quarta-feira, 30 de junho de 2010

Cartilha do Politicamente Correto & Direitos Humanos

Politicamente Correto & Direitos Humanos

Presidente da República
Luiz Inácio Lula da Silva

Secretário Especial dos Direitos Humanos
Nilmário Miranda

Subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos
Perly Cipriano

Presidente da Fundação Universitária de Brasília
Edeijavá Rodrigues Lira



PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Secretaria Especial dos Direitos Humanos


Politicamente Correto & Direitos Humanos

Antônio Carlos Queiroz
Brasília, 2004

Presidência da República
Secretaria Especial dos Direitos Humanos
Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Ed. Sede, 4º andar
70064-900 – Brasília, DF.
E-mail: direitoshumanos@sedh.gov.br
Internet: www.presidencia.gov.br/sedh

@ Copyright: Secretaria Especial dos Direitos Humanos

É permitida a reprodução total ou parcial da publicação,
devendo citar menção expressa na fonte de referência.
Os conceitos e opiniões nesta obra são de exclusiva responsabilidade do autor.

Impresso no Brasil/ Printed in Brazil
Distribuição gratuita.
Convênio SEDH n° 147/2003
Tiragem: 5.000

Pesquisa e texto: Antônio Carlos Queiroz
Coordenação gráfica e editorial: Perly Cipriano

Projeto gráfico: Heonir Soares Valentim
Capa: Sandro Canedo
Normalização: Maria Amélia Elizabeth C. Veríssimo

Referência Bibliográfica
QUEIROZ, Antônio Carlos. Politicamente correto e direitos humanos. Brasília: SEDH, 2004. 88p.

Dados Internacionais de Catalogação na fonte da Publicação
341.27 Queiroz, Antônio Carlos
Q3p Politicamente correto e direitos humanos/ pesquisa e texto: Antônio Carlos Queiroz._Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2004.
88p.

1. Direitos humanos, Brasil 2. Direitos humanos, Terminologia, Brasil 3. Direitos humanos, Terminologia pejorativa I. Brasil. Secretaria Especial dos Direitos Humanos II. Título:

CDD – 341.27
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Sumário


Apresentação

A Secretaria Especial dos Direitos Humanos, vinculada à Presidência da República, com vistas a colaborar para a construção de uma cultura de direitos humanos, apresenta a cartilha “Politicamente Correto e Direitos Humanos” como forma de chamar a atenção de toda a sociedade para o que o historiador Jaime Pinsky chamou de “os preconceitos nossos de cada dia”.

Todos nós – parlamentares, agentes e delegados da polícia, guardas de trânsito, jornalistas, professores, entre outros profissionais com grande influência social – utilizamos palavras, expressões e anedotas, que, por serem tão populares e corriqueiras, passam por normais, mas que, na verdade, mal escondem preconceitos e discriminações contra pessoas ou grupos sociais. Muitas vezes ofendemos o “outro” por ressaltar suas diferenças de maneira francamente grosseira e, também, com eufemismos e formas condescendentes, paternalistas.

A idéia do título, “Politicamente Correto”, tem, em parte, um sentido provocador. Foi escolhida com o objetivo de chamar a atenção dos formadores de opinião para o problema do desrespeito à imagem e à dignidade das pessoas consideradas diferentes.

Não queremos promover discriminações às avessas, “dourando a pílula” para escamotear a amargura dos termos que ofendem, insultam, menosprezam e inferiorizam os semelhantes que consideramos “os outros”. Ao contrário, neste glossário, apresentamos em primeiro lugar justamente as expressões pejorativas, para depois comentá-las. Com ele, queremos incentivar o debate, fomentar a reflexão, inclusive pela razão simples de que, para alguns de nossos interlocutores, nós é que somos os “diferentes”.

Se queremos ser respeitados, devemos respeitar. No mínimo, para cumprir o princípio de que todos os homens e mulheres são iguais, independentemente de origem, cor, sexo, orientação sexual, condição social e econômica, credo religioso, filiação filosófica ou política etc.

Perly Cipriano
Subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos

Atenção: queremos que este livreto seja uma obra em construção, com a colaboração de seus leitores.

Para enriquecer as próximas edições, pedimos a vocês que enviem à Secretaria Especial de Direitos Humanos, por carta, fax ou correio eletrônico sugestões de novos verbetes.

Os números de telefones e endereços são os seguintes:

Subsecretaria de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos
Endereço: Esplanada dos Ministérios, Bloco T, Anexo II, Sala 204
70064-900 – Brasília, DF
Fax: 61 226 7695/ 225 0440
E-mail: direitoshumanos@sedh.gov.br
Introdução

O preconceito nosso de cada dia
Jaime Pinsky *
Preconceito, nunca. Temos apenas opiniões bem definidas sobre as coisas. Preconceito é o outro quem tem...

Mas, por falar nisso, já observou o leitor como temos o fácil hábito de generalizar (e prova disso é a generalização acima) sobre tudo e todos? Falamos sobre “as mulheres”, a partir de experiências pontuais; conhecemos “os políticos”, após acompanhar a carreira de dois ou três; sabemos tudo sobre os “militares” porque o síndico do nosso prédio é um sargento aposentado; discorremos sobre homossexuais (bando de sem-vergonhas), muçulmanos (gentinha atrasada), sogras (feliz foi Adão, que não tinha sogra nem caminhão), advogados (todos ladrões), professores (pobres coitados), palmeirenses (palmeirense é aquele que não tem classe para ser são-paulino nem coragem para ser corintiano), motoristas de caminhão (grossos), peões de obra (ignorantes), sócios do Paulistano (metidos a besta), dançarinos (veados), enfim, sobre tudo. Mas discorremos de maneira especial sobre raças e nacionalidades e, por extensão, sobre atributos inerentes a pessoas nascidas em determinados países.

Afinal, todos sabemos (sabemos?) que os franceses não tomam banho; os mexicanos são preguiçosos; os suíços, pontuais; os italianos, ruidosos; os judeus, argentários; os árabes, desonestos; os japoneses, trabalhadores, e por aí afora. Sabemos também que cariocas são folgados; baianos, festeiros; nordestinos, miseráveis; mineiros, diplomatas, etc. Sabemos ainda que o negro não tem o mesmo potencial que o branco, a não ser em algumas atividades bem-definidas como o esporte, a música, a dança e algumas outras que exigem mais do corpo e menos da inteligência. Quando nos deparamos com um exceção admitimos que alguém possa ser limpo, apesar de francês; trabalhador, apesar de mexicano; discreto, apesar de italiano; honesto, apesar de árabe; desprendido do dinheiro, apesar de judeu; preguiçoso, apesar de japonês e também por aí afora. Mas admitimos com relutância e em caráter totalmente excepcional.

O mecanismo funciona mais ou menos assim: estabelecemos uma expectativa de comportamento coletivo (nacional, regional, racial), mesmo sem conhecermos, pessoalmente, muitos ou mesmo nenhum membro do grupo sobre o qual pontificamos. Sabemos (sabemos?) que os mexicanos são preguiçosos porque eles aparecem sempre dormindo embaixo dos seus enormes chapelões enquanto os diligentes americanos cuidam do gado e matam bandidos nos faroestes. Para comprovar que os italianos são ruidosos achamos o bastante freqüentar uma cantina no Bixiga. Falamos sobre a inferioridade do negro a partir da observação empírica de sua condição socioeconômica. E achamos que as praias do Rio de Janeiro cheias durante os dias da semana são prova do caráter folgado do cidadão carioca. Não nos detemos em analisar a questão um pouco mais a fundo. Não nos interessa estudar o papel que a escravidão teve na formação histórica de nossos negros. Pouco atentamos para a realidade social do povo mexicano e de como ele aparece estereotipado no cinema hollywoodiano. Nada disso. O importante é reproduzir, de forma acrítica e boçal, os preconceitos que nos são passados por piadinhas, por tradição familiar, pela religião, pela necessidade de compensar nossa real inferioridade individual por uma pretensa superioridade coletiva que assumimos ao carimbar “o outro” com a marca de qualquer inferioridade.

Temos pesos, medidas e até um vocabulário diferente para nos referirmos ao “nosso” e ao do “outro”, numa atitude que, mais do que autocondescendência, não passa de preconceito puro. Por exemplo, a nossa é religião, a do outro é seita; nós temos fervor religioso, eles são fanáticos; nós acreditamos em Deus (o nosso sempre em maiúscula), eles são fundamentalistas; nós temos hábitos, eles vícios; nós cometemos excessos compreensíveis, eles são um caso perdido; jogamos muito melhor, o adversário tem é sorte; e, finalmente, não temos preconceito, apenas opinião formada sobre as coisas.

Ou deveríamos ser como esses intelectuais que para afirmar qualquer coisa acham necessário estudar e observar atentamente? Observar, estudar e agir respeitando as diferenças é o que se esperada de cidadãos que acreditam na democracia e, de fato lutam por um mundo mais justo. De nada adianta praticar nossa indignação moral diante da televisão, protestando contra limpezas raciais e discriminações pelo mundo afora, se não ficarmos atentos ao preconceito nosso de cada dia.


* O autor – historiador, doutor e livre docente pela USP – gentilmente autorizou a reprodução deste texto, que foi originalmente publicado em O Estado de S. Paulo (20/05/1993) e no livro Brasileiro (a) é assim mesmo – Cidadania e Preconceito, 1993, da Editora Contexto (www.editoracontexto.com.br)

Politicamente Correto & Direitos Humanos

A ________________________________________________________

A coisa ficou preta – A frase é utilizada para expressar o aumento das dificuldades de determinada situação, traindo forte conotação racista contra os negros.

Africano – Termo relativo à África, aos seus naturais e habitantes. Sua utilização genérica muitas vezes serve para negar a diversidade de países e povos daquele continente ou para discriminá-los, em geral, inferiorizando-os.

Aidético – Termo discriminador dos portadores do vírus da Aids, ou Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (HIV). O correto é chamar a pessoa nessa condição de “HIV positiva” ou “soropositiva”, quando não apresenta os sintomas associados à doença, e “pessoa com Aids” ou “doente de Aids”, quando ela já tem aqueles sintomas.

Aleijado – Termo ofensivo, que estigmatiza as pessoas com deficiência física ou mental. Não é correto chamá-las de “pessoas deficientes” ou “excepcionais”, atribuindo-lhes incapacidade absoluta. Nem é pertinente chamá-las de “portadoras de habilidades especiais”, eufemismo que não ajuda a preservar sua dignidade. Em geral, as pessoas nessas condições preferem ser tratadas como “portadoras de deficiência” ou simplesmente “pessoas com deficiência”.

Analfabeto – Condição de quem não sabe ler nem escrever, alvo de grande preconceito e discriminação social no País, o que é sintetizado, por exemplo, na frase “Vá estudar para ser alguém na vida!” Em geral, quem agride os analfabetos costuma responsabilizar a pessoa que não teve a oportunidade de ir à escola e não à sociedade que lhe negou tal oportunidade. Segundo o Censo 2000 do IBGE, 16,7% da população brasileira acima de cinco anos, ou quase 26 milhões de pessoas, são incapazes de ler e de escrever um bilhete simples. Formam um contingente especial de excluídos da cidadania, com menos direitos políticos (não podem ser eleitos a cargos públicos) e menos acesso a empregos e benefícios sociais.

