Recentemente, o presidente do PT, deputado Rui Falcão, afirmou que "a honestidade do ministro Palocci não está em questão". Curiosa afirmação, considerando-se que o que mais se discutia é se o ministro teria recebido seus milhões em troca de tráfico de influência, o que é que crime. Outras correntes aventavam se ele não teria sido o instrumento para arrecadar, conforme definiu o especialista Delúbio Soares, "recursos não contabilizados" para a campanha de Dilma - ou seja, caixa dois -, o que também é crime. Mas, supondo-se que o deputado tivesse razão e que a razão da queda de Palocci não tenha sido sua eventual falta de honestidade, o que será que o derrubou, afinal?
Terá sido sua inteligência? Mesmo que o dinheiro fosse 100% honesto, o que leva um político prestes a se tornar ministro a comprar, em seu próprio nome, um apartamento de R$6,6 milhões praticamente à vista? Imóveis são comprados por meio de escritura pública, lavrada em cartório, depois levada a registro em outro cartório. Ninguém precisa de vazamento na Receita para ter acesso a essa informação. O ministro achou que ninguém ia descobrir, ou imaginou que, se alguém descobrisse, acharia normal? Talvez Palocci não saiba que ministros são como Pompeia Sula, aquela a quem não bastava ser honesta, precisava parecer honesta.
Terá sido a certeza da impunidade? Mas Palocci já esteve no topo do mundo antes e caiu. Quando foi pego com a boca na botija pela primeira vez, Palocci não foi preso, mas não ficou impune: perdeu o ministério e a candidatura, praticamente certa, à Presidência. Palocci sabe que não se deve contar com a impunidade.
Terá sido sua memória, então? Será que Palocci já não se lembrava de seu primeiro calvário, ocorrido há tão pouco tempo? Será possível que Palocci tenha se esquecido de que o poder é sempre precário, especialmente para quem não tem voto? Aparentemente, Palocci não conhece o aforismo do filósofo George Santayana, que diz que quem não se lembra de seu passado está condenado a repeti-lo - e nega Marx, pois, ao repetir sua história, o faz ambas as vezes em forma de farsa.
Terá sido sua pequenez? Quando caiu pela primeira vez, Palocci foi derrubado por andar em más companhias e por violar o sigilo bancário de um caseiro; desta vez foi derrubado por comprar um apartamento milionário. Em "Henrique IV", Shakespeare mostra o primogênito do rei, príncipe Hal, como um rapaz beberrão e arruaceiro, que anda em péssimas companhias e dá grande preocupação àqueles que o imaginam, mais tarde, no trono. No fim da peça, entretanto, Hal herda a coroa e seu primeiro ato como rei é afastar-se de Falstaff, justamente aquele que era seu melhor amigo e sua pior influência. Na peça seguinte, "Henrique V", Hal transforma-se em Harry, um rei exemplar, que coloca seus súditos acima de tudo, não hesita em enforcar um de seus antigos companheiros, apanhado roubando, e cobre de glória a Inglaterra. "Ricardo II" e "Ricardo III", também de Shakespeare, e "Eduardo II", de seu principal mestre, Christopher Marlowe, são reis que põem a si mesmos acima de seus súditos, levam o reino à ruína e a si mesmos à destruição. Palocci não leu os elizabetanos.
Terá sido sua arrogância? Todos os parlamentares se queixavam de que o então ministro não os recebia e que pilotava o trator da presidente sem dó nem piedade. Chegou a ameaçar o vice-presidente, seu superior hierárquico. Os heróis gregos, quando, embriagados pelo poder ou por seus próprios egos, esqueciam-se de sua condição humana, ultrapassavam o "metron", o senso de medida, e cometiam a "hubris", a empáfia. Esse era o momento em que eram destruídos, mas não sem antes ouvir a gargalhada dos deuses. Na Roma Antiga, um general vitorioso liderava seu exército pelas ruas da cidade, para delírio da multidão, no que se chamava "triunfo". Atrás dele ia um escravo, que carregava uma coroa de louros sobre sua cabeça, e, de vez em quando, sussurrava em seu ouvido algo como "lembra-te de que és mortal". Palocci não leu Ésquilo nem Sófocles, e não conhece a história de Roma.
É irônico que, nestes tempos em que nosso governo tanto maltrata a Educação, constatar que o "que estava em questão em Palocci", o que derrubou o ministro mais poderoso, parece ter sido sua pouca cultura. Recomenda-se a Palocci, "um homem honrado", e a seus pares, "todos homens honrados", um pouco de história, uma pitada de filosofia, e, claro, os clássicos.