sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Marco Antonio Villa: [Maranhão] O Estado do medo


Em meio ao processo do mensalão, as diversas operações da Polícia Federal ou a turbulenta relação entre os poderes da República, o Brasil esqueceu do Maranhão. Na fase final da guerra contra Canudos, em 1897, os oficiais militares costumavam dizer que não viam a hora de voltar para o Brasil. Quem hoje visita o Maranhão fica com a mesma impressão. É um estado onde o medo está em cada esquina, onde as leis da República são desprezadas. Lá tudo depende de um sobrenome: Sarney. Os três poderes são controlados pela família do, como diria Euclides da Cunha, senhor do baraço e do cutelo. A relação incestuosa dos poderes é considerada como algo absolutamente natural. Tanto que, em 2009, o Tribunal Regional Eleitoral anulou a eleição para o governo estadual. O vencedor foi Jackson Lago, adversário figadal da oligarquia mais nefasta da história do Brasil. O donatário da capitania ─ lá ainda se mantém informalmente o regime adotado em 1534 por D. João III ─ ficou indignado com o resultado das urnas. A eleição acabou anulada pelo TRE, que tinha como vice-presidente (depois assumiu a presidência) a tia da beneficiária, Roseana Sarney.

No estado onde o coronel tudo pode, a Constituição Federal é só um enfeite. Lá, diversos artigos que vigoram em todo o Brasil, são considerados nulos, pela jurisprudência da famiglia . O artigo 37 da nossa Constituição, tanto no caput como no §1º, é muito claro. Reza que a administração pública “obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” e “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. Contudo, a Constituição maranhense, no artigo 19, XXI, § 9º determina que “é proibida a denominação de obras e logradouros públicos com o nome de pessoas vivas, excetuando-se da aplicação deste dispositivo as pessoas vivas consagradas notória e internacionalmente como ilustres ou que tenham prestado relevantes serviços à comunidade na qual está localizada a obra ou logradouro”.

Note, leitor, especialmente a seguinte passagem: “excetuando-se da aplicação deste dispositivo as pessoas vivas e consagradas notória e internacionalmente como ilustres”. Nem preciso dizer quem é o “mais ilustre” daquele estado ─ e que o provincianismo e o mandonismo imaginam que tenha “consagração internacional.” Contudo, a redação original do artigo era bem outra: “É vedada a alteração dos nomes dos próprios públicos estaduais e municipais que contenham nome de pessoas, fatos históricos ou geográficos, salvo para correção ou adequação nos termos da lei; é vedada também a inscrição de símbolos ou nomes de autoridades ou administradores em placas indicadores de obras ou em veículos de propriedade ou a serviço da administração pública direta, indireta ou fundacional do Estado e dos Municípios, inclusive a atribuição de nome de pessoa viva a bem público de qualquer natureza pertencente ao Estado e ao Município”. Quando foi feita a mudança? A 24 de janeiro de 2003, com o apoio decisivo de Roseana Sarney. Desta forma foi permitido que centenas ─ centenas, sem exagero ─ de logradouros e edifícios públicos recebessem, em todo o estado, denominações de familiares, especialmente do chefe. Para mostrar o desprezo pela ordem legal, em 1997 foi criado o município de Presidente Sarney, isto quando a Constituição Federal proíbe e a estadual ainda proibia. Quem criou o município? Foi a filha, no exercício do governo. Mas a homenagem ficou somente na denominação do município. Pena. Os pobres sarneyenses ─ é o gentílico ─ vivem em condições miseráveis: é um dos municípios que detêm os piores índices de desenvolvimento humano no Brasil.

Como o Brasil esqueceu o Maranhão, a família faz o que bem entende. E isto desde 1965! Sabe que adquiriu impunidade pelo silêncio (cúmplice) dos brasileiros. Mas, no estado onde a política se confunde com o realismo fantástico, o maior equívoco é imaginar que todas as mazelas já foram feitas. Não, absolutamente não. A governadora resolveu fazer uma lei própria sobre licitação. Como é sabido, a lei federal 8.666 regulamenta e tenta moralizar as licitações. Mas não no Maranhão. Por medida provisória, Roseana Sarney adotou uma legislação peculiar, que dispensa a “emergência”, substituída pela “urgência”. Quem determina se é ou não urgente? Bingo, claro, é ela própria. Não satisfeita resolveu eliminar qualquer restrição ao número de aditivos. Ou seja, uma obra pode custar o dobro do que foi contratada. E é tudo legal. Não é um chiste. É algo gravíssimo. E se o Brasil fosse um país sério, certamente teria ocorrido, como dispõe a Constituição, uma intervenção federal. O que lá ocorre horroriza todos aqueles que tem apreço por uma conquista histórica do povo brasileiro: o Estado Democrático de Direito.

O silêncio do Brasil custa caro, muito caro, ao povo do Maranhão. Hoje é o estado mais pobre da Federação. Seus municípios lideram a lista dos que detém os piores índices de desenvolvimento humano. Muitos dos que lá vivem lutam contra os promotores do Estado do medo. Não é tarefa fácil. Os tentáculos da oligarquia estão presentes em toda a sociedade. É como se apresassem para sempre a sociedade civil. Sabemos que o país tem inúmeros problemas, mas temos uma tarefa cívica, a de reincorporar o Maranhão ao Brasil.

domingo, 23 de dezembro de 2012

Fernando Gabeira: Mexeu com a igualdade, mexeu com todo mundo


O sucesso do filme Lincoln, de Steve Spielberg, inspirou uma série de artigos nos Estados Unidos ressaltando a importância da política, quando é realizada por pessoas generosas com o objetivo de melhorar a vida de milhões.

Os articulistas esperam que a exibição do filme leve os espectadores a lamentar a mediocridade da atmosfera política de hoje e que desperte o desejo de elevar seu nível por meio da própria participação.

Não vi o filme, apenas as entrevistas de Spielberg e de Daniel Day-Lewis, que interpreta Lincoln. Consegui, entretanto, o livro que, de certa forma, inspirou o filme: Team of Rivals, The Political Genius of Abraham Lincoln, de Doris Kearns Goodwin. A autora se estende também na biografia dos três candidatos que disputaram com Lincoln no Partido Republicano. Todos jovens ambiciosos e capazes, admirados pelos seus eleitores.

Não posso prever que efeito o filme terá nos Estados Unidos. Noto apenas que a época empurrava para a grandeza: todos saíram de casa e cruzaram os Estados Unidos para construir sua carreira. E havia um grande tema esperando por eles: a escravidão.

Os grandes temas ajudam, quando os políticos são capazes. Joaquim Nabuco, no Brasil, enriqueceu sua trajetória na luta contra a escravidão. Lincoln é produto de outra cultura e se insere de modo especial no momento político americano. Mas, como a reflexão sobre a política trata de variáveis universais, pode ser que desperte algum interesse no Brasil.

Vivemos um momento estranho. Dois presidentes, José Sarney e Lula, defendem-se reciprocamente com o argumento de que estão acima de suspeitas ou investigações. Sarney conferiu a Lula a condição de inalcançável e este, por sua vez, no auge do escândalo no Senado, afirmou que Sarney não deveria ser tratado como uma pessoa qualquer. Criaram uma irmandade dos intocáveis. Sarney já tem um museu dedicado à sua vida; Lula está a caminho de construir o seu.

Além de intocável e com um museu ainda em vida, Sarney também é imortal. Essa condição ainda falta a Lula, mas não me surpreenderia se o amigo conseguisse para ele uma cadeira na Academia de Letras.

Na década de 1960, escrevi um artigo ironizando as pessoas que se achavam especiais porque moravam em Ipanema. Até hoje rola pela internet. Jovem existencialista, mostrava a futilidade de se julgar especial por pertencer a algum lugar ou grupo ou mesmo por alguma condição nata. Era a forma de negar a importância das opções cotidianas, a construção de nossa realidade por meio das escolhas mais intrincadas. Sarney e Lula não reivindicam uma vantagem nata, muitos menos a que decorre do pertencimento a um grupo ou lugar. Eles se reclamam intocáveis pelos serviços prestados ao país. E nisso reside seu erro monumental. Não existem serviços prestados ao País que possam garantir uma condição acima de qualquer suspeita. E, se foram prestados com essa expectativa, corrompem as suas próprias intenções generosas.

Sarney e Lula fizeram nesse aspecto particular um pacto pelo atraso. Com o domínio do Congresso que o primeiro exerce e a popularidade do segundo, continuam com potencial de mobilizar a maioria. Mas sempre existirá uma minoria, resistindo com a frase tantas vezes subversiva: somos todos iguais perante a lei.

Compreendo que há uma luta política. Os governistas precisam proteger a imagem de Lula, pois ela é a garantia de futuras vitórias eleitorais. O desgaste de Lula enfraquece um projeto de poder.

Não compreendo, entretanto, o argumento que nos faz retroceder ao período anterior à Revolução Francesa. Esse desejo de poder estendido ao controle da biografia, da inevitabilidade da morte, do alcance da lei, é um desejo patético.

Mesmo aqueles que acham que o mundo começou com o nascimento de Lula, em Garanhuns (PE), ou com o nascimento de José Ribamar, em Pinheiro (MA), deveriam ser sensíveis à bandeira da igualdade.

A fraternidade dos intocáveis é uma construção mental que rebaixa as conquistas do movimento pela democratização no Brasil e nos divide entre semideuses e seres humanos.

Na verdade, o argumento dos dois presidentes aprofunda a desconfiança na política e nos políticos. Por isso a chegada de Lincoln, o filme, apesar de uma cultura e uma época diferentes, pode ser um pequeno sopro de ar fresco na sufocante atmosfera política brasileira.

Nem nos Estados Unidos nem aqui é possível repetir a grandeza política de Lincoln. Já no segundo capítulo do livro de Doris Goodwin é possível imaginar como Lincoln brigaria feio com os marqueteiros modernos: ele se recusava a dramatizar ou sentimentalizar sua infância na pobreza.

Ainda assim, com todas as ressalvas, precisamos de outras épocas, outros líderes, para ao menos desejar algo melhor do que o que estamos vivendo. Não me refiro, aqui, à satisfação majoritária com as condições materiais de vida. Muito menos quero dar à trajetória democrática no século 21 a dramaticidade de um tempo de guerra e escravidão.

Quando um presidente do Brasil diz uma barbaridade, sentimos muito. Quando dois presidentes dizem a mesma barbaridade, isso nos obriga a apelar para tudo, até para um bom cinema.

Depois do cha cha cha della secretaria, Lula se vê em apuros com as denúncias de Marcos Valério. Concordo com os petistas de que não se deva confiar nele, embora tenham confiado tão profundamente em 2003. Mas a melhor maneira de desconfiar é analisar as acusações, apurando-as com cuidado. É assim que se descobre o que é verdade e o que é mentira.

Fora disso, só construindo uma redoma onde Lula e Sarney possam estar a salvo dos percalços que ameaçam os simples mortais. E criar essa visão religiosa de uma santíssima dualidade. E ninguém se ajoelha e reza diante dela, porque a ferramenta hoje não é oração do passado. Basta um #tag.

Se Sarney e Lula se contentassem com um museu e a condição de imortais, tudo estaria bem. Mas, mexeu com a igualdade, mexeu com todos nós.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Guilherme Fiúza: Rose do Lula é a mulher do ano.

