segunda-feira, 27 de junho de 2011

Reinaldo Azevedo: O trabalho exemplar de Paulo Renato e a máquina petista de moer reputações

Falei com Paulo Renato a última, e pela última, vez na festa de aniversário de Fernando Henrique Cardoso, no dia 10, na Sala São Paulo. Era um homem inteligente, um formulador de políticas públicas e um operador competente. Eu o provoquei: “Ministro, o senhor também acha que ler um livro antes de matar pessoas é moralmente superior a matá-las sem ler?” Eu fazia uma alusão, obviamente, ao atual ocupante do Ministério da Educação, Fernando Haddad, que havia se saído com essa pérola em depoimento numa comissão do Senado. Elegante, discreto, Paulo Renato sorriu: “Ô, Reinaldo, eu acho que ele se atrapalhou; certamente não quis dizer aquilo…” Provoquei mais um pouco: “Tucanos sempre tentando fazer um petista parecer melhor do que é; já os petistas, com vocês, fazem o contrário…” Ele assentiu, mas só um pouquinho: “É, talvez você tenha razão…” E falamos por algum tempo sobre outros assuntos, especialmente sobre o homenageado da noite.

É isto: morre Paulo Renato Souza, um homem público notável, cuja obra foi incansavelmente vilipendiada pelos petistas, e as notas de condolências da presidente Dilma Rousseff e de Haddad podem fazer justiça tardia a seu trabalho, mas não têm força para apagar da história a tentativa de desconstruir o trabalho que ele comandou ao longo de oito anos no MEC e, mais recentemente, como titular da secretaria de Educação do governo de São Paulo, na gestão José Serra.

Como ministro de FHC, Paulo Renato comandou a universalização do ensino básico, criou o Enem, o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e o Exame Nacional de Cursos, apelidado de “provão” — depois chamado de Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes). O “provão” teve, nos primeiros anos de aplicação, papel fundamental na qualificação das universidades públicas e privadas. O exame foi bastante descaracterizado pela gestão petista.

Paulo Renato também foi decisivo para a criação do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério), em 1996. Para não variar, os petistas combateram bravamente o fundo e, atenção!, votaram contra a sua criação, o que é um escândalo, uma das muitas indignidades do partido. No poder, o que fizeram os petistas? Rebatizaram o Fundef, passando a chamá-lo “Fundeb” (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica), sob o pretexto de que passaria a atender também ao ensino médio.

Na campanha eleitoral do ano passado, esta mesma Dilma que reconhece agora o trabalho de Paulo Renato — num tributo que o vício presta à virtude como expressão clara da hipocrisia — afirmava que o fundo era obra do… PT!!! Coube também a Paulo Renato transformar o Bolsa Escola, experiência iniciada em Campinas pelo prefeito tucano José Roberto Magalhães Teixeira, num programa de alcance nacional. Ele foi incorporado depois pelo Bolsa Família. Vale dizer: o governo Lula inventou o Fundeb, que já existia; inventou o Bolsa Família, que já existia; inventou o Enade, que já existia; inventou o Luz Para Todos, que já existia; inventou até a política econômica, que também já existia!!!

O PT é, em suma, o maior inventor de obras alheias da história!

Secretário de Educação
Na Secretaria de Educação de São Paulo, na gestão Serra, coube a Paulo Renato aprofundar o sistema de promoção do professorado por mérito, estabelecer um currículo mínimo e criar a Escola do Professor, para a qualificação da mão-de-obra. Mais uma vez, o PT, por meio de seu braço sindical, a Apeoesp, tentou sabotar a qualidade, mas o programa se consolidou, e São Paulo viu melhorar seu desempenho nos exames nacionais. Paulo Renato, reitero, não era apenas um bom formulador de políticas públicas: também era um executivo competente, qualidades que já tinha evidenciado como reitor da Unicamp.

Como homenagem à verdade e, no caso, a seu trabalho, cumpre lembrar alguns números, publicados aqui em dois posts em agosto do ano passado:

1 - Lula afirma por aí ter criado 13 universidades federais. É mentira! Com boa vontade, pode-se afirmar que criou apenas seis; com rigor, quatro. Por quê? A maioria das instituições que ele chama “novas universidades” nasceu de meros rearranjos de instituições, marcados por desmembramentos e fusões. Algumas universidades “criadas” ainda estão no papel. E isso, que é um fato, está espelhado nos números, que são do Ministério da Educação;

2 - Poucos sabem, certa imprensa não diz, mas o fato é que a taxa média de crescimento de matrículas nas universidades federais entre 1995 e 2002 (governo FHC) foi de 6% ao ano, contra 3,2% entre 2003 e 2008 - seis anos de mandato de Lula;

3 - Só no segundo mandato de FHC, entre 1998 e 2003, houve 158.461 novas matrículas nas universidades federais, contra 76.000 em seis anos de governo Lula (2003 a 2008);

4 - Nos oito anos de governo FHC, as vagas em cursos noturnos, nas federais, cresceram 100%; entre 2003 e 2008, 15%;

5 - Sabem o que cresceu para valer no governo Lula? As vagas ociosas em razão de um planejamento porco. Eu provo: em 2003, as federais tiveram 84.341 formandos; em 2008, 84.036;

6 - O que aumentou brutalmente no governo Lula foi a evasão: as vagas ociosas passaram de 0,73% em 2003 para 4,35% em 2008. As matrículas trancadas, desligamentos e afastamentos saltaram de 44.023 em 2003 para 57.802 em 2008;

7 - Sim, há mesmo a preocupação de exibir números gordos. Isso faz com que a expansão das federais, dada como se vê acima, se faça à matroca. Erguem-se escolas sem preocupação com a qualidade e as condições de funcionamento, o que leva os estudantes a desistir do curso. A Universidade Federal do ABC perdeu 42% dos alunos entre 2006 e 2009.

8 - Também cresceu espetacularmente no governo Lula a máquina “companheira”. Eram 62 mil os professores das federais em 2008 - 35% a mais do que em 2002. O número de alunos cresceu apenas 21% no período;

9 - No governo FHC, a relação aluno por docente passou de 8,2 para 11,9 em 2003. No governo Lula, caiu para 10,4 (2008). É uma relação escandalosa! Nas melhores universidades americanas, a relação é de, no mínimo, 16 alunos por professor. Lula transformou as universidades federais numa máquina de empreguismo.

10 - Cresceu o número de analfabetos no país sob o governo Lula - e eu não estou fazendo graça ou uma variante do trocadilho. Os números estão estampados no PNAD (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios), do IBGE. No governo FHC, a redução do número de analfabetos avançou num ritmo de 0,5% ao ano; na primeira metade do governo Lula, já caiu a 0,35% - E FOI DE APENAS 0,1% ENTRE 2007 E 2008. Sabem o que isso significa? Crescimento do número absoluto de analfabetos no país. Fernando Haddad sabe que isso é verdade, não sabe? O combate ao analfabetismo é uma responsabilidade federal. Em 2003, o próprio governo lançou o programa “Brasil Alfabetizado” como estandarte de sua política educacional. Uma dinheirama foi transferida para as ONGs sem resultado - isso a imprensa noticiou. O MEC foi deixando a coisa de lado e acabou passando a tarefa aos municípios, com os resultados pífios que se vêem.