Anão – As pessoas afetadas pelo nanismo são vítimas de um preconceito peculiar: o de sempre serem consideradas engraçadas. Não há nada de especialmente engraçado ter baixa estatura, fato que não torna ninguém inválido nem diminui sua dignidade.

Apenado – A expressão é utilizada, de maneira incorreta, para designar qualquer pessoa detida pela polícia, mesmo sem ter sido julgada e sentenciada. É preciso reafirmar o princípio da presunção da inocência, definido no inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

B ________________________________________________________


Baianada – Expressão pejorativa que atribui aos baianos inabilidade no trânsito e em outras atividades. Trata-se de um preconceito de caráter regional e racial, ao lado de outros como o que imputa a malandragem aos cariocas, a esperteza aos mineiros, a falta de inteligência aos goianos, a orientação homossexual aos gaúchos etc.

Baitola – Palavra de origem nordestina que, junto com “bicha”, “boiola” e outras é utilizada para depreciar os homossexuais. Em respeito às pessoas que sentem atração ou mantêm relações amorosas ou sexuais com pessoas do próprio sexo, utilize as seguintes identificações: gay – para homens e mulheres; entendido (a) – para homens e mulheres; lésbica – para mulheres; travesti e transsexual – para transgêneros; bissexuais – para homens e mulheres.

Bárbaro – Inicialmente para os gregos, em seguida para os romanos, e depois para outros povos que se consideravam civilizados, bárbaro era todo o estrangeiro ou pessoa que não falava o idioma deles. Bárbaro era sinônimo de estranho, cruel, grosseiro, incorreto, malvado, rude, violento; capaz de barbarizar, isto é, de cometer barbárie ou barbaridade. É a expressão mais clássica de discriminação do outro e da xenofobia, a aversão pelos estrangeiros, seus costumes, hábitos e tradições.

Barbeiro – O uso da expressão, no sentido de motorista inábil, obviamente é ofensiva ao profissional especializado em cortar cabelo e aparar barba.

Barraco – Moradia modesta, construída de materiais precários, como a tenda do cigano, a oca do indígena de língua da família tupi-guarani, o cafofo do morador de favela. Seja de alvenaria ou de pau-a-pique, de papelão, palha, tábuas, panos ou folhas de zinco, o inciso XI do artigo 5º da Constituição Federal dispõe que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”.

Beata – O termo deprecia as mulheres que vão com muita freqüência às missas e ofícios da Igreja Católica.

Bêbado, bêbedo, bebum – O dicionário Houaiss registra mais de 80 sinônimos ou termos afins, quase todos pejorativos, para caracterizar os dependentes de álcool. Por ignorância e preconceito, muita gente menospreza e trata as pessoas nessa condição como fracas de caráter, sem levar em conta que o alcoolismo é uma enfermidade crônica, catalogada desde 1967 na Classificação Internacional das Doenças da Organização Mundial da Saúde, de difícil cura e de graves conseqüências psíquicas, fisiológicas e sociais. Os alcoólicos merecem respeito e cuidados médicos e não discriminação.

Branquelo – Por incrível que pareça, existe no Brasil preconceito racial contra pessoas brancas. Mais fortemente, contra membros das colônias européias no Sul do País. “Branquelo” e “branquelo azedo” são duas das expressões pejorativas contra os brancos.

Bugre – Termo depreciativo do indivíduo de origem indígena, tido como selvagem, rude. Parece que a expressão foi utilizada pela primeira vez no Brasil em 1555, por oficiais da marinha francesa, que estabeleceram numa ilha da Baía da Guanabara a sede da chamada “França Antártica”, para designar os tamoios, um subgrupo do povo Tupinambá, que dominavam grande extensão do litoral brasileiro, desde o norte de São Paulo até Cabo Frio e o Vale do Paraíba, no Rio de Janeiro. Tinha o sentido de indivíduo rude, selvagem, primário, não-civilizado, não-cristão, herético. Segundo o dicionário Houaiss, a origem da palavra é o nome que os franceses davam, em 1172, a uma seita religiosa de búlgaros, cujos membros eram considerados “heréticos” e “sodomitas”.

Burro – Xingamento dirigido a quem se atribui falta de inteligência. Conferir às pessoas supostas características de animais é um dos recursos mais comuns para desqualificá-las.

C ________________________________________________________

Cabeça chata – Termo insultuoso, racista, dirigido contra os nordestinos, em especial, os cearenses.

Caipira – A pessoa que vive no campo, na roça. O dicionário Houaiss lista 72 sinônimos de caipira, quase todos de conotação pejorativa, refletindo um forte preconceito da sociedade brasileira. O caipira é tachado de rústico, rude, pouco instruído, cafona, brega, avesso ao convívio social, em oposição às pessoas que vivem nas cidades, consideradas cosmopolitas, elegantes, finas, sofisticadas. Essa última idéia firmou-se no País a partir do início dos anos 60, com a “Marcha para o Oeste” e a construção de Brasília, e foi alimentada pela ideologia da modernização conservadora e do “Brasil Potência”, segundo a qual só haveria progresso e bem-estar social no asfalto das grandes cidades. Depois que esse mito foi destruído pela crise econômica e os problemas decorrentes do inchaço das periferias urbanas, está havendo uma grande revalorização dos valores culturais da vida no interior.

Canceroso – Forma grosseira, indelicada, usada para estigmatizar o portador de câncer, nome genérico de diversas doenças caracterizadas pela proliferação incontrolável das células. Digno é chamá-lo de “portador de câncer” ou “doente de câncer”.

Ceguinho – Expressão de menosprezo, que estigmatiza os cegos. Em geral, as pessoas privadas de visão preferem ser chamadas de cegas em vez de “deficientes visuais”, “portadoras de deficiências visuais” ou expressões eufemísticas semelhantes.

Ciganos – Na Europa, o termo “cigano” é considerado pejorativo. Os diversos grupos étnicos que formam o povo cigano preferem outras designações étnicas, como Rom, Sinti e Calon. Do termo Rom (“pessoa”) deriva o nome de sua língua, o romani, um complexo de muitos dialetos de base indo-árica, aparentada ao sânscrito. No Brasil, por preconceito racial, o nome cigano é muitas vezes associado a qualidades negativas (ladrão de cavalo, ladrão de crianças etc). Isso se deve, entre outras razões, ao seu antigo nomadismo, hoje relativo, e ao grande apego que têm à liberdade e à insubmissão às instituições da sociedade envolvente. O origem dos ciganos é controvertida, mas em geral aceita-se que a sua diáspora teve início a partir de uma região no noroeste da Índia, há cerca de mil anos, em direção à Turquia, e, a partir do século XV, à Europa Ocidental. Ali teriam ocupado uma região denominada “Pequeno Egito”, na costa leste do mar Negro, sendo esta a origem de suas denominações em francês (egypcien=gitan), espanhol (gitano) e inglês (gypsy). O curioso é que, segundo o matemático grego Apolônio de Rodes (295 aC-230aC), nessa mesma região teria vivido um povo chamado Sigunnoi, nome que deu origem à denominação cigano em português. Os primeiros ciganos a chegar ao Brasil – João Torres, a mulher e filhos – foram expulsos de Portugal, em 1574. Muito musicais, os ciganos inspiraram obras primas como as Rapsódias Húngaras, de Franz Liszt, e a ópera Carmen, de Georges Bizet. O ex-presidente Juscelino Kubitschek era neto de um cigano.

Fontes

- Moonen Frans – Rom, Sinti e Calon – Os assim chamados ciganos – E-texto nº 1, Recife, Núcleo de Estudos Ciganos, 2000

- Teixeira, Rodrigo Corrêa - História dos Ciganos no Brasil – E-texto nº 2, Recife, Núcleo de Estudos Ciganos, 2000

Os textos do Núcleo de Estudos Ciganos podem ser acessados no seguinte endereço eletrônico www.dhnet.org.br/direitos/sos/ciganos/



Classe baixa – A repetição dessa expressão, graficamente ilustrada pela base da pirâmide que representa os estratos sociais da sociedade de classes, é utilizada para inferiorizar pessoas e naturalizar sua pobreza com o propósito de negar-lhes direitos.

Comunista – Termo utilizado até recentemente para discriminar ou justificar perseguições a qualquer militante de esquerda ou de causas sociais. Desde as revoluções que explodiram na Europa, no final dos anos 40 do século 19, e principalmente depois da Revolução Russa, em 1917, os adeptos do socialismo e do comunismo tornaram-se os principais alvos das polícias dos Estados liberais e dos propagandistas do capitalismo. Contra eles foram inventadas as piores calúnias e insultos, para justificar campanhas de perseguição que resultaram em assassinatos em massa, de caráter genocida, por exemplo, durante o regime nazista na Alemanha; o golpe de Estado de 1965, na Indonésia; e todos os golpes militares ocorridos nos países latino-americanos, incluindo o Brasil, nas décadas de 60 e 70.

Coxo – Palavra estigmatizadora da pessoa que anda de maneira irregular por ser portadora de deficiência em uma ou nas duas pernas. A carga pejorativa do termo também é grande por ser essa uma das designações populares do diabo.

Crioulo – Antiga designação do filho de escravos, hoje é um termo pejorativo e discriminador do indivíduo negro ou afrodescendente.

D ________________________________________________________

De menor – “De menor” ou “menor” são expressões carregadas de forte preconceito e discriminação, geralmente associadas às crianças e adolescentes pobres, negras, em situação de rua ou que cometem atos infracionais. O termo “menor” constava do antigo Código de Menores, substituído em 1990 pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Desde então, a palavra foi banida do vocabulário dos defensores dos direitos da infância. Palavras adequadas: criança, adolescente, garoto (a), guri (a), moço (a), menino (a), jovem, piá etc.

Débil mental – Expressão preconceituosa, que estigmatiza os portadores de deficiência ou distúrbio mental. É utilizada, ao lado de “debilóide”, “mongolóide” e outros termos afins para desqualificar as pessoas a quem se atribuir falta de inteligência ou discernimento.

Deficiente – Tratamento generalizador, inadequado para chamar o portador de deficiência física, auditiva, visual ou mental. As expressões respeitosas podem ser “pessoa portadora de deficiência” ou “pessoa com deficiência”. O fato de ter alguma deficiência não torna uma pessoa inválida ou incapaz.

Denegrir ou denigrir – Esse verbo, com o sentido de aviltar, diminuir a pureza, conspurcar, tornou-se ofensivo aos negros e, por essa razão, deve ser evitado.

Detento – Do ponto de vista jurídico, é o indivíduo que cumpre a pena de detenção. No entanto, o termo é utilizado para classificar pejorativamente qualquer pessoa detida pela polícia, mesmo aquela ainda não julgada nem condenada. Nesse caso, tem o mesmo sentido distorcido de “apenado” (ver).