Nesses tempos de devoção às minorias, não é justo deixar de destacar a contribuição de Rosemary Noronha para a causa feminina. O Brasil progressista explode de orgulho por ser governado por uma mulher — que aliás deu a Rosemary sua chance de brilhar — e não pode agora se esquecer de reverenciar mais uma expoente do gênero. Assim como Dilma, Rose chegou lá. O fato de estar enrolada com a polícia é um detalhe.

Rose e Dilma escreveram seus nomes na história do Brasil por serem, ambas, utensílios de Lula. A finalidade de cada uma para o ex-presidente não vem ao caso. O que importa é que ambas funcionaram muito bem. Como se nota pelo ufanismo nacional em torno de Dilma, não se espera mais da mulher moderna opinião própria, autonomia e iniciativa. Basta botar um tailleur vermelho, um colar de pérolas e decorar suas falas. E muito importante: falar o mínimo, para errar pouco. Até outro dia isso era piada entre Miguel Falabella e Marisa Orth (“cala a boca, Magda!”). Hoje é sinal de poder.

O grande símbolo feminino brasileiro da atualidade, que desperta a admiração de Jane Fonda — que tempos! — não tinha feito nada de extraordinário na vida até ser levada pela mão do padrinho ao topo. O feminismo realmente mudou muito.

Lá chegando, seu maior mérito foi usar vestido e não ser o Lula (para os que não suportavam mais o ogro bravateiro), ou ser o Lula de vestido (para os que seguem venerando o filho do Brasil). Sem nenhum plano de governo, com um ministério fisiológico de cabo a rabo, sem um mísero ato de estadista em dois anos de mandato, Dilma se destaca por ser ou não ser Lula, dependendo do ponto de vista. É a apoteose da nulidade, que o Brasil progressista e feminista consagra com aprovação recorde.

Diante desses novos valores, seria injusto não consagrar Rosemary também. A representante da Presidência da República em São Paulo fez exatamente o que Dilma fez em Brasília: cacifada por Lula, passou a reger o parasitismo do PT, cuidando da nomeação de companheiros e dando blindagem política às suas peripécias para sucção do Estado.

No caso de Dilma, a grande orquestra fisiológica foi desmoronando ao vivo, com nada menos que sete ministros nomeados (e protegidos até o fim) por ela caindo de podres, graças à ação da imprensa. A mulher-modelo de Jane Fonda ainda havia parido uma Erenice, a quem preparava para ser a dama de ferro de seu governo (Jane não pode imaginar o que seria isso) — derrubada por fazer na Casa Civil algo muito parecido com as operações fantásticas de Rosemary. Até o uso da Anac como balcão de negócios se repetiu. Por que só Dilma é ícone feminino, se Rosemary mostrou ser um prodígio da mesma escola?

Por algum mistério insondável, a Polícia Federal não fez escutas nos telefones de Rose, ou diz que não fez. As conversas da mulher que regia uma quadrilha grudada em Lula, se apresentando como sua namorada, e que tramou até sabotagem ao julgamento do mensalão — o mesmo que Lula tentara com Gilmar Mendes — não interessou aos investigadores. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que não havia motivos para grampear Rosemary — uma suspeita que está impedida pela Justiça de sair de sua cidade. Esses ministros farsescos do PT podiam ao menos ser mais criativos. Mas não precisa, porque o Brasil engole qualquer coisa.

Marcos Valério disse que Lula teve despesas pagas pelo esquema do mensalão e autorizou operações bancárias do valerioduto. É comovente a desimportância atual dessas declarações. Lula é o líder de um projeto político montado para a permanência no poder a qualquer custo — e essa fraude está exaustivamente demonstrada pelo mensalão, por Dirceu, Erenice, Palocci, Pimentel, aloprados, Rosemary e praticamente todo o estado-maior petista, tanto de Lula quanto de Dilma, flagrados em tráfico de influência para se aferrar ao poder na marra. O que mais é preciso denunciar?

O eleitor brasileiro está brincando com fogo. Enquanto o desemprego estiver baixo, vai continuar afiançando a fraude que finge não ver. O país vai sendo empurrado com a barriga pelos fisiológicos — e essa conta vai chegar. O governo desistiu de controlar a inflação, que vai se afastando da meta (apesar da mudança de cálculo que reduziu o índice). A gastança pública é disfarçada com truques contábeis para esconder o déficit. A arrecadação brutal banca a farra dos companheiros, sem sobra para investimentos decentes — e tome literatura de trem-bala e tarifas mentirosas de energia, que já multiplicam os apagões por manutenção precária.

Como se viu na funesta CPI do Cachoeira, a mafiosa Delta comandava o planejamento da infraestrutura terrestre. Mas está tudo bem, e oito governadores podem ir de cara limpa prestigiar Lula e sua democracia de aluguel. Se este é o país que queremos, Rosemary é a mulher do ano.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Guilherme Fiúza: Parelha Lewandowski-Toffoli e a "revolução companheira"


Os ministros do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli são a prova viva de que a revolução companheira triunfará. Dois advogados medíocres, cultivados à sombra do poder petista para chegar onde chegaram, eles ainda poderão render a Luiz Inácio da Silva o Nobel de Química: possivelmente seja o primeiro caso comprovado de juízes de laboratório. No julgamento do mensalão, a atuação das duas criaturas do PT vem provar, ao vivo, que o Brasil não precisa ter a menor inveja do chavismo. Alguns inocentes chegaram a acreditar que Dias Toffoli se declararia impedido de votar no processo do mensalão, por ter advogado para o PT durante anos a fio. Participar do julgamento seria muita cara de pau, dizia-se nos bastidores. Ora, essa é justamente a especialidade da casa. Como um sujeito que só chegou à corte suprema para obedecer a um partido iria, na hora h, abandonar sua missão fisiológica? A desinibição do companheiro não é pouca. Quando se deu o escândalo do mensalão, Dias Toffoli era nada menos do que subchefe da assessoria jurídica de José Dirceu na Casa Civil. Os empréstimos fictícios e contratos fantasmas pilotados por Marcos Valério, que segundo o processo eram coordenados exatamente da Casa Civil, estavam portanto sob as barbas bolivarianas de Dias Toffoli. O ministro está julgando um processo no qual poderia até ser réu.

A desenvoltura da dupla Lewandowski-Toffoli, com seus cochichos em plenário e votos certeiros, como na absolvição ao companheiro condenado João Paulo Cunha, deixariam Hugo Chávez babando de inveja. O ditador democrata da Venezuela nem precisa disso, mas quem não gostaria de ter em casa juízes de estimação? A cena dos dois ministros teleguiados conchavando na corte pela causa petista, como super-heróis partidários debaixo de suas capas pretas, não deixa dúvidas: é a dupla Batman e Robin do fisiologismo. Santa desfaçatez. Já que o aparelhamento das instituições é inevitável, e que um dia seremos todos julgados por juízes de estrelinha na lapela, será que não dava para o estado-maior petista dar uma caprichada na escolha dos interventores? Seria coincidência, ou esses funcionários da revolução têm como pré-requisito a mediocridade?

Como se sabe, antes da varinha de condão de Dirceu, Dias Toffoli tentou ser juiz duas vezes em São Paulo e foi reprovado em ambas. Aí sua veia revolucionária foi descoberta e ele não precisou mais entrar em concursos – essa instituição pequeno-burguesa que só serve para atrasar os visionários. Graças ao petismo, Toffoli foi ser procurador no Amapá, e depois de advogar em campanhas eleitorais do partido alçou voo à Advocacia-Geral da União – porque lealdade não tem preço e o Estado são eles. É claro que uma carreira brilhante dessas tinha que acabar no Supremo Tribunal Federal.

O advogado Lewandowski vivia de empregos na máquina municipal de São Bernardo do Campo. Aqui, um parêntese: está provado que as máquinas administrativas loteadas politicamente têm o poder de transformar militantes medíocres em grandes personalidades nacionais – como comprova a carreira igualmente impressionante de Dilma Rousseff. Lewandowski virou juiz com uma mãozinha do doutor Márcio Thomaz Bastos, ex-advogado de Carlinhos Cachoeira, que enxergou o potencial do amigo da família de Marisa Letícia, esposa do bacharel Luiz Inácio. Desembargador obscuro, sem nenhum acórdão digno de citação em processos relevantes, Lewandowski reuniu portanto as credenciais exatas para ocupar uma cadeira na mais alta esfera da Justiça brasileira. Suas diversas manobras para tumultuar o julgamento do mensalão enchem de orgulho seus padrinhos. A estratégia de fuzilar o cachorro morto Marcos Valério, para depois parecer independente ao inocentar o mensaleiro João Paulo, certamente passará à antologia do Supremo – como um marco da nova Justiça com prótese partidária.

O julgamento prossegue, e os juízes do PT no STF sabem que o que está em jogo é a integridade (sic) do esquema de revezamento Lula-Dilma no Planalto. Dependendo da quantidade de cabeças cortadas, a platéia pode começar a sentir o cheiro dos subterrâneos da hegemonia petista. Batman e Robin darão o melhor de si.

Olho neles.

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Lula deu ‘ok’ a empréstimos do mensalão e recebeu de esquema, diz Valério. E agora, apedeuta?


O texto é longo, mas vale a pena. É muito Lula no ventilador, se é que me entendem...

Novas acusações fazem parte de depoimento prestado por empresário mineiro à Procuradoria-Geral da República em 24 de setembro, dias após ser condenado pelo STF

O empresário Marcos Valério Fernandes de Souza disse no depoimento prestado em setembro à Procuradoria-Geral da República que o esquema do mensalão ajudou a bancar “despesas pessoais” de Luiz Inácio Lula da Silva. Em meio a uma série de acusações, também afirmou que o ex-presidente deu “ok”, em reunião dentro do Palácio do Planalto, para os empréstimos bancários que viriam a irrigar os pagamentos de deputados da base aliada.

Valério ainda afirmou que Lula atuou a fim de obter dinheiro da Portugal Telecom para o PT. Disse que seus advogados são pagos pelo partido. Também deu detalhes de uma suposta ameaça de morte que teria recebido de Paulo Okamotto, ex-integrante do governo que hoje dirige o instituto do ex-presidente, além de ter relatado a montagem de uma suposta “blindagem” de petistas contra denúncias de corrupção em Santo André na gestão Celso Daniel. Por fim, acusou outros políticos de terem sido beneficiados pelo chamado valerioduto, entre eles o senador Humberto Costa (PT-PE).

A existência do depoimento com novas acusações do empresário mineiro foi revelada pelo Estado em 1.º de novembro. Após ser condenado pelo Supremo como o “operador” do mensalão, Valério procurou voluntariamente a Procuradoria-Geral da República. Queria, em troca do novo depoimento e de mais informações de que ainda afirma dispor , obter proteção e redução de sua pena. A oitiva ocorreu no dia 24 de setembro em Brasília - começou às 9h30 e terminou três horas e meia depois; 13 páginas foram preenchidas com as declarações do empresário, cujos detalhes eram mantidos em segredo até agora.

O Estado teve acesso à íntegra do depoimento, assinado pelo advogado do empresário, o criminalista Marcelo Leonardo, pela subprocuradora da República Cláudia Sampaio e pela procuradora da República Raquel Branquinho.

Valério disse ter passado dinheiro para Lula arcar com “gastos pessoais” bem no início de 2003, quando o petista já havia assumido a Presidência. Os recursos foram depositados, segundo o empresário, na conta da empresa de segurança Caso, de propriedade do ex-assessor da Presidência Freud Godoy, uma espécie de “faz-tudo” de Lula.