Encerro
Muitos tucanos, por delicadeza, tornam os petistas melhores do que são. Não sou tucano. Pretendo tratá-los apenas com justiça. A justiça que sempre negaram a Paulo Renato Souza. Uma hora essa mistificação acaba, e terá início o resgate também do trabalho dos vivos.

sábado, 25 de junho de 2011

Editorial do Estadão: O visto de Battisti é ilegal

Por 14 votos a 2, 1 abstenção e 3 ausências, o Conselho Nacional de Imigração - vinculado ao Ministério do Trabalho e integrado por 9 representantes de Ministérios, 5 de sindicatos, 5 de entidades patronais e 1 da comunidade científica - concedeu visto de permanência ao ex-terrorista italiano Cesare Battisti. Com isso, ele poderá viver e trabalhar por tempo indeterminado no Brasil.

Pela ordem jurídica vigente, a decisão do Conselho Nacional de Imigração é ilegal. Ela colide com a Lei 6.815/81, que criou o órgão e define a situação jurídica dos estrangeiros no Brasil. O inciso IV do artigo 7.º dessa lei proíbe taxativamente a concessão de visto “ao estrangeiro que foi condenado ou processado em outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira”.

É justamente esse o caso de Battisti. Ele foi condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana por quatro assassinatos cometidos na década de 1970, quando integrava a organização terrorista Proletários Armados para o Comunismo. No momento em que Battisti foi processado, julgado e condenado, a Itália vivia em plena normalidade política e constitucional, ou seja, sob democracia plena.

Battisti também já foi condenado no Brasil pela primeira instância da Justiça Federal à pena de dois anos em regime aberto, convertida em pagamento de multa e prestação de serviços à comunidade, por usar passaportes franceses falsificados, encontrados quando foi preso pela Polícia Federal, em 2007, a pedido do governo italiano. Ele recorreu, mas a decisão foi mantida há cinco meses pelo Tribunal Regional Federal da 2.ª Região. No inciso II do artigo 7.º, a Lei 6.815 também proíbe a concessão de visto “ao estrangeiro considerado nocivo à ordem pública”.

Por mais que se apresente como perseguido político, Battisti, do estrito ponto de vista técnico-jurídico, não preenche os critérios previstos pela legislação para a obtenção de visto de residência. Por isso, a Procuradoria-Geral da República - o órgão encarregado pela Constituição de “defender a ordem jurídica” - não tem outra saída a não ser contestar judicialmente a decisão do Conselho Nacional de Imigração e exigir o cumprimento do direito positivo.

Foi com base nessa legislação que, em 2009, a Procuradoria-Geral da República emitiu um parecer contrário à concessão de asilo a Battisti - posição que foi endossada pelo Comitê Nacional para os Refugiados, uma comissão interministerial encarregada de receber os pedidos de refúgio e determinar se os solicitantes reúnem as condições jurídicas necessárias para serem reconhecidos como refugiados. Surpreendentemente, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, desprezou as duas decisões e concedeu o status de refugiado político a Battisti.

Classificando a iniciativa de Genro como “grave e ofensiva”, o Ministério de Assuntos Estrangeiros da Itália recorreu ao Supremo Tribunal Federal, acusando o governo brasileiro de não cumprir o tratado de extradição firmado pelos dois países em 1989. Mas, em vez de dar uma solução clara e objetiva ao caso, em 2010 a Corte, numa decisão ambígua, autorizou a extradição, mas deixando a última palavra ao presidente da República. Pressionado pelo ministro da Justiça, por um lado, e pelo governo da Itália, por outro lado, Lula deixou claro que concederia asilo a Battisti - o que só fez no último dia de seu mandato - e pediu à Advocacia-Geral da União um parecer que fundamentasse sua decisão. Cumprindo a determinação, o órgão desprezou a legislação e preparou um parecer político, dando as justificativas “técnicas” de que o presidente precisava para decidir pela permanência de Battisti no País, com o status de imigrante.

O governo italiano voltou a recorrer e o Supremo, para perplexidade dos meios jurídicos, também agiu politicamente, ignorando tanto o tratado de extradição firmado entre o Brasil e a Itália quanto a própria legislação brasileira sobre estrangeiros. Essa desmoralização das instituições jurídicas foi aprofundada ainda mais com a concessão do visto de permanência a Battisti, pelo Conselho Nacional de Imigração.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Editorial do Estadão: Nova prisão do “'companheiro” José Rainha

Quem conhece sua história não foi surpreendido pela notícia da nova prisão do líder sem-terra José Rainha, em operação deflagrada pela Polícia Federal para deter também outros nove suspeitos de integrar uma quadrilha formada para desviar dinheiro público. Rainha é velho conhecido da Polícia, e ele mesmo conhece bem diferentes estabelecimentos prisionais, pois os tem visitado com certa regularidade há muito tempo. O que causou estranheza nesse episódio foi a crítica de um ministro de Estado - no caso, o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho - à ação policial, por considerar que ela "tumultua" o processo da reforma agrária.

O retorno de Rainha à prisão é consequência da Operação Desfalque, conduzida pela Polícia Federal para apurar o desvio de recursos do governo destinados a assentamentos na região do Pontal do Paranapanema, no oeste do Estado de São Paulo, área em que o detido atua. Expulso do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), Rainha está à frente do que ele denominou MST de Base.

A investigação começou a partir de relatos dos próprios assentados do Pontal do Paranapanema, que, em depoimentos à Polícia Federal e ao Ministério Público, disseram não aguentar mais "ser espoliados e controlados pela organização criminosa", liderada por Rainha, como afirma a denúncia. Em abril, a Justiça Federal aceitou denúncia do Ministério Público contra ele e outras pessoas, por desvio de dinheiro que era repassado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para as entidades criadas pelos assentados.

O que há de novo nessa prisão temporária de Rainha é o motivo. Esta é a primeira vez que ele é suspeito de desvio de dinheiro público.

Rainha já foi acusado de outros crimes. Em 1997, por exemplo, foi a julgamento pela participação no assassinato de um fazendeiro e de um policial militar em Pedro Canário, no Espírito Santo. Condenado a 26 anos de prisão, recorreu e foi absolvido. Em 2002, foi preso em flagrante por porte ilegal de arma no município de Euclides da Cunha, no Pontal do Paranapanema. Nos anos seguintes, até 2006, foi preso mais três vezes no Pontal, sob acusações variadas, como formação de quadrilha, incitação à violência, incêndio e furto.

É surpreendente que, tendo Rainha essa folha corrida, o ministro Gilberto Carvalho tenha se declarado "extremamente preocupado" com a prisão, que, no seu entender, tumultua o processo de reforma agrária e o relacionamento do governo com os movimentos sociais. Em nota divulgada após a publicação dessas declarações, Carvalho esclareceu que "em nenhum momento pretendi imiscuir-me no processo de investigação que levou às prisões" e observou que a lei assegura aos acusados o direito de defesa "e os preserva de condenações açodadas, antes do devido processo legal".

É uma observação desnecessária, pois não houve nem há nenhuma indicação de que, no caso da nova prisão de José Rainha, seus direitos não estejam sendo assegurados.

Com suas declarações, Carvalho não deixa nenhuma dúvida de que, também no que se refere a Rainha, sua posição é idêntica à de seu chefe Luiz Inácio Lula da Silva.

