiente de produção capitalista associado ao mundo dito “democrático”. Há muito de semelhante nos dias atuais. Passado e presente comum a todos os países da América do Sul.

Entendi que, auxiliar o Estado naquele momento - mesmo que compulsoriamente sob certos aspectos – era respeitar a vontade do povo brasileiro, facilitando o fim da barbárie que envolvia ativistas da guerrilha e agentes das forças de defesa do Estado. A gente comum ficava com os maiores prejuízos. Os maiores beneficiados eram os provedores de armas e recursos logísticos, atuando à distância, invisíveis nos cenários de jogo político internacional.

A gente, estava na linha de fogo, como o Sr. Lovecchio e centenas de outros prejudicados, de ambos os lados, marcando as famílias cujos filhos e pais trocaram a prática do amor pelo ódio ideológico. Esta é uma parte da história esquecida, ignorada e aí residem os maiores prejuízos materiais e espirituais, jamais assumidos pelos revolucionários.

Em vez de armas, política para voltar à vida produtiva em segurança.

Em 1964 já éramos manipulados por forças que não conhecíamos. Hoje mais ainda, quando o coletivismo patrocinado pelos controladores que se agigantaram após a queda do muro de Berlim, reduz o indivíduo “sotto zero”. Tudo estava descrito, antecipado, previsto, planejado, conspirado há séculos.

Aprendí a anestesiar a dor de viver neste mundo de “homens partidos”, viver dividido dentro de mim, viver com a mente dividida. Conservo o orgulho de ser Brasileiro. Penso quantas vezes serei cobrado por cumprir o dever para com a própria consciência. Busco estar atento aos desejos que são instalados pela implacável máquina controladora de corações e mentes, alguns benéficos e outros demoníacos. Penso o quanto mais vão poder dividir esta mente e este corpo machucado, envelhecido e perplexo. Penso neste mundo que nunca imaginei.

Acredito Senhora Presidente, que nada do que está acima descrito seja novidade para quem conquistou a liderança da nação. Acredito nas boas intenções que conduzem suas escolhas. Na realidade, imagino as pressões imensuráveis que dificultam as decisões reais e outras atribuídas à sua função, neste mundo bem diferente do que um dia sonhamos, humanamente, em campos separados por contingências superiores à nossa vontade.

A minha vida foi vivida com a crença de estar servindo à nação, gente de carne e osso merecedora de respeito e sentimentos amorosos. As bússolas apontaram em direções inversas, confundindo mentes imaturas. Muitos atos do passado originaram-se na vontade que prezava como valor maior o companheirismo. Naquela relação falhava a formação de vontades livres, bem informadas e esclarecidas, refratárias ao fanatismo político. Fui peão de um jogo de poder e propósitos reais desconhecidos.

Construíram, depois, um mito que nunca existiu dentro de mim. Arrebataram-me a identidade. Servi à Marinha e desonrei o juramento à Pátria. O ato de indisciplina marcou o renegado. Servi mais tarde ao Governo Federal e ao Estado de São Paulo. Nem do Governo Federal, nem do Estado de São Paulo recebi qualquer remuneração. Os recursos externos que eram derramados para “ajudar” o desenvolvimento do Brasil naqueles dias eram menores que os atuais, mas os resultados eram visivelmente mais benéficos.

De tudo isto, restou-me a insólita perda do nome de batismo e a existência de direito negada: sumiu dos livros o registro batismal. E como não me devolveram a identidade civil, inexisto, como coração quebrado, mas sem culpas, abrigado por alguns amigos e reverente na presença da Inteligência Universal, agradecido e confiante em Deus. Um homem com muito sono, esperando o momento de dormir, mais ainda com os olhos abertos, buscando verdades eternas para entender melhor os sofismas do poder, ração de todos.

Na tentativa de reaver meu nome e identidade, solicito a potência da sua palavra para determinar o cumprimento da “lei para todos”, ato que contribuirá para o maior respeito e credibilidade da sua pessoa e do seu cargo. Na esperança de que se cumpra a vigente Lei de Anistia despida das paixões políticas.

Preciso de minha identidade. Uma ordem sua, como comandante em chefe das Forças Armadas, pode reparar esta absurda injustiça contra mim. A Marinha tem todos os documentos confirmando quem eu sou, por perícia datiloscópica.

Repito que não quero nem preciso de indenização milionária – como outros já fazem jus. Quero a minha anistia, direito já reconhecido, pois fui servidor do Estado (marinheiro de primeira classe) cassado pelo AI-1. E o primeiro passo para isso é ter minha Carteira de Identidade – emitida por órgão civil ou militar.