O operador do mensalão afirmou ter havido dois repasses, mas só especificou um deles, de aproximadamente R$ 100 mil. Ao investigar o mensalão, a CPI dos Correios detectou, em 2005, um pagamento feito pela SMPB, agência de publicidade de Valério, à empresa de Freud. O depósito foi feito, segundo dados do sigilo quebrado pela comissão, em 21 e janeiro de 2003, no valor de R$ 98.500.

Segundo o depoimento de Valério, o dinheiro tinha Lula como destinatário. Não há detalhes sobre quais seriam os “gastos pessoais” do ex-presidente.

Ainda segundo o depoimento de setembro, Lula deu o “ok” para que as empresas de Valério pegassem empréstimos com os bancos BMG e Rural. Segundo concluiu o Supremo, as operações foram fraudulentas e o dinheiro, usado para comprar apoio político no Congresso no primeiro mandato do petista na Presidência.

No relato feito ao Ministério Público, Valério afirmou que no início de 2003 se reuniu com o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o tesoureiro do PT à época, Delúbio Soares, no segundo andar do Palácio do Planalto, numa sala que ele descreveu como “ampla” que servia para “reuniões” e, às vezes, “para refeições”.

Ao longo dessa reunião, Dirceu teria afirmado que Delúbio, quando negociava com Valério, falava em seu nome e em nome de Lula. E acertaram, ainda segundo Valério, os empréstimos.

Nessa primeira etapa, Dirceu teria autorizado o empresário a pegar até R$ 10 milhões emprestados. Terminada a reunião, contou Valério, os três subiram por uma escada que levava ao gabinete de Lula. Lá, na presença do presidente, passaram três minutos. O empresário contou que o acerto firmado minutos antes foi relatado a Lula, que teria dito “ok”.

Dias depois, Valério relatou ter procurado José Roberto Salgado, dirigente do Banco Rural, para falar do assunto. Disse nessa conversa que Dirceu, seguindo orientação de Lula, havia garantido que o empréstimo seria honrado. A operação foi feita. Valério conta no depoimento que, esgotado o limite de R$ 10 milhões, uma nova reunião foi marcada no Palácio do Planalto. Dirceu o teria autorizado a pegar mais R$ 12 milhões emprestados.

Portugal Telecom. Em outro episódio avaliado pelo STF, Lula foi novamente colocado como protagonista por Valério. Segundo o empresário, o ex-presidente negociou com Miguel Horta, então presidente da Portugal Telecom, o repasse de recursos para o PT. Segundo Valério, Lula e o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, reuniram-se com Miguel Horta no Planalto e combinaram que uma fornecedora da Portugal Telecom em Macau, na China, transferiria R$ 7 milhões para o PT. O dinheiro, conforme Valério, entrou pelas contas de publicitários que prestaram serviços para campanhas petistas.

As negociações com a Portugal Telecom estariam por trás da viagem feita em 2005 a Portugal por Valério, seu ex-advogado Rogério Tolentino, e o ex-secretário do PTB Emerson Palmieri.

Segundo o presidente do PTB, Roberto Jefferson, Dirceu havia incumbido Valério de ir a Portugal para negociar a doação de recursos da Portugal Telecom para o PT e o PTB. Essa missão e os depoimentos de Jefferson e Palmieri foram usados para comprovar o envolvimento de José Dirceu no mensalão.


Ex-ministros negam reuniões com Valério; instituto não comenta
Advogado de José Dirceu afirma que relatos de empresário ‘não tem qualquer procedência’

O criminalista José Luís Oliveira Lima, que defende José Dirceu, repudiou com veemência a menção ao nome do ex-ministro da Casa Civil no novo depoimento de Marcos Valério. O criminalista José Roberto Batochio, advogado do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, também negou que seu cliente tenha participado das reuniões no Planalto citadas pelo empresário à Procuradoria-Geral da República. O Instituto Lula não comentou o caso. Procurado, Freud Godoy também não se manifestou.

“A prova testemunhal e documental produzida na Ação Penal 470 (mensalão) demonstrou de maneira cabal que a nova declaração de Marcos Valério não tem qualquer procedência”, afirmou Oliveira Lima. “O ex-ministro José Dirceu jamais se reuniu com Marcos Valério, com o ex-presidente Lula e Delúbio Soares no Palácio do Planalto, bem como nunca conversou qualquer assunto com ele (Valério), muito menos a respeito de financiamentos de campanhas”, disse.

O criminalista concluiu: “José Dirceu jamais foi ameaçado por Ronan Maria Pinto. A quebra do sigilo fiscal e telefônico do ex-ministro deixou patente a ausência de relação com Marcos Valério”.

“Antonio Palocci repele com indignação do mais alto grau esta afirmação (de Valério), uma vez que tais fatos jamais existiram”, disse Batochio. O advogado “nega peremptoriamente esses contatos e essas falsas reuniões.”

Em viagem. Convidados de honra do governo da França, Lula e a presidente Dilma Rousseff se reuniram ontem, em Paris, para um almoço cercado de sigilo. O encontro aconteceu a portas fechadas, supostamente sem a presença de assessores, na véspera do início da visita de Estado da brasileira, que desfilará hoje pelas ruas da capital francesa.

O encontro aconteceu às 12h40, quando Lula chegou ao hotel Bristol, no centro, onde a delegação da Presidência está hospedada. O ex-presidente entrou por uma porta alternativa, fugindo do assédio da imprensa brasileira, que se concentrava na entrada principal. O almoço terminou por volta de 15h20, quando o ex-presidente deixou o hotel, mais uma vez sem falar aos jornalistas.

O encontro não constava da agenda oficial de Dilma e de Lula e não foi divulgado com antecedência nem pela Presidência, nem pelo Instituto Lula. Questionado pelos jornalistas, Thomas Traumann, porta-voz do Palácio do Planalto, não informou o teor da conversa, tampouco os assessores que acompanham o ex-presidente, Paulo Okamotto, Paulo Vanucchi e Luiz Dulci, se pronunciaram sobre a reunião. Questionado sobre o estado de espírito do ex-presidente em relação ao escândalo envolvendo a ex-chefe de gabinete da Presidência em São Paulo Rosemary Nóvoa de Noronha, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, limitou-se a dizer: “O presidente Lula é um guerreiro”.

Ao longo do dia, Mercadante, o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel, e o secretário especial para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, deixaram o hotel e visitaram uma livraria. O ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, teve reuniões com autoridades francesas, assim como o ministro da Defesa, Celso Amorim. Guido Mantega, ministro da Fazenda, Maria das Graças Foster, presidente da Petrobrás, e o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, não deram entrevistas. /COLABOROU ANDREI NETTO, DE PARIS


‘Faz-tudo’ de Lula organizava até a pelada na Granja Torto
Freud Godoy era fiel escudeiro do ex-presidente desde a década de 80

Assessor da Presidência na primeira gestão Luiz Inácio Lula da Silva, Freud Godoy sempre foi identificado por petistas como o “faz-tudo” do ex-presidente e um fiel escudeiro desde a década de 80. Coordenador de segurança das quatro campanhas presidenciais de Lula, Freud frequentava o gabinete presidencial e o apartamento do ex-presidente em São Bernardo (SP).

Costumava organizar os jogos de futebol que Lula promovia na Granja do Torto e ocupava uma sala contígua à da ex-primeira-dama Marisa Letícia no Planalto. Godoy pediu demissão depois que o ex-agente Gedimar Passos, preso pela PF em 2006, o acusou de ser o mandante da compra, durante a campanha eleitoral daquele ano, de um dossiê contra tucanos no valor de R$ 1,75 milhão. Passos depois voltou atrás. Freud foi inocentado pela CPI dos Sanguessugas e não foi indiciado pela PF.


Marcos Valério afirma que PT paga a sua defesa no Supremo
No depoimento ao Ministério Público, empresário afirmou que partido desembolsou cerca de R$ 4 milhões para bancar o seu advogado no processo do mensalão

Felipe Recondo, Alana Rizzo e Fausto Macedo, de O Estado de S.Paulo
BRASÍLIA - Os R$ 4 milhões pedidos pela defesa de Marcos Valério para defendê-lo dos processos que envolvem o mensalão são pagos pelo PT, segundo afirmou o empresário no depoimento à Procuradoria-Geral da República. Valério afirmou que esta foi a única “contrapartida pela ajuda” que prestou ao governo e ao PT nas operações que viriam a bancar o mensalão.

Custeio da defesa seria contrapartida por seu envolvimento no mensalão
Na última das 13 páginas do depoimento, datado de 24 de setembro, Valério responde a pergunta feita pelas procuradoras da República Cláudia Sampaio e Raquel Branquinho sobre o que recebeu em troca pelo envolvimento no esquema. O empresário é defendido pelo advogado Marcelo Leonardo no Supremo Tribunal Federal. Nas palavras de Valério, foi “a contrapartida” pela participação dele no esquema. Condenado a 40 anos, 4 meses e 6 dias de prisão, Valério terá também de pagar aproximadamente R$ 2,7 milhões no processo do mensalão.

Ele ainda responde a outros processos. Em um deles, foi denunciado por envolvimento com o mensalão mineiro, que envolve tucanos de Minas, entre eles Eduardo Azeredo, ex-governador, ex-presidente do partido e hoje deputado.

O julgamento do mensalão concluiu, diferentemente do que disse Valério no depoimento, que sua “contrapartida” foi maior que os R$ 4 milhões que teria recebido para bancar sua defesa no escândalo.

Conforme laudo do Instituto de Criminalística da Polícia Federal no contrato firmado com a Câmara, a SMPB se beneficiou do desvio superior a R$ 1 milhão. Marcos Valério, seu ex-sócio Cristiano Paz e o ex-advogado Ramon Hollerbach teriam também se beneficiado com o desvio de R$ 2,9 milhões do Banco do Brasil. Mas o maior volume envolveu os desvios no chamado Fundo Visanet. As investigações do Ministério Público e da Polícia Federal mostram que R$ 73,8 milhões foram desviados pelo então diretor de Marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, em proveito de Valério, Paz e Hollerbach.



Depoimento de Marcos Valério relata ameaças de morte
‘Ou você se comporta, ou morre’, teria dito Paulo Okamotto em 2005; hoje diretor do Instituto Lula, ele não comentou acusação do empresário

BRASÍLIA - Visto como um potencial homem-bomba pelo PT por saber como foi montado passo a passo o mensalão, Marcos Valério Fernandes de Souza disse ter sido ameaçado de morte por Paulo Okamotto, atual diretor do Instituto Lula e amigo do ex-presidente. Se abrisse a boca, morreria, disse o empresário no depoimento à Procuradoria-Geral da República.

Ameaças teriam sido feitas por Paulo Okamoto, segundo Valério
“Tem gente no PT que acha que a gente devia matar você”, teria dito Okamotto a Valério, conforme as duas últimas das 13 páginas do depoimento prestado no dia 24 de setembro pelo operador do mensalão ao Ministério Público Federal. “Ou você se comporta, ou você morre”, teria completado Okamotto. Valério disse à subprocuradora da República Cláudia Sampaio e à procuradora Raquel Branquinho que foi “literalmente ameaçado por Okamotto”. Procurado, o diretor do Instituto Lula não comentou o caso ontem.

Valério relatou que Okamotto o procurou pela primeira vez em 2005, dias depois da entrevista concedida pelo então presidente do PTB, Roberto Jefferson, em que o escândalo do mensalão era revelado. Okamotto disse, segundo Valério, que o procurava por ordem do então presidente Lula.