Doido – A palavra, no sentido de louco, é utilizada como xingamento, e, de maneira genérica, para desqualificar as pessoas portadoras de qualquer deficiência mental, mas que não são, necessariamente, portadoras de loucura ou de doença mental.


E ________________________________________________________

Elemento – Termo muito utilizado, ao lado de outros como marginal (ver), meliante, delinqüente etc, principalmente por policiais e por jornalistas, para desqualificar pessoas suspeitas de praticar delitos. É preciso lembrar que ninguém pode ser considerado culpado até que a sua condenação tenha sido confirmada em última instância pela Justiça, segundo o princípio da presunção da inocência. Esse princípio, firmado pela Revolução Francesa, constitui uma das maiores conquistas do Direito em todos os tempos. (Ver o verbete “Apenado”).

Encostado – Forma pejorativa de chamar o aposentado, o trabalhador licenciado por doença ou incapacidade, e também o desempregado.

Esclerosado – Esclerose é uma patologia caracterizada pelo aumento anormal de tecidos conjuntivos de órgãos como os nervos e o pulmão. O esclerosamento das paredes de determinados vasos sangüíneos pode comprometer a oxigenação do cérebro e provocar danos em algumas de suas funções, deixando o doente com alguma deficiência. Daí a origem do termo “esclerosado” no sentido de “maluco”, “caduco”, “que perdeu o juízo” etc, de que se abusa para discriminar as pessoas idosas, principalmente.

“Está russo” – A expressão original é “Está ruço”, com cê-cedilha, isto é, de coloração pardacenta, enevoada, utilizada para descrever uma situação difícil, apertada, não resolvida, obscura. Mais recentemente, foi associada aos russos, devido às sucessivas crises por eles enfrentadas e que culminaram no fim da União Soviética, em 1991.

F ________________________________________________________

Fanático – Conforme o livro “Faces do fanatismo”, organizado por Jaime Pinsky e Carla Bassanezzi Pinsky, fanatismo é um termo cunhado no século XVIII para denominar partidários extremistas, exaltados e acríticos de uma causa religiosa ou política. Com base na certeza absoluta e incontestável a respeito de suas verdades, os indivíduos e os grupos fanáticos são levados a praticar violências contra outras pessoas, prejudicando a sua liberdade e atentando contra a sua vida.


Farinha do mesmo saco – A expressão, junto com outras semelhantes – “Todo político é ladrão”, “Os jornalistas são mentirosos”, “Os muçulmanos são terroristas” – ilustra a falsidade e leviandade das generalizações apressadas, base de quase todos os preconceitos. O fato de haver políticos corruptos, jornalistas imprecisos e muçulmanos extremistas não significa que a totalidade de cada um desses segmentos mereça aquelas respectivas acusações. Por outro lado, especialmente na imprensa diária, a utilização de características pessoais do personagem da notícia muitas vezes trai o preconceito do repórter. É comum lembrar os traços étnicos de um ladrão se ele é negro, mas não se for branco. Pouquíssimos jornalistas se referiram ao fato de o presidente George Bush ser metodista quando noticiaram que ele resolveu atacar o Iraque. Mas muitos escreveram e continuam a escrever que os militantes que participam da resistência iraquiana são muçulmanos. É usual adjetivar os partidos palestinos, sem exceção, de terroristas, mas muito raro chamar de terrorista o governo de Israel quando este lança mísseis sobre civis palestinos. Não se trata de evitar ou omitir informações, mas de saber utilizá-las de maneira adequada e precisa, para prevenir o preconceito e a discriminação.

Fascista – A palavra muitas vezes é utilizada por militantes de esquerda para desqualificar adversários de direita, embora se refira, especificamente, aos adeptos do sistema político ditatorial cujas maiores expressões históricas foram os regimes da Itália de Benito Mussolini e a Alemanha de Adolf Hitler, entre as décadas de 20 e 40 do século 20. Algumas de suas características: monopólio da representação política por um partido único de massas; centralização extremada do poder político, com a eliminação das liberdades democráticas, e a montagem de um sistema agressivo de propaganda; eliminação da oposição pela violência e o terror; ideologia baseada no culto ao líder político, na glorificação da coletividade nacional, no ódio racial, no desprezo ao individualismo liberal, na oposição ao comunismo e ao socialismo e na colaboração de classes; dirigismo estatal das relações econômicas, sociais, políticas e culturais, de acordo com uma lógica totalitária. (ver o verbete “Nazista”)

Funcionário público – O trabalhador do Estado, que exerce ou desempenha alguma função pública; serventuário. Depois de sistemáticas campanhas de desprestígio contra o serviço público, iniciadas no governo Collor (1990-1992), para justificar as políticas do Estado Mínimo do modelo neoliberal, os trabalhadores dos órgãos, entidades ou empresas públicas preferem ser chamados de servidores públicos. Com isso, querem enfatizar que servem ao público mais do que ao Estado.

G ________________________________________________________

Gilete – Expressão depreciativa das pessoas cuja orientação sexual é dirigida tanto a homens como a mulheres. O termo adequado é bissexual.

Goianada – A exemplo de “baianada”, é um preconceito de caráter regional e racial contra as pessoas naturais de Goiás, a quem se atribui rudeza ou falta de inteligência.

Gringo – Termo utilizado no Brasil para discriminar qualquer estrangeiro. Em alguns países latino-americanos, como o México, refere-se especificamente aos estadunidenses. A palavra tem caráter xenófobo, isto é, serve para expressar menosprezo ou ódio aos estrangeiros.


H ________________________________________________________

Homossexualismo – É mais adequado utilizar o termo “homossexualidade” em vez de “homossexualismo” para definir a orientação sexual das pessoas que sentem atração ou mantêm relações amorosas ou sexuais com pessoas do próprio sexo. O primeiro termo descreve essa condição de forma neutra, enquanto o segundo, equivocado, tem uma forte carga pejorativa ligada à crença de que a orientação homossexual seria uma doença, uma ideologia ou um movimento político a que as pessoas aderem de maneira voluntária.

I ___________________________________________________________

Inculto – A rigor, qualquer pessoa tem uma cultura ou visão de mundo e, nesse sentido, carece de sentido considerar que alguém possa ser inculto. O termo é utilizado, no entanto, para desqualificar como incapazes, “burras” (ver), as pessoas que não tiveram acesso à educação formal.

Índio – Designação genérica de qualquer indivíduo cujos ancestrais habitavam as Américas antes da chegada dos europeus, no século 16. O termo foi cunhado pelos navegadores da esquadra de Cristóvão Colombo, quando aportaram no continente em 1492, baseados na crença equivocada de que haviam chegado às Índias. Embora esteja absorvido e seja até motivo de orgulho para muitos membros das comunidades indígenas do Brasil, a expressão é inadequada por se referir a povos muito diferentes entre si e por confundir a ampla diversidade étnica do País. Segundo os modernos estudos de etnografia e antropologia, quando a frota de Pedro Álvares Cabral desembarcou no sul da Bahia, em abril de 1500, o território que hoje conforma o Brasil estava ocupado por populações cujo número total foi calculado entre 1 milhão e 11,5 milhões de pessoas e que, provavelmente, falavam mais de mil línguas diferentes. Alguns desses povos fundaram grandes civilizações na bacia amazônica, com extensas povoações ribeirinhas e domínio de tecnologias sofisticadas de produção, transporte e comunicação. Essas populações chegaram a essas paragens há pelo menos 12 mil anos. Oriundas da Ásia, atravessaram o estreito de Bering, estabeleceram-se na América do Norte e depois migraram para a América do Sul. Outra hipótese, mais controvertida, é que teriam vindo da Austrália, navegando pelas costas das Américas, em época anterior, recuada em até 50 mil anos. Após cinco séculos de guerras contra o domínio, a escravização e a colonização de portugueses e brasileiros, ainda existem no País 235 povos indígenas, que falam 180 línguas diferentes e ocupam 794 terras que perfazem 11% do território nacional. No último Censo Demográfico do IBGE (2000), mais de 734 mil pessoas se autodeclararam indígenas.

J ________________________________________________________

Judiar – Verbo de conotação pejorativa contra os judeus, originado na leitura dos Evangelhos segundo a qual foram eles, e não os soldados romanos, os que torturaram e assassinaram Jesus Cristo.


L ________________________________________________________

Ladrão – Atualmente, o termo é mais aplicado a indivíduos pobres. Os ricos são preferencialmente chamados de “corruptos”, o que demonstra que até os xingamentos têm viés classista.

Latino-americanos – A expressão, cunhada por geopolíticos franceses, designa imprecisamente os habitantes dos países situados abaixo dos Estados Unidos, do México à Argentina. A rigor, deveria incluir os canadenses da província canadense do Quebeque. E não retrata os povos de língua inglesa de alguns países do Caribe, como Barbados, nem os da Guiana e do Suriname, este último de língua neerlandesa, na América do Sul. O mais curioso, entretanto, é que os brasileiros em geral não se consideram latino-americanos, o que denota um preconceito muito disseminado e uma injustificável auto-exclusão de uma comunidade de nações com características de origem majoritariamente comuns, a cultura ibérica.

Lazarento ou leproso – Duas expressões segregadoras dos doentes da hanseníase e de outras enfermidades da pele, comumente chamadas de lepra. Trata-se de um dos estigmas mais cruéis e antigos do mundo ocidental.

Louco – Assim como doido, o termo é utilizado para insultar, de forma genérica, os portadores de deficiência mental, que não são, necessariamente, portadores de doença ou distúrbio mental. A palavra é também utilizada para reprimir pessoas que, por razões políticas ou antiinstitucionais, manifestam rebeldia.

M ________________________________________________________

Macumbeiro – Expressão que discrimina o praticante da macumba, culto religioso sincrético de elementos do candomblé, de religiões indígenas e do catolicismo. Por extensão, refere-se aos fiéis das religiões de origem afro-brasileira, como a quimbanda e a umbanda, preconceituosamente chamados de feiticeiros ou bruxos.

Malandro – Antigamente, referia-se ao indivíduo esperto, que não gostava de trabalhar e vivia de expedientes e pequenos golpes. Foi um tipo folclórico que marcou a cena urbana do Rio de Janeiro, cuja extinção foi cantada por Chico Buarque no samba “Homenagem ao malandro”: “Mas o malandro pra valer,/ não espalha/ aposentou a navalha,/ tem mulher e filho e tralha e tal”./ Dizem as más línguas que ele até trabalha/ Mora lá longe e chacoalha/ Num trem da Central”. O fato é que a crise econômica crônica do País, com o desemprego beirando os 20% da população economicamente ativa, enfraqueceu a conotação pejorativa do termo no sentido de vagabundo.

Maluco – Ver os verbetes “Doido” e “Louco”.

Maneta – Palavra depreciativa de pessoa a quem falta um braço ou uma mão. Deve ser evitada, para não ofender. O mesmo se aplica a perneta (ver).

