sábado, 28 de novembro de 2009

César Benjamin - Os filhos do Brasil

Folha de S. Paulo, 27/11/09

A PRISÃO na Polícia do Exército da Vila Militar, em setembro de 1971, era especialmente ruim: eu ficava nu em uma cela tão pequena que só conseguia me recostar no chão de ladrilhos usando a diagonal. A cela era nua também, sem nada, a menos de um buraco no chão que os militares chamavam de “boi”; a única água disponível era a da descarga do “boi”. Permanecia em pé durante as noites, em inúteis tentativas de espantar o frio. Comia com as mãos. Tinha 17 anos de idade.

Um dia a equipe de plantão abriu a porta de bom humor. Conduziram-me por dois corredores e colocaram-me em uma cela maior onde estavam três criminosos comuns, Caveirinha, Português e Nelson, incentivados ali mesmo a me usar como bem entendessem. Os três, porém, foram gentis e solidários comigo. Ofereceram-me logo um lençol, com o qual me cobri, passando a usá-lo nos dias seguintes como uma toga troncha de senador romano.

Oriundos de São Paulo, Caveirinha e Português disseram-me que “estavam pedidos” pelo delegado Sérgio Fleury, que provavelmente iria matá-los. Nelson, um mulato escuro, passava o tempo cantando Beatles, fingindo que sabia inglês e pedindo nossa opinião sobre suas caprichadas interpretações. Repetia uma ideia, pensando alto: “O Brasil não dá mais. Aqui só tem gente esperta. Quando sair dessa, vou para o Senegal. Vou ser rei do Senegal”.

Voltei para a solitária alguns dias depois. Ainda não sabia que começava então um longo período que me levou ao limite.

Vegetei em silêncio, sem contato humano, vendo só quatro paredes -“sobrevivendo a mim mesmo como um fósforo frio”, para lembrar Fernando Pessoa- durante três anos e meio, em diferentes quartéis, sem saber o que acontecia fora das celas. Até que, num fim de tarde, abriram a porta e colocaram-me em um camburão. Eu estava sendo transferido para fora da Vila Militar. A caçamba do carro era dividida ao meio por uma chapa de ferro, de modo que duas pessoas podiam ser conduzidas sem que conseguissem se ver. A vedação, porém, não era completa. Por uma fresta de alguns centímetros, no canto inferior à minha direita, apareceram dedos que, pelo tato, percebi serem femininos.

Fiquei muito perturbado (preso vive de coisas pequenas). Há anos eu não via, muito menos tocava, uma mulher. Fui desembarcado em um dos presídios do complexo penitenciário de Bangu, para presos comuns, e colocado na galeria F, “de alta periculosia”, como se dizia por lá. Havia 30 a 40 homens, sem superlotação, e três eram travestis, a Monique, a Neguinha e a Eva. Revivi o pesadelo de sofrer uma curra, mas, mais uma vez, nada ocorreu. Era Carnaval, e a direção do presídio, excepcionalmente, permitira a entrada de uma televisão para que os detentos pudessem assistir ao desfile.

Estavam todos ocupados, torcendo por suas escolas. Pude então, nessa noite, ter uma longa conversa com as lideranças do novo lugar: Sapo Lee, Sabichão, Neguinho Dois, Formigão, Ari dos Macacos (ou Ari Navalhada, por causa de uma imensa cicatriz que trazia no rosto) e Chinês. Quando o dia amanheceu éramos quase amigos, o que não impediu que, durante algum tempo, eu fosse submetido à tradicional série de “provas de fogo”, situações armadas para testar a firmeza de cada novato.

Quando fui rebatizado, estava aceito. Passei a ser o Devagar. Aos poucos, aprendi a “língua de congo”, o dialeto que os presos usam entre si para não serem entendidos pelos estranhos ao grupo.

Com a entrada de um novo diretor, mais liberal, consegui reativar as salas de aula do presídio para turmas de primeiro e de segundo grau. Além de dezenas de presos, de todas as galerias, guardas penitenciários e até o chefe de segurança se inscreveram para tentar um diploma do supletivo. Era o que eu faria, também: clandestino desde os 14 anos, preso desde os 17, já estava com 22 e não tinha o segundo grau. Tornei-me o professor de todas as matérias, mas faria as provas junto com eles.

Passei assim a maior parte dos quase dois anos que fiquei em Bangu. Nos intervalos das aulas, traduzia livros para mim mesmo, para aprender línguas, e escrevia petições para advogados dos presos ou cartas de amor que eles enviavam para namoradas reais, supostas ou apenas desejadas, algumas das quais presas no Talavera Bruce, ali ao lado. Quanto mais melosas, melhor.

Como não havia sido levado a julgamento, por causa da menoridade na época da prisão, não cumpria nenhuma pena específica. Por isso era mantido nesse confinamento semiclandestino, segregado dos demais presos políticos. Ignorava quanto tempo ainda permaneceria nessa situação.

Lembro-me com emoção - toda essa trajetória me emociona, a ponto de eu nunca tê-la compartilhado - do dia em que circulou a notícia de que eu seria transferido. Recebi dezenas de catataus, de todas as galerias, trazidos pelos próprios guardas. Catatau, em língua de congo, é uma espécie de bilhete de apresentação em que o signatário afiança a seus conhecidos que o portador é “sujeito-homem” e deve ser ajudado nos outros presídios por onde passar.

Alguns presos propuseram-se a organizar uma rebelião, temendo que a transferência fosse parte de um plano contra a minha vida. A essa altura, já haviam compreendido há muito quem eu era e o que era uma ditadura.

Eu os tranquilizei: na Frei Caneca, para onde iria, estavam os meus antigos companheiros de militância, que reencontraria tantos anos depois. Descumprindo o regulamento, os guardas permitiram que eu entrasse em todas as galerias para me despedir afetuosamente de alunos e amigos. O Devagar ia embora.

São Paulo, 1994. Eu estava na casa que servia para a produção dos programas de televisão da campanha de Lula. Com o Plano Real, Fernando Henrique passara à frente, dificultando e confundindo a nossa campanha.

Nesse contexto, deixei trabalho e família no Rio e me instalei na produtora de TV, dormindo em um sofá, para tentar ajudar. Lá pelas tantas, recebi um presente de grego: um grupo de apoiadores trouxe dos Estados Unidos um renomado marqueteiro, cujo nome esqueci. Lula gravava os programas, mais ou menos, duas vezes por semana, de modo que convivi com o americano durante alguns dias sem que ele houvesse ainda visto o candidato.

Dizia-me da importância do primeiro encontro, em que tentaria formatar a psicologia de Lula, saber o que lhe passava na alma, quem era ele, conhecer suas opiniões sobre o Brasil e o momento da campanha, para então propor uma estratégia. Para mim, nada disso fazia sentido, mas eu não queria tratá-lo mal. O primeiro encontro foi no refeitório, durante um almoço.

Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o publicitário Paulo de Tarso em frente e, nas cabeceiras, Espinoza (segurança de Lula) e outro publicitário brasileiro que trabalhava conosco, cujo nome também esqueci. Lula puxou conversa: “Você esteve preso, não é Cesinha?” “Estive.” “Quanto tempo?” “Alguns anos…”, desconversei (raramente falo nesse assunto). Lula continuou: “Eu não aguentaria. Não vivo sem boceta”.

Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência como havia tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido. Chamava-o de “menino do MEP”, em referência a uma organização de esquerda que já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência do “menino”, que frustrara a investida com cotoveladas e socos.

Foi um dos momentos mais kafkianos que vivi. Enquanto ouvia a narrativa do nosso candidato, eu relembrava as vezes em que poderia ter sido, digamos assim, o “menino do MEP” nas mãos de criminosos comuns considerados perigosos, condenados a penas longas, que, não obstante essas condições, sempre me respeitaram.

O marqueteiro americano me cutucava, impaciente, para que eu traduzisse o que Lula falava, dada a importância do primeiro encontro. Eu não sabia o que fazer. Não podia lhe dizer o que estava ouvindo. Depois do almoço, desconversei: Lula só havia dito generalidades sem importância. O americano achou que eu estava boicotando o seu trabalho. Ficou bravo e, felizmente, desapareceu.


Dias depois de ter retornado para a solitária, ainda na PE da Vila Militar, alguém empurrou por baixo da porta um exemplar do jornal “O Dia”. A matéria da primeira página, com direito a manchete principal, anunciava que Caveirinha e Português haviam sido localizados no bairro do Rio Comprido por uma equipe do delegado Fleury e mortos depois de intensa perseguição e tiroteio. Consumara-se o assassinato que eles haviam antevisto.

Nelson, que amava os Beatles, não conseguiu ser o rei do Senegal: transferido para o presídio de Água Santa, liderou uma greve de fome contra os espancamentos de presos e perseverou nela até morrer de inanição, cerca de 60 dias depois. Seu pai, guarda penitenciário, servia naquela unidade.

Neguinho Dois também morreu na prisão. Sapo Lee foi transferido para a Ilha Grande; perdi sua pista quando o presídio de lá foi desativado. Chinês foi solto e conseguiu ser contratado por uma empreiteira que o enviaria para trabalhar em uma obra na Arábia, mas a empresa mudou os planos e o mandou para o Alasca. Na última vez que falei com ele, há mais de 20 anos, estava animado com a perspectiva do embarque: “Arábia ou Alasca, Devagar, é tudo as mesmas Alemanhas!” Ele quis ir embora para escapar do destino de seu melhor amigo, o Sabichão, que também havia sido solto, novamente preso e dessa vez assassinado. Não sei o que aconteceu com o Formigão e o Ari Navalhada.

A todos, autênticos filhos do Brasil, tão castigados, presto homenagem, estejam onde estiverem, mortos ou vivos, pela maneira como trataram um jovem branco de classe média, na casa dos 20 anos, que lhes esteve ao alcance das mãos. Eu nunca soube quem é o “menino do MEP”. Suponho que esteja vivo, pois a organização era formada por gente com o meu perfil. Nossa sobrevida, em geral, é bem maior do que a dos pobres e pretos.

O homem que me disse que o atacou é hoje presidente da República. É conciliador e, dizem, faz um bom governo. Ganhou projeção internacional. Afastei-me dele depois daquela conversa na produtora de televisão, mas desejo-lhe sorte, pelo bem do nosso país. Espero que tenha melhorado com o passar dos anos.

Mesmo assim, não pretendo assistir a “O Filho do Brasil”, que exala o mau cheiro das mistificações. Li nos jornais que o filme mostra cenas dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à personalidade, tenta esconder.

CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Augusto Nunes - Ruth Cardoso vs. Dilma: 400 a 0

Ruth Cardoso foi a prova definitiva de que milagres civilizatórios ocorrem mesmo nos grotões do planeta. A discreta e talentosa paulista de Araraquara, que se casou muito jovem com o sociólogo carioca Fernando Henrique Cardoso, seria a única primeira-dama a desembarcar em Brasília com profissão definida, luz própria e opiniões a emitir ─ sempre com autonomia intelectual e, se necessário, elegante contundência. Durante oito anos, o brilho da mulher que sabia o que dizia somou-se à luminosidade da antropóloga respeitada em muitos idiomas para clarear o coração do poder.

No fim de 1994, por não imaginarem com quem logo lidariam, muitos jornalistas ouviram com ceticismo a justificativa apresentada pelo presidente eleito para a viagem à Rússia: “Vou como acompanhante da Ruth”. Ela participaria como palestrante de um congresso de antropologia promovido em Moscou, ele aproveitaria para descansar alguns dias. Nenhum repórter cuidou de conferir o desempenho da palestrante. Perderam todos a chance de descobrir que Ruth era muito mais que a mulher do n° 1.

A melhor e mais brilhante das primeiras-damas abdicou do título já no dia da posse do marido. “Isso é uma caricatura do original americano, esse cargo não existe”, resumiu numa entrevista. Se não existia, Ruth inventou-o. Sem pompas nem fitas, longe de fanfarras e rojões, montou o impressionante conjunto de ações enfeixadas no programa Comunidade Solidária. Em dezembro de 2002, os projetos em execução mobilizavam 135 mil alfabetizadores, 17 mil universitários e professores, 2.500 associações comunitárias, 300 universidades e 45 centros de voluntariado.

Acabou simbolicamente promovida a primeira-dama da República no dia da morte que pareceria prematura ainda que tivesse mais de 100 anos. A cerimônia do adeus comprovou que o Brasil se despedia, comovido, de alguém que o fizera parecer menos primitivo, mais respirável, menos boçal. E que merecia ter morrido sem conhecer a fábrica de dossiês cafajestes da Casa Civil chefiada por Dilma Rousseff.

Instruída para livrar o governo da enrascada em que se metera com a gastança dos cartões corporarativos, Dilma produziu um papelório abjeto que tentava reduzir Fernando Henrique e Ruth Cardoso a perdulários incuráveis, uma dupla decidida a desperdiçar o dinheiro da nação em vinhos caros e futilidades gastronômicas. Dilma foi a primeira a agredir uma mulher gentil, suave, e também por isso tratada com respeito até por ferozes inimigos do marido.

A fraude que virou candidata à presidência anda propondo que o país compare Fernando Henrique a Lula. Qualquer partido mais competente e menos poltrão teria topado há muito tempo esse confronto entre a seriedade e a bravata, entre o conhecimento e a ignorância, entre o moderno e o antigo, entre o real e o imaginário. Como o PSDB prefere capitular sem combate, poderia ao menos sugerir que se compare Dilma Rousseff a Ruth Cardoso. A Mãe do Pac talvez aprenda como se chega a um placar de 400 a zero.

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Amaury Ribeiro Jr - Os xeiques da Petrobras

O PETRÓLEO É NOSSO. E O ALTO SALÁRIO, DELES

Remuneração de diretores da Petrobras apresenta reajuste médio de 90% entre 2003 e 2007, enquanto a inflação no período foi de 28,16%. Vencimento e bônus de cada um chegam a R$ 710 mil no ano.

O governo do Lula da Silva transformou os diretores da Petrobras em verdadeiros xeiques. Segundo documentos internos da estatal, os vencimentos dos executivos da empresa, nomeados para os cargos por indicação política, tiveram um aumento médio de 90% entre 2003 e 2007. Nesse período, a inflação acumulada foi de 28,16%, segundo o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Os papéis encaminhados pela empresa ao Ministério da Previdência e à Receita Federal mostram que os vencimentos — salários mais bônus — de cada um dos diretores fecharam 2007 em torno de R$ 710 mil, o que deu uma média mensal salarial de R$ 60 mil. Esse valor é bem maior que o dos salários dos ministros do Supremo Tribunal Federal (SRF), fixado como teto salarial do funcionalismo público pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A papelada, obtida com exclusividade pelo Correio/Estado de Minas, mostra, por exemplo, que os vencimentos do diretor de Operações e Exploração da empresa estatal, Guilherme de Oliveira Estrella, saltaram de R$ 368.711,36 em 2003, para R$ 701.764,79 em 2007. Funcionário de carreira, Estrella conseguiu também engordar a aposentadoria nesse período. No ano passado, o diretor recebeu R$ 153.361,83 da Petrus — o fundo de pensão dos funcionários da estatal. Esse valor é muito superior aos R$ 92.038,92 que ele recebeu da mesma fonte em 2003. Basta uma conta simples de somar para chegar à conclusão de que Estrella recebeu da Petrobras e da Petrus R$ 858.597,29. Ele embolsou ainda um 13º salário de R$ 84.648,24. Petista de carteirinha, Estrella soube compensar o partido, que, em 2003, o nomeou para o cargo de diretor. Em 2007, ele fez uma doação de R$ 25.200 para os cofres do PT.

