Na entrevista coletiva em que foi apresentado como técnico
da seleção nacional, Luiz Felipe Scolari fez uma brincadeira sobre a pressão
sofrida por qualquer ocupante de seu novo emprego. “Se não quer pressão é
melhor não jogar na seleção, vão trabalhar no Banco do Brasil”, disse ao
completar a declaração de que ganhar a Copa de 2014 é uma obrigação. Bastou
isso para que o mundo desabasse sobre sua cabeça. Apesar de ser esta
notoriamente dura, seu dono, o autor da graçola, submetido a críticas de
sindicatos de bancários e diretores e funcionários do BB, terminou pedindo
desculpas em público.
O autor destas linhas é do tempo em que passar no concurso
para o Banco do Brasil era quase como ganhar na loteria da Caixa Econômica
Federal. Perceba que a sorte neste país está sempre sob chancela estatal.
Emprego estável garantido, prestígio social e, como insinuou Felipão, vida
mansa. Hoje já não se pode dizer o mesmo, mas também não é uma ocupação de que
alguém venha a arrepender-se algum dia, principalmente diante das vicissitudes
da economia, que às vezes provocam dores de cabeça nos assalariados da
iniciativa privada, mas nunca prejudicam as evidentes vantagens de quem vive
sob os auspícios da viúva.
De pouco adiantou o currículo do técnico, o último a dirigir
uma seleção brasileira campeã do mundo, em 2002, na Ásia: ele teve de ajoelhar
no milho e se penitenciar perante a corporação. Logo depois de seu triunfo, a
gestão federal do Partido dos Trabalhadores (PT) empreendeu um esquema de
compra de votos de bancadas aliadas para apoiar projetos no Congresso Nacional.
E parte do dinheiro que usou foi surrupiado dos cofres do banco cuja honra foi
agora defendida com tanto denodo por seus funcionários. O então diretor de
Marketing nomeado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Henrique
Pizzolato, mandou depositar R$ 73,9 milhões nas contas das agências
publicitárias mineiras DNA, Graffiti e SMPB, que os repassaram em forma de
propina a partidos e políticos da base.
Condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 12 anos e 7
meses de prisão, o ex-funcionário de carreira e petista da linha de frente terá
de amargar pelo menos 2 anos e 1 mês numa cela e pagar R$ 1,3 milhão de multa.
É muito dinheiro, mas praticamente nada comparado com o total que se sabe que
foi furtado. O companheiro pisoteou e jogou no lixo a credibilidade de uma
instituição financeira com mais de 200 anos de existência e excelente reputação
no mercado financeiro mundial. Seus colegas e correligionários, entretanto,
preferiram execrar a Justiça pela sentença que condenou o ladrão à merecida
prisão e reclamar do técnico da seleção pela piada, que nem é das mais pesadas.
Tão zelosa em negar os próprios privilégios, a corporação do
BB nunca se mostrou particularmente interessada em salvaguardar a boa imagem
dela. Ao desbaratar a quadrilha dos “bebês da Rosemary”, os irmãos Vieira, que
compraram as graças da ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São
Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha, a Polícia Federal (PF) comprovou isso. Pois
constatou que essa senhora, acusada de desvio de conduta na Operação Porto
Seguro, conseguiu que Luiz Carlos Silva, presidente da empresa Cobra, braço
tecnológico do BB, contratasse a New Talent, de João Vasconcelos, marido da
moça, e seu genro, Carlos Alexandre Damasco Torres. Assinado em maio de 2010,
quando o vice-presidente de tecnologia do BB era José Luiz Salinas, o contrato
levou em conta um atestado de capacidade técnica que os agentes federais
presumem ser falso. Genuína mesmo era a ligação de Salinas com José Dirceu, o
ex-chefe da Casa Civil de Lula, como Pizzolato condenado (por corrupção ativa e
formação de quadrilha), e com o ex-presidente do PT Ricardo Berzoini, que o
apadrinharam para o cargo. Salinas, hoje na Ásia, era também frequentador
habitual do gabinete de “madame Rosemary”.
Ainda há tempo para a corporação do BB protestar contra a
malsinada influência em créditos evidentemente desastrosos, que também
comprometem a credibilidade do banco público, mas nem a Velhinha de Taubaté
acredita nessa hipótese. Pois os indignados com a gracinha do sisudo Felipão
nunca vieram a público reclamar do aparelhamento promovido pelo PT dos
bancários Berzoini e Luiz Gushiken na antes respeitável instituição financeira.
Ao contrário, todos neste momento estão empenhados em encontrar uma desculpa
qualquer, similar à do caixa 2 de campanha, com a qual tentaram desacreditar o
julgamento do mensalão.
Enquanto isso, dirigentes do PT, falsos ingênuos e
blogueiros ditos progressistas fazem de tudo para desmoralizar pelo menos um
dos responsáveis pela condenação dos companheiros Dirceu e José Genoino. A bola
da vez não é o ex-presidente do STF Carlos Ayres de Brito nem o atual chefe
máximo do Judiciário e relator do julgamento, Joaquim Barbosa, mas Luiz Fux.
O ministro está sendo acusado à boca pequena, como é comum
no gulag de intrigas do PT, de ter-se comprometido a absolver os mensaleiros em
troca da vaga no Supremo. A calúnia não se apoia em documentos nem na lógica e
padece de um defeito de origem: quem mereceria recriminação, um jurista que
aceita chegar ao topo da carreira renegando a independência e a honra de
julgador ou um estadista que seja capaz de exigir dele tal promessa? A pergunta
nem merece resposta, tão implausível é a injúria.
Mas há outras duas que não podem ser caladas. Qual a pior
hipótese: a de uma secretária de luxo ter poderes para nomear e promover usando
o santo nome do ex-presidente Lula em vão, sendo sempre atendida, ou a de este
avalizar seus pedidos? Seria pior para a República o advogado-geral da União
fazer tráfico de influência ou ele nunca ter percebido a quadrilha operando no
gabinete ao lado, de um amigo que promoveu?
Pelo visto, o mensalão é pinto comparado com o estrago feito
pela madame em nome de Lula.