Marginal – Originalmente, marginal era o indivíduo que vivia à margem do meio social em que deveria estar inserido, desconsiderando os valores, costumes e normas de seu entorno. Na situação de exclusão social estrutural da sociedade brasileira, o termo perdeu o antigo sentido, pois milhões de pessoas, desempregadas nas grandes cidades ou sem terra para cultivar, no campo, encontram-se à beira da marginalidade econômica e social. “Marginal”, como “vagabundo”, acabou se tornando palavra de forte carga ideológica, usada para discriminar os membros das camadas mais pobres da população.

Maria vai com as outras – Expressão preconceituosa contra as mulheres, consideradas de caráter fraco ou sem personalidade.

Melhor idade – Fórmula ainda mais eufemística do que “terceira idade” para referir-se às pessoas idosas. Não contribui para ampliar sua auto-estima nem sua dignidade.

Meliante – ver “Elemento”

Menino de rua – O termo é inadequado para designar as crianças e adolescentes que passam os dias nas ruas, pois as estatísticas demonstram que a maioria deles tem alguma relação com amigos ou parentes, ainda que fora do padrão da família tradicional. Meninos em situação de rua é a expressão mais correta.

Menor – Ver o verbete “de menor”.

Menor infrator – Nos meios de comunicação, em geral, a expressão é discriminatória e se refere à criança ou ao adolescente que cometeu ato infracional. É sinônimo de “menor delinqüente”, forma igualmente riscada do dicionário dos defensores dos direitos das crianças e dos adolescentes. Ver o verbete “De menor”.

Minorias – Subgrupos sociais que se consideram ou são considerados diferentes do grupo majoritário ou dominante, devido às suas características étnicas, religiosas, políticas, raciais, e que, por esse motivo, gozam de menos direitos ou são alvo de discriminação e preconceito. É o caso das minorias indígenas, dos ciganos e das colônias formadas por estrangeiros. O termo pode confundir quando é utilizado sem se levar em conta o peso demográfico do grupo referido. Até há pouco tempo, os negros e até as mulheres eram chamados de minoria, a despeito de sua relevância estatística.

Mongol ou mongolóide – Termos ofensivos aos portadores da síndrome de Down, cujas feições faciais lembram as dos habitantes da Mongólia. As pessoas com essa síndrome, caracterizada pela alteração no número padrão de cromossomos, têm suas deficiências mentais e físicas agravadas, se não tiverem tratamento e educação especializada.

Mulato – Filho de mãe branca e pai negro, ou vice-versa. Mestiço de branco, negro ou indígena, de cor parda. Originariamente, na língua espanhola, a palavra se referia ao filhote macho do cruzamento de cavalo com jumenta ou de jumento com égua, daí a sua carga pejorativa. Transposto para o português já com o sentido de mestiço, o termo serviu à ideologia do branqueamento da raça negra e entrou no imaginário popular, pela literatura nativista, para designar a pessoa sedutora, lasciva, inzoneira, sonsa, cheia de artimanhas ditas “tropicais”, um outro estereótipo.

Mulher da vida ou mulher de vida fácil – Eufemismos para caracterizar a profissional do sexo, prostituta.

“Mulher no volante, perigo constante” – Frase preconceituosa contra as mulheres, a quem se atribui menos habilidade no trânsito em comparação com os homens, contrariando, aliás, os levantamentos estatísticos.

N ________________________________________________________

Nazista – O termo refere-se ao adepto da doutrina do nacional-socialismo alemão, uma variação do fascismo, fundada por Adolf Hitler (1889-1945), e base do regime político da Alemanha entre 1933 e 1945, que provocou a Segunda Guerra Mundial. Entretanto, é utilizado preconceituosamente, como “fascista” (ver), para desqualificar os adversários políticos de direita, do mesmo modo como o adjetivo “comunista” (ver) é usado para xingar os adversários de esquerda.

Negro – A maioria dos militantes do movimento negro prefere esse termo a “preto”, que o utilizam com orgulho para afirmar os valores da cultura afro-brasileira. O contexto determina o sentido pejorativo das duas expressões. Em certas situações, tanto “negro” como “preto” podem ser altamente ofensivos. Em outras, podem denotar carinho, por exemplo, nos diminutivos “neguinho”, “minha preta” etc.

P ________________________________________________________

Palhaço – O profissional que vive de fazer as pessoas rirem pode se ofender quando alguém chama de “palhaço” uma terceira pessoa a quem se atribui pouca seriedade a uma atitude sua.

Peão – O trabalhador braçal, do campo ou da cidade. O termo tem conotação pejorativa quando é utilizado para inferiorizar alguém na hierarquia das classes sociais, como na frase “Isso é coisa de peão”, para significar que se trata de atitude de alguém rude, bruto, “inculto” (ver).

Perneta – Depreciativo de pessoa a quem falta uma das pernas ou um pé. O mesmo se dá com maneta (ver).

Pessoas especiais – Eufemismo inadequado para se referir às pessoas com deficiência. Do ponto de vista dos direitos humanos, todas as pessoas, sem exceção, são especiais.

Pinel – Sobrenome de célebre psiquiatra francês (Philippe Pinel, 1745-1826) e nome de um hospital psiquiátrico do Rio de Janeiro, o termo passou a designar os doentes mentais e, por extensão, com sentido pejorativo, qualquer pessoa a quem se quer ofender chamando-a de louca ou maluca.

Pivete – Um dos vários termos pejorativos para o adolescente em situação de rua ou que comete atos infracionais. Ver o verbete “De menor”.

Pobre – Embora se refira à condição econômica de quem não dispõe dos meios necessários para garantir suas necessidades básicas de moradia, alimentação e vestuário, esse termo, óbvio, é também utilizado para inferiorizar as pessoas, como se pobreza fosse um fenômeno natural e não uma construção social. O conceito correto de pobreza é relativo às condições econômicas e sociais médias do meio em que o indivíduo considerado vive. Uma pessoa que recebe salário mínimo pode ser pobre numa grande cidade por ter rendimento inferior ao que necessita para pagar o aluguel e a cesta básica. Outra pessoa com o mesmo rendimento, numa cidade interiorana ou na zona rural, pode não estar em situação de pobreza, por não depender exclusivamente de sua renda pessoal, ou por contar com uma rede de proteção social, formada pelos parentes, por exemplo. Não se pode considerar pobre uma comunidade indígena que vive em sua terra tradicional, de acordo com os seus costumes ancestrais. Por outro lado, é pobre outra comunidade indígena, que foi expulsa de sua terra e obrigada a viver na periferia de um centro urbano, mesmo que as suas casas estejam equipadas com geladeiras, televisores e outros equipamentos modernos.

Político – As frases “todo político é corrupto” e “todos os políticos são farinha do mesmo saco” (ver) não passam de preconceitos de gente mal informada. Por essa razão, muitos políticos demagógicos e populistas propagandeiam que não “políticos tradicionais”, explorando a ignorância e a ingenuidade da gente despolitizada.

Portador de necessidades especiais – Outro eufemismo a ser evitado em referência à pessoa com deficiência. A expressão é utilizada corretamente na área da educação para designar o estudante carente de atenção especial para seu desenvolvimento escolar. Nesse caso, contudo, não se restringe às pessoas com deficiência. Abrange também os alunos “superdotados”.

Preso – Tecnicamente, é a pessoa condenada sob custódia do Estado numa penitenciária ou cadeia pública. Entretanto, abusa-se do termo em referência a qualquer pessoa detida, ainda que temporariamente, sem condenação. Essa condição pode estigmatizá-la pelo resto da vida.

Preto – Ver o verbete “Negro”

Preto de alma branca – Um dos slogans mais terríveis da ideologia do branqueamento no País, que atribui valor máximo à raça branca, e mínimo aos negros. “Apesar de ser preto, é gente boa” e “É negro, mas tem um grande coração” são variações dessa frase altamente racista, segregadora.

Prostituição infantil – Expressão inadequada para caracterizar a exploração sexual infantil, por atribuir um nível de consciência e voluntariedade que nem sempre a criança ou o adolescente tem diante de uma situação de que é vítima. Isso não quer dizer, evidentemente, que a prostituição adulta também não implique exploração.

R ________________________________________________________

Retardado – Termo insultuoso aos portadores de deficiência mental, a ser evitado.

Roceiro – Ver o verbete “Caipira”.

S ________________________________________________________

Samba do crioulo doido – Título de famoso samba composto pelo genial Sérgio Porto para satirizar o ensino de História do Brasil nas escolas do país, iniciado pela estrofe “Foi em Diamantina / Onde nasceu JK/ Que a princesa Leopoldina / Arresolveu se casá/ Mas Chica da Silva / Tinha outros pretendentes/ E obrigou a princesa / A se casar com Tiradentes// Lá iá lá iá lá iá / O bode que deu vou te contar”. A frase passou também a ser usada para discriminar os negros, atribuindo-lhes confusões e trapalhadas.

Sapatão – Expressão usada para discriminar as lésbicas, as mulheres homossexuais. “Entendidas” e “lésbicas” são termos adequados.

Selvagem e silvícola – Ambas são expressões pejorativas ainda muito usadas para desqualificar os indígenas. Para muitos habitantes de centros urbanos, os índios são pessoas que vivem no mato, vestem tangas e utilizam cocares. Em confronto com esse estereótipo, um índio que saiu de sua aldeia e veste calça jeans deixou de ser índio e se tornou “civilizado”. Em comparação, nunca um militante ecológico alemão que decide viver numa aldeia indígena deixará de ser alemão. O termo silvícola constou das Constituições de 34, 46 e 67 e ainda está presente no texto da Lei 6.001/73, que dispõe sobre o Estatuto do Índio, em vigor. É expressão corrente nos processos e acórdãos dos tribunais do País.

Surdo-mudo – Termo inadequado e cada vez menos utilizado para designar os surdos. O surdo, que em geral tem o aparelho fonador intacto, só se torna mudo se não receber tratamento adequado nem freqüentar uma escola especializada. Não está, portanto, condenado a ser mudo.

T ________________________________________________________

Traveco – Expressão usada para discriminar as travestis. Tratamentos respeitosos são “travestis” ou “transsexuais”.

Tuberculoso – Termo que estigmatiza o portador ou doente de tuberculose.

Tupiniquim – Referência usual ao povo brasileiro, quase sempre com sentido pejorativo, na acepção de atrasado, selvagem, indolente, chinfrim. Trata-se do nome de um povo indígena de língua tupi-guarani, que vive em três áreas no litoral do Espírito Santo e em uma no Sul da Bahia.

Turco – Termo genérico para designar os imigrantes árabes em geral, mas, em especial, os sírios e libaneses, que portavam, no início do século 20, passaportes emitidos pelo Império Otomano, governado pelos turcos. O vendedor ambulante ou mascate é a figura estereotipada do “turco”, como em alguns romances de Jorge Amado.

V ________________________________________________________

Vadia – Palavra usada para discriminar as prostitutas. Ver o verbete “Mulher da vida”.

Veado – Uma das referências mais comuns e preconceituosas aos homossexuais masculinos. As expressões adequadas são gay, entendido, homossexual.

Velho – As pessoas idosas preferem ser tratadas com o termo “idoso” no lugar de “velho”, por causa da carga pejorativa associada a essa última palavra, relacionada a obsoleto, inútil, fora de moda.