Os constantes aumentos também beneficiaram o presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli de Azevedo, e os diretores Almir Guilherme Barbassa (Financeiro), Paulo Roberto Costa (Abastecimento), Maria das Graças Silva Foster (Gás e Energia), Jorge Luiz Zelada (Internacional) e Renato de Souza Duque (Serviços). Eles receberam em 2007 em torno de R$ 710 mil de salários e outros bônus. Os vencimentos de Duque, empossado em 2003, saltaram de RS$ 369.711,36 em 2003 para R$ 706.260,68 em 2007.

Conselho Ao contrário dos demais servidores da Petrobras, cujos aumentos salariais são definidos em acordo coletivo da categoria, os vencimentos dos diretores são decididos numa assembleia-geral ordinária do conselho administrativo e fiscal da empresa, que ocorre uma vez por ano. A assembleia do conselho deste ano aprovou, por exemplo, em 8 de abril, a destinação de R$ 8,2 milhões para o pagamento de salários e outros benefícios aos diretores, conselheiros e presidente da estatal. O conselho de administração da Petrobras é presidido pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Fazem parte ainda do conselho o ministro da Fazenda, Guido Mantega, José Sérgio Gabrielli Azevedo, Francisco Roberto de Albuquerque, Fábio Collete Barbosa, Jorge Gerdau, Luciano Galvão Coutinho, Sérgio Frankilin Quintella e Silas Rondeau Cavalcante Silva, ex-ministro do Planejamento.

A última assembleia fixou os salários dos conselheiros de administração e fiscal em 10% dos vencimentos dos diretores. Os conselheiros só não têm direito a passagem área, previdência privada e auxílio-moradia. Levando-se em conta que cada diretor recebe em média R$ 60 mil por mês, o salário dos conselheiros em 2007 ficou em torno de R$ 6 mil por mês. Isso explica porque o ex-ministro Silas Roundeau, demitido no ano passado sob a acusação de envolvimento com a Construtora Gautama, está radiante com o novo cargo arranjado mais uma vez por seu padrinho político, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB). Ele passou a receber a bolada para participar de uma reunião a cada quatro meses.

Contracheque gordo
Diretoria da Petrobras e total de salários e bônus recebidos em 2007

1- Almir Guilherme Barbassa
Cargo: Diretor Financeiro e de Relações com Investidores
Remuneração média: R$ 710 mil
Indicação: PT

2-Guilherme de Oliveira Estrella
Cargo: Diretor de Exploração e Produção
Salário e bônus: R$ 701,76 mil
Indicação: PT

3- Paulo Roberto Costa
Cargo: Diretor de Abastecimento
Remuneração média: R$ 710 mil
Indicação: PP, com apoio do PMDB do Senado

4- Maria das Graças Silva Foster
Cargo: Diretora de Gás e Energia
Remuneração média: R$ 710 mil
Indicação: PT, da cota da ministra Dilma Rousseff

5- Jorge Luiz Zelada
Cargo: Diretor da Área Internacional
Remuneração média: 710 mil
Indicação: PMDB da Câmara

6-Renato de Souza Duque1-
Cargo: Diretor de Serviços
Salário: 706,26 milIndicação: PT

ATA DA ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA DA PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - PETROBRAS, REALIZADA EM 8 DE ABRIL DE 2009

ATA DA ASSEMBLÉIA GERAL ORDINÁRIA DA PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. - PETROBRAS, REALIZADA EM 8 DE ABRIL DE 2009
(Lavrada sob a forma de sumário, conforme facultado pelo parágrafo primeiro do artigo 130 da Lei no
6.404, de 15 de dezembro de 1976)

COMPANHIA ABERTA CNPJ no 33.000.167/0001-01
NIRE no 33300032061

I. DIA, HORA E LOCAL:

Assembléia realizada às 15 horas do dia 8 de abril de 2009, na sede social, na cidade do Rio de Janeiro, RJ, na Avenida República do Chile, no 65.

II. PRESENÇA, QUORUM E CONVOCAÇÃO:

Estavam presentes acionistas titulares representando percentual superior a 91% das ações ordinárias que
compõem o capital social, conforme atestam as assinaturas no Livro de Presença de Acionistas, todos devidamente convocados através de anúncio publicado nas edições dos dias 9, 10 e 11 de março de 2009
do Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, do Jornal do Commercio, da Gazeta Mercantil e do Valor
Econômico. Em atenção ao disposto no parágrafo 1º do artigo 134 da Lei nº 6.404/76, presentes os seguintes membros da Diretoria Executiva da Petrobras: Diretores Guilherme Estrella, Jorge Luiz Zelada, Paulo Roberto Costa e Renato de Souza Duque; bem como o representante da KPMG Auditores Independentes, o Senhor Manuel Fernandes Rodrigues de Souza. Também presente o Senhor Túlio Luiz Zamin, membro do Conselho Fiscal, em atenção ao disposto no artigo 164 da referida lei.

III. MESA:


Presidente: José Sergio Gabrielli de Azevedo Representante da União: Adrienne Giannetti Nelson de Senna Jobim Diretor Financeiro e de Relações com Investidores: Almir Guilherme Barbassa
Secretário: Hélio Shiguenobu Fujikawa


IV. ORDEM DO DIA :

I. Relatório da Administração e Demonstrações Contábeis acompanhadas de Parecer do Conselho
Fiscal, relativos ao exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2008;
II. Orçamento de Capital relativo ao exercício de 2009;
III. Destinação do resultado do exercício de 2008;
IV. Eleição dos membros do Conselho de Administração;
V. Eleição do Presidente do Conselho de Administração;
VI. Eleição dos membros do Conselho Fiscal e respectivos suplentes;
VII. Fixação da remuneração dos administradores, inclusive da sua participação nos lucros, na forma dos artigos 41 e 56 do Estatuto Social, bem como dos membros titulares do Conselho Fiscal.

V. DELIBERAÇÕES ADOTADAS :

Em Questão de Ordem


Foi aprovada pela maioria dos acionistas presentes a lavratura da ata sob a forma de sumário, nos termos do artigo 130 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

Item I: Foram aprovados pela maioria dos acionistas presentes, observadas as abstenções legais, o Relatório da Administração e as Demonstrações Contábeis referentes ao exercício de 2008, acompanhadas do Parecer do Conselho Fiscal e do Parecer dos Auditores Independente, conforme proposta da Administração da Companhia.

Item II: Foi aprovado pela maioria dos acionistas presentes, o orçamento de capital relativo ao exercício de 2009, no montante de R$42.537.935.164,00 (quarenta e dois bilhões, quinhentos e trinta e sete milhões, novecentos e trinta e cinco mil e cento e sessenta e quatro reais), conforme proposta da Administração da Companhia.

Item III: Foi aprovada pela maioria dos acionistas presentes, a proposta de destinação do resultado do exercício de 2008, no montante de R$ R$36.469.548.739,57 (trinta e seis bilhões, quatrocentos e sessenta e nove milhões, quinhentos e quarenta e oito mil, setecentos e trinta e nove reais e cinquenta e sete centavos), para constituição de reservas no total de R$26.554.842.023,37 (vinte e seis bilhões, quinhentos e cinquenta e quatro milhões, oitocentos e quarenta e dois mil, vinte e três reais e trinta e sete centavos) e para distribuição de dividendos aos acionistas num montante de R$9.914.706.716,20 (nove bilhões, novecentos e quatorze milhões, setecentos e seis mil, setecentos e dezesseis reais e vinte centavos), conforme proposta da Administração e Parecer da Secretaria do Tesouro Nacional, na forma que se segue:

Destinação 2008 (milhões R$)

Lucro líquido do exercício 36.470
(-) Reserva legal (5%) (1.824)
(-) Reservas de Incentivos Fiscais (557)
(-) Reserva estatutária (395)
(=) Lucro líquido ajustado 33.694
Dividendos propostos - 29,04% ( 31,44% em 2007) 9.915
Juros sobre o Capital Próprio 7.020
Dividendos 2.895
Reserva de retenção de lucros 23.779

Data do pagamento dos dividendos, no montante de R$9.914.706.716,20 (nove bilhões, novecentos e quatorze milhões, setecentos e seis mil, setecentos e dezesseis reais e vinte centavos):

• Em 24.04.2009, R$3.334.149.161,20 (três bilhões, trezentos e trinta e quatro milhões, cento e quarenta e nove mil, cento e sessenta e um reais e vinte centavos), equivalentes a R$ 0,38 (trinta e oito centavos) por ação, referentes à parcela de juros sobre capital próprio, com base na posição acionária de 26.12.2008;

• Em 24.06.2009, R$3.334.149.161,20 (três bilhões, trezentos e trinta e quatro milhões, cento e quarenta e nove mil, cento e sessenta e um reais e vinte centavos), equivalentes a R$ 0,38 (trinta e oito centavos) por ação, referentes à parcela de juros sobre capital próprio, com base na posição acionária de 26.12.2008;

• Em 14.08.2009, R$3.246.408.393,80 (três bilhões, duzentos e quarenta e seis milhões, quatrocentos e oito mil, trezentos e noventa e três reais e oitenta centavos), equivalentes a R$ 0,37 (trinta e sete centavos) por ação, sendo R$ 0,04 (quatro centavos) por ação de juros sobre capital próprio, com base na posição acionária de 26.12.2008 e R$ 0,33 (trinta e três centavos) por ação de dividendos, com base na posição acionária de 08.04.2009.

A parcela do lucro líquido destinada à reserva de retenção de lucros tem como finalidade atender às necessidades de recursos previstas no programa anual de investimentos, objeto do orçamento de capital da Companhia para o exercício de 2009.

Foi aprovada a proposta de manutenção no patrimônio líquido, em reserva de retenção de lucros, do valor de R$1.437.926.347,12 (um bilhão, quatrocentos e trinta e sete milhões, novecentos e vinte e seis mil, trezentos e quarenta e sete reais e doze centavos) do saldo remanescente de lucros acumulados.

Item IV: Foram reeleitos como membros do Conselho de Administração da Companhia, na forma do voto da União, com mandato de 1 (um) ano, permitida a reeleição, a Senhora Dilma Vana Rousseff, brasileira, natural da cidade de Belo Horizonte (MG), divorciada e economista e os Senhores Guido Mantega, brasileiro, natural de Gênova, Itália, casado e economista; Silas Rondeau Cavalcante Silva, brasileiro, natural da cidade de Barra da Corda (MA), casado e engenheiro; José Sergio Gabrielli de Azevedo, brasileiro, natural da cidade de Salvador (BA), divorciado e economista; Francisco Roberto de Albuquerque, brasileiro, natural da cidade de São Paulo, casado e General de Exército Reformado; e Luciano Galvão Coutinho, brasileiro, natural da cidade de Recife (PE), divorciado e economista.

Foi ainda eleito como membro do Conselho de Administração da Companhia, na forma do voto da União, com mandato de 1 (um) ano, permitida a reeleição, o Senhor Sergio Franklin Quintella, brasileiro, natural da cidade do Rio de Janeiro (RJ), casado e engenheiro civil.

A seguir, na forma prevista no artigo 239 da Lei das S.A., foi reeleito pelo voto dos acionistas minoritários, como seu representante no Conselho de Administração, em votação em separado, com mandato de 1 (um) ano, permitida a reeleição, o Senhor Fabio Colletti Barbosa, brasileiro, natural da cidade de São Paulo (SP), casado e administrador de empresas.

Foi também reeleito, na forma do art. 19 do Estatuto Social da Companhia, como representante dos acionistas titulares de ações preferenciais no Conselho de Administração, em votação em separado, com mandato de 1 (um) ano, permitida a reeleição, o Senhor Jorge Gerdau Johannpeter, brasileiro, natural da cidade do Rio de Janeiro (RJ), casado e advogado.

Item V: Foi designada, dentre os Conselheiros reeleitos e eleitos, pela maioria dos acionistas presentes, para o cargo de Presidente do Conselho de Administração, a Conselheira Dilma Vana Rousseff.


Item VI: Foram reeleitos pela maioria dos acionistas presentes, em conformidade com o voto da representante da União, como membros do Conselho Fiscal da Companhia, com mandato de 1 (um) ano, permitida a reeleição, o Senhor Marcus Pereira Aucélio, brasileiro, natural de Brasília (DF), casado e engenheiro, tendo como suplente o Senhor Eduardo Coutinho Guerra, brasileiro, natural da cidade de Bom Despacho (MG), casado e bacharel em relações internacionais, ambos como representantes do Tesouro Nacional; o Senhor Túlio Luiz Zamin, brasileiro, natural da cidade de Nova Prata (RS), separado judicialmente e contador, tendo como suplente o Senhor Ricardo de Paula Monteiro, brasileiro, natural da cidade de Juiz de Fora (MG), casado e economista; o Senhor César Acosta Rech, brasileiro e economista, e tendo como suplente, o Senhor Edison Freitas de Oliveira, brasileiro e administrador de empresas, natural da cidade de Cataguases (MG) e casado.

A seguir, na forma prevista no artigo 240 da Lei das S.A., foram reeleitos como membros do Conselho Fiscal da Companhia, com mandato de 1 (um) ano, permitida a reeleição, pelo voto em separado de acionistas minoritários, o Senhor Nelson Rocha Augusto, brasileiro, natural da cidade de Ribeirão Preto (SP), casado e economista, tendo como suplente a Senhora Maria Auxiliadora Alves da Silva, brasileira, natural da cidade de Lajedo (PE), casada e economista.

Foram ainda reeleitos para membros do Conselho Fiscal da Companhia, também como dispõe o artigo 240 da Lei das S.A., com mandato de 1 (um) ano, permitida a reeleição, pelo voto em separado de acionistas detentores de ações preferenciais, a Senhora Maria Lúcia de Oliveira Falcón, brasileira, natural da cidade de Salvador (BA), divorciada e engenheira agrônoma, tendo como suplente o Senhor Celso Barreto Neto, brasileiro, natural da cidade do Rio de Janeiro (RJ), casado e advogado.

Foram cumpridas as disposições contidas no art. 3º, caput e parágrafo 2º, da Instrução nº 367, de 29 de maio de 2002, da Comissão de Valores Mobiliários – CVM, no tocante à prestação de informações à Assembléia Geral, tendo a Senhora Representante da União consignado em seu voto justificativa para o ato das indicações efetivadas para o Conselho de Administração, na forma do disposto no parágrafo 1º do art. 3º da citada Instrução, em razão do interesse público.