Os dois teriam se encontrado primeiro na casa de Eliane Cedrola. Segundo Valério, uma diretora da empresa de Okamotto. O emissário de Lula teria pedido que Valério permanecesse em silêncio e não contasse o que sabia.

Da segunda vez, o encontro ocorreu na Academia de Tênis em Brasília, onde Okamotto se hospedava, conforme Valério. Foi nessa segunda conversa, cuja data não é mencionada, em que as ameaças expressas teriam sido feitas.

Okamotto teria dito que os dois precisavam se entender, caso contrário, Valério sofreria as consequências. Nos vários depoimentos que prestou à Polícia Federal e ao Ministério Público ao longo da tramitação do processo do mensalão, Valério manteve segredo sobre essas ameaças e sobre os detalhes do esquema.

Insinuou várias vezes, porém, que tinha mais informações a dar. Procurou o Ministério Público para tentar “negociar” uma redução de pena e sua inclusão no programa de proteção à testemunha. Um fax chegou a ser enviado por seu advogado aos ministros do Supremo.

Sem proteção. Depois que o Estado revelou, em 1.º de novembro, a existência do novo depoimento de Valério, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, afirmou que o operador do mensalão não chegou a pedir proteção à sua vida. “A notícia que me foi transmitida foi de que não havia nada que justificasse uma providência imediata”, disse Gurgel em novembro. “Agora, se ele viesse a fazer novas revelações, esse risco poderia se consubstanciar.” Gurgel chegou a classificar Valério como um “jogador”.

Okamotto foi alvo da oposição durante as investigações do esquema do mensalão no Congresso Nacional. Na época, ele presidia o Sebrae e entrou na lista de investigados por ter pago uma dívida de R$ 29.436,26 contraída por Lula em empréstimo feito junto ao PT. Passou a ser classificado como um tesoureiro informal do presidente.

A oposição investigava se o dinheiro do fundo partidário do PT foi usado por Lula para pagar despesas pessoais. Okamotto disse que os empréstimos serviram para cobrir despesas feitas por Lula com viagens e diárias ao exterior em 2001. À CPI dos Bingos, em 2005, Okamotto não explicou por que assumiu a dívida de Lula.

A CPI aprovou na época a quebra de sigilo de Okamotto. Mas uma liminar concedida pelo então presidente do Supremo, Nelson Jobim, impediu que dos dados bancários, fiscais e telefônicos de Okamotto fossem investigados. A CPI dos Bingos foi encerrada nove meses depois de concedida a limitar sem que as informações fossem avaliadas.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa do Instituto Lula no início da tarde de ontem. A assessoria do instituto, no entanto, informou que Lula e Okamotto não “quiseram comentar o depoimento”.

Posteriormente, a assessoria informou que Okamotto responderá às acusações “quando souber o teor do documento”. Por enquanto, acrescentou a assessoria do instituto, Okamotto não se considera suficientemente informado para se pronunciar.


Bastidores: Ministério Público e STF veem acusações de Valério com cautela
MP não aceitou declarações de empresário como delação premiada e fatos novos não foram incorporados ao julgamento já em curso

Centrado no ex-presidente Lula, o depoimento do empresário Marcos Valério foi recebido com cautela pelo Ministério Público e pelo Supremo Tribunal Federal. O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, optou por não tocar no assunto até o fim do julgamento do mensalão. Por isso, escalou sua mulher, a subprocuradora da República Cláudia Sampaio, para cuidar do assunto. No Supremo, ministros afirmam que versão contada por Valério poderia enfraquecer a tese consagrada pela Corte de que o ex-ministro José Dirceu tinha o controle do esquema.

Valério tentava, com as novas declarações, obter os benefícios de uma delação premiada. Mas o Ministério Público não aceitou as declarações como uma delação. Por cautela, Gurgel encaminhou a íntegra do depoimento ao Supremo. As 13 páginas chegaram ao presidente da Corte, Carlos Ayres Britto, e ao relator do processo do mensalão, Joaquim Barbosa. Mas não ficaram nos autos da ação penal do mensalão por razões técnicas.

Gurgel e Joaquim Barbosa preferiram não misturar os novos fatos no julgamento já em curso no Supremo. Um ministro da Corte que teve acesso ao depoimento afirmou que levar para o julgamento essas declarações poderia enfraquecer as provas obtidas pelo Ministério Público e derrubaria a versão de que Dirceu tinha o domínio completo dos fatos. Conforme esse ministro, Dirceu permaneceria com o domínio operacional do esquema. Mas, pela versão contada por Valério, o ex-presidente Lula teria o domínio dos fatos, já que deu seu “ok” para os empréstimos bancários, por exemplo.

Nos bastidores do STF, ministros admitem que o processo poderia parar se o nome do ainda presidente da República fosse denunciado. De acordo com um dos mais experientes integrantes da Corte, o julgamento talvez nunca ocorresse se Lula fosse réu. No Ministério Público, permanece a dúvida sobre o que fazer com as declarações de Valério. A instituição estuda remeter para a primeira instância os trechos envolvendo o ex-presidente, que não tem mais foro privilegiado. Mas integrantes do MPF, afirmam que o depoimento centrado no ex-presidente Lula dificulta a apuração das denúncias.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Fernando Gabeira: Do mel às cinzas


Esse é o título de uma obra do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, um ensaio de grande alcance intelectual. Não deveria estrear abrindo um texto como este. Mas ele me parece muito mais forte do que o título de um romance. Além do mais, contar de forma romanesca o que se passa na cena política brasileira nos levaria à banalidade do “a madame saiu às 5 horas”.

O mel – com seu duplo sentido para os ameríndios, alimento e sexo, daí a expressão lua de mel – é um ponto de partida mais rico para chegarmos às cinzas de um projeto que se intitulava de transformação, no princípio do século. O mel como sexo não é o tema aqui. Com o tempo, aprendi que a química humana é irredutível a um esquema lógico. Pessoas se aproximam e se afastam de forma surpreendente e, em vez de pensar em algum controle mental desse processo, é melhor deixar que se desenrole com suas inevitáveis surpresas.

Também não interessa aqui a questão quem está dando para quem. Interessa saber o que está sendo dado. O ex-senador Gilberto Miranda quer duas ilhas, uma onde construiu uma casa e outra onde pretende construir um porto particular.

De ilha em ilha, os senadores acabam ocupando um arquipélago. Lembro-me da discussão pública que tive com o então senador Ney Suassuna, que queria ocupar uma ilha na Estação Ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis (RJ). De modo geral, eles compram um barraco ou qualquer instalação modesta de um eventual morador da ilha e, em seguida, reivindicam seu pleno uso, como se fossem, realmente, os donos.

Concordo com o poeta quando diz que nenhum homem é uma ilha. Mas acrescento: nenhum homem deveria ter uma ilha. Entregar uma ilha é mais concreto do que a corrupção que desvia recursos. Não se trata de dinheiro, mas de um pedaço do território nacional.

O homem-chave desse processo, Paulo Vieira, disse numa ligação interceptada que as coisas seriam facilitadas por um funcionário desde que se colocasse “mel na chupeta”. O mel ressurge aí não exatamente como alimento, mas com seu poder de sedução. Ele é a forma enganadora de tornar suportável o conteúdo da mamadeira. Nas cinzas de uma promessa de renovação, instala-se uma difusa certeza de que a vida só é tragável com a chupeta empapada de mel. E que só tem sentido participar do governo para enriquecer.

Como na canção de Chico Buarque, aparece uma mulher que diz sim por uma coisa à toa, uma noitada boa, um cinema, um botequim. Uma cirurgia, um emprego, um cruzeiro com Bruno e Marrone.

Não se pode reduzir a análise à trajetória da secretária Rosemary Nóvoa de Noronha. O nome de Paulo Vieira foi rejeitado pelo Senado, mas o governo decidiu forçar a barra, tanto do ponto vista político como regimental. Ao tomar uma decisão dessa ordem, o governo não sabia por quem estava atropelando o Congresso Nacional? Será que, no convívio com Rosemary, Lula nunca questionou: mas quem é esse cara que foi rejeitado pelo Congresso, por que vale a pena insistir nele?

A manobra para garantir o cargo a Paulo Vieira a qualquer custo contou com o apoio de senadores. Romero Jucá articulou e agora diz que nem se lembra do caso. Magno Malta fez um recurso para tornar viável a nova escolha de Vieira. Se lhe perguntarem, dificilmente dirá alguma coisa. José Sarney, então, é uma esfinge.

Acreditar que todo esse processo tenha tido como dínamo apenas o poder de sedução feminino bloqueia outros caminhos para conhecer o que se passou. Um governo não atropela o Congresso para impor uma indicação se não a considerar de grande importância estratégica. Vendo por outro ângulo, um governo não deixa de reexaminar uma indicação quando ela é rejeitada pelo Senado.

Os franceses aconselham a procurar a mulher (“cherchez la femme“) nesses casos intrincados. Mas aqui talvez valha a pena distanciar-se dela e olhar para a montanha de cinzas que o projeto de renovação nos legou.

O governo e alguns senadores foram cúmplices objetivos de uma quadrilha em formação. Eles estavam negociando ilhas, patrimônio físico do Brasil. A entrega, por meio da chupeta melada, de uma parte do território nacional é algo muito grave para se reduzir a um folhetim, apesar da beleza dos versos de Chico Buarque.

O Congresso parece que não tem condições de investigar. Talvez nem queira. Mas um dia isso cai nas mãos de um setor independente da Justiça. E de novo todos ficarão angustiados com a palavra dosimetria, pensando no remédio amargo depois de anos de “mel na chupeta”.

Da minha parte, afirmo apenas que objetivamente a quadrilha imposta pelo governo ao Congresso estava negociando uma parte do Brasil. Dose dupla.

Não adianta insinuar que o coração tem razões que a própria razão desconhece. Quando começam a levar nossas ilhas, é preciso dizer basta.

A quadrilha que negociava ilhas é apenas uma irrupção na montanha de cinzas. É preciso dinheiro para manter a máquina partidária, garantir eleições, pagar marqueteiros. É preciso dinheiro para se manter no poder. Só assim se faz dinheiro. Para continuar no poder.

Do mel às cinzas, vão-se desfazendo os mitos políticos. A apuração e a publicidade do episódio vão ajudar a compreender melhor a atmosfera de um governo de coalizão de partidos e algumas facções, como a que opera no Porto de Santos.

Não sei o que sairá disso. Mas é preciso, pelo menos, salvar as ilhas dos piratas. O governo foi na direção certa quando mandou examinar todos os outros processos que passaram pelo grupo. Mas não respondeu a uma pergunta que deveria ter sido dirigida ao próprio governo: como foi possível fazer essa indicação, atropelar o Congresso por ela e não monitorar uma escolha tão polêmica?

No mínimo, foi um delírio autoritário. É difícil pensar que sejam tão inocentes as pessoas que dirigem o Brasil hoje. Muitas têm uma longa trajetória. Quando vão encarar a realidade de uma vez por todas, sem tergiversar?

domingo, 9 de dezembro de 2012

Percival Puggina: No que vai dar isso aí?


Não sou nenhuma celebridade, nem gostaria de ser. Mas volta e meia alguém me pára na rua. Felizmente não querem autógrafos. Querem saber no que vai dar isso aí. A pergunta se refere a essa coisa em que transformaram o Brasil. Minha resposta acaba sendo comprida. Então, doravante, para simplificar as coisas, passarei a responder por escrito. Andarei com a resposta no bolso.