Em 2005, em pleno exercício de seu primeiro mandato presidencial, Lula fez uma clara homenagem a José Rainha, a quem trata familiarmente por Zé, mesmo tendo o líder rural já sido acusado, julgado, condenado e depois inocentado por participação em assassinatos e preso outras vezes sob diferentes acusações.

Para Lula, Rainha "é perseguido, de vez em quando preso", mas, acima de tudo, é "companheiro de primeira hora", "companheiro que conheço há muitos anos, há muitos e muitos anos". Na ocasião, Lula disse que, "quando eu deixar de ser presidente, muitos que hoje são meus companheiros não serão mais, mas você (dirigindo-se a Rainha) continuará sendo meu companheiro".

Além dos riscos à segurança pública que o levaram à prisão em outras ocasiões, agora o "companheiro" Rainha é preso por representar risco às finanças públicas.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Martha Medeiros: O povinho

Todos que sonham com um Brasil mais íntegro e desenvolvido batem na mesma tecla, a de que devemos investir maciçamente em educação. Bato nessa tecla também, mas às vezes meu desânimo faz com que não acredite nem nisso.

Ao ver a matéria que foi ao ar no último Fantástico sobre médicos e dentistas que embolsam salários sem comparecer aos plantões, deixando centenas de pessoas doentes sem atendimento, pensei: isso lá é problema de falta de educação?

São profissionais que fizeram faculdade, tiveram formação acadêmica. Não passaram a infância soltos pelas ruas. E, mesmo assim, não possuem o menor senso de compromisso e ética. São tão corruptos quanto os políticos que eles xingam em mesas de bar, pensando que são diferentes.

Aí lembro daquela piada que diz que Deus criou o Brasil com uma natureza exuberante, um clima espetacular, um solo fértil, uma abundância de rios, sem risco de terremotos, “mas espera pra ver o povinho que vai ser colocado ali”.

Jamais deixaria de cumprir minhas obrigações, ainda mais se trabalhasse numa área tão essencial quanto a saúde pública, mas não adianta apontar o dedo para os outros e se excluir do problema. O povinho somos todos nós.

Uns sem nenhum caráter, outros com algum caráter (mas fazendo suas picaretagens habituais) e outros com um caráter muito bom, porém molham a mão do policial para evitar uma multa e bebem antes de dirigir, ninguém é perfeito.

Generalizando, somos um povinho essencialmente egoísta. Pensamos apenas no nosso próprio bem-estar. E ainda por cima vulgares, loucos por dinheiro, todos emergentes querendo mais, mais, mais. O governo rouba de nós através de impostos que não são revertidos em benefícios sociais e a gente desconta passando a perna em quem estiver por perto.

Se alguém encontra uma carteira de dinheiro e devolve para o dono, vai parar na primeira página do jornal como se fosse um peixe com braços, uma anomalia.

Seguimos morrendo no trânsito, a despeito das campanhas de conscientização, pois somos arrogantes, achamos que nada pode dar errado conosco, e se der, a culpa será sempre do outro. Obediência, respeito, espírito coletivo, nada disso pegou no Brasil. Nem vai pegar.

A miséria pode diminuir, o poder aquisitivo aumentar, haver mais emprego, mais crianças na escola, tudo ótimo, mas não soluciona a raiz dos nossos problemas: a índole. Algo que se depura em casa, na infância, no ambiente familiar, mas quem vai regulamentar isso, como controlar as regras internas, quem vai determinar o que é legal e ilegal entre quatro paredes?

Cada lar é um país. Somos milhões de presidentes. Está tudo nas nossas mãos. Um poder transformador, se soubéssemos fazer a coisa direito.

sábado, 18 de junho de 2011

A lista dos 76 deputados que votaram contra a instituição da roubalheira secreta e a trinca que preferiu equilibrar-se em cima do muro

Nesta quinta-feira, a Câmara dos Deputados aprovou, por 272 votos contra 76, a Medida Provisória 527/2011, que institui a ladroagem sem risco de vigilância e sem cadeia na gastança com a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. A coluna já publicou a relação dos parlamentares que votaram a favor da esperteza criminosa. Três deputados do DEM (José Nunes, da Bahia, Júlio Campos, de Mato Grosso, e Júlio Cesar, do Piauí) preferiram equilibrar-se em cima do muro e se abstiveram. Outros 160 nem apareceram no plenário. Segue-se a lista dos 76 que votaram contra a roubalheira secreta e sem limites:

DEM
Abelardo Lupion (PR)
Alexandre Leite (SP)
Antonio Carlos Magalhães Neto (BA)
Arolde de Oliveira (RJ)
Augusto Coutinho (PE)
Claudio Cajado (BA)
Davi Alcolumbre (AP)
Eduardo Sciarra (PR)
Efraim Filho (PB)
Fábio Souto (BA)
Felipe Maia (RN)
Guilherme Campos (SP)
Hugo Napoleão (PI)
Jorge Tadeu Mudalen (SP)
Luiz Carlos Setim (PR)
Marcos Montes (MG)
Mendonça Filho (PE)
Onofre Santo Agostini (SC)
Onyx Lorenzoni (RS)
Pauderney Avelino (AM)
Paulo Cesar Quartiero (RR)
Walter Ihoshi (SP)
PCdoB
Delegado Protógenes (SP)
PDT
Felix Mendonça Júnior (BA)
João Dado (SP)
Miro Teixeira (RJ)
Reguffe (DF)
Wolney Queiroz (PE)
PMDB
Darcísio Perondi (RS)
Raul Henry (PE)
PP
Esperidião Amin (SC)
Luis Carlos Heinze (RS)
PPS
Arnaldo Jardim (SP)
Augusto Carvalho (DF)
Carmen Zanotto (SC)
Dimas Ramalho (SP)
Rubens Bueno (PR)
Sandro Alex (PR)
PR
Anthony Garotinho (RJ)
PSB
Abelardo Camarinha (SP)
PSDB
Antonio Carlos Mendes Thame (SP)
Antonio Imbassahy (BA)
Berinho Bantim (RR)
Bruno Araújo (PE)
Carlaile Pedrosa (MG)
Carlos Alberto Leréia (GO)
Carlos Brandão (MA)
Carlos Sampaio (SP)
Cesar Colnago (ES)
Delegado Waldir (GO)
Duarte Nogueira (SP)
Dudimar Paxiúba (PA)
Eduardo Azeredo (MG)
Eduardo Barbosa (MG)
Fernando Francischini (PR)
Hélio Santos (MA)
João Campos (GO)
Jutahy Junior (BA)
Luiz Fernando Machado (SP)
Luiz Nishimori (PR)
Marcus Pestana (MG)
Nelson Marchezan Junior (RS)
Paulo Abi-Ackel (MG)
Pinto Itamaraty (MA)
Raimundo Gomes de Matos (CE)
Reinaldo Azambuja (MS)
Rui Palmeira (AL)
Ruy Carneiro (PB)
Valdivino de Oliveira (GO)
Vanderlei Macris (SP)
Vaz de Lima (SP)
William Dib (SP)
PSL
Dr. Francisco Araújo (RR)
PSOL
Chico Alencar (RJ)
Ivan Valente (SP)
Jean Wyllys (RJ)

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Carlos Chagas: UM ESCÂNDALO MONUMENTAL

É preciso denunciar uma das maiores bandalheiras dos últimos tempos, iniciadas durante o governo José Sarney, continuadas no governo Fernando Collor, não interrompidas no governo Itamar Franco, ampliadas no governo Fernando Henrique, super-dimensionadas no governo Lula e continuadas no governo Dilma Rousseff. Trata-se das famigeradas ONGs, rotuladas como Organizações Não Governamentais, mas que, com raras exceções, vivem grudadas nas tetas do poder público, sugando recursos do Estado como quadrilhas dignas dos tempos de Al Capone.