Os eleitos para integrar a administração da Companhia apresentaram declaração, na forma do inciso II do artigo 35 da Lei no 8.934/1994, informando não terem sido condenados pela prática de crime cuja pena vede o acesso à atividade mercantil.

Item VII: Pelo voto da maioria dos acionistas presentes, em conformidade com o voto da representante da União, foi aprovada a fixação da remuneração global a ser paga aos administradores da Petrobras em R$8.266.600,00 (oito milhões, duzentos e sessenta e seis mil e seiscentos reais), no período compreendido entre abril de 2009 e março de 2010, aí incluídos: honorários mensais, gratificação de férias, gratificação natalina (13º salário), participação nos lucros e resultados; passagens aéreas, previdência privada complementar, e auxílio moradia, nos termos do Decreto nº 3.255, de 19.11.1999, mantendo-se os honorários no mesmo valor nominal praticado no mês precedente à AGO de 2009, vedado expressamente o repasse aos respectivos honorários de quaisquer benefícios que, eventualmente, vierem a ser concedidos aos empregados da empresa, por ocasião da formalização do Acordo Coletivo de Trabalho – ACT na sua respectiva data-base de 2009.

Foi aprovada a delegação ao Conselho de Administração competência para efetuar a distribuição individual dos valores destinados ao pagamento da remuneração dos membros da Diretoria Executiva, observado o montante global e deduzida a parte destinada ao Conselho de Administração e condicionada à observância dos valores individuais constantes da planilha de Remuneração Máxima dos Administradores, nos termos da Nota DEST/CGC nº 79/2009, de 2 de abril de 2009, do Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais.
Foi também aprovada a fixação dos honorários mensais dos membros do Conselho de Administração e
dos titulares do Conselho Fiscal em um décimo do que, em média mensal, perceberem os membros da Diretoria Executiva, excluídos os valores relativos a: gratificação de férias, participação nos lucros e resultados, passagens aéreas, previdência privada complementar e auxílio moradia, bem como custear as despesas de locomoção e estada necessárias ao desempenho da função de conselheiro de administração.

Nada mais havendo a tratar, foi encerrada a Assembléia Geral Ordinária e, posteriormente, lavrada a presente Ata, que, lida e achada conforme, foi assinada pelo Presidente da referida Assembleia, José Sergio Gabrielli de Azevedo, pela Representante da União, Adrienne Giannetti Nelson de Senna Jobim, pelo Diretor Financeiro e de Relações com Investidores, Almir Guilherme Barbassa, pelo Acionista José Teixeira de Oliveira e pelo Secretário, Hélio Shiguenobu Fujikawa. Era o que continham as páginas 61 a 67 do Livro no 5, destinado ao registro das Atas das Assembléias Gerais de Acionistas da Petróleo Brasileiro S.A. - PETROBRAS, de onde se extraiu a presente cópia autêntica, digitada por mim, André Ortiz Mendes, e que vai conferida e encerrada por mim, Hélio Shiguenobu Fujikawa, Secretário. Rio de Janeiro, oito de abril de dois mil e nove.

VI. REGISTRO DAS MANIFESTAÇÕES DE ACIONISTAS:

Estão consignadas manifestações verbais dos seguintes acionistas:

- Justificação de Voto do acionista Associação dos Engenheiros da Petrobras - AEPET, representada nesta Assembléia pelo Sr. Fernando Leite Siqueira, abordando diversos aspectos da gestão da Companhia;

- Manifestações de Voto dos acionistas José Teixeira de Oliveira, Gilberto Souza Esmeraldo; Associação dos Engenheiros da Petrobras - AEPET, representado por seu procurador Sr. Fernando Leite Siqueira; Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo no Estado do Rio de Janeiro - SINDIPETRO, representado por seu procurador Sr. Francisco Soriano de Souza Nunes; Fundação dos Economiários Federais – Funcef / Fundação Petrobras de Seguridade Social - Petros, representado por seu procurador Sr. Renato de Mello Gomes dos Santos; JP Morgan Chase Bank, N.A., representado por seu procurador Sr. Sandro Pereira Paulino; HSBC/Citi/Itaú/Unibanco, representado por sua procuradora Sra. Anali Penteado Buratin; Santander, representado por seu procurador Sr. Alexandre Paixão Silvério; Caixa Econômica Federal-CEF, representado por sua procuradora Sra. Aline de Oliveira Lima; Fundo de Investimentos de Ações Dinâmica Energia, representado por seu procurador Sr. José Pais Rangel; BNDES Participações S.A. - BNDESPAR, representado por seu procurador Sr. Ramon Dantas Rotta; BRADESCO/PETROS, representado por seu procurador Sr. Renato de Mello Gomes dos Santos; BRADESCO, representado por seu procurador Sr. Cristiano Borges Castilhos; Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil - Previ, representado por seu procurador Sr. Vinícius Nascimento Neves, sobre as matérias constantes da Ordem do Dia.

VII. DOCUMENTOS ARQUIVADOS NA SEDE SOCIAL:

Ficam arquivados na sede social da Companhia, em atenção e na forma do disposto no Art. 130, §1º, alínea “a” , da Lei 6.404/76, os seguintes documentos:

- Cédulas preenchidas pelos acionistas ou procuradores e entregues à Mesa, contendo as indicações de candidatos e respectivas votações, nas eleições constantes dos itens IV, V e VI da Ordem do Dia da AGO;

- Justificação de Voto do acionista Associação dos Engenheiros da Petrobras – AEPET, cuja cópia foi entregue à Mesa pelo seu representante nesta Assembléia, Sr. Fernando Leite Siqueira;

- Procuração de Voto do JP Morgan Chase Bank, N.A., instituição custodiante de diversos Fundos de Investimento no exterior, titulares de ADR representativos de ações da Companhia, entregues à Mesa pelo seu representante nesta Assembléia, procurador Sandro Pereira Paulino;

- Procuração de Voto do acionista Fundação dos Economiários Federais – Funcef / Fundação Petrobras de Seguridade Social - Petros, representados por seu procurador Sr. Renato de Mello Gomes dos Santos;

- Procuração de Voto do acionista HSBC/Citi/Itaú/Unibanco, representados por sua procuradora Sra. Anali Penteado Buratin.

Paulo Guedes - Raízes do socialismo bolivariano II

“Proclamando-se libertador e ditador da Venezuela, Simón Bolívar formou uma tropa de elite para sua guarda pessoal. Sua ditadura não tardou a degenerar em anarquia. Os negócios importantes eram entregues aos amigos, arruinando as finanças públicas. O entusiasmo popular tornou-se descontentamento. (…) Em 4 de janeiro de 1817, decretou a Lei Marcial, concentrando todos os poderes em suas mãos. Passados cinco dias, quando o general Arismendi caiu numa emboscada dos espanhóis, o ditador fugiu para Barcelona. Em 5 de abril, os espanhóis tomaram essa cidade, e as tropas patriotas retiraram-se para uma fortificação nas proximidades. Bolívar deixou seu posto à noite, transferindo o comando ao coronel Freites, com a promessa de voltar com mais soldados. Confiante, Freites recusou a proposta de capitulação e foi trucidado com toda a guarnição pelos espanhóis.”

“Presidente e libertador da Colômbia, protetor e ditador do Peru, padrinho da Bolívia, promoveu congresso no Panamá com Brasil, La Plata, México e Guatemala, sob pretexto de criar um novo código democrático internacional. O que Bolívar realmente queria era ser o ditador de uma federação sul-americana. Insistia na necessidade de se outorgarem novos poderes ao Executivo. Sob pressão de suas baionetas, assembléias populares em Caracas, Cartagena e Bogotá investiam-no de poderes ditatoriais. Bolívar exortava os cidadãos a expressar seus desejos por modificações na Constituição”, registra Marx no verbete “Bolívar y Ponte” (1857), preparado para a “Nova Enciclopédia Americana”.

A evidência é devastadora: Karl Marx é visceralmente antibolivariano. As críticas de Marx a Simón Bolívar são de extraordinária ferocidade. Descredenciam suas manobras militares, depreciam suas motivações políticas e desqualificam seu caráter pela exposição de repetidos episódios de covardia e deslealdade.

As raízes do visceral antibolivarianismo marxista estariam no autoritarismo e nos atos antidemocráticos de Bolívar, em profunda contradição com os ideais libertários e democráticos de Marx, explicam Arico, Rosenmann e Cuadrado, em “Simón Bolívar por Karl Marx” (2001).

Karl Marx inicia seu “O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte” (1852) com a observação de Hegel de que todos os fatos e personagens de grande importância na História se repetem. Mas acrescenta sua clássica advertência: ocorrem a primeira vez como tragédia, e depois como farsa.

São perturbadores os sintomas da reengenharia social de Hugo Chávez. A desorganização da economia, a síndrome plebiscitária por mudanças constitucionais, o impedimento da alternância no poder, a asfixia do Judiciário e do Legislativo, a supressão dos partidos oposicionistas, o controle dos meios de comunicação, a formação de milícias armadas e a interferência política em países vizinhos são o prenúncio inequívoco de tempos conturbados à frente.

Paulo Guedes - Raízes do socialismo bolivariano

“Simón Bolívar nasceu em Caracas em 24 de julho de 1783, filho de uma família da nobreza crioula da Venezuela. De acordo com os costumes dos americanos ricos da época, foi mandado para a Europa aos 14 anos de idade. Esteve presente na coroação de Napoleão Bonaparte como imperador, em 1804.”

Tenho simpatia pela figura histórica de Simón Bolívar, o Libertador. Compreendo a impaciência de Hugo Chávez com uma elite política corrupta, incompetente e sem consideração pela miséria dos povos latino-americanos. Compreendo também sua solidariedade com os países vizinhos. Mas temo que o socialismo bolivariano se torne mais uma tragédia de reengenharia social para o círculo de influência chavista. E também uma guerra expiatória desse fracasso contra países que não aderirem, como a Colômbia.

Prossegue o biógrafo: “No comando de Puerto Cabello, a mais sólida fortaleza da Venezuela, Bolívar dispunha de uma guarnição numerosa e grande quantidade de munição. Mas, quando os prisioneiros espanhóis se rebelaram, apesar de desarmados, Bolívar partiu precipitadamente durante a noite com seus oficiais. Ao tomar conhecimento da fuga de seu comandante, a guarnição retirou-se do local. A balança pendeu em favor da Espanha, obrigando o general Miranda, comandante supremo das forças insurgentes, a assinar o Tratado de La Victoria, devolvendo a Venezuela ao controle espanhol. Miranda tentaria embarcar em La Guaira num navio inglês, mas foi convencido por Bolívar a ficar pelo menos uma noite no local. Às 2 horas da madrugada, com Bolívar à frente, soldados armados apoderaram-se da espada e da pistola de Miranda e lhe ordenaram que se levantasse e se vestisse. Puseram-no a ferro e o entregaram aos espanhóis. Despachado para Cádiz, na Espanha, Miranda morreu acorrentado, após alguns anos de cativeiro.”

“Em direção a Valência, Bolívar deparou com o general espanhol Morales à frente de 200 soldados e cem milicianos. Ao ver dispersada sua guarda, Bolívar fez meia-volta com seu cavalo, fugiu a toda velocidade, passou por um vilarejo num galope desabalado, chegou à baía próxima e embarcou, ordenando a toda a esquadra que o seguisse e deixando seus companheiros em terra privados de qualquer auxílio. Piar, homem de cor, general conquistador das Guianas, que ameaçara levar Bolívar à corte marcial por deserção e covardia, não poupava de ironias o ‘Napoleão das Retiradas’. Bolívar aprovou um plano para se livrar dele. Sob falsas acusações de ter conspirado contra brancos, planejado um atentado contra Bolívar e aspirado ao poder supremo, Piar foi levado a julgamento por um conselho de guerra, condenado à morte e fuzilado em 16 de outubro de 1817.”
Seu biógrafo, Karl Marx, admitiu numa carta a Engels que “seria ultrapassar todos os limites querer apresentar como um novo Napoleão o mais covarde, brutal e miserável dos canalhas”.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Rodrigo Constantino - A Pretensão de Mantega

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse ontem que se o dólar estivesse a R$ 2,60 "venceríamos todos". O ministro é um sábio! Ele "sabe" qual a taxa de câmbio ideal para a economia. O prêmio Nobel Hayek falava da "pretensão do conhecimento" de alguns economistas, que acham que podem controlar a economia, um fenômeno complexo, de cima para baixo. São os "planejadores centrais". Eles, sábios clarividentes, vão decidir os preços justos na economia. Isso não é novo. A Gosplan, na falida URSS, tentava controlar o preço de milhares de produtos, através de complexos modelos econométricos.

Eu, um simples estudioso da Escola Austríaca, não sou tão inteligente assim, e prefiro adotar uma postura mais humilde. Sou sincero ao afirmar, sem rodeios: não tenho a menor idéia de qual é o preço ideal, adequado ou justo para o câmbio no Brasil. Seria R$ 1,50? Ou talvez R$ 1,85? Quem sabe R$ 2,00? Claro, o próprio ministro poderia estar certo, e o câmbio adequado seria então R$ 2,60. Mas por que não R$ 2,68? Aliás, se eu soubesse mesmo qual o câmbio de "equilíbrio" da economia, eu estaria ganhando rios de dinheiro especulando com base nisso.

Enfim, eu não faço idéia de qual o preço "certo" para a relação entre o dólar e o real. Por isso mesmo, prefiro deixar a lei da oferta e procura decidir, ou seja, o livre mercado. Isso significa o tal câmbio flutuante. Para os arrogantes e autoritários, essa opção é impensável. Eles "sabem" o preço correto, e gostariam de impor este "conhecimento" a todos. O resultado desse tipo de medida pode ser verificado no destino da URSS.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Folha - Entenda o caso Sudam

DENÚNCIAS
Acusações do ex-senador Antonio Carlos Magalhães contra dirigentes da Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia), que foram indicados durante anos por Jader Barbalho, pressionaram o governo a investigar irregularidades no órgão e a nomear um interventor, Diogo Cyrillo.

Auditoria na autarquia em 2001 constatou o desvio de R$ 1,7 bilhão do órgão. José Arthur Guedes Tourinho, que havia sido indicado por Jader para o cargo de superintendente da Sudam, foi demitido por suspeita de irregularidades.

RANÁRIO
Nas apurações, a mulher de Jader, Márcia Zahluth Centeno, aparece como suspeita de ter desviado verba liberada pela Sudam para seu ranário.

Márcia foi sócia de José Osmar Borges, acusado pelo Ministério Público de ser o maior fraudador da Sudam, desviando mais de R$ 100 milhões numa fazenda no Pará.

Jader e Borges também foram sócios em uma fazenda entre 1996 e 1998. A sociedade foi desfeita e uma empresa do ex-senador comprou a parte do sócio. Nos inquéritos, há o registro de seis depósitos de Borges em favor do jornal "Diário do Pará", de Jader. Feitos em setembro de 1996, eles somam cerca de R$ 400 mil.