O Brasil está no olho de um furacão e não toma conhecimento. Como nunca antes neste país os problemas são graves e têm efeitos cumulativos. Mencionarei apenas os principais, relacionando-os à nossa posição no contexto mundial: a) estamos em 88º lugar no ranking da educação básica e no 66º da educação superior; b) este ano, pela primeira vez, entramos na lista das 50 economias mais competitivas, com um modestíssimo 48º lugar; c) nossas péssimas instituições nos deixam no 79º lugar em relação ao quesito qualidade das instituições nacionais; d) ocupamos o 99º lugar no ranking da liberdade de imprensa; e) somos o país lanterna do BRIC quanto ao número de registro de patentes nos Estados Unidos (apenas 7% do total obtido pela China no ano passado); f) ocupamos o 84º posto entre 187 países no ranking do desenvolvimento humano (IDH); g) somos o 69º país mais corrupto, com uma vergonhosa nota pouco superior a três. Junto com a proverbial impunidade, os sucessivos casos de corrupção, na novilíngua oficial, viraram "malfeitos" - assim como se fossem travessuras de gente grande.

Não bastasse isso, 2012 foi um ano perdido. Nossa economia cresceu uma ninharia, pouco mais de um por cento, índice que nos coloca em penúltimo lugar entre os 20 países ibero-americanos. Como consolação, ganhamos do Paraguai. As tarefas centrais de qualquer governo - Educação, Saúde, Segurança e Infraestrutura - vão de mal a pior. Um governo desses só pode ser bem pontuado distribuindo dinheiro para os pobres e para os ricos, e mandando a conta para a classe média. Dos primeiros vêm os votos; dos segundos a grana.

A alegria dos criminosos brasileiros é a falta de policiais e presídios. Milhares de condenados operam livremente, ora por falta de quem os capture, ora porque não tem onde ficar detidos. Assim, convivemos com tenebrosa sensação de insegurança. E o governo aplicou, até o mês de novembro de 2012, apenas um por cento do que estava previsto no orçamento federal para construção de estabelecimentos penais. Aliás, em relação ao orçado para investimentos neste ano, o governo da União, em todos seus setores de atuação, só conseguiu usar 34%. Quanto ao ano de 2013, é visível que o governo esgotou os truques para fazer a economia crescer à base do consumo interno: baixou juros, ampliou prazos de financiamento, concedeu substanciais reduções de IPI e chamou à sociedade ao endividamento. Haverá algo mais, na cartola das demagogias oficiais, além do nunca feito dever de casa?

Não obstante tudo isso e muito mais, o governo e a população não têm tal percepção. E ninguém está mais longe de resolver um problema do que quem sequer sabe que ele existe. Os sucessivos escândalos que enxovalham o momento histórico e atingem danosamente nossa imagem internacional parecem não afetar as figuras centrais da república. Os patifes vivem à vida regalada, convictos da perenidade do regabofe em que se lambuzam.

Então, as pessoas me perguntam: no que vai dar isso aí? Minha resposta é política. Quem está no poder só sabe fazer mais do mesmo. As expectativas relacionadas a uma possível implosão do núcleo duro desse poder dependem exclusivamente da combinação de dois fatores: o que vier a acontecer com a imagem de Lula junto à opinião pública e dos rumos que forem tomados pela economia. Se, contrariando todas as probabilidades, a galinha que voou em meados da década passada, sair por aí planando como um falcão, continuaremos com mais do mesmo. O brasileiro, com dinheiro no bolso, pouco quer saber de democracia e de princípios morais. Mas nem a economia, como fator isolado, será suficiente para desconstruir a imagem do governo se a imagem de Lula não desabar.

E Dilma? É preciso compreender que Dilma, assim como precisou de Lula para subir, precisará de Lula para descer. Se e quando a imagem de Lula desabar, Dilma cai junto. Fora disso não há salvação.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Editorial do Estadão: “A mão do gato”


As investigações da Operação Porto Seguro, que penetraram a intimidade de Lula ao revelar os desmandos de sua companheira e ex-chefe de gabinete em São Paulo, parecem ter tocado um ponto sensível da onipotência do Grande Chefe, que finalmente acusou o golpe e mobilizou a tropa. Num mesmo dia, três expoentes do lulopetismo apelaram ao melhor argumento de defesa que o PT conhece: o ataque.

O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho; o presidente nacional do partido, Rui Falcão; e o condenado chefe de corruptores José Dirceu entoaram o coro cínico: corrupção havia durante o governo FHC; hoje o que existe é investigação implacável de todas as denúncias. Mais: os partidos que combatem o governo do PT sofreram mais uma "dura derrota" nas urnas de outubro, por isso, cada vez mais a oposição passa a ser exercida pela "mídia monopolizada e o Judiciário conservador".

Gilberto Carvalho falou em seminário realizado na segunda-feira em Brasília: "As coisas agora não estão mais debaixo do tapete. A PF e os órgãos de vigilância e fiscalização estão autorizados e com plena liberdade para agir. (...) No governo FHC não havia (autonomia). Agora há". Assim, segundo o raciocínio do amigo de Lula, "pode parecer" que hoje há mais corrupção, mas o que existe "é autonomia e independência das instituições". A inconformidade irada dos petistas com o julgamento do mensalão pelo STF define claramente o conceito de "autonomia e independência das instituições" cultivado pelo PT.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reagiu com firmeza ao ataque de Gilberto Carvalho: "Este senhor deveria respeitar o passado e não dizer coisas levianas". Mencionou o trabalho de reestruturação da PF realizado durante seu primeiro mandato e citou exemplos de ações policiais de ampla repercussão contra poderosos de então, como o senador Jader Barbalho e a governadora Roseana Sarney.

No Rio de Janeiro, durante encontro de prefeitos e vereadores petistas, Rui Falcão seguiu na mesma linha do ministro Carvalho, garantindo que "ninguém mais do que os governos Lula e Dilma combateu mais corrupção e tráfico de influência". Dilma, pelo menos, tem sido implacável com quem é pego com a boca na botija, como sabem vários ex-ministros e a protegida de Lula, Rosemary Noronha. Mas isso, para muitos petistas, tem sentido literal: o feio é ser pego, não é malfazer.

Mas Falcão foi mais longe. Fez questão de dramatizar as dificuldades que o "sistema" impõe ao governo: "Não dá para avançar no Brasil sem uma reforma do Estado que pegue a questão da mídia monopolizada e o Judiciário conservador". E lamentou: "Não é possível ter mais democracia no Brasil com o atual sistema político-eleitoral, sobretudo se não se conquistar o financiamento público de campanha".

É difícil de entender o presidente do partido que governa o País com 80% de apoio parlamentar, e que está há 10 anos no poder, queixar-se de que "não dá para avançar" e de que a democracia que temos é pouca. Não há quem discorde de que o Brasil necessita de uma profunda reforma política. Mas o que é que Rui Falcão e seu partido hegemônico fizeram para isso nesses dez anos? A resposta é pura retórica vazia: tudo é culpa da "oposição real", que "é aquela que reúne grandes grupos que se opõem a um projeto de desenvolvimento independente, que se opõem ao avanço da revolução democrática e que têm, para vocalizar seus interesses, uma certa mídia que tem partido, tem lado, e que permanentemente investe contra nós".

José Dirceu engrossou o coro falando a sindicalistas em Curitiba. Garantiu que mesmo atrás das grades "a luta continua", porque "o poder começa a se deslocar para o outro lado da praça (dos Três Poderes), onde está o Judiciário, e para os grupos de comunicação".

Quando a situação aperta, Lula convoca o velho PT bom de briga. Aquele que em 2002, na campanha presidencial, divulgou um filmete de um minuto criado por Duda Mendonça, em que ratos saem da toca para roer a bandeira do Brasil: "Xô corrupção! Uma campanha do PT e do povo brasileiro". E o áudio, dramático: "Ou a gente acaba com eles ou eles acabam com o Brasil". Quem diria!

José Nêumanne: O estrago que ‘madame’ fez em nome de Lula


Na entrevista coletiva em que foi apresentado como técnico da seleção nacional, Luiz Felipe Scolari fez uma brincadeira sobre a pressão sofrida por qualquer ocupante de seu novo emprego. “Se não quer pressão é melhor não jogar na seleção, vão trabalhar no Banco do Brasil”, disse ao completar a declaração de que ganhar a Copa de 2014 é uma obrigação. Bastou isso para que o mundo desabasse sobre sua cabeça. Apesar de ser esta notoriamente dura, seu dono, o autor da graçola, submetido a críticas de sindicatos de bancários e diretores e funcionários do BB, terminou pedindo desculpas em público.

O autor destas linhas é do tempo em que passar no concurso para o Banco do Brasil era quase como ganhar na loteria da Caixa Econômica Federal. Perceba que a sorte neste país está sempre sob chancela estatal. Emprego estável garantido, prestígio social e, como insinuou Felipão, vida mansa. Hoje já não se pode dizer o mesmo, mas também não é uma ocupação de que alguém venha a arrepender-se algum dia, principalmente diante das vicissitudes da economia, que às vezes provocam dores de cabeça nos assalariados da iniciativa privada, mas nunca prejudicam as evidentes vantagens de quem vive sob os auspícios da viúva.

De pouco adiantou o currículo do técnico, o último a dirigir uma seleção brasileira campeã do mundo, em 2002, na Ásia: ele teve de ajoelhar no milho e se penitenciar perante a corporação. Logo depois de seu triunfo, a gestão federal do Partido dos Trabalhadores (PT) empreendeu um esquema de compra de votos de bancadas aliadas para apoiar projetos no Congresso Nacional. E parte do dinheiro que usou foi surrupiado dos cofres do banco cuja honra foi agora defendida com tanto denodo por seus funcionários. O então diretor de Marketing nomeado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Henrique Pizzolato, mandou depositar R$ 73,9 milhões nas contas das agências publicitárias mineiras DNA, Graffiti e SMPB, que os repassaram em forma de propina a partidos e políticos da base.

Condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 12 anos e 7 meses de prisão, o ex-funcionário de carreira e petista da linha de frente terá de amargar pelo menos 2 anos e 1 mês numa cela e pagar R$ 1,3 milhão de multa. É muito dinheiro, mas praticamente nada comparado com o total que se sabe que foi furtado. O companheiro pisoteou e jogou no lixo a credibilidade de uma instituição financeira com mais de 200 anos de existência e excelente reputação no mercado financeiro mundial. Seus colegas e correligionários, entretanto, preferiram execrar a Justiça pela sentença que condenou o ladrão à merecida prisão e reclamar do técnico da seleção pela piada, que nem é das mais pesadas.

Tão zelosa em negar os próprios privilégios, a corporação do BB nunca se mostrou particularmente interessada em salvaguardar a boa imagem dela. Ao desbaratar a quadrilha dos “bebês da Rosemary”, os irmãos Vieira, que compraram as graças da ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha, a Polícia Federal (PF) comprovou isso. Pois constatou que essa senhora, acusada de desvio de conduta na Operação Porto Seguro, conseguiu que Luiz Carlos Silva, presidente da empresa Cobra, braço tecnológico do BB, contratasse a New Talent, de João Vasconcelos, marido da moça, e seu genro, Carlos Alexandre Damasco Torres. Assinado em maio de 2010, quando o vice-presidente de tecnologia do BB era José Luiz Salinas, o contrato levou em conta um atestado de capacidade técnica que os agentes federais presumem ser falso. Genuína mesmo era a ligação de Salinas com José Dirceu, o ex-chefe da Casa Civil de Lula, como Pizzolato condenado (por corrupção ativa e formação de quadrilha), e com o ex-presidente do PT Ricardo Berzoini, que o apadrinharam para o cargo. Salinas, hoje na Ásia, era também frequentador habitual do gabinete de “madame Rosemary”.