Dirijo-me, diretamente, a Vossa Excelência, na esperança de que o Direito (humano e legal) seja estritamente respeitado no Brasil, sob sua gestão. Por favor, apelo por sua interferência para que me seja emitida a Carteira de Identidade e para que a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça julgue meu pedido, que dormita na burocracia desde 2004.

Prezada Dilma Rousseff, confio em seu senso de Justiça.

Atenciosamente,

José Anselmo dos Santos.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Ricardo Veléz Rodríguez: Doutor Lula

Lula, como Brizola, é um grande comunicador. Mas, como Brizola também, é um grande populista.

A característica fundamental desse tipo de líder é, como escreve o professor Pierre-André Taguieff (A Ilusão Populista – Ensaio sobre as Demagogias da era Democrática, Paris, Flammarion, 2002), que se trata de um demagogo cínico. Demagogo – no sentido aristotélico do termo – porque chefia uma versão de democracia deformada, aquela em que as massas seguem o líder em razão de seu carisma, em que pese o fato de essa liderança conduzir o povo à sua destruição. O cinismo do líder populista já fica por conta da duplicidade que ele vive, entre uma promessa de esperança (e como Lula sabe fazer isso: “Os jovens devem ter esperança porque são o futuro da Nação”, “o pré-sal é a salvação do brasileiro”, e por aí vai), de um lado, e, de outro, a nua e crua realidade que ele ajudou a construir, ou melhor, a desconstruir, com a falência das instituições que garantiriam a esse povo chegar lá, à utopia prometida…

Lula acelerou o processo de desconstrução das instituições que balizam o Estado brasileiro. Desconstruiu acintosamente a representação, mediante a deslavada compra sistemática de votos, alegando ulteriormente que se tratava de mais uma prática de “caixa 2″ exercida por todos os partidos (seguindo, nessa alegação, “parecer” do jurista Márcio Thomas Bastos) e proclamando, em alto e bom som, que o “mensalão nunca existiu”. Sob a sua influência, acelerou-se o processo de subserviência do Judiciário aos ditames do Executivo (fator que nos ciclos autoritários da História republicana se acirrou, mas que sob o PT voltou a ter uma periclitante revivescência, haja vista a dificuldade que a Suprema Corte brasileira tem para julgar os responsáveis pelo mensalão ou a censura odiosa que pesa sobre importante jornal há mais de dois anos, para salvar um membro de conhecido clã favorável ao ex-mandatário petista).

Lula desconstruiu, de forma sistemática, a tradição de seriedade da diplomacia brasileira, aliando-se a tudo quanto é ditador e patife pelo mundo afora, com a finalidade de mostrar novidades nessa empreitada, brandindo a consigna de um “Brasil grande” que é independente dos odiados norte-americanos, mas, certamente, está nos causando mais prejuízos do que benefícios no complicado xadrez global: o País não conseguiu emplacar, com essa maluca diplomacia de palanque, nem a direção da Unesco, nem a presidência da Organização Mundial do Comércio (OMC), nem a entrada permanente do Brasil no Conselho de Segurança da ONU.

Lula, com a desfaçatez em que é mestre, conseguiu derrubar a Lei de Responsabilidade Fiscal, abrindo as torneiras do Orçamento da União para municípios governados por aliados que não fizeram o dever de casa, fenômeno que se repete no governo Dilma. De outro lado, isentou da vigilância dos órgãos competentes (Tribunal de Contas da União, notadamente) as organizações sindicais, que passaram a chafurdar nas águas do Orçamento sem fiscalização de ninguém. Esse mesmo “liberou geral” valeu também para os ditos “movimentos sociais” (MST e quejandos), que receberam luz verde para continuar pleiteando de forma truculenta mais recursos da Nação para suas finalidades políticas de clã. Os desmandos do seu governo foram, para o ex-líder sindical, invenções da imprensa marrom a serviço dos poderosos.

A política social do programa Bolsa-Família converteu-se numa faca de dois gumes, que, se bem distribuiu renda entre os mais pobres, levou à dependência do favor estatal milhões de brasileiros, que largaram os seus empregos para ganhar os benefícios concedidos sem contrapartida nem fiscalização. Enquanto ocorria isso, o Fisco, sob o consulado lulista, tornou-se mais rigoroso com os produtores de riqueza, os empresários. “Nunca antes na História deste país” se tributou tanto como sob os mandatos petistas, impedindo, assim, que a livre-iniciativa fizesse crescer o mercado de trabalho em bases firmes, não inflacionárias.