IMUNIDADE
Jader passou a ser investigado no caso Sudam após sua renúncia ao mandato de senador, em outubro de 2001. Ele sempre negou envolvimento no caso. Há mais de 200 inquéritos sobre irregularidades na Sudam conduzidos pela Polícia Federal no Amazonas, no Pará, no Mato Grosso e no Tocantins.

LIGAÇÕES
A análise final da quebra do sigilo telefônico de Borges revelou mais de 700 ligações para aliados políticos e familiares de Jader Barbalho. Trezentas para o próprio Jader.

Detectaram-se telefonemas para a mulher de Jader e para a contadora dela, Maria Auxiliadora Barra Martins, intermediadora de projetos fraudulentos na Sudam.

SERVIDORES
O relatório final preparado pelo interventor da Sudam sobre as irregularidades na autarquia indicia 62 servidores por envolvimento em fraudes, o que representa mais de 10% de seus 506 funcionários.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Otávio Cabral (Veja) - Teoria da conspiração do mensalão

No que depender do presidente Lula, a história do mensalão – o esquema de corrupção montado no governo dele para subornar parlamentares com dinheiro desviado dos cofres públicos – será integralmente reescrita. Na nova versão, o PT, o governo, os deputados e o próprio presidente da República teriam sido vítimas de uma terrível conspiração planejada e executada pela oposição. Marcos Valério, aquele publicitário mágico que fazia aparecer dinheiro no caixa do partido, seria um sabotador a serviço dos inimigos. O escândalo do mensalão foi o momento mais dramático enfrentado por Lula em sete anos de governo. Seus principais assessores caíram por corrupção e respondem a processo por formação de quadrilha. Acuado, o presidente chegou a ser aconselhado por aliados a desistir da reeleição em troca da preservação de seu primeiro mandato. Lula conseguiu contornar a crise, reeleger-se e tornar-se o presidente mais popular da história. Agora, quer aproveitar a onda para limpar também a mancha na biografia. Em entrevista a um programa político da RedeTV!, o presidente disse que o mensalão foi uma tentativa de golpe: "Foi a maior armação já feita contra o governo".

Reescrever a história é uma tentação muito comum de governos autoritários. Em democracias, a tarefa é um pouco mais complicada. Não basta repetir uma versão amalucada qualquer para transformá-la em verdade. Perguntado sobre os detalhes da teoria da conspiração, o presidente diz que vai se inteirar do assunto apenas depois de deixar o Planalto. Vai ser uma investigação histórica interessante. Que conspiração levaria um banco a abrir uma agência em Brasília apenas para atender parlamentares de diversos partidos? Que conspiração obrigaria parlamentares a formar filas no caixa desse banco para receber dinheiro vivo, sem origem conhecida? Que conspiração faria com que o PT aceitasse espontaneamente que a campanha de Lula fosse paga pelo "espião Valério" com recursos depositados em contas clandestinas no exterior? Se o presidente Lula não sabia de nada sobre o mensalão, como sempre garantiu, ele foi realmente vítima de um golpe, mas um golpe conduzido pelos seus próprios companheiros de partido e aliados políticos.

O deputado José Genoíno era o presidente do PT e assinou os contratos que serviram de fachada para justificar o dinheiro do mensalão. O deputado João Paulo Cunha era presidente da Câmara e foi o responsável por introduzir Marcos Valério nas hostes petistas. Os dois estão entre os quarenta réus do processo que corre no Supremo Tribunal Federal, acusados de corrupção ativa e passiva, peculato, lavagem de dinheiro, crimes contra o sistema financeiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. Mas, no mundo de Lula, são vítimas de uma conspiração dos tucanos. Assim, tocam sua vida e hoje são deputados influentes da base governista e na campanha de Dilma Rousseff. Perderam o status, mas não o poder. Agindo nos bastidores, João Paulo e Genoíno continuam no centro das principais articulações que envolvem o governo e a sucessão presidencial.
A dupla também tem planos de resgate da própria biografia. Genoíno, que disse ter assinado sem ler o contrato do mensalão, trabalha para ser o líder da bancada do PT em 2010. João Paulo, que mandava a própria esposa entrar na fila da agência do banco do mensalão e ainda disse que ela ia lá para pagar a conta da TV por assinatura, quer voltar à presidência da Casa em 2011. Ambos já foram tratados como injustiçados pelo presidente. Em sua tentativa de escrever a história ao seu modo, Lula desmente até a pessoa em quem mais confia – Gilberto Carvalho, seu chefe de gabinete. Em entrevista a VEJA, em 2008, Gilberto revelou como Lula foi aconselhado a abrir mão da reeleição em troca da manutenção de seu mandato. Lula disse que jamais recebeu tal proposta.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Estatuto da Igualdade Racial

SENADO FEDERAL
Estatuto da Igualdade Racial
Estatuto da Igualdade Racial: Inclusão da Nação Negra

A igualdade racial tem sido, há muito tempo, a razão de nossa caminhada, de nossa vida. Por isso, buscamos proposições e saídas para assuntos por demais importantes dentro da proposta
de vida que buscamos para o povo brasileiro. Como sabemos a luta do povo negro no Brasil teve início no século XVI, quando eram capturados em suas terras na África, e, tal como animais, eram escravizados e trazidos para cá nos navios negreiros. Os negros - a não ser com raríssimas
exceções-, não tinham e não têm vez nem voz.


Nossa referência mais pontual nessa batalha - que atravessa os séculos -, é o grande líder Zumbi dos Palmares que, a partir de 1670, passou a comandar a luta pela liberdade e cidadania do povo negro no Brasil. Bandeira que continua tremulando até os dias de hoje. Recentemente comemoramos os 118 anos da assinatura da Lei Áurea. Dos debates até a sanção dessa Lei, lá estavam os ideais de Zumbi, os ideais da liberdade.


Foram eles que impulsionaram as vidas de abolicionistas como Joaquim Nabuco, Castro Alves,
Rui Barbosa, José do Patrocínio, André Rebouças, Luís Gama, Antônio Bento e de tantos outros, anônimos ou não, brancos e negros, homens e mulheres. Pessoas que se levantaram contra o pensamento escravocrata e racista. Raiz do pensamento que infelizmente ultrapassou os séculos
e resiste até hoje. Os abolicionistas queriam mostrar à sociedade da época que os negros eram simplesmente seres humanos e a cor da pele era a única diferença. Queriam mudar a forma de pensar e agir das pessoas, queriam justiça.


Devemos nos lembrar que, em 1845, por ver que o Brasil não cumpria acordos, a Inglaterra decreta o “Bill Aberdeen” - que dava a esse país o direito de aprisionar navios negreiros, inclusive
se estivessem em águas brasileiras, e o permitia julgar os seus comandantes. E que, apesar disso os escravocratas não recuaram. Ao contrário, o tráfico e os valores dos escravos aumentaram.


Foram 17 anos de lutas e perseguições entre a Lei do Ventre Livre e a Abolição. Os escravocratas queriam manter o “status quo”. Enfim, a luta dos abolicionistas é vitoriosa e em 13
de maio de 1888 a Lei Áurea foi assinada pela Princesa Isabel: os negros estavam libertos. É
bom lembrar que o Brasil foi o último país a acabar com a escravidão.


Com a assinatura da Lei Áurea os negros alcançaram a liberdade, mas não obtiveram direitos. Não foi dado aos negros o direito à terra, à educação e nem sequer ao trabalho remunerado. Com a abolição, as oligarquias da época se sentiram ameaçadas, afinal, o país já era de maioria negra. Porém, uma maioria que compunha as classes mais baixas. Assim, a arma encontrada pelos escravocratas foi fortalecer o racismo.

De dominados os negros passaram a excluídos. Situação que permanece até os dias de hoje.


Devemos lembrar o 13 de maio de 1888 como uma data importante. A batalha dos abolicionistas não foi em vão. A partir da liberdade, pequenas conquistas foram avançando lentamente, passo a passo. Hoje já ultrapassamos mais de um século da Lei Áurea, contudo, infelizmente a batalha entre os que defendem os princípios abolicionistas e os escravocratas perdura.


Foi por defender o princípio da igualdade que, em 1951, tivemos a aprovação da Lei Afonso Arinos e em 1988, a Constituição declara em seu artigo 5º, inciso XLII, que “a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”. Em
1989 tivemos a Lei Caó que regulamenta o princípio constitucional para combater o racismo. Em
1997, aprovamos, por unanimidade, a Lei 9.459, de minha autoria, que, entre outras coisas, define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, condena o nazismo e considera a injúria também crime inafiançável.


Também foi por essa premissa que aprovamos no Senado Federal, Projeto de Lei nº 309/2004,
de nossa autoria, que define os crimes resultantes de discriminação e preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. Matéria que cria um tipo genérico de crime racial, descrevendo mais detalhadamente o aspecto objetivo da ação discriminatória por acréscimo de outros verbos típicos, quais sejam, “negar”, “impedir”, “interromper”, “constranger”, “restringir”, “dificultar” o exercício de direitos por parte da pessoa discriminada.


Todos sabemos que a cor não determina a capacidade de um ser humano, ela é apenas uma diferença, assim como o tamanho dos pés, a como a cor dos olhos, como a altura, como a forma
dos cabelos.


Temos orgulho de sermos o que somos, mas é vergonhoso vivermos em um mundo onde os negros são tratados como seres inferiores. Lamentamos pelo atraso e pelas marcas que esse tratamento, sinônimo de desumanidade, registram na história da nossa Nação.


A fim de eliminarmos o racismo, o preconceito e as discriminações, muito tem sido feito, mas ainda há muito a se fazer. Atualmente estamos articulando a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial na Câmara dos Deputados. A resistência faz com que recordemos as dificuldades dos abolicionistas do passado. É bom registrar que a matéria foi aprovada, em 2005, no Senado, por unanimidade, sob as relatorias dos senadores César Borges, Roseana Sarney e Rodolpho Tourinho.


O projeto do Estatuto reúne um conjunto de ações e medidas especiais que, se adotadas pelo Governo Federal, irão garantir direitos fundamentais à população afro-brasileira, assegurando entre outros direitos, por exemplo:

- o acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde (SUS) para promoção, proteção e recuperação da saúde dessa parcela da população;


- serão respeitadas atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer, adequadas aos interesses e condições dos afro-brasileiros;


- os direitos fundamentais das mulheres negras estão contemplados em um capítulo.


- será reconhecido o direito à liberdade de consciência e de crença dos afro- brasileiros e da dignidade dos cultos e religiões de matriz africana praticadas no Brasil;


- o sistema de cotas buscará corrigir as inaceitáveis desigualdades raciais que marcam a realidade brasileira;


- os remanescentes de quilombos, segundo dispositivos de lei, terão direito à propriedade definitiva das terras que ocupavam;


- a herança cultural e a participação dos afro-brasileiros na história do país será garantida pela produção veiculada pelos órgãos de comunicação;


- a disciplina “História Geral da África e do Negro no Brasil”, integrará obrigatoriamente o currículo do ensino fundamental e médio, público e privado. Será o conhecimento da verdadeira história do povo negro, das raízes da nossa gente;


- a instituição de Ouvidorias garantirá às vítimas de discriminação racial o direto de serem ouvidas;


- para assegurar o cumprimento de seus direitos, serão implementadas políticas voltadas para a inclusão de afro-brasileiros no mercado de trabalho;


- a criação do Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial promoverá a igualdade de oportunidades e a inclusão social dos afro-brasileiros em diversas áreas, assim como a concessão de bolsas de estudo a afro-brasileiros para a educação fundamental, média, técnica e superior.


Importante: O Fundo Nacional de Promoção da Igualdade Racial da forma como estava contemplado no estatuto só poderia ser autorisativo, caso contrário, seria inconstitucional. Devido
a isso, apresentamos a PEC 2/2006 que especifica a origem e o percentual dos recursos a serem
destinados para o Fundo; determina que o mesmo terá conselho consultivo e de acompanhamento, formado por representantes do poder público e da sociedade civil; versa sobre a distribuição de seus recursos, sua fiscalização e controle, bem como do conselho.

O Brasil tornou-se uma das maiores economias mundiais por meio do trabalho de brancos, índios
e negros. Por isso, nós negros queremos ver nossa história reconhecida, registrada e respeitada! Queremos políticas públicas e privadas que abram espaços para a nossa gente tão sofrida.


Revolta-nos ver que nossos jovens, ainda hoje, figuram nas listas dos assassinados, dos marginalizados. São maioria nas prisões, entre os desempregados e entre aqueles que dependem do salário mínimo.


No ano passado, institutos de pesquisas vinculados ao governo federal mostraram que os negros são os mais pobres, os menos escolarizados, são os que recebem os menores salários quando empregados e constituem a maioria esmagadora dos trabalhadores lançados na informalidade e
no desemprego.


Dados do IPEA nos mostram que os diferenciais de pobreza entre negros e brancos não diminuíram. A proporção de negros abaixo da linha de pobreza é de 50%, enquanto a de brancos
fica em 25%. Isso desde 1995.


O diferencial entre os indigentes - que são os mais pobres entre os pobres-, é ainda mais desfavorável aos negros. Se somos maioria entre os pobres (65%), essa maioria se amplia entre
os indigentes (70%). A proporção de negros abaixo da linha de indigência no total da população
negra no Brasil também vem mantendo a mesma tendência desde 1995: em torno de 25%, muito superior à proporção de brancos, que fica em aproximadamente 10%.


Os mesmos indicadores mostram que houve melhoras em relação à expectativa de vida, mas a desigualdade entre os índices para negros e brancos persiste. Por exemplo, uma pessoa negra, nascida em 2000 viverá, em média, 5,3 anos menos que uma branca.


Em novembro do ano passado, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio- Econômicos (Dieese) mostrou que, em todas as regiões do país, o salário pago aos afro- brasileiros é menor em relação aos trabalhadores brancos.


Em março de 2005 o IBGE nos dizia o mesmo em sua pesquisa mensal de emprego. Segundo a cor, em seis regiões metropolitanas, a pesquisa do IBGE indicou que as informações sobre os rendimentos do trabalho mostravam que os negros e os pardos recebiam por hora trabalhada menos que os brancos.


Para dar fim a esses indicadores e aos pensamentos discriminatórios, foi que, em conjunto com o Movimento Negro, pensamos o Estatuto. Queremos conquistar os espaços que nos foram negados.


O Estatuto é um conjunto de ações afirmativas, reparatórias e compensatórias. Sabemos que esses tipos de ações devem emergir de todos e de cada um. Devem partir do Governo, do

Legislativo, da sociedade como um todo e do ser humano que habita em cada um de nós. Felizmente isso vem acontecendo. Talvez pudessem ser mais numerosas, mas temos presenciado ações afirmativas. São frentes de luta contra o racismo na educação, no mercado de trabalho, nos meios de comunicação e em diversas outras áreas.