De início, é bom esclarecer: existem ONGs maravilhosas, daquelas que só contribuem para o aprimoramento social, político, ambiental, cultural, esportivo e quantas outras atividades existam.

O problema é que essas e outras legiões muito maiores de quadrilhas formadas à sombra da sociedade organizada, intitulam-se “não governamentais”. Por que, então, para subsistir enriquecer seus dirigentes, dependem de recursos públicos? Que vão buscar sua sobrevivência fora do governo, nas entidades privadas. O diabo é que, de acordo com os grupos que dominam os governos, assaltam os cofres públicos e comportam-se como Ali Babá abrindo a caverna.

Apareceram agora as tais OSCIPS, organizações de interesse público. Podres, na maioria dos casos, daquelas que nem sede dispõem, ficticiamente funcionando em restaurantes, garagens e estrebarias, se essas anda existissem. Dizem que carecem de fins lucrativos, que existem para servir à sociedade. Mentira. Como estamos no ciclo dos companheiros, seria bom o ministério da Justiça verificar quantas delas vivem de recursos sugados do tesouro nacional. Quantas pertencem a companheiros do PT, já que nenhuma delas tem obrigação de prestar contas de suas atividades? São contratadas pelo governo para prestar serviços públicos...

Existem 5.840 OSCIPS em todo o país. Caso o secretário-executivo do ministério da Justiça, Luís Paulo Barreto, decidisse investigar todas, verificaria que o governo gasta com elas duas vezes mais do que gasta com o bolsa-família. Trata-se de um escândalo monumental, mas acobertado pelo poder público, tanto faz quem o detenha no momento.

Augusto Nunes: Os 272 Deputados que aprovaram a ladroagem secreta na gastança com a Copa do Mundo


Lista dos 272 deputados federais que aprovaram a ladroagem secreta, sem vigilância e sem risco de cadeia na gastança com a Copa do Mundo. Todos merecem ficar para sempre na mira do país que presta. Guardem os nomes, amigos. No dia em que o Brasil recuperar a vergonha, vários deles serão declinados em voz alta pelos carcereiros na hora da contagem dos presos.

PT
Alessandro Molon (RJ)
Amauri Teixeira (BA)
André Vargas (PR)
Arlindo Chinaglia (SP)
Artur Bruno (CE)
Assis Carvalho (PI)
Assis do Couto (PR)
Benedita da Silva (RJ)
Beto Faro (PA)
Cândido Vaccarezza (SP)
Carlinhos Almeida (SP)
Carlos Zarattini (SP)
Chico D`Angelo (RJ)
Cláudio Puty (PA)
Dalva Figueiredo (AP)
Décio Lima (SC)
Devanir Ribeiro (SP)
Domingos Dutra (MA)
Dr. Rosinha (PR)
Eliane Rolim (RJ)
Erika Kokay (DF)
Fernando Marroni (RS)
Francisco Praciano (AM)
Gabriel Guimarães (MG)
Gilmar Machado (MG)
Janete Rocha Pietá (SP)
Jesus Rodrigues (PI)
Jilmar Tatto (SP)
João Paulo Lima (PE)
José Airton (CE)
José De Filippi (SP)
José Guimarães (CE)
José Mentor (SP)
Joseph Bandeira (BA)
Josias Gomes (BA)
Leonardo Monteiro (MG)
Luci Choinacki (SC)
Luiz Alberto (BA)
Luiz Couto (PB)
Márcio Macêdo (SE)
Marcon (RS)
Marina Santanna (GO)
Miriquinho Batista (PA)
Nazareno Fonteles (PI)
Nelson Pellegrino (BA)
Newton Lima (SP)
Odair Cunha (MG)
Padre João (MG)
Padre Ton (RO)
Pedro Eugênio (PE)
Pedro Uczai (SC)
Policarpo (DF)
Reginaldo Lopes (MG)
Ricardo Berzoini (SP)
Ronaldo Zulke (RS)
Rubens Otoni (GO)
Rui Costa (BA)
Ságuas Moraes (MT)
Sérgio Barradas Carneiro (BA)
Sibá Machado (AC)
Taumaturgo Lima (AC)
Valmir Assunção (BA)
Vander Loubet (MS)
Vicentinho (SP)
Waldenor Pereira (BA)
Weliton Prado (MG)
Zé Geraldo (PA)
Zeca Dirceu (PR)
PMDB
Alberto Filho (MA)
Alceu Moreira (RS)
Almeida Lima (SE)
Arthur Oliveira Maia (BA)
Átila Lins (AM)
Benjamin Maranhão (PB)
Carlos Bezerra (MT)
Celso Maldaner (SC)
Danilo Forte (CE)
Edinho Araújo (SP)
Edson Ezequiel (RJ)
Eduardo Cunha (RJ)
Fabio Trad (MS)
Fátima Pelaes (AP)
Fernando Jordão (RJ)
Flaviano Melo (AC)
Francisco Escórcio (MA)
Gabriel Chalita (SP)
Gean Loureiro (SC)
Geraldo Resende (MS)
Íris de Araújo (GO)
João Arruda (PR)
João Magalhães (MG)
Joaquim Beltrão (AL)
José Priante (PA)
Júnior Coimbra (TO)
Leandro Vilela (GO)
Leonardo Quintão (MG)
Luciano Moreira (MA)
Lucio Vieira Lima (BA)
Manoel Junior (PB)
Marçal Filho (MS)
Marcelo Castro (PI)
Marinha Raupp (RO)
Marllos Sampaio (PI)
Mauro Lopes (MG)
Mendes Ribeiro Filho (RS)
Moacir Micheletto (PR)
Nelson Bornier (RJ)
Newton Cardoso (MG)
Nilda Gondim (PB)
Osmar Serraglio (PR)
Osmar Terra (RS)
Paulo Piau (MG)
Pedro Chaves (GO)
Professor Setimo (MA)
Raimundão (CE)
Renan Filho (AL)
Rogério Peninha Mendonça (SC)
Ronaldo Benedet (SC)
Saraiva Felipe (MG)
Teresa Surita (RR)
Valdir Colatto (SC)
Washington Reis (RJ)
Wladimir Costa (PA)
PCdoB
Alice Portugal (BA)
Assis Melo (RS)
Chico Lopes (CE)
Daniel Almeida (BA)
Edson Pimenta (BA)
Evandro Milhomen (AP)
Jandira Feghali (RJ)
Jô Moraes (MG)
João Ananias (CE)
Luciana Santos (PE)
Osmar Júnior (PI)
PDT
André Figueiredo (CE)
Ângelo Agnolin (TO)
Brizola Neto (RJ)
Damião Feliciano (PB)
Flávia Morais (GO)
Giovani Cherini (RS)
Giovanni Queiroz (PA)
José Carlos Araújo (BA)
Manato (ES)
Marcelo Matos (RJ)
Oziel Oliveira (BA)
Paulo Pereira da Silva (SP)
Salvador Zimbaldi (SP)
Vieira da Cunha (RS)
Zé Silva (MG)
PHS
Felipe Bornier (RJ)
José Humberto (MG)
PMN
Dr. Carlos Alberto (RJ)
Fábio Faria (RN)
Jaqueline Roriz (DF)
PP
Afonso Hamm (RS)
Carlos Souza (AM)
Cida Borghetti (PR)
Dilceu Sperafico (PR)
Dimas Fabiano (MG)
Iracema Portella (PI)
Jair Bolsonaro (RJ)
Lázaro Botelho (TO)
Missionário José Olimpio (SP)
Neri Geller (MT)
Rebecca Garcia (AM)
Renzo Braz (MG)
Roberto Balestra (GO)
Roberto Britto (BA)
Roberto Dorner (MT)
Roberto Teixeira (PE)
Simão Sessim (RJ)
Toninho Pinheiro (MG)
Vilson Covatti (RS)
Waldir Maranhão (MA)
Zonta (SC)
PR
Aracely de Paula (MG)
Davi Alves Silva Júnior (MA)
Dr. Paulo César (RJ)
Francisco Floriano (RJ)
Giacobo (PR)
Giroto (MS)
Henrique Oliveira (AM)
Homero Pereira (MT)
Izalci (DF)
José Rocha (BA)
Liliam Sá (RJ)
Lúcio Vale (PA)
Maurício Quintella Lessa (AL)
Milton Monti (SP)
Neilton Mulim (RJ)
Ronaldo Fonseca (DF)
Tiririca (SP)
Vicente Arruda (CE)
Wellington Fagundes (MT)
Zoinho (RJ)
PRB
Acelino Popó (BA)
Antonio Bulhões (SP)
Cleber Verde (MA)
George Hilton (MG)
Heleno Silva (SE)
Jhonatan de Jesus (RR)
Jorge Pinheiro (GO)
Márcio Marinho (BA)
Otoniel Lima (SP)
Ricardo Quirino (DF)
Vilalba (PE)
Vitor Paulo (RJ)
PRP
Jânio Natal (BA)
PSB
Alexandre Roso (RS)
Ariosto Holanda (CE)
Domingos Neto (CE)
Edson Silva (CE)
Glauber Braga (RJ)
Jefferson Campos (SP)
Jonas Donizette (SP)
José Stédile (RS)
Keiko Ota (SP)
Laurez Moreira (TO)
Leopoldo Meyer (PR)
Luiz Noé (RS)
Luiza Erundina (SP)
Mauro Nazif (RO)
Pastor Eurico (PE)
Ribamar Alves (MA)
Romário (RJ)
Valadares Filho (SE)
PSC
Andre Moura (SE)
Carlos Eduardo Cadoca (PE)
Deley (RJ)
Erivelton Santana (BA)
Filipe Pereira (RJ)
Lauriete (ES)
Marcelo Aguiar (SP)
Pastor Marco Feliciano (SP)
Ratinho Junior (PR)
Stefano Aguiar (MG)
PTB
Alex Canziani (PR)
Arnaldo Faria de Sá (SP)
Celia Rocha (AL)
Danrlei De Deus Hinterholz (RS)
Eros Biondini (MG)
José Augusto Maia (PE)
José Chaves (PE)
Josué Bengtson (PA)
Jovair Arantes (GO)
Nilton Capixaba (RO)
Ronaldo Nogueira (RS)
Sabino Castelo Branco (AM)
Sérgio Moraes (RS)
Silvio Costa (PE)
PTC
Edivaldo Holanda Junior (MA)
PTdoB
Lourival Mendes (MA)
PV
Alfredo Sirkis (RJ)
Fábio Ramalho (MG)
Guilherme Mussi (SP)
Henrique Afonso (AC)
Lindomar Garçon (RO)
Paulo Wagner (RN)
Penna (SP)
Ricardo Izar (SP)
Roberto de Lucena (SP)
Roberto Santiago (SP)
Rosane Ferreira (PR)
Sarney Filho (MA)
PPS
César Halum (TO)
Geraldo Thadeu (MG)
Moreira Mendes (RO)
PSDB
Alberto Mourão (SP)
Manoel Salviano (CE)
DEM
Jairo Ataide (MG)
Fernando Torres (BA)
Paulo Magalhães (BA)