Ainda há tempo para a corporação do BB protestar contra a malsinada influência em créditos evidentemente desastrosos, que também comprometem a credibilidade do banco público, mas nem a Velhinha de Taubaté acredita nessa hipótese. Pois os indignados com a gracinha do sisudo Felipão nunca vieram a público reclamar do aparelhamento promovido pelo PT dos bancários Berzoini e Luiz Gushiken na antes respeitável instituição financeira. Ao contrário, todos neste momento estão empenhados em encontrar uma desculpa qualquer, similar à do caixa 2 de campanha, com a qual tentaram desacreditar o julgamento do mensalão.

Enquanto isso, dirigentes do PT, falsos ingênuos e blogueiros ditos progressistas fazem de tudo para desmoralizar pelo menos um dos responsáveis pela condenação dos companheiros Dirceu e José Genoino. A bola da vez não é o ex-presidente do STF Carlos Ayres de Brito nem o atual chefe máximo do Judiciário e relator do julgamento, Joaquim Barbosa, mas Luiz Fux.

O ministro está sendo acusado à boca pequena, como é comum no gulag de intrigas do PT, de ter-se comprometido a absolver os mensaleiros em troca da vaga no Supremo. A calúnia não se apoia em documentos nem na lógica e padece de um defeito de origem: quem mereceria recriminação, um jurista que aceita chegar ao topo da carreira renegando a independência e a honra de julgador ou um estadista que seja capaz de exigir dele tal promessa? A pergunta nem merece resposta, tão implausível é a injúria.

Mas há outras duas que não podem ser caladas. Qual a pior hipótese: a de uma secretária de luxo ter poderes para nomear e promover usando o santo nome do ex-presidente Lula em vão, sendo sempre atendida, ou a de este avalizar seus pedidos? Seria pior para a República o advogado-geral da União fazer tráfico de influência ou ele nunca ter percebido a quadrilha operando no gabinete ao lado, de um amigo que promoveu?

Pelo visto, o mensalão é pinto comparado com o estrago feito pela madame em nome de Lula.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Guilherme Fiuza: Os postes saíram do armário


O resultado da eleição em São Paulo confirma: se a economia brasileira não derrapar feio até lá – e nada indica que isso acontecerá –, Dilma Rousseff deverá ser reeleita em 2014. Nesse caso, o Brasil será governado pelo PT por 16 anos, no mínimo. Getúlio Vargas, com ditadura e tudo, só conseguiu ficar 15 anos seguidos. E não tinha Valério, Delúbio e companhia no Palácio. A ditadura Vargas era o Estado Novo. A democracia petista é o Estado Velho – e doente.

Poderia ser pior. Lula e Dilma mantiveram as instituições funcionando (até aqui), não tentaram nenhuma guinada autoritária explícita (só as dissimuladas, como o mensalão), cumpriram contratos e não caíram na tentação dos calotes, como seus parceiros argentinos. Isso não é pouco. Ou melhor: é pouco, mas é essencial. Pior se o país tivesse caído nas mãos de franco-atiradores como Brizola, Ciro Gomes e outros inspirados por ideólogos da salvação, como Roberto Mangabeira Unger.

Em 2000, o PT discutia se valia a pena embarcar na quarta candidatura presidencial de Lula. O filho do Brasil ainda não tinha nascido. Quem existia era o bastardo, o perdedor, que a cada quatro anos repetia seu disco de reclamações contra tudo e era descartado pelo eleitorado. Lula trabalhara bravamente para desacreditar o Plano Real, que seu partido tentou sabotar no Congresso Nacional. Depois de sua terceira derrota como presidenciável, boa parte do PT queria outro candidato em 2002 – o nome do ex-governador Cristovam Buarque era o mais cotado.

Aí o Brasil foi abalroado pela crise da Rússia, que agravou a anterior, no Sudeste Asiático. José Dirceu teve a ideia de aparecer com o projeto Lulinha Paz e Amor. Em lugar do barbudo rancoroso – espécie de João Pedro Stédile urbano –, Lula apareceria como um conciliador, jogando fora suas próprias bandeiras de ruptura.

Foi um sucesso. A eleição foi ganha, e o perdedor ranzinza, que ninguém aguentava mais (nem o próprio PT), virou messias. Com a economia nacional arrumada e o início de um período sem tormentas externas, os brasileiros passaram a acreditar que a vida melhorava porque Lula era pobre e tinha consciência social. O PT ganhou na loteria – e está até hoje administrando o prêmio.

Prêmio que, vale lembrar, é colossal. O governo popular bateu seguidamente seus próprios recordes de arrecadação, com uma carga tributária entre as maiores do mundo. O país gigante deu a Lula e Dilma uma fortuna para administrar, e eles cumpriram sua missão: gastaram pesado com a máquina – que emprega os companheiros e os aliados dos companheiros (até terceiro grau ou onde a vista alcançar). Derramaram as bolsas gratuitas pelo território inteiro, enriqueceram a floresta de convênios picaretas com os ministérios (como se viu no Esporte, no Turismo e no Trabalho), que servem para a manutenção de uma infinidade de boquinhas com altos dividendos eleitorais. Torraram dinheiro grosso com a propaganda do governo dos coitados.

Esse é o Estado Velho do PT, que o Brasil resolveu eternizar. Um Estado que não precisa se preocupar em planejar nada, porque o país não lhe cobra isso. Infraestrutura? A receita é a mesma: usina-dinossauro de Belo Monte, trem-bala imaginário, e o futuro empurrado com a barriga e o marketing. Não há ninguém trabalhando para modernizar um dos países mais burocratizados do mundo, ninguém gastando neurônios com um planejamento tributário decente, ninguém projetando a organização das metrópoles caóticas – que dependem do governo federal para os grandes projetos viários, mas que receberão a Copa do Mundo cheias de remendos e disfarces.

O prefeito eleito Fernando Haddad achou engraçado se dizer o segundo poste de Lula (Dilma é o primeiro) e perguntar quem será o próximo. Não há dúvida: haverá um próximo, ou mais de um, para continuar torrando o prêmio lotérico do messias. O crime é tão perfeito que os postes já estão resolvendo sair do armário.

A defesa de Dirceu pediu ao STF a redução de sua pena, considerando o alto “valor social” do réu que combateu a ditadura. Antes de discutir se esse valor social será cotado em reais ou em dólares, seria o caso de perguntar ao ex-sequestrado e seus amigos: qual o valor do resgate do Estado sequestrado por eles?

domingo, 18 de novembro de 2012

J.R. Guzzo: Tudo em javanês


O artigo 13 da Constituição em vigor determina que “a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. É um mandamento de utilidade duvidosa, considerando-se que todo mundo sempre soube que aqui se fala o português — até 1988, aliás, o Brasil não tinha nenhum “idioma oficial” estabelecido em lei, e jamais se notou problema algum por causa disso durante os 500 anos anteriores. Tudo bem: numa Constituição que tem 250 artigos e mais uma prodigiosa quantidade de “incisos” — só o artigo 5o tem 78 —, umas palavras a mais ou a menos não vão machucar ninguém. Mas, já que nossa lei mais importante determina que o português é a língua oficial do país, obrigatória nos atos públicos, no ensino, nas placas de trânsito e assim por diante, imagina-se que ela deveria ser falada e escrita corretamente, ou pelo menos de maneira compreensível, por todos os que tenham a responsabilidade de resolver alguma coisa. Eis aqui, porém, mais uma questão na qual se faz, na vida prática, justamente o contrário do que a lei manda fazer.

O curioso é que esse tipo de postura comece justamente onde menos deveria começar — nas nossas altas cortes de Justiça. É o caso, como milhões de brasileiros estão sentindo justamente agora, e com direito a transmissão ao vivo, da linguagem utilizada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão. Nunca, em toda a sua história, o STF viveu um momento de maior prestígio. Nunca tantos brasileiros viram com os próprios olhos o tribunal em ação. Nunca ele foi tão aplaudido por mostrar-se independente, capaz de condenar gente poderosa na máquina do governo e provar que não se assusta com ameaças ao tomar suas decisões. Deveria ser uma oportunidade de ouro, assim, para a população entender como a Justiça pode de fato funcionar no Brasil. A chance foi desperdiçada. O STF realizou seu trabalho essencial, sem dúvida — mas os ministros fizeram tanta questão de falar “difícil” durante o julgamento que acabaram se tornando perfeitamente incompreensíveis para quem os via e ouvia.

Os dez ministros do STF sabem muito bem que três quartos da população brasileira não são capazes de entender direito o que leem — que esperança poderiam ter, então, de que alguém conseguisse entender o que estavam dizendo? Falou-se, no julgamento, em “vértice axiológico”, “crivo probatório” e “exordial acusatória”. Ouviram-se as palavras “subsunção”, “vênia” e “colendo”. Apareceu o verbo “infirmar”. Em certo momento, um dos ministros falou em “egrégio sodalício”. Que raio de língua seria essa? Latim não é, mesmo porque os ministros não sabem falar latim. Não é nenhum idioma estrangeiro que se conheça. Também não é português. Os sons lembram vagamente a língua falada no Brasil, e as palavras utilizadas estão nos dicionários do nosso idioma oficial. Mas, se nem o 1% mais instruído da população nacional entende algo desse patuá, o resultado prático é que o julgamento mais importante da história do STF acabou sendo feito numa linguagem desconhecida. Daria na mesma, no fundo, se tivessem falado em javanês — tanto que foi indispensável, para os meios de comunicação, armar uma espécie de serviço de tradução simultânea para as pessoas ficarem sabendo se o réu, afinal, estava sendo condenado ou absolvido.