A consciência humana já não aceita mais imprimir às desigualdades raciais um tom superficial. Aprofundar o debate interno dentro de nós mesmos é um passo importante demais, é a consciência de cada um que se expande para o coletivo. E quando isso é compartilhado, a sociedade também aprofunda o debate e o resultado é o bem do coletivo.


Como legisladores consideramos as leis instrumentos importantíssimos nessa guerra contra a hipocrisia, contra preconceitos enraizados, contra a imposição da violência e de sofrimentos, enfim, contra discriminações pelo que quer que seja.


Por isso, aos que nos questionam por que somos autores do Estatuto, respondemos: para, de uma vez por todas, coibir práticas racistas; fazer justiça para com os injustiçados; melhorar a vida
dos negros. Foi para isso que o Estatuto da Igualdade Racial foi pensado e construído.


Sabíamos que ao defender essa bandeira, muitos seriam contrários. Afinal, como dissemos, o preconceito está arraigado em nossa sociedade. Os argumentos dos conservadores de hoje são
os mesmos dos escravocratas da época da Abolição: eles consideram um erro o Brasil adotar
ações reparatórias, compensatórias e afirmativas que beneficiem o povo negro.


Discordamos dessa argumentação. Para nós o que alimenta o conflito entre brancos e negros é manter o “status quo”, tal como queriam os escravocratas. Tal como querem os conservadores. Aqueles que pregam contra o Estatuto se dizem livres de preconceitos.


Não acreditamos nisso. Se fosse assim, eles caminhariam conosco, contribuindo para que os negros não vivessem na miséria, conforme mostram os indicadores do IBGE. Se fossem, realmente, livres de conceitos pré-estabelecidos, livres do racismo, teríamos um número maior de negros junto às instâncias de poder, com visibilidade, tanto na área pública , como na iniciativa privada.


Queremos que o Brasil avance. Tal como aconteceu nos Estados Unidos. Lá em 1964, depois de muitas batalhas lideradas por Martin Luther King, a Suprema Corte reconheceu os Direitos Civis dos Negros Norte-Americanos. Em seguida o Congresso referendou. O Brasil está, no mínimo,
meio século atrás dos Estados Unidos em matéria de cidadania para o povo negro.


O importante é termos consciência de que não estamos sós nesta luta. Poderíamos citar as duas marchas sobre Brasília acontecidas no ano passado. Ambas, exigindo os direitos e a cidadania plena ao povo negro.

A batalha não é fácil, sabemos disso. Mas, temos certeza de que um dia a História lembrará desta década como nós recordamos hoje a época de Zumbi dos Palmares e o episódio que marcou a assinatura da Lei Áurea. No futuro, quando já não estivermos mais aqui, certamente gerações comentarão que no início do século XXI o Brasil travou uma grande batalha entre os que queriam assegurar os direitos civis para os negros e os que eram contra.


Queremos reafirmar que a adoção de políticas afirmativas é fundamental para reparar os prejuízos causados por séculos de escravidão. Pedimos a Deus que os dias gloriosos pelos quais tanto sonhamos e lutamos cheguem logo. Dias em que os seres humanos serão respeitados em suas diferenças e onde a plena cidadania seja assegurada a todos.


Vida longa às idéias de Zumbi dos Palmares e de todos aqueles que tombaram, mas que perpetuaram seus ideais em defesa dos negros, dos brancos, dos índios, das mulheres, das crianças, dos homossexuais, dos idosos e de todos os que são discriminados. Que a força de todos esses grandes guerreiros seja nossa inspiração, nossa fonte de energia para os dias de
luta que ainda vamos enfrentar.


Essa luta é pelo bem de todos, não contra alguém. Acreditamos que a essência de cada um aponta para o fim da discriminação, para o fim de tudo aquilo que fere mortalmente a grandeza
de espírito para a qual fomos criados.


Ao longo da História deste país o nome dos escravocratas desapareceram. Já os nomes dos libertadores estão em todos os versos, nas poesias, nos livros, estão marcados na mente de todas as gerações. Aos escravocratas de ontem e aos conservadores de hoje, deixamos o silêncio da vida e o anonimato da História.


Precisamos saber se queremos que as gerações futuras se lembrem de nós como conservadores
ou libertadores. E quando falamos em futuro, estamos falando de nossos filhos, de nossos netos,
de nossa gente querida.


Às vezes somos criticados por defendermos os negros, os índios, os idosos – aposentados ou não, as crianças, as mulheres, a livre opção sexual, os sem-teto, os sem-terra, os desempregados, os assalariados, os marginalizados, enfim, aqueles discriminados, sejam brancos, negros, índios ou qualquer outra etnia. Que nos critiquem, pois essa é a crítica da hipocrisia. Crítica daqueles que não querem que a raça humana seja, efetivamente, só uma.Onde todos tenham lugar ao sol, abrigados pela sombra da mãe natureza. Vida longa aos senhores e senhoras, lutadores da liberdade e da igualdade.


Axé para todos! Que Deus guie nossos passos e proteja nossas ações.

Senador Paulo Paim PT/RS

PROJETO DE LEI DO SENADO Nº 213, DE 2003 (SUBSTITUTIVO)



TÍTULO I
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES

Art. 1º Esta lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, para combater a discriminação racial e as desigualdades estruturais e de gênero que atingem os afro-brasileiros, incluindo a dimensão racial nas políticas públicas e outras ações desenvolvidas pelo Estado.

Art. 2º Para os fins deste Estatuto considera-se:

I – discriminação racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada.

II – desigualdade racial: as situações de diferenciação de acesso e gozo de bens, serviços e oportunidades, na esfera pública e privada;

III – afro-brasileiros: as pessoas que se classificam como tais ou como negros, pretos, pardos ou por definição análoga.

IV – políticas públicas: as ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento
de suas atribuições institucionais.

V – ações afirmativas: as políticas públicas adotadas pelo Estado para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.

Art. 3º É dever do Estado e da sociedade garantir a igualdade de oportunidades, reconhecendo a todo cidadão brasileiro, independentemente da etnia, raça ou cor da pele, o direito à participação
na comunidade, especialmente nas atividades política, econômica, empresarial, educacional, cultural e esportiva, defendendo sua dignidade e seus valores religiosos e culturais.

Art. 4º Além das normas constitucionais relativas aos princípios fundamentais, aos direitos e garantias fundamentais, aos direitos sociais, econômicos e culturais, o Estatuto da Igualdade Racial adota como diretriz político-jurídica a reparação, compensação e inclusão das vítimas da desigualdade e a valorização da igualdade racial.

Art. 5º A participação dos afro-brasileiros, em condições de igualdade de oportunidades, na vida econômica, social, política e cultural do País será promovida, prioritariamente, por meio de:

I – inclusão da dimensão racial nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social;

II – adoção de ações afirmativas voltadas para o combate à discriminação e às desigualdades raciais;

III – adequação das estruturas institucionais do Estado para o enfrentamento e a superação das desigualdades raciais decorrentes do preconceito e da discriminação racial;

IV – promoção de iniciativa legislativa para aperfeiçoar o combate à discriminação racial e às desigualdades raciais em todas as suas manifestações individuais, institucionais e estruturais;

V – eliminação dos obstáculos históricos, socioculturais e institucionais que impedem a representação da igualdade racial nas esferas pública e privada;

VI – estímulo, apoio e fortalecimento de iniciativas oriundas da sociedade civil direcionadas à promoção da igualdade de oportunidades e ao combate às desigualdades raciais, inclusive mediante a implementação de incentivos e critérios de condicionamento e prioridade no acesso aos recursos e contratos públicos;

VII – implementação de ações afirmativas destinadas ao enfrentamento das desigualdades raciais nas esferas da educação, cultura, esporte e lazer, saúde, trabalho, meios de comunicação
de massa, terras de quilombos, acesso à Justiça, financiamentos públicos, contratação pública
de serviços e obras, entre outras.

§ 1º Os programas de ação afirmativa constituir-se-ão em imediatas iniciativas reparatórias, destinadas a iniciar a correção das distorções e desigualdades raciais derivadas da escravidão e demais práticas discriminatórias racialmente adotadas, na esfera pública e na esfera privada, durante o processo de formação social do Brasil e poderão utilizar-se da estipulação de cotas para a consecução de seus objetivos.

§ 2º As iniciativas de que trata o caput deste artigo nortear-se-ão pelo respeito à proporcionalidade entre homens e mulheres afro-brasileiros, com vistas a garantir a plena participação da mulher afro-brasileira como beneficiária deste Estatuto.

Art. 6º Ficam os Poderes Executivos federal, estaduais, distrital e municipais autorizados a instituir, no âmbito de suas esferas de competência, Conselhos de Promoção da Igualdade Racial, de caráter permanente e deliberativo, compostos por igual número de representantes de órgãos e entidades públicas e de organizações da sociedade civil representativas da população afro-brasileira.

§ 1º A organização dos conselhos será feita por regimento próprio.

§ 2º Fica a União autorizada a priorizar o repasse dos recursos referentes aos programas e atividades previstos nesta Lei aos Estados, Distrito Federal e Municípios que tenham criado os Conselhos de Promoção da Igualdade Racial nos seus respectivos níveis.

Art. 7º Ficam os Conselhos de Promoção da Igualdade Racial autorizados a formular, coordenar, supervisionar e avaliar as políticas de combate à desigualdade e à discriminação racial.

Art. 8º O Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial fica autorizado a promover, em conjunto com os Ministros de Estado as articulações intraministeriais e interministeriais necessárias à implementação da política nacional de combate à desigualdade e à discriminação racial.

Art. 9º O Poder Executivo Federal garantirá a estrutura física, os recursos materiais e humanos e
a dotação orçamentária para o adequado funcionamento do Conselho Nacional de Promoção da
Igualdade Racial.

Art. 10. O relatório anual dos Ministros de Estado previsto no art. 87, parágrafo único, III, da Constituição Federal, conterá informações sobre as políticas públicas, programas e medidas de ação afirmativa efetivadas no âmbito de sua esfera de competência.



TÍTULO II
Dos Direitos Fundamentais

CAPÍTULO I
Do Direito à Saúde

Art. 11. O direito à saúde dos afro-brasileiros será garantido pelo Estado mediante políticas sociais e econômicas destinadas à redução do risco de doenças e outros agravos.

Parágrafo único. O acesso universal e igualitário ao Sistema Único de Saúde para promoção, proteção e recuperação da saúde da população afro-brasileira será proporcionado pelos governos federal, estaduais, distrital e municipais com ações e serviços em que sejam focalizadas as peculiaridades dessa parcela da população.

Art. 12. O quesito raça/cor, de acordo com a autoclassificação, e o quesito gênero serão obrigatoriamente introduzidos e coletados, em todos os documentos em uso no Sistema Único de Saúde, tais como:

I – cartões de identificação do SUS; II – prontuários médicos;
III – fichas de notificação de doenças;

IV – formulários de resultados de exames laboratoriais;

V – inquéritos epidemiológicos; VI – estudos multicêntricos;
VII – pesquisas básicas, aplicadas e operacionais;

VIII – qualquer outro instrumento que produza informação estatística.

Art. 13. O Ministério da Saúde fica autorizado a produzir, sistematicamente, estatísticas vitais e análises epidemiológicas da morbimortalidade por doenças geneticamente determinadas ou agravadas pelas condições de vida dos afro-brasileiros.

Art. 14. O Poder Executivo incentivará a pesquisa sobre doenças prevalentes na população afro- brasileira, bem como desenvolverá programas de educação e de saúde e campanhas públicas de esclarecimento que promovam a sua prevenção e adequado tratamento.

§ 1 º O Ministério da Saúde fica autorizado a definir, em regulamento, a s doenças prevalentes na população afro-brasileira e os programas mencionados no caput deste artigo.

§ 2º As doenças prevalentes na população afro-brasileira e os programas mencionados no caput
deste artigo integrarão os programas de cursos e treinamentos para a área de saúde.

§ 3 º Os órgãos federais de fomento à pesquisa e à pós-graduação ficam autorizados a criar, no prazo de doze meses, linhas de pesquisa e programas de estudo sobre a saúde da população afro-brasileira.

§ 4º O Ministério da Educação fica autorizado a promover, no âmbito do sistema federal de ensino, os estudos e as medidas administrativas necessárias à introdução, no prazo de quatro anos, de matérias relativas às especificidades da saúde da população afro-brasileira como temas transversais nos currículos dos cursos de saúde e incentivará, em igual prazo, a adoção de tais medidas dos demais sistemas de ensaios.

Art. 15. Os estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, que realizam partos, farão exames laboratoriais nos recém-nascidos para diagnóstico de hemoglobinopatias, em especial o traço falciforme e a anemia falciforme.

§ 1 º O Sistema Único de Saúde fica autorizado a incorporar o pagamento dos exames citados neste artigo em sua tabela de procedimentos.

§ 2 º Os gestores municipais ou estaduais do Sistema Único de Saúde ficam autorizados a organizar serviços de assistência e acompanhamento de pessoas portadoras de traços falciforme
e crianças com diagnósticos positivos da anemia falciforme mediante:

I – informação e aconselhamento genético para a comunidade, em especial para os casais que desejam ou esperam filhos;

II – acompanhamento clínico pré-natal e assistência aos partos das mulheres portadoras do traço falciforme, bem como aos neonatos;

III – medidas de prevenção de doenças nos portadores de traço falciforme, garantindo vacinação
e toda a medicação necessária;

IV – assistência integral e acompanhamento dos portadores de doença falciforme nas unidades
de atendimento ambulatorial especializado;

V – integração na comunidade dos portadores de doença falciforme, suspeitos ou comprovados,
a fim de promover, recuperar e manter condições de vida sadia aos portadores de hemoglobinopatias;

VI – realização de levantamento epidemiológico no território sob sua jurisdição, por meio de rastreamento neonatal, para avaliação da magnitude do problema e plano de ação com as respectivas soluções;

VII – consolidação e manutenção do cadastro de portadores do traço falciforme e hemoglobinopatias

§ 3 º Fica o gestor federal do Sistema Único de Saúde autorizado a propiciar, por meio de ações dos seus órgãos:

I – o incentivo à pesquisa, ao ensino e ao aprimoramento científico e terapêutico na área de hemoglobinopatias;

II – a instituição de estudos epidemiológicos para identificar a magnitude do quadro de portadores
de traço falciforme e de doença falciforme no território nacional;

III – a sistematização de procedimentos e a implementação de cooperação técnica com estados
e municípios para implantação de diagnósticos e assistência integral e multidisciplinar para os portadores de doença falciforme;

IV – a inclusão do exame para diagnóstico precoce da doença falciforme (eletroforese de hemoglobina) na legislação que regulamenta a aplicação do perfil neonatal Tandem em neonatos;

V – o estabelecimento de intercâmbio entre universidades, hospitais, centros de saúde, clínicas e associações de doentes de anemia falciforme visando ao desenvolvimento de pesquisas e instituição de programas de diagnóstico e assistência aos portadores de doenças falciformes;

VI – a garantia do fornecimento de medicamentos e insumos aos portadores de hemoglobinopatias;

VII – ações educativas em todos os níveis do sistema de saúde.