X ________________________________________________________

Xiíta – Fiel de um dos dois principais ramos do islamismo, que se baseia na doutrina de que os sucessores do profeta Maomé, o fundador da religião, deveriam ser obrigatoriamente seus descendentes consangüíneos. Por essa razão, os xiítas acabaram se tornando mais ortodoxos do que os seus rivais os sunitas, dando origem, no Brasil, ao termo pejorativo que caracteriza os militantes políticos tidos como radicais e inflexíveis.

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Endereço da gráfica
Tiragem; 5.000 exemplares
Ano de publicação: 2004

A farra salarial do funcionalismo público

Salário médio do Judiciário é o maior dos Três Poderes
Leandro Kleber
Do Contas Abertas

Enquanto o Congresso Nacional segue votando projetos de lei que aumentam salários de funcionários públicos dos Três Poderes e irão gerar despesas adicionais de bilhões de reais nos próximos anos, levantamento do Contas Abertas mostra que, em média, o servidor do Judiciário e o do Legislativo ganham o dobro do lotado no Executivo. A União gasta, em média, R$ 13.290 com a remuneração dos 119 mil servidores federais do Judiciário, R$ 12.516 com os quase 36 mil servidores do Legislativo (Câmara, Senado e Tribunal de Contas da União) e apenas R$ 5.599 com os cerca de 1,8 milhão de servidores do Executivo (veja tabela).


Os dados são do boletim de pessoal elaborado pelo Ministério do Planejamento, relativos a janeiro deste ano, e relacionam a despesa total (ativos, aposentados e pensionistas) dividida pelo número de servidores. No Executivo, são considerados servidores civis e militares da administração direta, autarquias, fundações, Comando da Aeronáutica, Exército e Marinha. Ainda estão listados funcionários do Ministério Público da União (MPU), Banco Central (Bacen), empresas públicas e de economia mista que recebem recursos do Tesouro.

O boletim mostra com detalhes o tamanho do funcionalismo público federal. Atualmente, o Executivo tem 911 mil servidores na ativa (50% do total), 510 mil aposentados e 388 mil pensionistas. Ao todo, quase 586 mil são militares, sendo 308 mil da ativa (53% do total), 136 mil inativos e 140 mil pensionistas (veja tabela).


A União desembolsa, em média, R$ 4.037 por militar, valor três vezes menor que a despesa registrada, por exemplo, por servidor do Ministério Público (R$ 19.079). No Executivo, como a quantidade de funcionários é bem superior aos demais poderes, as diferenças salariais entre os segmentos considerados no boletim são mais significativas. Enquanto um servidor civil da administração direta recebe em média R$ 5.658, o servidor do Bacen tem remuneração média de R$ 16.416 (veja tabela).



As diferenças salariais veem desde pelo menos 1995, conforme mostra o boletim de pessoal. No entanto, é possível observar que houve mudança significativa na despesa média com os servidores do Judiciário (R$ 2.728), que ganhavam menos do que no Legislativo (R$ 3.924). Em outras palavras, nos últimos 16 anos, os funcionários do Judiciário tiveram um dos melhores avanços salariais do funcionalismo público do país.

A reportagem entrou em contato com órgãos dos Três Poderes para saber a posição de cada um deles a respeito das diferenças nas remunerações. O Ministério do Planejamento informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o governo federal só tem competência para estabelecer a remuneração dos servidores do Poder Executivo. “Os demais poderes têm autonomia plena e não nos cabe fazer comentários sobre a remuneração de seus servidores”, afirmou.

Já o Supremo Tribunal Federal (STF) limitou-se a informar que o analista técnico Judiciário tem salários iniciais e finais menores do que os pagos a cargos como analista do Banco Central, delegado de Polícia Federal, auditor fiscal do trabalho e da Receita, diplomata, auditor federal de controle interno, entre outros. Os dados estão em tabela sobre comparativo de carreiras encaminhada à reportagem.

Em nota à imprensa divulgada no último dia 23, também enviada ao Contas Abertas, a Secretaria de Comunicação Social do Supremo afirma que o projeto de lei de reajuste dos salários dos servidores do Judiciário que tramita no Legislativo - a qual trata de 57% do reauste - foi elaborado pelos órgãos do Judiciário, sob a coordenação do STF, sendo “inclusive aprovado em sessão administrativa da Suprema Corte antes de ser encaminhado ao Congresso Nacional”.

Segundo a nota, os vencimentos do Poder Judiciário estão comprovadamente defasados em relação às carreiras públicas similares dos Poderes Executivo e Legislativo. “O projeto tem por objetivo também eliminar a elevada rotatividade existente nos quadros de pessoal do Judiciário, em consequência da falta de atratividade da remuneração desses cargos”, conclui.

A reportagem também procurou a Câmara dos Deputados para comentar os dados. No entanto, até o fechamento da matéria, a assessoria de imprensa não se manifestou.

Reajustes aprovados no Congresso

Os salários dos servidores públicos federais foram e continuam sendo temas de debate nos últimos meses no Congresso. Recentemente, parlamentares aprovaram aumento de salários e gratificações para mais de 30 mil servidores do Executivo, 15% de reajuste para funcionários do quadro da Câmara e 35% para servidores do Senado. Ainda está em tramitação proposta que reajusta em 57% o vencimento dos servidores do Judiciário.

O presidente Lula avisou nos últimos dias que acabou a temporada de reajustes salariais de servidores públicos que não estejam previstos no orçamento de 2010, diante das várias propostas que tramitam no Congresso, inclusive de servidores parlamentares. “Eu estou no meu juízo perfeito, e com minha cabeça muito boa, para não permitir nenhuma sandice nesse país”, disse, acrescendo que não é por estarem em período eleitoral “que as pessoas devem perder o senso de responsabilidade”.

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, também já reiterou que não há previsão orçamentária para um reajuste do Judiciário neste ano. Disse que dificilmente o governo teria condições de encaixar uma despesa neste montante. Segundo ele, a possibilidade será discutir na comissão uma solução para o próximo ano.

O ministro explicou que a situação do Executivo e do Judiciário é diferente. No Executivo, qualquer acordo feito agora pode não ser cumprido pelo próximo governo. Porém, no Judiciário, como não haverá mudança de dirigente, qualquer acordo para os próximos anos pode ser cumprido.

Especialistas comentam dados

Para o economista especializado em contas públicas Raul Velloso, que foi secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento no começo dos anos 90, as diferenças salariais entre o Legislativo e Judiciário com o Executivo estão relacionados à autonomia financeira e administrativa dos poderes, prevista na Constituição. “Eles [Legislativo e Judiciário] mandam a conta para a União pagar. Como são independentes, têm mais força para impor salários mais altos. Não são eles que geram e brigam por recursos. No Executivo, que tem um peso muito maior, há brigas pela distribuição da verba. Por isso, eles [Executivo] têm de administrar os recursos”, afirma

Segundo Velloso, antigamente o peso salarial de poderes como o Legislativo e Judiciário não passava de 7% do orçamento global de pessoal do país e, por isso, a alegação de que tinha que aumentar era justificável. “Como tinham peso menor, havia argumentos para reajustar os salários. Mas hoje, esse percentual já chega a 20%. Já é um peso considerável e não dá mais para usar aquela justificativa antiga”, acredita.

Velloso ressalta que questões técnicas alegadas por parte de servidores do Legislativo não podem justificar salários mais altos. “Todos têm de ser bem remunerados e devem ter salários equivalentes. O fosso entre o Executivo e os demais poderes é muito grande”, lembra. Ele diz que o salário do funcionalismo público é maior do que do setor privado. “O grande drama do setor público é que para funções de menor qualificação, se paga muito mais que no setor privado. E nas áreas que exigem melhor qualificação, o serviço público paga menos”, diz.

Raul Velloso defende um quadro de servidores “enxuto” e afirma que o governo não pode pensar em contratar mais. Para ele, os gastos com servidores deveriam ser menores. “Um Estado que não tem capacidade financeira, mas tem muitas funções para exercer deveria ser mais enxuto do que é. Se o governo não tem dinheiro, os gastos com pessoal deveriam ser muito menores”.

Já para o especialista em contas públicas Roberto Piscitelli, consultor legislativo, a primeira constatação a respeito das diferenças salariais entre os servidores dos Três Poderes é de que os níveis de remuneração do Judiciário e Legislativo são mais homogêneos, até porque têm um número de servidores bem menor. Segundo ele, o fato de o Executivo ter mais funcionários o deixa com uma média menor, além da maior diversidade de funções e, consequentemente, níveis salariais bastante diferenciados.

“O Legislativo tem funções menos diferenciadas. As funções mais diferenciadas são no Executivo, seguido do Judiciário. Os níveis de remuneração inicial no Executivo também são muito mais baixos. A distância percorrida entre o início e o final de carreira no Legislativo e Judiciário é menor, sendo que nos dois há menos salários baixos, o que de certa forma está ligado à diversidade de especializações e funções”, avalia.

Quanto às variações nas remunerações, Piscitelli considera muito grande os salários médios do Judiciário em comparação com os do Executivo: o dobro do servidor civil e mais de três vezes o salário do militar. “No entanto, nos últimos quatro anos, os ganhos maiores devem ter sido do Executivo. Hoje, em relação a 1995, acredito que as diferenças de remuneração devem estar menores entre os Três Poderes”, acredita.

Piscitelli acredita que houve uma recuperação salarial significativa do funcionalismo nos últimos anos. “O governo Lula foi mais generoso com o funcionalismo. Ele repôs quadros. Na década de 80 e início da 90, houve redução em termos absolutos de número de funcionários públicos federais; fato incomum porque a população crescia. No final da década de 90, verifica-se um aumento da quantidade de funcionários, principalmente na era Lula, com a abertura de muitos concursos”, ressalta.

O especialista ainda lembra que a média salarial do Executivo é puxada para baixo porque a proporção de pessoal auxiliar é muito maior do que no Judiciário e Legislativo. “O Executivo tem que ter mais gente auxiliando. Isso puxa a sua média para baixo, assim como ocorre na iniciativa privada, que tem uma diferenciação muito maior do que no Executivo e uma proporção de funções auxiliares de nível baixo muito maior também”, diz.

“Se comparar com a iniciativa privada, porém, a média do funcionalismo é maior, pelas peculiaridades do serviço público e funções típicas do Estado”. Apesar de acreditar que os servidores devem ser bem remunerados, Piscitelli crê que o governo terá dificuldades para equacionar as recentes negociações salariais e administrar a relação com os servidores no futuro. “Essa coisa de carreiras ‘inespecíficas’ - todo mundo sendo inserido como analista, por exemplo - é um problema muito sério para o governo, pois levou a uma espécie de nivelamento. E a tendência é que se nivele por cima, pois as reivindicações das categorias e dos sindicatos é essa”, acredita.

