terça-feira, 3 de novembro de 2009

Bruna Mara - As coisas que o Lula falou não são verdadeiras

Em entrevista ao site Contas Abertas, a presidente da União dos Auditores Federais de Controle Externo (Auditar), Bruna Mara, defendeu a atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) e criticou os ataques do presidente Lula e membros do governo à instituição. Participaram ainda da entrevista, o diretor parlamentar e jurídico da Auditar, Cláudio Avellar, a ex-presidente da instituição Glória Merola e o membro do Conselho Fiscal Leônidas Mourão.

Leia abaixo a íntegra da entrevista feita pelos jornalistas Amanda Costa, Leandro Kleber e Milton Júnior:

Contas Abertas - Sabe-se que o tribunal começou a determinar paralisação de obras a partir das graves irregularidades encontradas na construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP), em 2001, caso em que ficou conhecido o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. Quais as vantagens do atual modelo de fiscalização do TCU em relação ao utilizado anteriormente, quando o tribunal apenas encaminhava ao Congresso informações sobre a situação das obras?
Bruna Mara - Na verdade, o papel do tribunal não mudou. Continua o mesmo. Antes deste caso do TRT, o tribunal já informava ao Congresso Nacional as obras com indícios de irregularidades. Só que a partir deste episódio emblemático, o papel do Congresso Nacional passou a ser diferente. Ele passou a determinar a suspensão de recursos orçamentários para essas obras com indícios de irregularidades. A principal vantagem deste sistema é que o controle passar a ser preventivo.
Glória Merola – É preciso lembrar que o presidente Fernando Henrique Cardoso também teve um programa de investimentos selecionados no orçamento da União semelhante ao PAC: o Avança Brasil. Mas ele nunca ‘colocou fogo’ no tribunal dizendo que nós atrapalhamos o Avança Brasil. Por isso, é muito estranho criticar um procedimento que já vinha sendo adotado e que simplesmente passa a ser questionado agora, como se o tribunal fosse o grande agente vilão da história, atrasando o desenvolvimento do país.

Contas Abertas (CA) - Segundo o presidente Lula, o governo elaborou por dois anos uma licitação para entregar 350 mil computadores a crianças nas escolas. “Demorou dois anos para que o Tribunal de Contas permitisse que houvesse a licitação. Agora, as pessoas não medem qual é o prejuízo para a nação e para as crianças se você ficar dois anos esperando”. Em casos como este, o tribunal leva em consideração o benefício social que o serviço pode trazer ou a avaliação é de que o controle rigoroso gera maior economia e, consequentemente, é mais vantajoso no futuro?
Bruna Mara - Pesquisamos a respeito deste pregão especificamente e vimos que foi realizado do final de 2008 e que na verdade se refere à compra de 150 mil. Na ocasião, o TCU foi provocado em função de falhas no processo licitatório. Pela análise dos fatos, foram identificados alguns problemas como a ausência de identificações orçamentárias, ou seja, a fonte de recursos que financiaria a compra dos laptops, além da ausência de especificações técnicas que impediriam a comparação de preços. Diante disso houve uma suspensão cautelar e foram identificadas falhas no edital do FNDE. Em março, o ministro José Jorge se pronunciou no processo e revogou a cautelar e mandou dar continuidade ao processo de licitação.
Quando o pregão foi finalizado, a empresa que ganhou não quis mais fornecer os computadores e, assim, chamaram a segunda colocada, o que já é um fato muito estranho. Em resumo, este é um caso prático que mostra que o tribunal se preocupa com o benefício social de forma célere, porque não se sabia as especificações técnicas do produto. As coisas que o presidente Lula falou não são verdadeiras. Ele fala qualquer bobagem e a imprensa infelizmente publica como se o fato fosse verdade. Eu acredito que o tribunal é muito rigoroso com as obras que estão paralisadas. No caso das obras o TCU determina, muitas vezes, a retenção dos recursos, e não a paralisação da obra. Essas questões não podem ser tratadas genericamente, mas sim caso a caso.