Isso sem falar nas trapalhadas educacionais, com universidades abertas do norte ao sul do País, sem provisão de mestres e sem contar com os recursos suficientes para funcionarem. Nem lembrar as inépcias do Inep, que frustraram milhões de jovens em concursos vestibulares que não funcionaram a contento. Nem trazer à tona as desgraças da saúde, com uma administração estupidamente centralizada em Brasília, que ignora o que se passa nos municípios onde os cidadãos morrem na fila do SUS.

Diante de tudo isso, e levando em consideração que o Brasil cresceu na última década menos que seus vizinhos latino-americanos, o título de doutor honoris causa concedido a Lula, recentemente, pela prestigiosa casa de estudos Sciences Po, em Paris, é ou uma boa piada ou fruto de tremenda ignorância do que se passa no nosso país. Os doutores franceses deveriam olhar para a nossa inflação crescente, para a corrupção desenfreada, fruto da era lulista, para o desmonte das instituições republicanas promovido pelo líder carismático e para as nuvens que, ameaçadoras, se desenham no horizonte de um agravamento da crise financeira mundial, que certamente nos encontrará com menos recursos do que outrora. Ao que tudo indica, os docentes da Sciences Po ficaram encantados com essa flor de “la pensée sauvage”, o filho de dona Lindu que conseguiu fazer tamanho estrago sem perder a pose. Sempre o mito do “bon sauvage” a encantar os franceses!

O líder prestigiado pelo centro de estudos falou, no final do seu discurso, uma verdade: a homenagem ele entendia ter sido feita ao povo brasileiro – que paga agora, com acréscimos, a conta da festança demagógica de Lula e enfrenta com minguada esperança a luta de cada dia.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Augusto Nunes: Anotações para uma reedição da história universal da infâmia

Em novembro de 1984, por não enxergar diferenças entre Paulo Maluf e Tancredo Neves, o Partido dos Trabalhadores optou pela abstenção no Colégio Eleitoral que escolheria o primeiro presidente civil depois do ciclo dos generais. Em janeiro de 1985, por entenderem que não se tratava de um confronto entre iguais, três parlamentares do PT ─ Airton Soares, José Eudes e Bete Mendes ─ votaram em Tancredo. Foram expulsos pela direção.

Em 1988, num discurso em Aracaju, o deputado federal Luiz Inácio Lula da Silva qualificou o presidente José Sarney de “o grande ladrão da Nova República”. No mesmo ano, a bancada do PT na Constituinte rejeitou o texto da nova Constituição.

Em 1989, derrotados no primeiro turno da eleição presidencial, Ulysses Guimarães, candidato do PMDB, e Mário Covas, do PSDB, declararam que ficariam ao lado de Lula na batalha final contra Fernando Collor. Imediatamente recusado, o apoio acabou aceito por insistência dos parceiros repudiados. Num comício em frente do estádio do Pacaembu, Ulysses e Covas apareceram no palanque ao lado do candidato do PT. Foram vaiados pela plateia companheira.

Em 1993, a ex-prefeita Luiza Erundina, uma das fundadoras do partido, aceitou o convite do presidente Itamar Franco para assumir o comando de um ministério. Foi expulsa. Em 1994, ainda no governo de Itamar Franco, os parlamentares do PT lutaram com ferocidade para impedir a aprovação do Plano Real. No mesmo ano, transformaram a revogação da providencial mudança de rota na economia numa das bandeiras da campanha presidencial.

Entre o começo de janeiro de 1995 e o fim de dezembro de 2002, a bancada do PT votou contra todos os projetos, medidas e ideias encaminhados ao Legislativo pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Todos, sem exceção. Uma das propostas mais intensamente combatidas foi a que instituiu a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em janeiro de 1999, mal iniciado o segundo mandato de Fernando Henrique, o deputado Tarso Genro, em nome do PT, propôs a deposição do presidente reeleito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. O lançamento da campanha com o mote “Fora FHC!” foi justificado por acusações, desacompanhadas de provas, que Tarso enfeixou num artigo publicado pela Folha de S. Paulo. Trecho: Hoje, acrescento que o presidente está pessoalmente responsabilizado por amparar um grupo fora da lei, que controla as finanças do Estado e subordina o trabalho e o capital do país ao enriquecimento ilegítimo de uns poucos. Alguns bancos lucraram em janeiro (evidentemente, por ter informações privilegiadas) US$ 1,3 bilhão, valor que não lucraram em todo o ano passado!