Em compensação, segundo ele, as carreiras tradicionais foram desaparecendo do serviço público. “Hoje, onde estão os economistas, contadores e administradores? Além das diferenças serem maiores no Executivo, há carreiras nobres bem remuneradas e carreiras mal remuneradas. Nestas, o pessoal não foi abrangido pelas melhorias dos últimos anos. Podem ser categorias pouco organizadas. Ou seja, alguns setores estão ganhando muito e outros não estão ganhando tanto”, finaliza.

terça-feira, 29 de junho de 2010

Procurador quer que Comissão de Anistia corte valor de indenizações

Marta Salomon – O Estado de S.Paulo

Pelo menos R$ 4 bilhões de indenizações a perseguidos políticos já pagas ou aprovadas pela Comissão da Anistia poderão ter os valores revistos pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Proposta em análise no tribunal prevê a possibilidade de reduzir os benefícios concedidos aos anistiados.

“A revisão poderá gerar uma economia de milhões de reais aos cofres públicos”, defende Marinus Marsico, procurador do Ministério Público junto ao TCU, autor da representação que está para ser votada.

“Não contesto a condição de anistiado político, mas os valores das indenizações concedidas a título de reparação econômica”, disse o procurador ao Estado.

São alvo da representação, por ora, 9.371 benefícios já concedidos com base em uma lei de 2002. Ela estabeleceu o pagamento de indenização do Estado a vítimas de perseguição política até 1988, ano em que a Constituição foi aprovada.

A reparação econômica é maior quando a perseguição tiver causado perda do emprego, prevê a lei. Nesse caso, além do pagamento de um valor mensal ? cuja média atual é de aproximadamente R$ 3.000 ?, o anistiado tem direito ainda ao pagamento de valores retroativos a 1988.

A regra rendeu indenizações milionárias e pagamentos mensais próximos do teto salarial do funcionalismo público, atualmente em R$ 26,7 mil, o limite para o benefício.

Aposentadoria. A proposta do TCU só deixa de lado as indenizações pagas em parcela única, de R$ 100 mil, no máximo. Elas representam menos de 5% do total de benefícios de prestação mensal já pagos e dos pagamentos retroativos já aprovados. As demais ? pouco mais de 95% do valor total aprovado ? deveriam ser tratadas como aposentadoria ou pensão e, como tal, ser submetidas à análise do tribunal, argumenta Marinus Marsico. Ele quer que a revisão comece pelos benefícios de valores mais altos.

O texto da representação do procurador do Tribunal de Contas da União cita três casos de indenizações que deveriam ser reduzidas. O primeiro deles é o benefício pago a Maria Pavan Lamarca, viúva de Carlos Lamarca, que desertou do Exército, virou guerrilheiro e foi morto em 1971.

General. Lamarca foi promovido a coronel, quando a promoção correta seria a capitão, argumenta a representação. Os valores pagos à viúva equivalem ao vencimento de general, completa o texto. “A remuneração mensal de R$ 11.444, bem como o pagamento retroativo de R$ 902 ,7 mil deveriam ser reduzidos”, diz.

O documento também menciona os casos dos jornalistas Ziraldo Alves Pinto e Sérgio Jaguaribe, o Jaguar, fundadores do jornal Pasquim. Em 2008, ambos tiveram aprovado o pagamento retroativo de pouco mais de R$ 1 milhão cada um, além de indenização mensal de R$ 4.375.

“Está devidamente comprovada a perseguição política por eles sofrida, mas não há elementos suficientes que indiquem estar correta a indenização”, argumenta o procurador. O pagamento de indenizações a anistiados políticos é tema de investigação no TCU desde 2006.

Revisão. A auditoria apontou ainda erros no cálculos de alguns benefícios, como o da ex-ativista Maria Augusta Carneiro Ribeiro. Os valores do pagamento retroativo de R$ 1,5 milhão e de mais R$ 8.200 mensais autorizado pela Comissão da Anistia foram revistos depois disso. É um dos poucos casos de revisão.

O tribunal chegou a suspender, por meio de cautelar, parte dos pagamentos retroativos concedidos, mas uma nova votação liberou os benefícios em dezembro de 2008.

A mudança foi conduzida pelo ministro Benjamin Zymler, o mesmo que pediu vista e conseguiu adiar mais uma vez a decisão do TCU sobre a revisão dos benefícios, no ano passado. Procurado pelo Estado, ele informou, por meio da assessoria, que a proposta será levada a votação nos próximos dias.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

A íntegra da Lei da Ficha Limpa

“LEI COMPLEMENTAR Nº 135, DE 4 DE JUNHO DE 2010

Altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências, para incluir hipóteses de inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no exercício do mandato.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei Complementar:

Art. 1o Esta Lei Complementar altera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, que estabelece, de acordo com o § 9o do art. 14 da Constituição Federal, casos de inelegibilidade, prazos de cessação e determina outras providências.

Art. 2o A Lei Complementar no 64, de 1990, passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 1o...
I –...

c) o Governador e o Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal e o Prefeito e o Vice-Prefeito que perderem seus cargos eletivos por infringência a dispositivo da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término do mandato para o qual tenham sido eleitos;

d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada procedente pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado, em processo de apuração de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;

e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;

3. contra o meio ambiente e a saúde pública;

4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;

5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;

6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;

7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;

8. de redução à condição análoga à de escravo;

9. contra a vida e a dignidade sexual; e

10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;

f) os que forem declarados indignos do oficialato, ou com ele incompatíveis, pelo prazo de 8 (oito) anos;

g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;

h) os detentores de cargo na administração pública direta, indireta ou fundacional, que beneficiarem a si ou a terceiros, pelo abuso do poder econômico ou político, que forem condenados em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, para a eleição na qual concorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes;

...

j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição;

k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal, o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da legislatura;

l) os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena;

m) os que forem excluídos do exercício da profissão, por decisão sancionatória do órgão profissional competente, em decorrência de infração ético-profissional, pelo prazo de 8 (oito) anos, salvo se o ato houver sido anulado ou suspenso pelo Poder Judiciário;

n) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, em razão de terem desfeito ou simulado desfazer vínculo conjugal ou de união estável para evitar caracterização de inelegibilidade, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão que reconhecer a fraude;

o) os que forem demitidos do serviço público em decorrência de processo administrativo ou judicial, pelo prazo de 8 (oito) anos, contado da decisão, salvo se o ato houver sido suspenso ou anulado pelo Poder Judiciário;

p) a pessoa física e os dirigentes de pessoas jurídicas responsáveis por doações eleitorais tidas por ilegais por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 8 (oito) anos após a decisão, observando-se o procedimento previsto no art. 22;

q) os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de 8 (oito) anos;

...

§ 4o A inelegibilidade prevista na alínea e do inciso I deste artigo não se aplica aos crimes culposos e àqueles definidos em lei como de menor potencial ofensivo, nem aos crimes de ação penal privada.

§ 5o A renúncia para atender à desincompatibilização com vistas a candidatura a cargo eletivo ou para assunção de mandato não gerará a inelegibilidade prevista na alínea k, a menos que a Justiça Eleitoral reconheça fraude ao disposto nesta Lei Complementar.” (NR)

“Art. 15. Transitada em julgado ou publicada a decisão proferida por órgão colegiado que declarar a inelegibilidade do candidato, ser-lhe-á negado registro, ou cancelado, se já tiver sido feito, ou declarado nulo o diploma, se já expedido.

Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput, independentemente da apresentação de recurso, deverá ser comunicada, de imediato, ao Ministério Público Eleitoral e ao órgão da Justiça Eleitoral competente para o registro de candidatura e expedição de diploma do réu.” (NR)

“Art. 22...

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar;

XV – (revogado);

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

...” (NR)

“Art. 26-A. Afastada pelo órgão competente a inelegibilidade prevista nesta Lei Complementar, aplicar-se-á, quanto ao registro de candidatura, o disposto na lei que estabelece normas para as eleições.”

“Art. 26-B. O Ministério Público e a Justiça Eleitoral darão prioridade, sobre quaisquer outros, aos processos de desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade até que sejam julgados, ressalvados os de habeas corpus e mandado de segurança.


§ 1o É defeso às autoridades mencionadas neste artigo deixar de cumprir qualquer prazo previsto nesta Lei Complementar sob alegação de acúmulo de serviço no exercício das funções regulares.

§ 2o Além das polícias judiciárias, os órgãos da receita federal, estadual e municipal, os tribunais e órgãos de contas, o Banco Central do Brasil e o Conselho de Controle de Atividade Financeira auxiliarão a Justiça Eleitoral e o Ministério Público Eleitoral na apuração dos delitos eleitorais, com prioridade sobre as suas atribuições regulares.

§ 3o O Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e as Corregedorias Eleitorais manterão acompanhamento dos relatórios mensais de atividades fornecidos pelas unidades da Justiça Eleitoral a fim de verificar eventuais descumprimentos injustificados de prazos, promovendo, quando for o caso, a devida responsabilização.”

“Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1o poderá, em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso.

§ 1o Conferido efeito suspensivo, o julgamento do recurso terá prioridade sobre todos os demais, à exceção dos de mandado de segurança e de habeas corpus.

§ 2o Mantida a condenação de que derivou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar mencionada no caput, serão desconstituídos o registro ou o diploma eventualmente concedidos ao recorrente.

§ 3o A prática de atos manifestamente protelatórios por parte da defesa, ao longo da tramitação do recurso, acarretará a revogação do efeito suspensivo.”

Art. 3o Os recursos interpostos antes da vigência desta Lei Complementar poderão ser aditados para o fim a que se refere o caput do art. 26-C da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, introduzido por esta Lei Complementar.

Art. 4o Revoga-se o inciso XV do art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.

Art. 5o Esta Lei Complementar entra em vigor na data da sua publicação.

Brasília, 4 de junho de 2010; 189o da Independência e 122o da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto
Luis Inácio Lucena Adams

Este texto não substitui o publicado no DOU de 7.6.2010”

segunda-feira, 21 de junho de 2010

O tamanho do PMDB: mais de duas Argentinas

PMDB vai administrar mais de duas Argentinas

Lúcio Lambranho

O dinheiro público administrado pelo PMDB em 2009 ultrapassa em mais de duas vezes o orçamento federal da Argentina. Sem contar as prefeituras, o partido controla cerca de R$ 258,9 bilhões, divididos em seis ministérios, sete governos estaduais, a Câmara e o Senado (confira o quadro).

Com muito dinheiro na mão, os peemedebistas se fortalecem para a disputa de 2010. As eleições de José Sarney e Michel Temer para o comando do Legislativo têm o objetivo de assegurar também o domínio político.

A Argentina tem um orçamento federal correspondente a R$ 106 bilhões. O caixa bilionário administrado pelo PMDB equivale a 16,1% de todo o dinheiro previsto para ser gasto este ano pelo governo federal, R$ 1,6 trilhão, sem contar o corte de R$ 37 bilhões anunciado pelo Ministério do Planejamento.

Apesar do tesouro nas mãos, o partido quer mais. A voracidade do PMDB por cargos e verbas aparece nos sinais emitidos por senadores e deputados ligados aos grupos de Sarney, no Senado, e Temer, na Câmara. As duas alas travam, também, uma disputa interna por postos já ocupados por peemedebistas.