O português tem cerca de 200000 palavras — mais do que o suficiente, portanto, para Suas Excelências encontrarem termos de compreensão mais fácil. Decidiram fazer justo o contrário: não perderam uma única oportunidade de substituir toda e qualquer palavra clara por outra que ninguém entende. Para que isso? Uma sentença não fica mais justa porque é escrita nessa linguagem torturada. É óbvio que num congresso de física molecular, cirurgia neurológica ou prospecção de petróleo os participantes têm de usar termos técnicos em sua conversa; são até obrigados a isso, para trabalhar com eficiência. Juristas podem fazer exatamente o mesmo, nos seus encontros profissionais. Mas magistrados exercem uma função pública — e isso exige que falem para o público, e não apenas para si mesmos. Um dos mais antigos princípios do direito universal determina que ninguém pode alegar, em sua defesa, que desconhece a lei. Mas para conhecer a lei é indispensável que o cidadão entenda o que está escrito nela - e nossos juristas, com o seu linguajar, fazem o possível para tomá-la incompreensível. Imaginam, com isso, que estão exibindo sua sabedoria para o mundo. Estão apenas mostrando sua recusa, ou incapacidade, de se expressar no idioma oficial do país.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

J.R. Guzzo: Parada gay, cabra e espinafre


Já deveria ter ficado para trás no Brasil a época em que ser homossexual era um problema. Não é mais o problema que era. com certeza, mas a verdade é que todo o esforço feito há anos para reduzir o homossexualismo a sua verdadeira natureza – uma questão estritamente pessoal – não vem tendo o sucesso esperado. Na vida política, e só para ficar num caso recente, a rejeição ao homossexualismo pela maioria do eleitorado continua sendo considerada um valor decisivo nas campanhas eleitorais. Ainda agora, na eleição municipal de São Paulo, houve muito ruído em torno do infeliz “kit gay” que o Ministério da Educação inventou e logo desinventou, tempos atrás, para sugerir aos estudantes que a atração afetiva por pessoas do mesmo sexo é a coisa mais natural do mundo. Não deu certo, no caso, porque o ex-ministro Fernando Haddad, o homem associado ao “kit”, acabou ganhando – assim como não tinha dado certo na eleição * anterior, quando a candidata Marta Suplicy (curiosamente, uma das campeãs da “causa gay” no país) fez insinuações agressivas quanto à masculinidade do seu adversário Gilberto Kassab e foi derrotada por ele. Mas aí é que está: apesar de sua aparente ineficácia como caça-votos, dizer que alguém é gay, ou apenas pró-gay. ainda é uma “acusação”. Pode equivaler a um insulto grave – e provocar uma denúncia por injúria, crime previsto no artigo 140 do Código Penal Brasileiro. Nos cultos religiosos, o homossexualismo continua sendo denunciado como infração gravíssima. Para a maioria das famílias brasileiras, ter filhos ou filhas gay é um desastre – não do tamanho que já foi, mas um drama do mesmo jeito.

Por que o empenho para eliminar a antipatia social em torno do homossexualismo rateia tanto assim? O mais provável é que esteja sendo aplicada aqui a Lei das Consequências Indesejadas, segundo a qual ações feitas em busca de um determinado objetivo podem produzir resultados que ninguém queria obter, nem imaginava que pudessem ser obtidos. É a velha história do Projeto Apollo. Foi feito para levar o homem à Lua; acabou levando à descoberta da frigideira Tefal. A Lei das Consequências Indesejadas pode ser do bem ou do mal. É do bem quando os tais resultados que ninguém esperava são coisas boas. como aconteceu no Projeto Apollo: o objetivo de colocar o homem na Lua foi alcançado – e ainda rendeu uma bela frigideira, além de conduzir a um monte de outras invenções provavelmente mais úteis que a própria viagem até lá. É do mal quando os efeitos não previstos são o contrário daquilo que se pretendia obter. No caso das atuais cruzadas em favor do estilo de vida gay, parece estar acontecendo mais o mal do que o bem. Em vez de gerar a paz, todo esse movimento ajuda a manter viva a animosidade: divide, quando deveria unir. O kit gay, por exemplo, pretendia ser um convite à harmonia – mas acabou ficando com toda a cara de ser um incentivo ao homossexualismo, e só gerou reprovação. O fato é que, de tanto insistirem que os homossexuais devem ser tratados como uma categoria diferente de cidadãos, merecedora de mais e mais direitos, ou como uma espécie ameaçada, a ser protegida por uma coleção cada vez maior de leis. os patronos da causa gay tropeçam frequentemente na lógica- e se afastam, com isso. do seu objetivo central.

O primeiro problema sério quando se fala em “comunidade gay”é que a “comunidade gay” não existe – e também não existem, em consequência, o “movimento gay” ou suas “lideranças”. Como o restante da humanidade, os homossexuais, antes de qualquer outra coisa, são indivíduos. Têm opiniões, valores e personalidades diferentes. Adotam posições opostas em política, religião ou questões éticas. Votam em candidatos que se opõem. Podem ser a favor ou contra a pena de morte, as pesquisas com células-tronco ou a legalização do suicídio assistido. Aprovam ou desaprovam greves, o voto obrigatório ou o novo Código Florestal – e por aí se vai. Então por que, sendo tão distintos entre si próprios, deveriam ser tratados como um bloco só? Na verdade, a única coisa que têm em comum são suas preferências sexuais – mas isso não é suficiente para transformá-los num conjunto isolado na sociedade, da mesma forma como não vem ao caso falar em “comunidade heterossexual” para agrupar os indivíduos que preferem se unir a pessoas do sexo oposto. A tendência a olharem para si mesmos como uma classe à parte, na verdade, vai na direção exatamente contrária à sua principal aspiração – a de serem cidadãos idênticos a todos os demais.

Outra tentativa de considerar os gays como um grupo de pessoas especiais é a postura de seus porta-vozes quanto ao problema da violência. Imaginam-se mais vitimados pelo crime do que o resto da população; já se ouviu falar em “holocausto” para descrever a sua situação. Pelos últimos números disponíveis, entre 250 e 300 homossexuais foram assassinados em 2010 no Brasil. Mas. num país onde se cometem 50 000 homicídios por ano, parece claro que o problema não é a violência contra os gays; é a violência contra todos. Os homossexuais são vítimas de arrastões em prédios de apartamentos, sofrem sequestros-relâmpago, são assaltados nas ruas e podem ser monos com um tiro na cabeça se fizerem o gesto errado na hora do assalto – exatamente como ocorre a cada dia com os heterossexuais; o drama real, para todos, está no fato de viverem no Brasil. E as agressões gratuitas praticadas contra gays? Não há o menor sinal de que a imensa maioria da população aprove, e muito menos cometa, esses crimes; são fruto exclusivo da ação de delinquentes, não da sociedade brasileira.

Não há proveito algum para os homossexuais, igualmente, na facilidade cada vez maior com que se utiliza a palavra “homofobia”; em vez de significar apenas a raiva maligna diante do homossexualismo, como deveria, passou a designar com frequência tudo o que não agrada a entidades ou militantes da “causa gay”. Ainda no mês de junho, na última Parada Gay de São Paulo, os organizadores disseram que “4 milhões” de pessoas tinham participado da marcha – já o instituto de pesquisas Datafolha, utilizando técnicas específicas para esse tipo de medição, apurou que o comparecimento real foi de 270000 manifestantes, e que apenas 65000 fizeram o percurso do começo ao fim. A Folha de S.Paulo, que publicou a informação, foi chamada de “homofóbica”. Alegou-se que o número verdadeiro não poderia ter sido divulgado, para não “estimular o preconceito”- mas com isso só se estimula a mentira. Qualquer artigo na imprensa que critique o homossexualismo é considerado “homofóbico”; insiste-se que sua publicação não deve ser protegida pela liberdade de expressão, pois “pregar o ódio é crime”. Mas se alguém diz que não gosta de gays, ou algo parecido, não está praticando crime algum – a lei. afinal, não obriga nenhum cidadão a gostar de homossexuais, ou de espinafre, ou de seja lá o que for. Na verdade, não obriga ninguém a gostar de ninguém; apenas exige que todos respeitem os direitos de todos.

Há mais prejuízo que lucro, também, nas campanhas contra preconceitos imaginários e por direitos duvidosos. Homossexuais se consideram discriminados, por exemplo, por não poder doar sangue. Mas a doação de sangue não é um direito ilimitado – também são proibidas de doar pessoas com mais de 65 anos ou que tenham uma história clínica de diabetes, hepatite ou cardiopatias. O mesmo acontece em relação ao casamento, um direito que tem limites muito claros. O primeiro deles é que o casamento, por lei, é a união entre um homem e uma mulher; não pode ser outra coisa. Pessoas do mesmo sexo podem viver livremente como casais, pelo tempo e nas condições que quiserem. Podem apresentar-se na sociedade como casados, celebrar bodas em público e manter uma vida matrimonial. Mas a sua ligação não é um casamento – não gera filhos, nem uma família, nem laços de parentesco. Há outros limites, bem óbvios. Um homem também não pode se casar com uma cabra, por exemplo; pode até ter uma relação estável com ela, mas não pode se casar. Não pode se casar com a própria mãe. ou com uma irmã. filha, ou neta, e vice-versa. Não poder se casar com uma menor de 16 anos sem autorização dos pais. e se fizer sexo com uma menor de 14 anos estará cometendo um crime. Ninguém, nem os gays, acha que qualquer proibição dessas é um preconceito. Que discriminação haveria contra eles. então, se o casamento tem restrições para todos? Argumenta-se que o casamento gay serviria para garantir direitos de herança – mas não parece claro como poderiam ser criadas garantias que já existem. Homossexuais podem perfeitamente doar em testamento 50% dos seus bens a quem quiserem. Tem de respeitar a “legítima”", que assegura a outra metade aos herdeiros naturais – mas essa obrigação é exatamente a mesma para qualquer cidadão brasileiro. Se não tiverem herdeiros protegidos pela “legítima”, poderão doar livremente 100% de seu patrimônio – ao parceiro, à Santa Casa de Misericórdia ou à Igreja do Evangelho Quadrangular. E daí?

A mais nociva de todas essas exigências, porém, é o esforço para transformar a “homofobia” em crime, conforme se discute atualmente no Congresso. Não há um único delito contra homossexuais que já não seja punido pela legislação penal existente hoje no Brasil. Como a invenção de um novo crime poderia aumentar a segurança dos gays, num país onde 90% dos homicídios nem sequer chegam a ser julgados? A “criminalização da homofobia”é uma postura primitiva do ponto de vista jurídico, aleijada na lógica e impossível de ser executada na prática. Um crime, antes de mais nada. tem de ser “tipificado” – ou seja, tem de ser descrito de forma absolutamente clara. Não existe “mais ou menos” no direito penal; ou se diz precisamente o que é um crime, ou não há crime. O artigo 121 do Código Penal, para citar um caso clássico, diz o que é um homicídio: “Matar alguém”. Como seria possível fazer algo parecido com a homofobia? Os principais defensores da “criminalização” já admitiram, por sinal, que pregar contra o homossexualismo nas igrejas não seria crime, para não baterem de frente com o princípio da liberdade religiosa. Dizem, apenas, que o delito estaria na promoção do “ódio”. Mas o que seria essa “”promoção”? E como descrever em lei, claramente, um sentimento como o ódio?

Os gays já percorreram um imenso caminho para se libertar da selvageria com que foram tratados durante séculos e obter, enfim, os mesmos direitos dos demais cidadãos. Na iluminadíssima Inglaterra de 1895, o escritor Oscar Wilde purgou dois anos de trabalhos forçados por ser homossexual; sua vida e sua carreira foram destruídas. Na França de 1963, o cantor e compositor Charles Trenet foi condenado a um ano de prisão, pelo mesmo motivo. Nada lhe valeu ser um dos maiores nomes da música popular francesa, autor de mais de 1 000 canções, muitas delas obras imortais como Douce France – uma espécie de segundo hino nacional de seu país. Wilde, Trenet e tantos outros foram homens de sorte – antes, na Europa do Renascimento, da cultura e da civilização, homossexuais iam direto para as fogueiras da Santa Madre Igreja. Essas barbaridades não foram eliminadas com paradas gay ou projetos de lei contra a homofobia, e sim pelo avanço natural das sociedades no caminho da liberdade. É por conta desse progresso que os homossexuais não precisam mais levar uma vida de terror, escondendo sua identidade para conseguir trabalho, prover o seu sustento e escapar às formas mais brutais de chantagem, discriminação e agressão. É por isso que se tomou possível aos gays, no Brasil e no mundo de hoje, realizar o que para muitos é a maior e mais legítima ambição: a de serem julgados por seus méritos individuais, seja qual for a atividade que exerçam, e não por suas opções em matéria de sexo.