terça-feira, 14 de junho de 2011

Joaquim Barbosa: Político não pega cadeia

Nos últimos seis meses, o ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, perdeu 9 quilos. Ele cortou as massas e aumentou a quantidade de verduras no prato – em mais uma tentativa de arrefecer as dores na coluna, problema de saúde que o persegue há anos. Aos 56 anos de idade, o ministro também carrega sobre os ombros a pesada responsabilidade de relatar o processo do mensalão – o maior escândalo de corrupção da história brasileira, que tanto pode levar para a cadeia figurões da política, o que seria um fato inédito, como também pode ajudar a consolidar o descrédito na Justiça, confirmando a máxima de que poderosos e prisão percorrem caminhos paralelos.

Em entrevista a VEJA, Joaquim Barbosa, que deve assumir a presidência da Corte no fim do ano que vem, se diz formalmente impedido de comentar o caso do mensalão. Por outro lado, o ministro deixa clara a sua preocupação com as barreiras criadas pela própria legislação brasileira com o objetivo, segundo ele, de inviabilizar a punição de políticos corruptos.

O protagonismo do STF dos últimos tempos tem usurpado as funções do Congresso?
Temos uma Constituição muito boa, mas excessivamente detalhista, com um número imenso de dispositivos e, por isso, suscetível a fomentar interpretações e toda sorte de litígios. Também temos um sistema de jurisdição constitucional, talvez único no mundo, com um rol enorme de agentes e instituições dotadas da prerrogativa ou de competência para trazer questões ao Supremo. É um leque considerável de interesses, de visões, que acaba causando a intervenção do STF nas mais diversas questões, nas mais diferentes áreas, inclusive dando margem a esse tipo de acusação. Nossas decisões não deveriam passar de 200, no máximo 300 por ano. Hoje, são analisados 50000, 60000 processos. É uma insanidade.

Qual é a consequência direta dessa sobrecarga?
O pouco tempo de que dispomos para estudar e refletir sobre as questões verdadeiramente importantes, como anencefalia, ficha limpa, células-tronco, homoafetividade, regime de cotas raciais na educação. Estes, sim, são casos apropriados para uma Corte como o Supremo Tribunal Federal. Hoje, consumimos boa parte do nosso tempo julgando ações que não precisariam chegar aqui.

O senhor pode dar um exemplo?
Julguei um caso de um homem que foi processado criminalmente porque deu um chute na canela da sogra. Ele foi condenado e ingressou com um habeas corpus que veio parar aqui. Parece brincadeira, mas isso é recorrente.

Há vários diagnósticos sobre o tema. Para o senhor, por que a Justiça no Brasil é tão lenta?
Os processos demoram muito porque as leis são muito intrincadas, malfeitas. As leis não foram pensadas para dar solução rápida aos litígios. É um problema cultural, de falta de sentido prático para resolver as coisas. Deveríamos nos espelhar um pouco na Justiça americana, na rapidez com que ela resolve a maioria dos casos. Se um sistema judiciário não dá resposta rápida às demandas de natureza econômica, de natureza criminal, ele produz evidentemente uma descrença, um desânimo, que atingem a sociedade como um todo, inibindo investidores e empreendedores.