O que diriam Tarso, Lula e o resto da companheirada se tal acusação, perfeitamente aplicável ao atual chefe de governo, fosse subscrita por alguém do PSDB, do DEM ou do PPS? Coisa de traidor da pátria, inimigo da nação, gente que aposta no quanto pior, melhor, estariam berrando todos. “Tem gente que torce pra que tudo dê errado”, retomaria Lula a ladainha entoada há quase sete anos.

Faz sentido. Desde a ressurreição da democracia brasileira, a ação do PT oposicionista foi permanentemente orientada por sentimentos menores, miúdos, mesquinhos. É compreensível que os Altos Companheiros acreditem que todos os políticos são movidos pelo mesmo combustível de baixíssima qualidade.

Desfigurado pela metamorfose nauseante, o chefe de governo não teria sossego se o intratável chefe da oposição ainda existisse. O condutor do rebanho não tem semelhanças com o Lula do século passado, mas continua ouvindo o som dos balidos aprovadores. O caçador de gatunos hoje é padroeiro da quadrilha federal. O parlamentar que recusou a conciliação proposta por Tancredo é o presidente que se reconcilia com qualquer abjeção desfrutável. O moralizador da República presidiu e abafou o escândalo incomparável do mensalão.

Mas não admite sequer criticas formuladas sem aspereza pelo antecessor que atacava com virulência. É inveja, Lula deu de gritar agora. O espelho reflete o contrário. Nenhum homem culto prefere ser ignorante, nenhum homem educado sonha com a grosseria, gente honrada não quer conversa com delinquentes.

Lula não esquece que foi derrotado por FHC duas vezes, ambas no primeiro turno. E sabe que o vencedor nunca inveja o vencido.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Dora Kramer: O PSDB hoje é uma confederação de emburrados sem rumo

Dora Kramer: Clube da luta

O mais recente charivari entre tucanos, envolvendo a exclusão do ex-governador José Serra e do senador Aloysio Nunes do programa de tevê do PSDB paulista, seria só mais uma escaramuça entre correligionários não fosse também uma perfeita tradução da incapacidade do partido de se acertar internamente e tocar a vida em frente.

Aloysio reclamou no Twitter e o governador Geraldo Alckmin respondeu pelos jornais com uma desculpa esfarrapada – redução do tempo do programa – e a promessa de que no próximo serão todos devidamente “prestigiados”.

Indigência total de espíritos. Como de resto têm sido as ações oriundas de um PSDB em crise de abstinência provavelmente resultante do poder precoce conquistado (em 1994) apenas seis anos após a fundação do partido (em 1988).

Uma hora é a briga pela “tomada” da máquina do partido, outra hora é a contratação de pesquisa para definir rumos e que só produz novos desacertos e, com frequência, propostas de temas para reflexão a fim de motivar ações são desqualificados internamente numa autofagia intelectual de dar dó.

Tucanos não conversam com tucanos a não ser que pertençam ao mesmo grupo de afinidades eleitorais, enquanto a direção do partido só se manifesta para dizer que vai tudo bem enquanto as evidências mostram como tudo vai mal.

Vivem de subterfúgios, troca de ironias, gestuais minúsculos e atos isolados em prol deste ou daquele interesse sem que haja qualquer formulação estratégica que indique à sociedade que por trás da sigla exista um partido.

O PSDB hoje é uma confederação de emburrados sem rumo, cuja principal ocupação é dar vazão a ressentimentos mútuos por intermédio de atos e palavras que não se conectam entre si.

Nada tem lógica ali: a atuação dos governadores não se comunica com a ação das bancadas no Congresso, que por sua vez não conseguem estabelecer uma conduta que transmita minimamente uma noção de conjunto.

As lideranças alimentam o clima interno de tensão sempre culpando o grupo rival por fazê-lo, sem coragem de explicitar nem de resolver as divergências.

Quando explode em público a discordância, improvisa-se uma cenografia qualquer para simular convergência, acumulando conflitos não resolvidos, que resultam na falta de unidade nas campanhas eleitorais importantes. Nelas há sempre um grupo a solapar o outro, o que se não acaba em derrota produz revanche.

Vem sendo assim desde a fundação, mas foi a partir de 2002 que a paralisia do PSDB em função dos ódios internos se tornou visível a olho nu.

A revitalização do partido é uma promessa eterna. Inexequível, porém, enquanto ali predominar a hipocrisia e a omissão.