Na Infraero, por exemplo, o PMDB concorre com o PTB, partido do senador Gim Argello (DF), um dos articuladores da vitória de Sarney. Os petebistas estão de olho na diretoria comercial da estatal, mas os peemedebistas querem a presidência e demais diretorias da empresa, subordinada ao Ministério da Defesa, pasta sob o comando de Nelson Jobim, do PMDB.

Internamente, o nome mais cotado para o lugar do brigadeiro Cleonilson Nicácio é Rogério Abdala, atualmente na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), também na cota do PMDB. O nome de Abdala já teria aval duplo de Sarney de Temer, além da aprovação de Jobim.

Câmara

Com a vitória de Temer, o grupo comandado pelo deputado Eduardo Cunha (RJ) ganhou força nas disputas para ocupar as presidências das comissões temáticas mais importantes da Câmara. Pela composição do bloco que elegeu Temer, o PMDB tem na sua mão as primeiras doze escolhas das vinte comissões permanentes.

O site apurou que Cunha, ex-presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), quer ser o novo presidente da Comissão de Minas e Energia ou de Defesa do Consumidor. A primeira teria a chance de influenciar nos projetos do governo para a camada pré-sal de petróleo e no setor elétrico. Já a segunda tem nas mãos os projetos de lei de marcos regulatórios do setor elétrico e de telefonia.

Esse mesmo grupo de deputados do Rio de Janeiro do PMDB mostrou força ao conseguir emplacar o ex-governador do estado Moreira Franco na vice-presidência de Fundos de Governo e Loterias, ainda em julho de 2007.

Cunha também emplacou, depois de pesada negociação política, o ex-prefeito do Rio de Janeiro Luiz Paulo Conde na presidência de Furnas. Conde deixou o cargo, em setembro de 2008, com problemas de saúde. O peemedebista ficou no comando da empresa pouco mais de um mês e seu cargo ainda é cobiçado pela bancada do PMDB na Câmara.

Técnicos com o apoio do PMDB

"O PMDB não vai indicar mais ninguém para lugar nenhum. Isso não existe e o partido está satisfeito com o que foi tratado com o governo", afirma o deputado Eduardo Cunha. Ele também nega que queira ser presidente de qualquer comissão na Câmara. "Sou radicalmente contra um deputado ficar dois anos como presidente de comissão", esquiva-se Cunha.

Segundo o deputado, o seu partido também não quer reocupar os cargos deixados vagos no Banco do Brasil pelo ex-senador Maguito Vilela (GO) e em Furnas, pelo ex-prefeito do Rio. "Os dois cargos foram ocupados por técnicos de carreira que tiveram apoio do PMDB", explica o deputado fluminense.

Por enquanto, Cunha diz estar contente com a relatoria da MP 450/2208, que já está no plenário da Câmara. A medida provisória autoriza a União a participar do Fundo de Garantia a Empreendimentos de Energia Elétrica (FGEE). A justificativa do governo é que o fundo cria um mecanismo para financiar as empresas estatais do setor elétrico nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

A oposição já está de olho na proposta, principalmente com relação ao inciso 1o do artigo 1°. O texto diz que "O FGEE terá "natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio dos cotistas".

E é justamente para essa briga que Cunha está escalado para defender o governo. Emenda proposta pelo líder do PSDB no Senado, senador Arthur Virgílio (AM), pretende retirar essa parte do texto da MP.

"A aplicação de recursos públicos em fundo privado representa uma aberração jurídica. A presente emenda visa a suprimir o caráter de natureza privada para o FGEE", pede Virgílio.

Senado

Assim como o deputado Eduardo Cunha, o ex-presidente do Senado Garibaldi Alves (RN) mira a presidência de uma das principais comissões da Casa: a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

O senador do Rio Grande do Norte quer fazer valer um relatório de sua autoria sobre marcos regulatórios aprovado, ainda em abril de 2008, por uma subcomissão da CAE para tratar do tema, mas que acabou não sendo votado pelo plenário da comissão comandada até o ano passado pelo senador Aloizio Mercadante (PT-SP).

No comando da CAE, Garibaldi quer ter o poder de sugerir a regulamentação dos setores de medicamentos e vigilância sanitária e de telecomunicações, não contemplados em seu relatório e que acabou engavetado no ano passado por Mercadante.

"Tudo resolvido"

O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), também disse, após a cerimônia de posse do ex-senador José Jorge no cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), que as vitórias do partido na Câmara e no Senado não serão traduzidas em mais cargos para o PMDB. "Isso não vai acontecer. O PMDB vai agora é ajudar mais o governo. A relação é de uma parceria preferencial", disse Jucá aos jornalistas.

"Não é por causa do momento, mas no meu estado, por exemplo, está tudo resolvido", avalia o senador Valdir Raupp, ex-líder do partido no Senado ao falar ao site sobre cargos do partido no Executivo federal.

Segundo Raupp, as bancadas do PMDB no Senado e na Câmara tendem a andar cada vez mais unidades até 2009, ao contrário do início do governo. Naquela época, os pedidos de cargos, principalmente no segundo escalão, era pleiteados separadamente pelos dois grupos. "Sugeri ao Temer que as duas bancadas promovam mais encontros para criar unidade", resume Raupp.

Cota de sacrifício

Dentro ou fora da Câmara, o novo presidente da Câmara também deverá pagar uma dívida de campanha com dois deputados do seu partido. Ambos estão, segundo integrantes do partido, na "cota de sacrifício" que ajudou a eleição de Temer e devem ser contemplados por cargos "assim que a poeira baixar".

São os deputados Osmar Serraglio (PR) e Elcione Barbalho (PA). Serraglio renunciou à sua candidatura à presidência da Casa horas antes da eleição e Elcione desistiu da sua pretensão de disputar a 4ª secretaria fora da chapa do partido como candidata avulsa. Ela cedeu lugar para o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), eleito pela indicação do blocão que elegeu Temer.

Barganhas

Deputados da oposição como Gustavo Fruet (PSDB-PR) acreditam que o PMDB ainda tem fome por mais cargos no Executivo, mas o partido de Temer e Sarney terá poucas oportunidades de incomodar o governo no Congresso a dois anos da sucessão presidencial.

"Essa hegemonia nunca existiu no Congresso. E será de barganha, no sentido mais puro da palavra no Executivo", avalia Fruet, ex-peemedebista. "Mas não acredito em tanta dependência no Congresso, pois fora a reforma tributária, que ainda está muito indefinida, não existem mais matérias constitucionais para o governo votar até 2010", completa do deputado tucano.

O deputado acredita que até mesmo os projetos de correção das aposentadorias pelo salário mínimo e do fim do fator previdenciário, que Temer promete colocar a voto e podem constranger o presidente Lula que já sinalizou que pretende vetá-los, não devem atingir o governo.

"A pesquisa de popularidade do presidente mostra que ele tem gorduras para queimar. Por isso, é melhor um desgaste agora do que mais perto de 2010", acredita Fruet. Para ter mais visibilidade, diz o deputado, o PMDB deve reivindicar as relatorias das medidas provisórias anticrise. "Mas isso certamente também não será um fator de desgaste".

Um dos articuladores da campanha derrotada de Aldo Rebelo à presidência da Câmara, o deputado Flávio Dino (PCdoB-MA) também não acredita que o PMDB possa constranger o governo nas votações na Câmara e no Senado. "O PMDB tem apenas uma hegemonia formal, de um blocão de 427 deputados, mas que só deu 304 votos para Temer. Além disso, o PMDB não tem uma agenda legislativa. Vai só referendar o que o governo mandar para cá sobre a crise", avalia Dino.

"Deus nos acuda"

Raul Jungmann (PPS-PE), também na oposição, acredita que o PMDB deverá ter seus pedidos atendidos, principalmente de cargos no segundo escalão do Executivo, mas acha que o partido poderá incomodar o governo no Congresso.

"Muitas vezes esse cargo é mais importante do que um ministério inteiro, pois é essa pessoa que vai liberar as emendas para as bancadas", diz o deputado do PPS. "Em período eleitoral então, será um Deus nos acuda", resume Jungmann.

O deputado pernambucano também afirma que os petistas estão se sentindo isolados. Primeiro, porque não tiveram o apoio do presidente Lula para a disputa no Senado e, depois, por verem o PMDB comandar as duas casas legislativas. "O PMDB tem agora o controle da agenda legislativa, o que não é pouco", completa Jungmann.

No ninho petista, depois de brigas acirradas por cargos do segundo escalão, no início do segundo mandato do presidente Lula, na Petrobras e no setor elétrico, a exigência de mais cargos pelo PMDB é vista com naturalidade.

Derrotado nas urnas por José Sarney, o senador Tião Viana (PT-AC), disse ao site que vê com "naturalidade" a divisão de cargos no que ele chamou de "governo de coalizão". "O presidente Lula vai saber dar o equilíbrio necessário nessa questão, mas temos que dar preferência para pessoas com perfil técnico e vida ilibada", resume o senador pelo Acre.

"O PMDB tem que ir devagar. Essa não foi a pauta apresentada ao meu partido por Temer e Sarney e que nos levou a apoiar o partido na Câmara e no Senado nessa eleição", disse o ex-líder do DEM na Câmara ACM Neto (BA), ao tentar medir o apetite do PMDB por mais cargos no governo.

Segundo o cacique do DEM, seu partido vai esperar a composição das comissões da Câmara e os primeiros atos do PMDB na Mesa diretora para se posicionar. "Ainda é muito cedo para dizer se o PMDB vai ter fome por mais cargos no Executivo, vamos acompanhar", avalia.

Cargos

O PMDB ainda mantém importantes cargos no segundo escalão do governo. Na cota do partido estão nomes indicados para estatais e agência reguladoras. Um deles é Francisco de Oliveira Filho, integrante da diretoria colegiada da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O publicitário, conhecido no Congresso como Chiquinho, foi indicado pelo PMDB de Minas e é ligado ao ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB).

Também nas agências reguladores, a então assessora especial da Previdência do Senado, Emília Ribeiro, foi indicada por Sarney para assumir uma vaga no Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Emília assumiu o cargo com a missão já cumprida de aprovar a reformulação do Plano Geral de Outorgas (PGO), que permitiu a fusão entre a Brasil Telecom e a Oi.

Já o ex-deputado estadual Elias Fernandes (RN) comanda o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs). O potiguar foi indicado pelo deputado e líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN).

Na Transpetro, subsidiária da Petrobras, o partido ainda mantém o controle com o ex-senador Sérgio Machado (CE) na presidência. Machado é da cota Renan Calheiros, que convenceu Lula a mantê-lo no cargo. Na Eletrosul, o partido emplacou, depois de uma longa disputa com a senadora Ideli Salvatti (PT-SC), como diretor de Gestão Administrativa e Financeira, Paulo Afonso Vieira, ex-deputado do PMDB e ex-governador de Santa Catarina.