Essa percepção vem do exercício da magistratura?
O país atravessa um excelente momento econômico. Tenho amigos no exterior que dizem que há muita gente querendo investir no Brasil. Ao chegarem aqui, porém, essas pessoas depararam com um emaranhado de problemas de ordem legal, que vai da emissão do visto de permanência à criação de uma empresa. São muitos os obstáculos.

Esse emaranhado legal também está entre as causas da impunidade? A Justiça solta porque, muitas vezes, a decisão de prender não está muito bem fundamentada. Os elementos que levaram à prisão não são consistentes. A polícia trabalha mal, o Ministério Público trabalha mal. Na maioria dos casos que resultam em impunidade, é isso que ocorre. Por outro lado, o sistema penal brasileiro pune – e muito... principalmente os negros, os pobres, as minorias em geral. Às vezes, de maneira cruel, mediante defesa puramente formal ou absolutamente ineficiente.

O senhor concorda, então, com a ideia generalizada de que os poderosos não vão para a cadeia?
O foro privilegiado, como o nome já diz, reflete bem essa distinção cruel que não deveria existir. Uma vez eu chamei atenção para isso aqui no plenário do tribunal. Você se lembra quando o presidente Bill Clinton foi inquirido pelo Grand Jury? O que é um Grand Jury nos Estados Unidos? Nada mais que um órgão de primeira instância, composto de pessoas do povo. Era o presidente dos Estados Unidos comparecendo perante esse júri, falando sob juramento, sem privilégio algum. O homem mais poderoso do planeta submetendo-se às mesmas leis que punem o cidadão comum. O foro privilegiado é a racionalização da impunidade.

Como assim?
A criação do foro privilegiado foi uma aposta que se fez na impossibilidade de os tribunais superiores levarem a bom termo um processo judicial complexo. Pense bem: um tribunal em que cada um dos seus componentes tem 10000 casos para decidir, e cuja composição plenária julga questões que envolvem direitos e interesses diretos dos cidadãos, pode se dedicar às minúcias características de um processo criminal? Não é a vocação de uma corte constitucional. Isso foi feito de maneira proposital.
Para garantir impunidade? Evidente. O foro privilegiado foi uma esperteza que os políticos conceberam para se proteger. Um escudo para que as acusações formuladas contra eles jamais tenham consequências.

E, pelos exemplos recentes, parece que tem realmente funcionado. Político na cadeia?
Vai demorar muito ainda para que se veja um caso. Um processo criminal, por colocar em jogo a liberdade de uma pessoa em única e última instância, tem de ser um processo feito com a máxima atenção. É difícil conciliar esse rol gigantesco de competências que o Supremo tem com a condução de um processo criminal. Coordenar a busca de provas, determinar medidas de restrição à liberdade, invasivas da intimidade. são coisas delicadíssimas.

Esse raciocínio que o senhor acaba de fazer se aplica ao caso do mensalão?
Não vou falar sobre isso. Esse é um processo que está em andamento, está sob os meus cuidados e, por isso, estou impedido de falar sobre ele.

O senhor é o primeiro ministro negro do STF. Qual é a sua opinião sobre as políticas afirmativas? Em breve, o Supremo vai se posicionar sobre a questão das cotas raciais. Não posso me antecipar sobre um tema que ainda está sob análise. O que posso dizer é que existem experiências bem-sucedidas no mundo, mas isso não significa necessariamente que a receita possa ser copiada no Brasil. Não é um tema simples, mas é extremamente relevante.

O senhor concorda com a forma como são escolhidos os ministros das cortes superiores?
Não é o sistema ideal, mas não vislumbro outro melhor. Há os que criticam essa prerrogativa do presidente da República, mas acho que ele carrega consigo representatividade e legitimidade para isso.

Qual seria a alternativa a esse sistema? A nomeação pelo Congresso? Seguramente essa alternativa teria como consequência inevitável o rebaixamento do Supremo a um cabide de emprego para políticos sem voto, em fim de carreira, como ocorre com o Tribunal de Contas da União. Muita gente defende que se deva outorgar a escolha ao próprio Judiciário. Mas, com certeza, essa também não seria uma alternativa eficaz. Um corporativismo atroz se instalaria. Talvez, como ideia, poderíamos pensar em estabelecer um prazo fixo para o mandato dos ministros dos tribunais superiores.

Quais seriam os méritos dessa ideia de encurtar a vida útil dos ministros? É sempre uma aventura institucional mudar subitamente a forma de funcionamento de um órgão que já tem 120 anos de vida e que, bem ou mal, é a mais estável das nossas instituições. Mas penso que pode haver ganhos no estabelecimento de mandatos, com duração fixa, de doze anos, por exemplo, sem renovação. Mandatos curtos trariam insegurança e suscitariam a discussão sobre a possibilidade de renovação, o que não seria bom.

Da maneira como é feita hoje, a escolha dos ministros pelo presidente da República não leva a um comportamento submisso ao Executivo?
No Brasil de hoje não vejo nenhuma submissão do Judiciário ao Executivo. Nenhuma. O Judiciário brasileiro tem todas as garantias, todas as prerrogativas para ser um dos mais independentes do mundo. Nem mesmo os Estados Unidos contam com as nossas prerrogativas. As garantias da Constituição mudaram radicalmente a face do Poder Judiciário, que saiu de uma situação de invisibilidade, antes de 1988, para essa enorme visibilidade atual. O problema do Judiciário é de outra ordem, é organizacional, no plano da lei. Falta ousadia, falta coragem de propor mudanças que tornem a prestação jurisdicional mais rápida e pragmática.

A Justiça é tarda e falha no Brasil por quais razões?
É absurdo um sistema judiciário que conta com quatro graus de jurisdição! Deveriam ser apenas duas instâncias, como é no mundo inteiro. Essas instâncias favorecem o excesso de recursos. Faz sentido em um país do tamanho do Brasil ter um sistema judicial em que tanto a Justiça Federal quanto a Justiça dos estados tenham como órgãos de cúpula das suas decisões duas cortes situadas na capital federal, uma com onze ministros e outra com 33? Bastaria uma. Em vez de termos duas cortes superiores para a Justiça comum, o Supremo e o Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, poderíamos ter pequenas cortes, de no máximo sete juízes, em cada estado. Uma estrutura mínima que pulverizaria o trabalho do Superior Tribunal de Justiça. Só viriam para o Supremo os processos que tratassem de questões verdadeiramente constitucionais. Essa seria a maneira correta de o sistema funcionar.

Então o senhor é a favor da proposta que prevê a execução imediata das decisões judiciais após o pronunciamento dos tribunais de segunda instância? O Brasil precisa urgentemente de um sistema judicial que dê respostas rápidas às demandas do cidadão por Justiça. Repito: não há como obter essas respostas rápidas com um sistema judicial com quatro graus de jurisdição. Isso é patético! Eu desafio qualquer um a me apontar uma única democracia minimamente funcional em que sejam necessárias quatro instâncias, que permitem dezenas de recursos, para que as decisões dos juízes, por mais singelas que sejam, tenham efetividade.

O governo pretende flexibilizar a legislação para facilitar as compras e contratações para as obras da Copa do Mundo. Assunto que, provavelmente, vai acabar ocasionando um processo no STF. O que o senhor acha dessa saída?
Sou contra abrir exceções para a Fifa. A Fifa é uma organização privada, que não presta contas a ninguém. Eu adoro futebol, mas as exigências que estão sendo feitas pela Fifa para organizar o Mundial no Brasil me parecem exorbitantes. Esse é mais um caso que não precisaria chegar ao Supremo.