§ 4º O Poder Executivo regulamentará o disposto nos parágrafos deste artigo no prazo de cento
e oitenta dias a contar da publicação desta lei.

Art. 16. O Ministério da Saúde, em articulação com as secretarias estaduais, distrital e municipais
de saúde, fica autorizado a, no prazo de um ano, implantar o Programa de Agentes Comunitários
de Saúde e, em dois anos, o Programa de Saúde da Família, ou programas que lhes venham a suceder, em todas as comunidades de remanescentes de quilombos existentes no País.

Parágrafo único. Os moradores das comunidades de remanescentes de quilombos terão acesso preferencial aos processos seletivos para a constituição das equipes dos Programas referidos no caput.

Art. 17. O quesito raça/cor será obrigatoriamente introduzido e coletado, de acordo com a autoclassificação, em todos os documentos em uso nos sistemas de informação da Seguridade Social.

Art. 18. Dê-se ao art. 54 da Lei n o 6.015, de 31 de dezembro de 1973, a seguinte redação:

“ Art. 54. O assento de nascimento deverá conter:
..............................................................................

2) o sexo e a cor do registrando;
....................................................................” (NR)




CAPÍTULO II
Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao Lazer


Art. 19. A população afro-brasileira tem direito a participar de atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer, adequadas a seus interesses e condições, garantindo sua contribuição para o patrimônio cultural de sua comunidade e da sociedade brasileira.
§ 1 º Os governos federal, estaduais, distrital e municipais devem promover o acesso da população afro-brasileira ao ensino gratuito, às atividades esportivas e de lazer e apoiar a
iniciativa de entidades que mantenham espaço para promoção social dos afro-brasileiros.
§ 2 º Nas datas comemorativas de caráter cívico, as instituições de ensino convidarão representantes da população afro-brasileira para debater com os estudantes suas vivências relativas ao tema em comemoração.
§ 3º É facultado aos tradicionais mestres de capoeira, reconhecidos pública e formalmente pelo seu trabalho, atuar como instrutores desta arte-esporte nas instituições de ensino públicas e
privadas.
Art. 20. Para o perfeito cumprimento do disposto no art. 19 desta lei os governos federal, estaduais, distrital e municipais desenvolverão campanhas educativas, inclusive nas escolas, para que a solidariedade aos membros da população afro-brasileira faça parte da cultura de toda
a sociedade.
Art. 21. A disciplina “História Geral da África e do Negro no Brasil” integrará obrigatoriamente o currículo do ensino fundamental e médio, público e privado, cabendo aos estados, aos municípios e às instituições privadas de ensino a responsabilidade de qualificar os professores para o ensino da disciplina.
Parágrafo único. O Ministério da Educação fica autorizado a elaborar o programa para a disciplina, considerando os diversos níveis escolares, a fim de orientar a classe docente e as
escolas para as adaptações de currículo que se tornarem necessárias.

Art. 22 . Os órgãos federais e estaduais de fomento à pesquisa e à pós-graduação ficam autorizados a criar linhas de pesquisa e programas de estudo voltados para temas referentes às relações raciais e questões pertinentes à população afro-brasileira.
Art. 23. O Ministério da Educação fica autorizado a incentivar as instituições de ensino superior
públicas e privadas a:
I – apoiar grupos, núcleos e centros de pesquisa, nos diversos programas de pós-graduação, que desenvolvam temáticas de interesse da população afro-brasileira;
II – incorporar nas matrizes curriculares dos cursos de formação de professores temas que incluam valores respeitantes à pluralidade étnica e cultural da sociedade brasileira;
III – desenvolver programas de extensão universitária destinados a aproximar jovens afro-
brasileiros de tecnologias avançadas, assegurado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários;
IV – estabelecer programas de cooperação técnica com as escolas de educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e ensino técnico para a formação docente baseada em princípios de
eqüidade, de tolerância e de respeito às diferenças raciais.
Art. 24. O Ministério da Educação fica autorizado a incluir o quesito raça/cor, a ser preenchido de acordo com a autoclassificação, bem como o quesito gênero, em todo instrumento de coleta de dados do censo escolar, para todos os níveis de ensino.


CAPÍTULO III
Do Direito à Liberdade de Consciência e de Crença e ao Livre Exercício dos Cultos
Religiosos


Art. 25. O reconhecimento da liberdade de consciência e de crença dos afro-brasileiros e da dignidade dos cultos e religiões de matrizes africanas praticados no Brasil deve orientar a ação
do Estado em defesa da liberdade de escolha e de manifestação de filiação religiosa, individual e
coletiva, em público ou em ambiente privado.
Art. 26. O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício das religiões afro- brasileiras compreende:
I – as práticas litúrgicas e as celebrações comunitárias bem como a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de espaços reservados para tais fins;
II – a celebração de festividades e cerimônias de acordo com os preceitos de religiões afro- brasileiras;
III – a fundação e a manutenção, por iniciativa privada, de instituições beneficentes ligadas às religiões afro-brasileiras;
IV – a produção, a aquisição e o uso de artigos e materiais religiosos adequados aos costumes e
às práticas litúrgicas das religiões de matrizes africanas;
V – a produção e a divulgação de publicações relacionadas com o exercício e a difusão das diversas espiritualidades afro-brasileiras;
VI – a coleta de contribuições financeiras de pessoas naturais e jurídicas de natureza privada para a manutenção das atividades religiosas e sociais das religiões afro-brasileiras.

VII – o acesso aos órgãos e meios de comunicação para divulgação das respectivas religiões e denúncia de atitudes e práticas de intolerância religiosa contra estes cultos.
Art. 27. É facultado aos praticantes das religiões de matrizes africanas e afro-indígenas ausentar-
se do trabalho para a realização de obrigações litúrgicas próprias de suas religiões, podendo tais ausências ser compensadas posteriormente.
Art. 28. É assegurada a assistência religiosa aos pacientes que são praticantes de religiões de matrizes africanas internados em hospitais.
Art. 29. O Estado adotará as medidas necessárias para o combate à intolerância com as religiões de matrizes africanas e à discriminação de seus seguidores, especialmente com o
objetivo de:
I – coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens
ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas;
II – inventariar, restaurar e proteger os documentos, obras e outros bens de valor artístico e cultural, os monumentos, mananciais, flora e sítios arqueológicos vinculados às religiões de
matrizes africanas;
III – assegurar a participação proporcional de representantes das religiões de matrizes africanas,
ao lado da representação das demais religiões, em comissões, conselhos e órgãos, bem como
em eventos e promoções de caráter religioso.
Art. 30. O Poder Público incentivará e apoiará ações sócio-educacionais realizadas por entidades afro-brasileiras que desenvolvem atividades voltadas para a inclusão social, mediante cooperação técnica, intercâmbios e convênios, entre outros mecanismos.


CAPÍTULO IV
Do Financiamento das Iniciativas de Promoção da Igualdade Racial


Art. 31. Os planos plurianuais e os orçamentos anuais da União poderão prever recursos para a implementação dos programas de ação afirmativa a que se refere o inciso VII do art. 5º desta Lei
e de outras políticas públicas que tenham como objetivo promover a igualdade de oportunidades
e a inclusão social da população afro-brasileira, especialmente nas seguintes áreas:
I – promoção da igualdade de oportunidades em educação e emprego;
II – financiamento de pesquisas nas áreas de educação, saúde e emprego, voltadas para a melhoria da qualidade de vida das comunidades, em especial das comunidades afro-brasileiras;
III – incentivo à criação de programas e veículos de comunicação, destinados à divulgação de matérias relacionadas aos interesses da população afro-brasileira;
IV – incentivo à criação e manutenção de microempresas administradas por afro-brasileiros;
V – iniciativas que incrementem o acesso e a permanência dos afro-brasileiros na educação fundamental, média, técnica e superior;
VI – apoio a programas e projetos dos governos estaduais, distrital e municipais e de entidades
da sociedade civil voltados para a promoção da igualdade de oportunidades para a população afro-brasileira;
VII – apoio a iniciativas em defesa da cultura, memória e tradições africanas e afro-brasileiras.

§ 1º O Poder Executivo fica autorizado a adotar medidas que garantam, em cada exercício, a transparência na alocação e execução dos recursos necessários ao financiamento das ações previstas neste Estatuto, explicitando, entre outros, a proporção dos recursos orçamentários destinados aos programas de promoção da igualdade racial, especialmente nas áreas de educação, saúde, emprego e renda, desenvolvimento agrário, habitação popular, desenvolvimento regional, cultura, esporte e lazer.
§ 2º Durante os cinco primeiros anos a contar do exercício subseqüente à publicação deste Estatuto, os órgãos do Poder Executivo Federal que desenvolvem políticas e programas nas áreas referidas no § 1º ficam autorizados a garantir em seus orçamentos anuais a participação crescente dos programas de ação afirmativa referidos no inciso VII do art. 4º.
§ 3º O Poder Executivo Federal fica autorizado a adotar as medidas necessárias para a adequada implementação do disposto neste artigo, estabelecendo, inclusive, o patamar a partir
do qual cada órgão deverá garantir a participação crescente dos programas de ação afirmativa nos orçamentos anuais a que se refere o § 2º.
Art. 32. Sem prejuízo da destinação de recursos ordinários, poderão ser consignados nos
orçamentos fiscal e da seguridade social para financiamento das ações de que trata o art. 31:
I – transferências voluntárias dos estados, do Distrito Federal e dos municípios;
II – doações voluntárias de particulares;
III – doações de empresas privadas e organizações não-governamentais, nacionais ou internacionais;
IV – doações voluntárias de fundos nacionais ou internacionais;
V – doações de Estados estrangeiros, por meio de convênios, tratados e acordos internacionais. Art. 33. O Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial poderá pronunciar-se, mediante parecer, sobre a programação das ações referidas no art. 31 nas propostas orçamentárias da
União.
Art. 34. Entre os beneficiários das iniciativas de promoção da igualdade racial terão prioridade os que sejam identificados como pretos, negros ou pardos no registro de nascimento e que, de acordo com os critérios que presidem a formulação do Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, se situem abaixo da linha de pobreza.



CAPÍTULO V
Dos Direitos da Mulher Afro-Brasileira


Art. 35. O Poder Público garantirá a plena participação da mulher afro-brasileira como beneficiária deste Estatuto da Igualdade Racial e em particular lhe assegurará:
I – a promoção de pesquisas que tracem o perfil epidemiológico da mulher afro-brasileira a fim de
tornar mais eficazes as ações preventivas e curativas;
II – o atendimento em postos de saúde em áreas rurais e quilombolas dotados de aparelhagem para a prevenção do câncer ginecológico e de mama;
III – a atenção às mulheres em situação de violência, garantida a assistência física, psíquica, social e jurídica;

IV – a instituição de política de prevenção e combate ao tráfico de mulheres afro-brasileiras e aos crimes sexuais associados à atividade do turismo;
V – o acesso ao crédito para a pequena produção, nos meios rural e urbano, com ações afirmativas para mulheres afro-brasileiras e indígenas;
VI – a promoção de campanhas de sensibilização contra a marginalização da mulher afro- brasileira no trabalho artístico e cultural.
Art. 36. A Carteira Nacional de Saúde, instituída pela Lei nº 10.516, de 11 de julho de 2002, será emitida pelos hospitais, ambulatórios, centros e postos de saúde da rede pública e deverá possibilitar o registro das principais atividades previstas no Programa de Assistência Integral à
Saúde da Mulher, especialmente as diretamente relacionadas à saúde da mulher afro-brasileira,
conforme regulamento.
Art. 37. O § 3º do art. 1º da Lei nº 10.516, de 11 de julho de 2002, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art.1º...........................................................................
.......................................................................................

§ 3º Será dada especial relevância à prevenção e controle do câncer ginecológico e de mama e às doenças prevalentes na população feminina afro-brasileira.

Art. 38. O § 1º do art. 1º da Lei nº 10.778, de 24 de novembro de 2003, passa a vigorar com a seguinte redação:
Art.1º.......................................................................
.................................................................................

§ 1º Para os efeitos desta lei, entende-se por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, inclusive decorrente de discriminação ou desigualdade racial, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.
CAPÍTULO VI
Do Direito dos Remanescentes das Comunidades dosQuilombos às suas Terras


Art. 39. O direito à propriedade definitiva das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, assegurado pelo art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, se exerce de acordo com o disposto nesta Lei.
§ 1 o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins desta lei, os
grupos étnico-raciais, segundo critérios de autodefinição, com trajetória histórica própria, dotados
de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.
§ 2 o Consideram-se terras ocupadas por remanescentes das comunidades de quilombos toda a terra utilizada para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, bem como
as áreas detentoras de recursos ambientais necessários à subsistência da comunidade, à

preservação dos seus costumes, tradições, cultura e lazer, englobando os espaços de moradia e, inclusive, os espaços destinados aos cultos religiosos e os sítios que contenham reminiscências históricas dos antigos quilombos.
§ 3 o Para a medição e demarcação das terras, serão levados em consideração critérios de
territorialidade indicados pelos remanescentes das comunidades dos quilombos sendo facultado
à comunidade interessada apresentar as peças técnicas para a instrução procedimental.
Art. 40. Os procedimentos administrativos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação, desintrusão, titulação e registro da propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos serão procedidos de acordo com o estabelecido nesta lei, devendo os órgãos competentes priorizar as comunidades dos quilombos expostas a situações de conflito e sujeitas a perderem a posse de suas terras.
Parágrafo único . O processo administrativo terá inicio por requerimento de qualquer interessado, das entidades ou associações representativas de quilombolas ou de ofício pelo INCRA, sendo entendido como simples manifestação da vontade da parte, apresentada por escrito ou reduzida
a termo por representante do INCRA, quando o pedido for verbal.
Art. 41. O Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização
e Reforma Agrária – INCRA, fica autorizado a proceder à identificação, ao reconhecimento, à delimitação, à demarcação, à desintrusão, à titulação e ao registro das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como a desapropriação por interesse social para fins étnicos.
§ 1 ° Fica assegurado aos remanescentes das comunidades dos quilombos participar
diretamente e indicar representantes e assistentes técnicos para acompanhar todas as fases do procedimento administrativo, podendo o INCRA solicitar a participação de profissionais de notório conhecimento sobre o tema para subsidiar os procedimentos administrativos de identificação e reconhecimento.
§ 2º A identificação dos limites dos territórios das comunidades remanescentes de quilombos, a
que se refere o artigo 39, § 2º, será feita a partir de indicações da própria comunidade, bem como
a partir de estudos técnicos e científicos, e consistirá na caracterização espacial, econômica e sócio-cultural do território ocupado pela comunidade, mediante Relatório Técnico de Identificação
e Delimitação, com elaboração a cargo do INCRA.
§ 3º Um resumo do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, acompanhado de memorial descritivo e mapa da área estudada, será publicado no Diário Oficial da União, no Diário Oficial
da unidade federativa e será afixado na sede da prefeitura municipal onde está situado o imóvel.
§ 4º Os interessados terão o prazo de trinta dias, após a publicação, para apresentarem contestações ao Relatório Técnico de Identificação e Delimitação junto ao INCRA, que as fica autorizado a julgá-las e encaminhá-las para decisão final do presidente do INCRA num prazo de sessenta dias.
Art. 42. Fica autorizada a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial da Presidência
da República, a assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de regularização fundiária, para garantir os direitos étnicos e territoriais dos

remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos de sua competência legalmente fixada.
Art. 43. Fica autorizado o Ministério da Cultura, por meio da Fundação Cultural Palmares, a assistir e acompanhar o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o INCRA nas ações de
regularização fundiária, para garantir a preservação da identidade cultural dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como para subsidiar os trabalhos técnicos quando houver contestação ao procedimento de identificação e reconhecimento previsto nesta Lei.
Art. 44. Incidindo os territórios reconhecidos e declarados sobre unidades de conservação constituídas, áreas de segurança nacional e áreas de faixa de fronteira, fica autorizado o INCRA
a adotar as medidas cabíveis visando garantir a sustentabilidade dessas comunidades, ouvidos,
conforme o caso, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente – IBAMA, ou a Secretaria-Executiva do
Conselho de Defesa Nacional.
Art. 45. Incidindo os territórios reconhecidos e declarados sobre terrenos de marinha, marginais
de rios e ilhas, fica autorizado o INCRA a encaminhar o processo à SPU, para a emissão de título
em benefício das comunidades quilombolas.
Art. 46. Constatada a incidência nos territórios reconhecidos e declarados de posse particular sobre áreas de domínio da União, fica autorizado o INCRA a adotar as medidas cabíveis visando
à retomada da área.
Art. 47. Incidindo os territórios reconhecidos e declarados sobre terras de propriedade dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, fica autorizado o INCRA a encaminhar os autos para os órgãos responsáveis pela titulação no âmbito de tais entes federados.
Art. 48. Incidindo nos territórios reconhecidos e declarados imóvel com título de domínio particular não invalidado por nulidade, prescrição ou comisso, e nem tornado ineficaz por outros fundamentos, fica autorizado o INCRA a adotar as medidas cabíveis visando a obtenção dos imóveis, mediante a instauração do procedimento de desapropriação previsto no artigo 184 da Constituição Federal.
§ 1º Sendo o imóvel insusceptível à desapropriação prevista no caput , a obtenção dar-se-á com base no procedimento desapropriatório previsto no artigo 216, § 1º, da Constituição Federal, ou, ainda, mediante compra e venda, na forma da legislação pertinente.
§ 2º Desde o início do procedimento, o INCRA fica autorizado a ingressar no imóvel de propriedade particular, mediante comunicação prévia para efeitos de estudos e notificação para
efeitos do prazo previsto no § 4º do art. 32.
Art. 49. Verificada a presença de ocupantes não quilombolas nas terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, fica autorizado o INCRA a providenciar o reassentamento, em outras áreas, das famílias de agricultores que preencherem os requisitos da legislação agrária e
a indenização das benfeitorias de boa-fé, quando couber.
Art. 50. Em todas as fases do procedimento administrativo, o INCRA fica autorizado a garantir a defesa dos interesses dos remanescentes das comunidades dos quilombos nas questões surgidas em decorrência da titulação das suas terras.
Art. 51. Concluída a demarcação, o INCRA fica autorizado a realizar a titulação mediante outorga
de título coletivo e pró-indiviso às comunidades, em nome de suas associações legalmente constituídas, sem qualquer ônus financeiro, com obrigatória inserção de cláusula de

inalienabilidade, imprescritibilidade e de impenhorabilidade, devidamente registrado no Serviço
Registral da Comarca de localização das áreas.
§ 1º Os cartórios de Registros de Imóveis ficam obrigados a proceder o registro dos títulos emitidos pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em favor dos remanescentes das comunidades dos quilombos, nos termos do art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal.
§ 2º Estão isentos do pagamento de taxas e emolumentos cartorários de notas e registro, os títulos a que se refere o caput deste artigo.
Art. 52. Após a expedição do título de reconhecimento de domínio, a FCP e as instituições essenciais à função jurisdicional do Estado ficam autorizadas a garantir, em todos os graus, aos
remanescentes das comunidades dos quilombos, a defesa da posse contra esbulhos e turbações, a proteção da integridade territorial da área delimitada e a sua utilização por terceiros, podendo firmar convênios com outras entidades ou órgãos que prestem esta assistência.
Art. 53. Os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos, encontrados por ocasião do procedimento de identificação, devem ser comunicados
ao IPHAN.
Parágrafo único. A FCP fica autorizada a instruir o processo para fins de inventário, registro ou tombamento e zelar pelo acautelamento e preservação do patrimônio cultural brasileiro.
Art. 54. Para cumprimento do disposto no art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, da Constituição Federal e da presente lei, o governo federal elaborará e desenvolverá políticas públicas especiais voltadas para o desenvolvimento etnosustentável dos remanescentes das comunidades dos quilombos.
Art. 55. Para os fins de política agrícola e agrária, os remanescentes das comunidades dos quilombos receberão dos órgãos competentes tratamento especial diferenciado, assistência técnica e linhas especiais de financiamento, destinados à realização de suas atividades
produtivas e de infra-estrutura.
Art. 56. As disposições contidas neste Capítulo, incidem sobre os procedimentos administrativos
de titulação em andamento, em qualquer fase em que se encontrem.
Art. 57. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que ocuparem áreas urbanas, aplicar-se-ão, no que couber, os dispositivos desta lei.
Art. 58. O art. 3º, da Lei nº 9.393, de 19 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do
seguinte inciso:

Art.3º..........................................................................................
......................................................................................................

“III – as terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos,
de que trata o art. 68, do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, da Constituição Federal:

a) quando ocupadas ou tituladas;

b) quando exploradas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, observados seus usos, costumes e tradições.” (NR)

Art. 59. O art. 2º da Lei nº 4.132, de 10 de setembro de 1962, passa a vigorar acrescido do seguinte inciso:
Art.2º...........................................................................................
......................................................................................................

“IX – as terras de caráter étnico, reconhecidas aos remanescentes das comunidades dos quilombos para fins de titulação de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal.”

Art. 60. Os remanescentes das comunidades dos quilombos poderão se beneficiar das iniciativas previstas nesta Lei para a promoção da igualdade racial.


CAPÍTULO VII
Do Mercado de Trabalho


Art. 61. A implementação de políticas voltadas para a inclusão de afro-brasileiros no mercado de trabalho será de responsabilidade dos governos federal, estaduais, distrital e municipais, observando-se:
I – o instituído neste Estatuto;
II – os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção das Nações Unidas para a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, de 1968;
III – os compromissos assumidos pelo Brasil ao ratificar a Convenção n º 111, de 1958, da
Organização Internacional do Trabalho, que trata da Discriminação no Emprego e na Profissão;
IV – a Declaração e o Plano de Ação emanados da III Conferência Mundial contra o Racismo, a
Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas.
Art. 62. Os governos federal, estaduais, distrital e municipais ficam autorizadas a promover ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho para os afro- brasileiros, e a realizar contratação preferencial de afro-brasileiros no setor público e a estimular
a adoção de medidas similares pelas empresas privadas.
§ 1° A igualdade de oportunidades será lograda mediante a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para os afro-brasileiros.
§ 2° A contratação preferencial na esfera da administração pública far-se-á por meio de normas
já estabelecidas ou a serem estabelecidas por atos administrativos.
§ 3° Os governos federal, estaduais, distrital e municipais ficam autorizados a estimular, por meio
de incentivos, a adoção de iguais medidas pelo setor privado.
§ 4º As ações de que trata o caput deste artigo assegurarão o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários.
Art. 63. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador fica autorizado a formular políticas, programas e projetos voltados para a inclusão de afro-brasileiros no mercado de trabalho e a destinar recursos próprios para seu financiamento, assegurado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários.

Art. 64. As ações de emprego e renda contemplam o estímulo à promoção de empresários afro- brasileiros por meio de financiamento para a constituição e ampliação de pequenas e médias empresas e programas de geração de renda.
Art. 65. A implementação de medidas que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado
de trabalho para os afro-brasileiros na Administração Pública Federal obedecerá, conforme regulamento, às seguintes diretrizes:
I – para a aquisição de bens e serviços pelo setor público, assim como nas transferências e nos contratos de prestação de serviços técnicos com empresas nacionais e internacionais e organismos internacionais, será exigida, das empresas que se beneficiem de incentivos
governamentais ou sejam fornecedoras de bens e serviços, a adoção de programas de promoção
de igualdade racial;
II – o preenchimento de cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS da administração pública centralizada e descentralizada observará a meta inicial de vinte
por cento de afro-brasileiros, que será ampliada gradativamente até lograr a correspondência com a estrutura da distribuição racial nacional ou, quando for o caso, estadual, observados os
dados demográficos oficiais.
Art. 66. O § 2 º do art. 45 da Lei n º 8.666, de 21 de junho de 1993, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art.45..................................................................................
....................................................................................................

§2º No caso de empate entre duas ou mais propostas, e após obedecido o disposto no § 2 º do art. 3 º desta lei, a classificação dará precedência ao licitante que mantiver programa de promoção
de igualdade racial em estágio mais avançado de implementação; persistindo o empate, ela será feita, obrigatoriamente, por sorteio, em ato público, para o qual todos os licitantes serão convocados, vedado qualquer outro processo. (NR)

Art. 67. A inclusão do quesito cor/raça, a ser coletado de acordo com a autoclassificação, assim como do quesito gênero, será obrigatória em todos os registros administrativos direcionados aos empregadores e aos trabalhadores do setor privado e do setor público, tais como:
I – formulários de admissão e demissão no emprego;
II – formulários de acidente de trabalho;
III – instrumentos administrativos do Sistema Nacional de Emprego, ou órgão que lhe venha a suceder;
IV – Relação Anual de Informações Sociais ou registro que lhe venha a suceder;
V – formulários da Previdência Social;
VI – inquéritos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ou de órgão que lhe venha a suceder.
Art. 68. O caput do art. 3º e o caput do art. 4 º da Lei n º 9.029, de 13 de abril de 1995, passam a vigorar com as seguintes alterações:

“Art . 3 º Sem prejuízo do prescrito no art. 2º e dos dispositivos legais que tipificam os crimes resultantes de preconceito de etnia, raça ou cor, as infrações do disposto nesta lei são passíveis das seguintes cominações:

.................................................................................................
............................................................................................. (NR)”

“ Art. 4 º O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:

..............................................................................................
.............................................................................................. (NR)

Art. 69. As empresas contratantes ficam proibidas de exigir, juntamente com o currículo profissional, a fotografia do candidato a emprego.


CAPÍTULO VIII
Do Sistema de Cotas


Art. 70. O Poder Público adotará, na forma de legislação específica e seus regulamentos, medidas destinadas à implementação de ações afirmativas, voltadas a assegurar o preenchimento por afro-brasileiros de quotas mínimas das vagas relativas:
I – aos cursos de graduação em todas as instituições públicas federais de educação superior do território nacional;
II – aos contratos do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES).
§ 1º Na inscrição, o candidato declara enquadrar-se nas regras asseguradas na presente lei.
§ 2º A implementação de ações afirmativas nos estabelecimentos públicos federais de ensino superior poder-se-á fazer mediante a reserva de percentual de vagas destinadas a alunos egressos do ensino público de nível médio na proporção mínima de autodeclarados afro- brasileiros da unidade da Federação onde estiver instalada a instituição.
§ 3º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir, no âmbito de suas competências legislativas, normas para a adoção de políticas afirmativas referentes ao
preenchimento de cargos e empregos públicos, ao acesso às instituições públicas estaduais, distritais e municipais, de educação superior, quando houver, e ao financiamento ao estudante do ensino superior.
§ 4º A União poderá levar em consideração, dentre outros critérios, para fins da avaliação de que trata o art. 46 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a existência de programas de ações
afirmativas para ingresso e permanência de afro-brasileiros nas instituições de ensino superior
públicas ou privadas.
§ 5º Nas cotas de que trata o caput , fica assegurado o princípio da proporcionalidade de gênero entre os beneficiários, ressalvados os casos em que tal proporcionalidade não se aplique.

Art. 71. Acrescente-se ao art. 10 da Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, o § 3º-A, com a seguinte redação:
" Art. 10. .....................................................................

§ 3º-A. Do número de vagas resultante das regras previstas no §3º deste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento para candidaturas de afro-brasileiros.
............................................................................... (NR)"

Art. 72. Leis específicas, federais, estaduais, distritais ou municipais, poderão disciplinar a concessão de incentivos fiscais às empresas com mais de vinte empregados que mantenham uma cota de, no mínimo, vinte por cento para trabalhadores afro-brasileiros.



CAPÍTULO IX
Dos Meios de Comunicação


Art. 73. A produção veiculada pelos órgãos de comunicação valorizará a herança cultural e a participação dos afro-brasileiros na história do País.
Art. 74. Os filmes e programas veiculados pelas emissoras de televisão deverão apresentar imagens de pessoas afro-brasileiras em proporção não inferior a vinte por cento do número total
de atores e figurantes.
§ 1º Para a determinação da proporção de que trata este artigo será considerada a totalidade dos programas veiculados entre a abertura e o encerramento da programação diária.
§ 2º Da proporção de atores e figurantes de que trata o caput , metade será composta de mulheres afro-brasileiras.
Art. 75. As peças publicitárias destinadas à veiculação nas emissoras de televisão e em salas
cinematográficas, quando contiverem imagens de pessoas, deverão garantir a participação de afro-brasileiros em proporção não inferior a vinte por cento do número total de atores e figurantes.
Art. 76. Os órgãos e entidades da administração pública direta, autárquica ou fundacional, as empresas públicas e as sociedades de economia mista ficam autorizados a incluir cláusulas de
participação de artistas afro-brasileiros, em proporção não inferior a vinte por cento do número total de artistas e figurantes, nos contratos de realização de filmes, programas ou quaisquer outras peças de caráter publicitário.
§ 1 º Os órgãos e entidades de que trata este artigo ficam autorizados a incluir, nas especificações para contratação de serviços de consultoria, conceituação, produção e realização
de filmes, programas ou peças publicitárias, a obrigatoriedade da prática de iguais oportunidades
de emprego para as pessoas relacionadas com o projeto ou serviço contratado.
§ 2 º Entende-se por prática de iguais oportunidades de emprego o conjunto de medidas sistemáticas executadas com a finalidade de garantir a diversidade de raça, sexo e idade na equipe vinculada ao projeto ou serviço contratado.

§ 3 º A autoridade contratante poderá, se considerar necessário para garantir a prática de iguais oportunidades de emprego, requerer auditoria e expedição de certificado por órgão do Poder Público.
Art. 77. A desobediência às disposições desta lei constitui infração sujeita à pena de multa e
prestação de serviço à comunidade, através de atividades de promoção da igualdade racial.