CA - O presidente Lula também defendeu o entendimento entre as instituições sobre a necessidade de manter a realização das obras do PAC e criticou que “até pessoas de quarto escalão resolvem que não pode fazer e acabou”. Qual a qualificação dos servidores do tribunal responsáveis pelas auditorias?
Bruna Mara - Neste caso é importante dizer que o quarto escalão ao qual o presidente está se referindo são os parlamentares do Congresso Nacional, pois quem manda paralisar a obra é o Congresso e não o TCU. O tribunal faz apenas recomendações técnicas com base em indícios de irregularidades. O corpo técnico do TCU é todo formado por concursados; em concurso reconhecido como um dos mais difíceis do país. Além disso, há um reconhecimento internacional com entidades de fiscalização superior nas áreas de regulação, auditoria, controle externo e fiscalização. Aqui no tribunal não tem nepotismo, não tem cargos comissionados na área de auditoria. Todos os servidores são concursados.
Glória Merola – Quando o presidente Lula falou ‘funcionário de baixo escalão’, ele provavelmente estava se referindo a um auditor. Mas, na verdade, nenhum auditor do tribunal pode paralisar coisa nenhuma. O trabalho do auditor é realizado também pelo corpo técnico, ou seja, seu diretor, seu secretário, passa pela assessoria, depois vai para o ministro e ainda vai ao plenário, que é um colegiado de ministros. Então, a decisão final passa por todas essas instâncias técnicas. Jamais um auditor, sozinho, teria poder para paralisar algo. O que acontece é que o presidente ou está mal assessorado e mal informado ou está prestando um desserviço. O órgão de controle externo do Brasil é um dos mais sérios da América Latina.
Não há uma pessoa a ser responsabilizada quando acontece alguma coisa. Se alguém tem que ser responsabilizado, este alguém é o gestor, que deveria estar implementando ações de acordo com a lei e o interesse público. Esse sim é que fez alguma coisa errada e nós que vamos saber o porquê para prestar contas à sociedade.

CA – A fiscalização por parte do controle interno (Controladoria-Geral da União e similares estaduais e municipais) pode falhar, a ponto de chegar algum caso no TCU que poderia ter sido resolvido anteriormente?
Glória Merola - Não existe controle universal. Todo controle é seletivo. Portanto, não tem como o tribunal afirmar, por exemplo, que em determinado programa analisado não existe fraude, pois o controle tem que ser seletivo por natureza. Você não vai usar o seu tempo disponível para controlar cada item de despesa. No controle externo é a mesma coisa. Eventualmente, se existir uma denúncia de fraude e o TCU identificá-la, isso não quer dizer que o controle interno não esteja funcionando.

CA - A ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) defendeu um novo método para as fiscalizações de obras feitas pelo TCU. Para Dilma, o argumento de que há “indício de irregularidade” é muito frágil para suspender uma obra. “O indício de irregularidade é uma coisa frágil, extremamente frágil”, disse ela. Quais os critérios usados pelos técnicos do tribunal para avaliar a situação de uma obra? O que pode configurar um indício de irregularidade?
Bruna Mara - Os indícios de irregularidades estão previstos em lei. Inclusive no último dia 30 foi apresentado um estudo pelas consultorias de orçamento do Senado e da Câmara. Eles são responsáveis por produzir os pareceres do Congresso Nacional que embasam a decisão dos parlamentares de não enviar recursos para determinadas obras. Neste trabalho é observado que os indícios que o TCU indicam são suficientes para recomendar a paralisação das obras e que tanto é importante analisar com base nesses indícios que isso determina que o controle seja a priori. Se você realiza o controle a posteori, o dano será irreversível.
Glória Merola – Vale lembrar que os consultores de orçamento do Congresso são especialistas e que fazem um trabalho técnico isento de política, que nem sequer é vinculado ao tribunal. Eles têm, inclusive, total independência para discordar do TCU. Então, o que consultores dizem – e eles têm muito mais competência para falar do que a Casa Civil – têm um peso. Quando se afirma que o indício é relevante, é porque é de fato. Não é essa superficialidade apontada.
Bruna Mara - Se você esperar para ter uma prova, talvez seja tarde demais. Por isso nos baseamos em indícios. Porque no momento dos indícios já é possível determinar que se paralise o envio de recursos para aquela obra para evitar o prejuízo. É diferente de você constatar alguma coisa depois e ter o prejuízo. Um dos principais indícios de irregularidades, sem dúvida, é o sobrepreço, que se configura como identificação de que o preço já estava elevado antes da despesa ter sido comprometida, antes de ter sido emitido uma fatura.

CA - Tramitam no Congresso Nacional alguns instrumentos legais que podem limitar a atuação do tribunal. Além disso, o TCU já deverá sofrer limitações com a nova lei de licitações e a LDO de 2010. De maneira geral, como a Auditar vê essas mudanças previstas?
Bruna Mara – Não que o tribunal não tenha nada a melhorar. Mas pensando no próprio interesse público, nós não vemos com bons olhos qualquer iniciativa que restrinja o controle. Até porque existem outras instituições, além do TCU, na área de controle. Quanto à proposta que sugere que a indicação de ministros do tribunal seja substituída por admissão por concurso público, por exemplo, não há uma posição unânime dos técnicos sobre o assunto. Mas acredito que não seja o melhor modelo para o país. A respeito da proposta que trata da extinção do TCU ou que a atuação das auditorias fique subordinada ao Legislativo, há um risco. Essa palavra subordinada é preocupante e perigosa, ainda mais com a história política do país.