O STF confirmou na semana passada, inclusive com o voto do senhor a favor, a legalidade da decisão do ex-presidente Lula de não extraditar o terrorista Cesare Battisti. O Brasil não corre o risco de virar refúgio de criminosos?
O que tenho a dizer sobre este caso está detalhado no meu voto. Não tenho nada a acrescentar.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Ricardo Rangel: O que derrubou o ministro?

Recentemente, o presidente do PT, deputado Rui Falcão, afirmou que "a honestidade do ministro Palocci não está em questão". Curiosa afirmação, considerando-se que o que mais se discutia é se o ministro teria recebido seus milhões em troca de tráfico de influência, o que é que crime. Outras correntes aventavam se ele não teria sido o instrumento para arrecadar, conforme definiu o especialista Delúbio Soares, "recursos não contabilizados" para a campanha de Dilma - ou seja, caixa dois -, o que também é crime. Mas, supondo-se que o deputado tivesse razão e que a razão da queda de Palocci não tenha sido sua eventual falta de honestidade, o que será que o derrubou, afinal?

Terá sido sua inteligência? Mesmo que o dinheiro fosse 100% honesto, o que leva um político prestes a se tornar ministro a comprar, em seu próprio nome, um apartamento de R$6,6 milhões praticamente à vista? Imóveis são comprados por meio de escritura pública, lavrada em cartório, depois levada a registro em outro cartório. Ninguém precisa de vazamento na Receita para ter acesso a essa informação. O ministro achou que ninguém ia descobrir, ou imaginou que, se alguém descobrisse, acharia normal? Talvez Palocci não saiba que ministros são como Pompeia Sula, aquela a quem não bastava ser honesta, precisava parecer honesta.

Terá sido a certeza da impunidade? Mas Palocci já esteve no topo do mundo antes e caiu. Quando foi pego com a boca na botija pela primeira vez, Palocci não foi preso, mas não ficou impune: perdeu o ministério e a candidatura, praticamente certa, à Presidência. Palocci sabe que não se deve contar com a impunidade.

Terá sido sua memória, então? Será que Palocci já não se lembrava de seu primeiro calvário, ocorrido há tão pouco tempo? Será possível que Palocci tenha se esquecido de que o poder é sempre precário, especialmente para quem não tem voto? Aparentemente, Palocci não conhece o aforismo do filósofo George Santayana, que diz que quem não se lembra de seu passado está condenado a repeti-lo - e nega Marx, pois, ao repetir sua história, o faz ambas as vezes em forma de farsa.

Terá sido sua pequenez? Quando caiu pela primeira vez, Palocci foi derrubado por andar em más companhias e por violar o sigilo bancário de um caseiro; desta vez foi derrubado por comprar um apartamento milionário. Em "Henrique IV", Shakespeare mostra o primogênito do rei, príncipe Hal, como um rapaz beberrão e arruaceiro, que anda em péssimas companhias e dá grande preocupação àqueles que o imaginam, mais tarde, no trono. No fim da peça, entretanto, Hal herda a coroa e seu primeiro ato como rei é afastar-se de Falstaff, justamente aquele que era seu melhor amigo e sua pior influência. Na peça seguinte, "Henrique V", Hal transforma-se em Harry, um rei exemplar, que coloca seus súditos acima de tudo, não hesita em enforcar um de seus antigos companheiros, apanhado roubando, e cobre de glória a Inglaterra. "Ricardo II" e "Ricardo III", também de Shakespeare, e "Eduardo II", de seu principal mestre, Christopher Marlowe, são reis que põem a si mesmos acima de seus súditos, levam o reino à ruína e a si mesmos à destruição. Palocci não leu os elizabetanos.

Terá sido sua arrogância? Todos os parlamentares se queixavam de que o então ministro não os recebia e que pilotava o trator da presidente sem dó nem piedade. Chegou a ameaçar o vice-presidente, seu superior hierárquico. Os heróis gregos, quando, embriagados pelo poder ou por seus próprios egos, esqueciam-se de sua condição humana, ultrapassavam o "metron", o senso de medida, e cometiam a "hubris", a empáfia. Esse era o momento em que eram destruídos, mas não sem antes ouvir a gargalhada dos deuses. Na Roma Antiga, um general vitorioso liderava seu exército pelas ruas da cidade, para delírio da multidão, no que se chamava "triunfo". Atrás dele ia um escravo, que carregava uma coroa de louros sobre sua cabeça, e, de vez em quando, sussurrava em seu ouvido algo como "lembra-te de que és mortal". Palocci não leu Ésquilo nem Sófocles, e não conhece a história de Roma.

É irônico que, nestes tempos em que nosso governo tanto maltrata a Educação, constatar que o "que estava em questão em Palocci", o que derrubou o ministro mais poderoso, parece ter sido sua pouca cultura. Recomenda-se a Palocci, "um homem honrado", e a seus pares, "todos homens honrados", um pouco de história, uma pitada de filosofia, e, claro, os clássicos.

sábado, 4 de junho de 2011

Olavo de Carvalho: Uma geração de predadores

Desde que me distanciei do Brasil, tenho visto a inteligência dos meus compatriotas cair para níveis que às vezes ameaçam raiar o sub-humano. Não posso medi-la pela produção literária, que veio rareando até tornar-se praticamente inexistente num país que já teve alguns dos melhores escritores do mundo. Meço-a pelas teses universitárias que me chegam, cada vez mais repletas de solecismos e contra-sensos grotescos, pelos comentários de jornal, pelos pronunciamentos das chamadas “autoridades” e, de modo geral, pelas discussões públicas. Em todo esse material, o que mais salta aos olhos não é o vazio de idéias, não é a estupidez dos raciocínios, não é nem mesmo a miséria da linguagem: é a incapacidade geral de distinguir entre o essencial e o acessório, o decisivo e o irrelevante. Não há problema, não há tema, não há assunto que, uma vez trazido ao palco – ou picadeiro –, não seja infindavelmente roído pelas beiradas, como se não tivesse um centro, um significado, um sentido em torno do qual articular uma discussão coerente. Cada um que abre a boca quer externar apenas algum sentimento subjetivo deslocado e extemporâneo, exibir bom-mocismo, angariar simpatias ou votos, como se se tratasse de uma rodada de apresentações pessoais num grupo de psicoterapia e não de uma conversa sensata sobre – digamos – alguma coisa. A coisa, o objeto, o fato, o tema, este, coitado, fica esquecido num canto, como se não existisse, e depois de algum tempo cessa mesmo de existir. A impressão que me sobra é a de que toda a população legente e escrevente está sofrendo de síndrome de déficit de atenção. Ninguém consegue fixar um objeto na mente por dez segundos, a imaginação sai logo voando para os lados e tecendo, embevecida, um rendilhado de frivolidades em torno do nada.

Se me perguntarem quais são os problemas essenciais do Brasil, responderei sem a menor dificuldade:

1) A matança de brasileiros, entre quarenta e cinqüenta mil por ano.

2) O consumo de drogas, que aumenta mais do que em qualquer país vizinho, e que alguns celerados pretendem aumentar ainda mais mediante a liberação do narcotráfico – o maior prêmio que as Farc poderiam receber por décadas de morticínio.