Perder o essencial de vista, e iludir-se com o secundário, raramente é uma boa ideia.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Nota oficial petralha sobre o julgamento do mensalão


O PT E O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470

O PT, amparado no princípio da liberdade de expressão, critica e torna pública sua discordância da decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da Ação Penal 470, condenou e imputou penas desproporcionais a alguns de seus filiados.

1. O STF não garantiu o amplo direito de defesa
O STF negou aos réus que não tinham direito ao foro especial a possibilidade de recorrer a instâncias inferiores da Justiça. Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do direito de defesa, que é um direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado.

A Constituição estabelece, no artigo 102, que apenas o presidente, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros do STF e o Procurador Geral da República podem ser processados e julgados exclusivamente pela Suprema Corte. E, também, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado, os comandantes das três Armas, os membros dos Tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática em caráter permanente.

Foi por esta razão que o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, logo no início do julgamento, pediu o desmembramento do processo. O que foi negado pelo STF, muito embora tenha decidido em sentido contrário no caso do “mensalão do PSDB” de Minas Gerais.

Ou seja: dois pesos, duas medidas; situações idênticas tratadas desigualmente.

Vale lembrar, finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF votou pelo desmembramento de processos, para que pessoas sem foro privilegiado fossem julgadas pela primeira instância – todas elas posteriores à decisão de julgar a Ação Penal 470 de uma só vez.

Por isso mesmo, o PT considera legítimo e coerente, do ponto de vista legal, que os réus agora condenados pelo STF recorram a todos os meios jurídicos para se defenderem.

2. O STF deu valor de prova a indícios
Parte do STF decidiu pelas condenações, mesmo não havendo provas no processo. O julgamento não foi isento, de acordo com os autos e à luz das provas. Ao contrário, foi influenciado por um discurso paralelo e desenvolveu-se de forma “pouco ortodoxa” (segundo as palavras de um ministro do STF). Houve flexibilização do uso de provas, transferência do ônus da prova aos réus, presunções, ilações, deduções, inferências e a transformação de indícios em provas.

À falta de elementos objetivos na denúncia, deducões, ilações e conjecturas preencheram as lacunas probatórias – fato grave sobretudo quando se trata de ação penal, que pode condenar pessoas à privação de liberdade. Como se sabe, indícios apontam simplesmente possibilidades, nunca certezas capazes de fundamentar o livre convencimento motivado do julgador. Indícios nada mais são que sugestões, nunca evidências ou provas cabais.

Cabe à acusação apresentar, para se desincumbir de seu ônus processual, provas do que alega e, assim, obter a condenação de quem quer que seja. No caso em questão, imputou-se aos réus a obrigação de provar sua inocência ou comprovar álibis em sua defesa—papel que competiria ao acusador. A Suprema Corte inverteu, portanto, o ônus da prova.

3. O domínio funcional do fato não dispensa provas
O STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em 1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada superada por diversos juristas. Segundo esta doutrina, considera-se autor não apenas quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua função, capacidade de decisão sobre sua realização. Isto é, a improbabilidade de desconhecimento do crime seria suficiente para a condenação.

Ao lançarem mão da teoria do domínio funcional do fato, os ministros inferiram que o ex-ministro José Dirceu, pela posição de influência que ocupava, poderia ser condenado, mesmo sem provarem que participou diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou que, tendo conhecimento deles, não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se consumassem. Expressão-síntese da doutrina foi verbalizada pelo presidente do STF, quando indagou não se o réu tinha conhecimento dos fatos, mas se o réu “tinha como não saber”…

Ao admitir o ato de ofício presumido e adotar a teoria do direito do fato como responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente perigoso: o de alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que teria feito.

Trata-se de uma interpretação da lei moldada unicamente para atender a conveniência de condenar pessoas específicas e, indiretamente, atingir o partido a que estão vinculadas.

4. O risco da insegurança jurídica
As decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de presunção de culpa em vez de inocência. E, ao inovar que a lavagem de dinheiro independe de crime antecedente, bem como ao concluir que houve compra de votos de parlamentares, o STF instaurou um clima de insegurança jurídica no País.

Pairam dúvidas se o novo paradigma se repetirá em outros julgamentos, ou, ainda, se os juízes de primeira instância e os tribunais seguirão a mesma trilha da Suprema Corte.

Doravante, juízes inescrupulosos, ou vinculados a interesses de qualquer espécie nas comarcas em que atuam poderão valer-se de provas indiciárias ou da teoria do domínio do fato para condenar desafetos ou inimigos políticos de caciques partidários locais.

Quanto à suposta compra de votos, cuja mácula comprometeria até mesmo emendas constitucionais, como as das reformas tributária e previdenciária, já estão em andamento ações diretas de inconstitucionalidade, movidas por sindicatos e pessoas físicas, com o intuito de fulminar as ditas mudanças na Carta Magna.

Ao instaurar-se a insegurança jurídica, não perdem apenas os que foram injustiçados no curso da Ação Penal 470. Perde a sociedade, que fica exposta a casuísmos e decisões de ocasião. Perde, enfim, o próprio Estado Democrático de Direito.

5. O STF fez um julgamento político
Sob intensa pressão da mídia conservadora — cujos veículos cumprem um papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma certa elite ao PT —  ministros do STF confirmaram condenações anunciadas, anteciparam votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos autos e, por fim, imiscuiram-se em áreas reservadas ao Legislativo e ao Executivo, ferindo assim a independência entre os poderes.

Único dos poderes da República cujos integrantes independem do voto popular e detêm mandato vitalício até completarem 70 anos, o Supremo Tribunal Federal – assim como os demais poderes e todos os tribunais daqui e do exterior – faz política. E o fez, claramente, ao julgar a Ação Penal 470.

Fez política ao definir o calendário convenientemente coincidente com as eleições. Fez política ao recusar o desmembramento da ação e ao escolher a teoria do domínio do fato para compensar a escassez de provas.

Contrariamente a sua natureza, de corte constitucional contra-majoritária, o STF, ao deixar-se contaminar pela pressão de certos meios de comunicação e sem distanciar-se do processo político eleitoral, não assegurou-se a necessária isenção que deveria pautar seus julgamentos.

No STF, venceram as posições políticas ideológicas, muito bem representadas pela mídia conservadora neste episódio: a maioria dos ministros transformou delitos eleitorais em delitos de Estado (desvio de dinheiro público e compra de votos).

Embora realizado nos marcos do Estado Democrático de Direito sob o qual vivemos, o julgamento, nitidamente político, desrespeitou garantias constitucionais para retratar processos de corrupção à revelia de provas, condenar os réus e tentar criminalizar o PT. Assim orientado, o julgamento convergiu para produzir dois resultados: condenar os réus, em vários casos sem que houvesse provas nos autos, mas, principalmente, condenar alguns pela “compra de votos” para, desta forma, tentar criminalizar o PT.

Dezenas de testemunhas juramentadas acabaram simplesmente desprezadas. Inúmeras contraprovas não foram sequer objeto de análise. E inúmeras jurisprudências terminaram alteradas para servir aos objetivos da condenação.

Alguns ministros procuraram adequar a realidade à denúncia do

Procurador Geral, supostamente por ouvir o chamado clamor da opinião pública, muito embora ele só se fizesse presente na mídia de direita, menos preocupada com a moralidade pública do que em tentar manchar a imagem histórica do governo Lula, como se quisesse matá-lo politicamente. O procurador não escondeu seu viés de parcialidade ao afirmar que seria positivo se o julgamento interferisse no resultado das eleições.

A luta pela Justiça continua
O PT envidará todos os esforços para que a partidarização do Judiciário, evidente no julgamento da Ação Penal 470, seja contida. Erros e ilegalidades que tenham sido cometidos por filiados do partido no âmbito de um sistema eleitoral inconsistente – que o PT luta para transformar através do projeto de reforma política em tramitação no Congresso Nacional – não justificam que o poder político da toga suplante a força da lei e dos poderes que emanam do povo.

Na trajetória do PT, que nasceu lutando pela democracia no Brasil, muitos foram os obstáculos que tivemos de transpor até nos convertermos no partido de maior preferência dos brasileiros. No partido que elegeu um operário duas vezes presidente da República e a primeira mulher como suprema mandatária. Ambos, Lula e Dilma, gozam de ampla aprovação em todos os setores da sociedade, pelas profundas transformações que têm promovido, principalmente nas condições de vida dos mais pobres.

A despeito das campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma elevaram o Brasil a um novo estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a miséria extrema e 40 milhões ascenderam socialmente.

Abriram-se novas oportunidades para todos, o Brasil tornou-se a 6ª.economia do mundo e é respeitado internacionalmente, nada mais devendo a ninguém.

Tanto quanto fizemos antes do início do julgamento, o PT reafirma sua convicção de que não houve compra de votos no Congresso Nacional, nem tampouco o pagamento de mesada a parlamentares. Reafirmamos, também, que não houve, da parte de petistas denunciados, utilização de recursos públicos, nem apropriação privada e pessoal.

Ao mesmo tempo, reiteramos as resoluções de nosso Congresso Nacional, acerca de erros políticos cometidos coletiva ou individualmente.

É com esta postura equilibrada e serena que o PT não se deixa intimidar pelos que clamam pelo linchamento moral de companheiros injustamente condenados. Nosso partido terá forças para vencer mais este desafio. Continuaremos a lutar por uma profunda reforma do sistema político – o que inclui o financiamento público das campanhas eleitorais – e pela maior democratização do Estado, o que envolve constante disputa popular contra arbitrariedades como as perpetradas no julgamento da Ação Penal 470, em relação às quais não pouparemos esforços para que sejam revistas e corrigidas.

Conclamamos nossa militância a mobilizar-se em defesa do PT e de nossas bandeiras; a tornar o partido cada vez mais democrático e vinculado às lutas sociais. Um partido cada vez mais comprometido com as transformações em favor da igualdade e da liberdade.

São Paulo, 14 de novembro de 2012.

Comissão Executiva Nacional do PT.

·RUI FALCÃO – Presidente
·ANDRÉ LUIZ VARGAS ILÁRIO – Secretário Nacional de Comunicação
·ARLETE SAMPAIO – Vogal
·BENEDITA DA SILVA – Vogal
·CARLOS HENRIQUE ÁRABE – Secretário Nacional de Formação Política
·ELÓI PIETÁ – Secretário–Geral Nacional
·FÁTIMA CLEIDE RODRIGUES DA SILVA – Vogal
·IOLE ILÍADA – Secretária Nacional de Relações Internacionais
·JILMAR AGUSTINHO TATTO – Líder do PT na Câmara dos Deputados
·JOÃO VACCARI NETO – Secretário Nacional de Finanças e Planejamento
·JORGE LUIZ CABRAL COELHO – Secretário Nacional de Mobilização
·JOSÉ NOBRE GUIMARÃES – Vice–Presidente Nacional
·MARIA APARECIDA DE JESUS – Vogal
·MARIA DE FÁTIMA BEZERRA – Vice–Presidente Nacional
·MARIA DO CARMO LARA PERPÉTUO – Vogal
·MARIENE PANTOJA DE LIMA – Vogal
·PAULO FRATESCHI – Secretário Nacional de Organização
·RENATO SIMÕES – Secretário Nacional de Movimentos Populares
·VILSON AUGUSTO DE OLIVEIRA – Secretário Nacional de Assuntos Institucionais
·WALTER DE FREITAS PINHEIRO – Líder do PT no Senado Federal