CAPÍTULO X
Das Ouvidorias Permanentes nas Casas Legislativas


Art. 78. O Congresso Nacional, as Assembléias Legislativas estaduais, a Câmara Legislativa do
Distrito Federal e as Câmaras Municipais ficam autorizados a instituir Ouvidorias Permanentes
em Defesa da Igualdade Racial, como órgãos pluripartidários, para receber e investigar denúncias de preconceito e discriminação com base em etnia, raça ou cor e acompanhar a implementação de medidas para a promoção da igualdade racial.
Parágrafo único. Cada Casa Legislativa organizará sua Ouvidoria Permanente em Defesa da
Igualdade Racial na forma prevista pelo seu Regimento Interno.





CAPÍTULO XI
Do Acesso à Justiça


Art. 79. É garantido às vítimas de discriminação racial o acesso gratuito à Ouvidoria Permanente
do Congresso Nacional, à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário em todas as suas instâncias, para a garantia do cumprimento de seus direitos.
Art. 80. O Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial fica autorizado a constituir Grupo
de Trabalho para a elaboração de Programa Especial de Acesso à Justiça para a população afro- brasileira.
§ 1º O Grupo de Trabalho contará com a participação de estudiosos do funcionamento do Poder
Judiciário e de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil, de associações de magistrados, de associações do Ministério Público e de associações da sociedade civil que atuam na defesa dos direitos humanos, conforme determinações do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial.
§ 2 º O Programa Especial de Acesso à Justiça para a população afro-brasileira, entre outras medidas, contemplará:
I – a inclusão da temática da discriminação racial e desigualdades raciais no processo de formação profissional das carreiras policiais federal, civil e militar, jurídicas da Magistratura, do
Ministério Público e da Defensoria Pública;
II – a adoção de estruturas institucionais adequadas à operacionalização das propostas e medidas nele previstas.

§ 3º. O Poder Judiciário, por meio de seus tribunais, em todos os níveis da federação, fica autorizado a criar varas especializadas para o julgamento das demandas criminais e cíveis originadas de legislação antidiscriminatória e de promoção da igualdade racial.
§ 4º O Poder Executivo, em todos os níveis da Federação, fica autorizado a criar delegacias de
polícia para a apuração das demandas criminais e cíveis originadas da legislação antidiscriminatória e de promoção da igualdade racial.
Art. 81. Para a apreciação judicial das lesões e ameaças de lesão aos interesses da população afro-brasileira decorrentes de situações de desigualdade racial, recorrer-se-á à ação civil pública, disciplinada na Lei n o 7.347, de 24 de julho de 1985.
§ 1 º Nas ações referidas neste artigo prevalecerão:
I – o critério de responsabilidade objetiva;
II – a inversão do ônus da prova, cabendo aos acionados provar a adoção de procedimentos e práticas que asseguram o tratamento isonômico sob o enfoque racial.
§ 2 º As condenações pecuniárias e multas decorrentes das ações tratadas neste artigo serão destinadas ao Fundo de Promoção da Igualdade Racial.


TÍTULO III
Das Disposições Finais


Art. 82. Caso da aplicação dos percentuais do sistema de cotas previstos nesta Lei resultar número fracionário serão observados os seguintes critérios:
I – se a parte fracionária for inferior a um meio, será desprezada;
II – se a parte fracionária for igual ou superior a um meio, será adotado o número inteiro imediatamente superior.
Art. 83. As medidas instituídas nesta lei não excluem outras em prol da população afro-brasileira que tenham sido ou venham a ser adotadas no âmbito da União, dos estados, do Distrito Federal
ou dos municípios.
Art. 84. O Poder Público criará instrumentos para aferir a eficácia social das medidas previstas nesta lei e efetuará seu monitoramento constante, com a emissão de relatórios periódicos.
Art. 85. Esta lei entra em vigor após decorridos noventa dias de sua publicação oficial.


Sala das Sessões,


Senador RODOLPHO TOURINHO, Relator

Justificação


A nossa intenção ao apresentar o Estatuto da Igualdade Racial em defesa dos que são discriminados por etnia, raça e/ou por cor é fomentar o debate contra o preconceito racial tão presente em nosso País. Sabemos que esta proposta poderá ser questionada e, conseqüente- mente, aperfeiçoada para que no dia de sua aprovação se torne um forte instrumento de combate
ao preconceito racial e favorável às ações afirmativas em favor dos discriminados.
As idéias até aqui introduzidas são fruto da construção feita em grande parte pelo movimento negro. Isto não quer dizer que outros brasileiros, também discriminados por raça, cor, etnia, procedência, origem, sexo e religião não possam introduzir novos conceitos que contribuam para
o combate ao preconceito.
Durante os quinhentos anos de história do Brasil ficamos atrelados aos grilhões da discriminação e do preconceito racial. Milhares de pessoas pagaram, primeiro com a vida e depois com uma história de marginalização e miséria para que este hediondo sistema de domi- nação pela discriminação racial fosse combatido.
Nas escolas recebemos verdades prontas, conceitos acabados,
estereotipados pela ótica ideológica utilizada pelos grupos dominantes para manter seus privilégios, seu poder, os benefícios que gozam, as oportunidades culturais de que usufruem. É
na necessidade de manter esses privilégios que a ideologia da discriminação se perpetua e a qualquer momento, a qualquer risco de subversão desse sistema ativa-se, em ritmo e volume acelerados, a produção ideológica que ga
ranta a sua manutenção.
Propomos.o sistema de cotas para justamente minimizar os efeitos nocivos do preconceito sobre as populações discriminadas. Sabemos que nossas universidades e nosso mercado de trabalho são freqüentados por uma maioria esmagadora de brancos.
O sistema de cotas percentualiza as oportunidades, pois quando há a quantificação do número de beneficiários se busca uma política de igualdade de oportunidades, já que neste País não existe essa igualdade. Um exemplo disso são os 20% das vagas dos candidatos dos partidos
políticos que são destinados às mulheres. Temos consciência de que esse sistema tem como
objetivo fixar um direito.
A educação e o mercado de trabalho no Brasil, assim como os espaços políticos são fundamentais para a busca da cidadania. Estudos realizados pelo IBGE mostram que os brancos recebem salários superio~es aos recebidos pelos negros no desempenho das mesmas funções, e que o índice de desemprego desses também é maior. No campo da educação o analfabetismo, a repetência, a evasão escolar são consideravelmente mais acentuados para os negros.
O Brasil está muito longe de ser um país onde todos sejam iguais. Os círculos fechados da elite precisam ser quebrados e por que não criar a médio prazo espaços intelectuais, econômicos
e políticos menos homogêneos racialmente.
Sabemos que o sistema de cotas sofrerá profundas discussões, assim como aconteceu nos Estados Unidos onde as argumentações vão desde a temporalidade do sistema até conceitos de livre promoção do indivíduo, de sua liberdade, vontade e competência, transformando assim o estado de direito em um administrador de interesses de grupos e corporações. Essa justificativa para não adotarmos as ações afirmativas no Brasil poderiam ter consistência se todos tivessem
as mesmas oportunidades. Na realidade a sociedade não é igual e tratar pessoas de fato desiguais como iguais só amplia a distância inicial entre elas, mascarando e justificando a perpetuação de iniqüidades. Além do sistema de cotas nas universidades e no trabalho, quere- mos que todos os livros referentes à participação do negro no Brasil sejam reescritos, a exemplo
do que Nelson Mandela fez na África do Sul.


Para tanto, reintroduzimos neste projeto o PL nQ 678/88, de nossa autoria, aprovado por unanimidade na Câmara dos Deputados e que no Senado recebeu o nQ 56/88 e, por incrível que pareça, foi arquivado naquela Casa sem discussão. A história da participação dos afrobrasileiros
na formação do povo brasileiro foi distorcida e, por este motivo, deve ser reescrita.
Não passou desapercebido que o sistema de cotas por nós introduzido na questão eleitoral foi um fato inovador pois é inadmissível que o negro, que representa no mínimo 50% da população, pratica mente não exista, nem no Legislativo e nem no Executivo, o que significa uma despreocupação dos partidos com essa importante parcela da população brasileira.
Do mesmo modo reiteramos com consistência a idéia da compensação econômica aos remanescentes dos quilombos por injustiças sofridas. Também introduzimos aqui a questão da titularidade da terra aos descendentes dos quilombolas. Nesta questão específica da terra a redação aqui dada é fruto de um projeto construído pela ex-Senadora Benedita da Silva. Essa compensação não recai sobre um novo conflito, é uma questão de justiça, que com certeza líderes religiosos, intelectuais e a sociedade como um todo aprovarão.
Não queremos a cultura afro-brasileira vista, sentida e experimentada somente nas práticas
religiosas, música ou alimentação. Queremos a cultura do negro inserida nas escolas, no mercado de trabalho, nas universidades, pois o negro faz parte do povo brasileiro. Cultivar as raízes da nossa formação histórica evidentes na diversificação da composição étnica do povo é o caminho mais seguro para garantirmos a afirmação de nossa identidade nacional e preservarmos
os valores culturais que conferem autenticidade e singularidade ao nosso País.
É imprescindível que haja união entre as pessoas, povos, nacionalidades e culturas. Todos
os esforços para combater as barreiras discriminatórias são subsídios concretos para a formação
de um novo ser humano, capaz de elevar-se à altura de seu destino e evitar destruir a si mesmo. Com esta argumentação podemos afirmar que durante toda a nossa vida recebemos as verdades de terceiros. A primeira verdade que recebemos é a da infância, quando sentimos, mas não questionamos. A segunda verdade é a da revelação que dói, que choca, é a percepção de que nos impuseram uma grande mentira. A terceira verdade é aquela que está acompanhada da dignidade humana, é a verdade da transformação. É por esta terceira verdade que aqui estamos,
queremos transformar a realidade em que sempre viveram os que sofrem discriminação.
Acreditamos que a transformação da sociedade começa com uma legislação que defenda os direitos à cidadania igualitária sem qualquer subterfúgio e vá além dela, vá ao coração de cada cidadão na escola, nas universidades, no mercado de trabalho, nas ruas, na sociedade como um todo.
Como instrumento de convencimento dos meus pares para aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, em defesa dos que sofrem preconceitos e discriminação em função de sua etnia, raça e/ou cor, reproduzo nesta justificação a poesia escrita por Banduxe Adinimodó:


"Quando eu por aqui passei/ na época em que seus ancestrais tentavam construir esta pátria/ Encontrei índios sendo massacrados/
Portugueses degredados e negros exportados.
Vi sangue/ suor e lágrimas de três raças se destruindo/ Mas vi uma nação se construindo.
Vi aquele sentimento que faz de um rincão, uma nação/ Mas vi o sangue do negro ser derramado em vão/
Nas senzalas/ mocambos, quilombos, favelas e prisão. Agora vejo os filhos de Zumbi/ afilhados de Tiradentes, De uma pátria pretendentes serem enganados/
Da terra expoliados, vítimas de ardentes/ do poder pretendentes/ Fazendeiros bajulados.
Aí, eu pergunto - Valeu a pena a abolição?
Por que ainda não aboliram esta desumana servidão?
Não será pois desta maneira que teremos um Brasil definitivo E sim uma convulsão/ vez que jamais vamos morrer agora/
Pois nosso coração arde de vontade
E exige que a vida voe. //





Paulo Paim









Esta poesia reflete a história do conjunto de raças que formam o povo brasileiro, um

povo discriminado no passado e no presente e se perpetuará no futuro se nada fizermos.

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 02 , DE 2006






Altera os arts. 159 e 239 da Constituição Federal e acrescenta o art. 227-A a seu texto, para dispor sobre
o Fundo de Promoção da Igualdade Racial.









As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do § 3º
do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto constitucional:


Art. 1º Os arts. 159 e 239 da Constituição Federal passam a vigorar com a seguinte redação:


“Art. 159. ...................................................................................

I – do produto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos
de qualquer natureza e sobre produtos industrializados, quarenta e nove por cento na seguinte forma:

.......................................................................................................

d) dois por cento para o Fundo de Promoção da Igualdade Racial. (NR)”



“Art. 239. ......................................................................................

§ 1º Dos recursos mencionados no caput deste artigo, serão destinados, pelo menos:

I – quarenta por cento para financiar programas de desenvolvimento econômico, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com critérios de remuneração que lhes preservem o valor;

II – três por cento para o Fundo de Promoção da Igualdade Racial.

............................................................................................ (NR)”



Art. 2º A Constituição Federal passa a vigorar acrescida do seguinte art. 227-A.

Art. 227-A. Fica criado o Fundo de Promoção da Igualdade Racial, com o objetivo de promover a igualdade de oportunidades e a inclusão social dos afro-brasileiros, principalmente em políticas voltadas à habitação, educação
e formação profissional dos mesmos, sem prejuízo de investimentos em

outras áreas.

§ 1º O Fundo de que dispõe este artigo será formado pelos recursos a que se referem os art. 159, I, d, e 239, § 1º, II, além de outras fontes previstas em lei.

§ 2º O Fundo de que dispõe este artigo terá conselho consultivo e de acompanhamento, formado por representantes do poder público e da sociedade civil.

§ 3º A lei disporá sobre a organização do Fundo, a distribuição de seus recursos, sua fiscalização e controle, bem como do conselho de que trata o §
2º.




Art. 3º O Congresso Nacional instalará, imediatamente após a promulgação desta
Emenda Constitucional, comissão especial mista, destinada a elaborar, em cento e oitenta dias,
os projetos de lei necessários à regulamentação da matéria nela tratada, bem como promover alteração na legislação federal objetivando tornar mais amplo o acesso à educação profissional.


Art. 4º Esta Emenda entra em vigor a primeiro de janeiro do ano subseqüente ao
de sua promulgação.



JUSTIFICAÇÃO



A relação entre raças na sociedade brasileira tem representado um desafio histórico. Na prática, o que se busca como questão essencial é propiciar que todo o cidadão, independente de sua raça ou cor, possa ter igualdades de condições na empreitada de crescimento individual.

Diante da realidade em que vivemos e, notadamente, quanto às escassas ações governamentais, face aos poucos recursos orçamentários disponíveis, no intuito de resgatar a dignidade do negro, a criação de um Fundo de Promoção da Igualdade Racial poderá contribuir definitivamente com a criação de políticas afirmativas de inserção do negro à sociedade concedendo-lhe igualdade de condições a qualquer outra raça.


Dessa forma, a aprovação deste projeto acarretaria um aporte financeiro à disposição do executivo, porém com recursos a serviço da população afro-brasileira.


Pelo exposto acima e devido à grande importância deste projeto, particularmente
no campo de resgate de cidadania a esta camada da população brasileira que muito contribuiu
e contribui para o avanço desta nação e que muito pouco tem usufruído destes avanços, é que peço a colaboração dos nobres pares à aprovação deste.





Sala das Sessões,
Senador PAULO PAIM