3) A absoluta ausência de educação num país cujos estudantes tiram sempre os últimos lugares nos testes internacionais, concorrendo com crianças de nações bem mais pobres; num país, mais ainda, onde se aceita como ministro da Educação um sujeito que não aprendeu a soletrar a palavra “cabeçalho” porque jamais teve cabeça, e onde se entende que a maior urgência do sistema escolar é ensinar às crianças as delícias da sodomia – sem dúvida uma solução prática para estudantes e professores, já que o exercício dessa atividade não requer conhecimentos de português, de matemática ou de coisa nenhuma exceto a localização aproximada partes anatômicas envolvidas.

4) A falta cada vez maior de mão-de-obra qualificada de nível superior, que tem de ser trazida de fora porque das universidades não vem ninguém alfabetizado.

5) A dívida monstruosa acumulada por um governo criminoso que não se vexa de estrangular as gerações vindouras para conquistar os votos da presente, e que ainda é festejado, por isso, como o salvador da economia nacional.

6) A completa impossibilidade da concorrência democrática num quadro onde governo e oposição se aliaram, com o auxílio da grande mídia e a omissão cúmplice da classe rica, para censurar e proibir qualquer discurso político que defenda os ideais e valores majoritários da população, abomináveis ao paladar da elite.

7) A debilitação alarmante da soberania nacional, já condenada à morte pela burocracia internacional em ascensão e pelo cerco continental do Foro de São Paulo (aquela entidade que até ontem nem mesmo existia, não é?).

8) A destruição completa da alta cultura, num estado catastrófico de favelização intelectual onde a função de respiradouro para a grande circulação de idéias no mundo, que caberia à classe acadêmica como um todo, é exercida praticamente por um único indivíduo, um último sobrevivente, que em retribuição leva pedradas e cuspidas por todo lado, especialmente dos plagiários e usurpadores que vivem de parasitar o seu trabalho.

Se me perguntam a causa desses oito vexames colossais, digo que é a coisa mais óbvia do mundo: quarenta anos atrás, as instituições que se gabam de ser as maiores universidades brasileiras lançaram na praça uma geração de pseudo-intelectuais morbidamente presunçosos, que na juventude já se pavoneavam de ser “a parcela mais esclarecida da população”. Hoje essas mentes iluminadas dominam tudo – sistema educacional, partidos políticos, burocracia estatal, o diabo –, moldando o país à sua imagem e semelhança. Matança, dívidas, emburrecimento geral, debacle do ensino, é tudo mérito de um reduzido grupo de cérebros de péssima qualidade intoxicados de idéias bestas e vaidade infernal. Dentre todas as gerações de intelectuais brasileiros, a pior, a mais predatória, a mais destrutiva.

Se querem saber agora por que os temas fundamentais não podem ser enxergados e discutidos na sua essência, por que as atenções são sempre desviadas para detalhes laterais e por que, em suma, nenhum problema neste país tem solução, a resposta também não é difícil: quem molda os debates públicos, por definição, é a elite dominante, e esta não permite que nada seja discutido exceto nos moldes do seu vocabulário, dos seus interesses, da sua agenda, da sua irresponsabilidade psicótica, da sua ambição megalômana, da sua auto-adoração abjeta.

Enquanto vocês não perderem o respeito por essa gente, nada de sério se poderá discutir no Brasil.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Editorial do Estadão: Sarney reescreve a História

Monumento vivo ao mandonismo, ao fisiologismo, ao compadrio, ao nepotismo, ao tráfico de influência - a tudo, enfim, o que de pior existe na política brasileira -, o presidente do Senado, José Sarney, resolveu reescrever a História do Brasil, menosprezando a opinião pública e depreciando um dos mais edificantes momentos de mobilização cívica que a Nação viveu nos últimos tempos. Para Sarney, o afastamento de Fernando Collor da Presidência da República, em 1992, “não é marcante”, pois se trata de “apenas um acidente que não devia ter acontecido na História do Brasil”. O impeachment do “caçador de marajás” na verdade não chegou a acontecer como decisão do Congresso. Formalmente, Collor renunciou à Presidência. Mas só o fez porque a cassação de seu mandato se tornara inevitável como resultado do processo de impeachment provocado pelas denúncias de corrupção em seu governo. O Parlamento teve, portanto, papel decisivo na renúncia.

Mesmo assim, esse episódio foi banido da galeria de eventos históricos do Congresso, reinaugurada na terça-feira por Sarney no “túnel do tempo”, o amplo corredor que liga os gabinetes dos senadores ao plenário da Câmara Alta. No dia seguinte Sarney recuou, determinando a reinclusão do episódio na galeria. Mas nada apaga o despautério da véspera.

Diante da perplexidade geral causada pela omissão, Sarney ordenara à Secretaria de Comunicação Social do Senado, em nota oficial, botar a culpa nos historiadores: “A partir da Constituição de 1988, a opção dos historiadores foi destacar os fatos marcantes da atividade legislativa. O foco da exposição é mostrar a produção legislativa do Congresso Nacional. A discussão e aprovação das leis é a essência do que faz o Parlamento como poder republicano”. Sarney reinterpretava a seu modo a Constituição, que atribui ao Poder Legislativo também a responsabilidade pela fiscalização dos atos do Executivo. Para ele, essa responsabilidade é secundária. Caso contrário não teria acatado - para depois voltar atrás - o critério dos “historiadores”. Que foram generosos na valorização do papel do próprio Sarney em episódios como o da aprovação do projeto que assegura tratamento gratuito aos portadores de aids.

Certamente no afã de fazer sua parte no conchavo que tornou o agora senador Fernando Collor um de seus fiéis aliados, o experiente José Sarney, um dos principais fiadores políticos do governo do PT, pisou em falso - como ele próprio parece ter percebido - ao depreciar publicamente o papel dos “caras-pintadas” de 1992, os jovens que empolgaram a Nação com sua indignação contra os desmandos de um governo corrupto e acabaram provocando a renúncia do primeiro presidente eleito pelo povo na “Nova República”. Vai ser difícil para os jovens de 1992 ou para qualquer brasileiro imbuído de sentimento cívico e, por isso mesmo, orgulhoso da mobilização que levou à queda de Collor engolir a desfeita de Sarney. Não foi à toa que o presidente do Senado se apressou a dar o dito por não dito. Falseando a História para bajular Collor, Sarney correu o risco de acender o estopim de uma onda nacional de indignação - o que é tudo de que o Palácio do Planalto não precisa, estando em curso o escândalo Palocci.

Sempre restará ao presidente do Senado protestar inocência, atribuindo a falsificação da História a uma conspiração de seus adversários para “fragilizar as instituições”. Durante os últimos anos, sob a presidência do senador e de seu irmão de fé Renan Calheiros, a administração da Câmara Alta protagonizou escândalos capazes de fazer corar um monge de pedra.

Mas Sarney tem a consciência tranquila, como revelou dias atrás, ao discursar na comemoração dos 185 anos do Senado: “Identifico muito essa campanha contra o Senado ao fato de ele ser uma casa forte, a quem o Brasil deve muito com relação a sua construção. Em um momento em que se procura fragilizar instituições no Brasil, ataca-se muito o Senado, porque aqui continuamos a ser uma fonte permanente de ajuda ao Brasil”. De autoajuda, melhor diria.