O dinheiro do PMDB


O Ministério da Saúde tem um orçamento de quase R$ 60 bilhões, o maior caixa do partido. O quadro abaixo mostra mais detalhes do tesouro dos peemedebistas:

Santa Catarina
Governador: Luiz Henrique
R$ 12,1 bilhões

Paraná
Governador: Roberto Requião
R$ 18,7 bilhões

Mato Grosso do Sul
Governador: André Puccinelli
R$ 7,4 bilhões

Rio de Janeiro
Governador: Sérgio Cabral Filho
R$ 46 bilhões

Amazonas
Governador: Eduardo Braga
R$ 8 bilhões

Espírito Santo
Governador: Paulo Hartung
R$ 11,2 bilhões

Tocantins
Governador: Marcelo Miranda
R$ 4,7 bilhões

Ministério da Agricultura
Ministro Reinhold Stephanes
Orçamento 2008: R$ 6,9 bilhões
Orçamento 2009: R$ 7,6 bilhões

Ministério da Defesa
Ministro Nelson Jobim
Orçamento 2008: R$ 42.729.576.757
Orçamento 2009: R$ 51.381.906.855

Ministério da Integração Nacional
Ministro Geddel Vieira Lima
Orçamento 2008: R$ 11.172.951.824
Orçamento 2009: R$ 12.961.614.527

Ministério da Saúde
Ministro José Gomes Temporão
Orçamento 2008: R$ 59.443.199.448
Orçamento 2009: R$ 59.519.469.731

Ministério das Comunicações
Ministro Hélio Costa
Orçamento 2008: R$ 4,9 bilhões
Orçamento 2009: R$ 6,2 bilhões

Ministério das Minas e Energia
Ministro Edison Lobão
Orçamento 2008: R$ 5,8 bilhões
Orçamento 2009: R$ 7,1 bilhões

Senado
Orçamento 2009: R$ 2,7 bilhões

Câmara
Orçamento 2009: R$ 3,5 bilhões

Total: R$ 258,9 bilhões


O tamanho do partido
PMDB tem mais de dois milhões de filiados e ultrapassa a marca de 1.300 prefeitos
Governadores: 7
Vice-Governadores; 5
Ministros: 6
Senadores: 20
Deputados federais: 94
Deputados estaduais: 170
Prefeitos/Capitais: 5
Prefeitos: 1.308
Vice-Prefeitos: 882
Vereadores Eleitos: 8.308
Filiados: 2.099.200
Diretórios Estaduais: 27
Diretórios Municipais/Brasil: 4.671

sábado, 19 de junho de 2010

Jornal Valor Econômico - VENEZUELA: Milícia reúne de donas de casa a desempregados

Ian James, AP, de Charallave, Venezuela

Uma dona de casa de 54 anos dispara, com satisfação, uma metralhadora pela primeira vez na vida. Um instrutor de um campo de treinamento de recrutas grita: “Mate esses gringos!”.

Milhares de voluntários civis usando uniformes militares verde-oliva estão participando de um treinamento de fim de semana em uma base do Exército da Venezuela, onde aprendem a rastejar sob fios de arame farpado, disparar armas automáticas e aproximar-se sorrateiramente de inimigos em combate. Conhecido como Milícia Bolivariana, esse impetuoso grupo, formado principalmente por gente da classe trabalhadora, estudantes e aposentados, está unido pelo apoio militante ao presidente Hugo Chávez e sua disposição de defender o governo.

Do quê, exatamente?

Chávez vem fazendo alertas repetidos sobre potenciais ameaças: os Estados Unidos, a Colômbia, aliada dos americanos, e a “oligarquia” venezuelana. Ele conclama os recrutas a estarem prontos para doar suas vidas, se necessário, para combater “qualquer ameaça, estrangeira ou doméstica”, muito embora a Venezuela nunca tenha entrado em guerra com outro país desde a independência.

Enquanto isso, a milícia é um instrumento para Chávez arregimentar seus defensores, estimular o fervor nacionalista e intimidar os oponentes que possam considerar outro golpe como aquele que ele conseguiu conter em 2002. Um assessor próximo, o ministro das Obras Públicas, Diosdado Cabello, diz que a milícia já conta com 120 mil pessoas e poderá crescer para 200 mil.

Os oponentes de Chávez afirmam que esses números são exagerados, mas ainda assim estão alarmados com o fato de defensores do regime estarem sendo armados em todas as partes do país. Eles também condenam os mais de US$ 4 bilhões que Chávez gastou comprando armas russas, incluindo revólveres, helicópteros e caças Sukhoi, que agora às vezes voam com grande alarde sobre Caracas.

A milícia é “um exército pessoal, uma guarda pretoriana”, diz o contra-almirante aposentado Elias Buchszer, um adversário de Chávez. Ele diz que apesar de Chávez falar em repelir uma invasão dos Estados Unidos, o verdadeiro objetivo da milícia é manter o controle, mantendo-o no poder e “fazendo o país temer que, se alguma coisa acontecer, os milicianos entrarão em ação”.

Os membros da força voluntária vão de desempregados a eletricistas, bancários e assistentes sociais. A maioria dos que foram entrevistados durante o treinamento de abril disse que se beneficia de programas de ensino gratuitos do Estado ou trabalham como servidores públicos. Eles não são pagos para participar dos eventos, mas recebem cerca de US$ 7 cada um para pagar o transporte.

Como parte do treinamento, eles se alinham diante de alvos de papel colocados a uma distância de 75 metros e miram num alvo vermelho com velhos fuzis FAL belgas. Eles praticam reação a emboscadas na floresta, camuflados com lama cobrindo o rosto e mato seco enfiado no colarinho do uniforme.

Os instrutores, que incluem milicianos experientes e oficiais do Exército, dizem que um dos objetivos é preparar as pessoas para uma guerra de resistência contra uma força de ocupação.

Osmaira Pachecho, a dona de casa que atirou com uma metralhadora, diz com uma risada eufórica que foi “maravilhoso” atirar em um boneco empalhado vestido com um uniforme militar. Ficando mais séria, ela diz que não gosta de se imaginar matando alguém, especialmente um venezuelano.

“Mas, se nos atacarem de outro lugar, acho que estamos preparados”, diz Pachecho, que está estudando para ser professora em um programa gratuito do governo e admira fervorosamente Chávez. “Estamos preparados para apoiar as Forças Armadas se eles precisarem de nós.”

Chávez fez um pronunciamento a estimados 35 mil milicianos em uma manifestação ao ar livre realizada em 13 de abril, oitavo aniversário de sua volta ao poder depois da fracassada tentativa de golpe de 2002. Usando a boina vermelha de seus anos no Exército, Chávez desembainhou uma espada que pertenceu ao herói da independência do Século XIX Simon Bolívar, inspiração de seu movimento da revolução bolivariana, e a manteve erguida enquanto fazia os milicianos prestarem um juramento.

“Vocês precisam estar prontos para pegar as armas que têm aqui, a qualquer hora, e dar suas vidas, se isso for preciso, pela revolução bolivariana!”, gritou Chávez. Ele disse, sem dar detalhes, que tem certeza que alguns adversários esperam assassiná-lo. “Se eles forem fazer isso, há minhas milícias, há o meu povo. Você sabem o que precisam fazer: simplesmente tomem o poder na Venezuela, absolutamente todo! Eliminem a burguesia de todos os espaços políticos e econômicos. Aprofundem a revolução!”, disse ele à multidão.

domingo, 13 de junho de 2010

O Globo - Cérebros corruptos

O cérebro de um corrupto já nasce com essa tendência ou isso é adquirido em decorrência de interações sociais e ambientais? Neurocientistas ainda procuram uma resposta definitiva, mas começam a levantar as primeiras hipóteses - com auxílio de estudos de imagem do órgão em funcionamento - para explicar a corrupção e talvez um dia desenvolver ferramentas e estratégias para combater esse tipo de comportamento. Num momento em que se discutem a aplicação da Lei da Ficha Limpa e a montagem de dossiês, o tema foi um dos destaques no 6 Congresso Brasileiro de Cérebro, Comportamento e Emoções, em Gramado, no Rio Grande do Sul. (Leia também: Curiosidades da nossa mente)

O que se sabe é que os humanos têm um sentido natural e fisiológico de justiça que permeia as ações sociais. Quando esse sistema é violado, ocorrem reações e emoções de segunda classe, como o nojo, e quando ele é respeitado nos sentimos bem. Mas em casos de sociopatias, que afetam cerca de 4% da população mundial, o indivíduo se sente gratificado com o ilícito, sem culpa ou remorso no que faz, diz o neurocientista Jaderson Costa da Costa, diretor do Instituto do Cérebro da PUC-RS. E isso talvez possa ser aplicado ao comportamento corrupto.

- As transgressões sem punição vão ampliando as fronteiras no cérebro, deixam a periferia e acabam se incorporando a ele. E isso pode até ser comparado a uma dependência química - afirma o pesquisador. - Essas fronteiras começam a se abrir desde a infância. Depois que o cérebro aprende que ser corrupto é normal, fica muito difícil mudar.

Permissividade social é um elo

Claro que é preciso levar em conta questões culturais, acrescenta Jaderson. Em sociedades em que os limites são estreitos, rígidos, fica mais claro para um indivíduo o que é um ato ilícito. Em outras, pode existir uma permissividade social para aceitar determinadas atitudes, como subornar uma autoridade ou empregar parentes sem concurso no serviço público.

- O cérebro vai se condicionando. Ele recebe a informação de que um crime foi praticado e nada aconteceu ao criminoso e passa aceitar esse ato como normal - avalia o cientista.

Outros estudos mostram que alterações funcionais no cérebro, especialmente no lobo frontal, levam a comportamentos psicopatas. Esses indivíduos têm prejuízo da crítica social, ou seja, para eles é natural, normal cometer um ato ilícito, que pode ser desde suborno a um crime violento.

- A pessoa com esse tipo de disfunção não pensa duas vezes, e tem certo prazer em enganar a outra, se acha mais esperta. Ela não sofre com o dilema moral - explica Jaderson.

Antoine Bechara, neuropsicologista da Universidade do Sul da Califórnia, diz que apesar de não existirem estudos precisos sobre a neurobiologia da corrupção, algumas avaliações têm ajudado a entender uma possível relação. Pesquisadores observaram que pessoas com danos na área pré-frontal do cérebro faziam escolhas erradas em testes mesmo sabendo o que era certo ou errado, sem qualquer medo de uma punição. Elas se arriscavam, apesar de um possível dano.

- Dá para afirmar que indivíduos com certos danos no lobo frontal julgam comportamentos que para pessoas normais é antissocial, incluindo a corrupção e até assassinato, como moralmente permissíveis. Há ainda uma percentagem de pessoas sem lesões aparentes nessa parte do cérebro que age de forma semelhante. É quase certo que elas apresentam anormalidades subjacentes, e isso pode ser causado por defeito genético, condições ambientais, uso de drogas e estresse. Muitas pessoas têm ideia de que psicopatas são essencialmente assassinos e violentos, mas eles podem ser políticos, empresários, qualquer um que tente enriquecer por meio de corrupção - diz.

Jaderson, porém, alerta que não se pode generalizar, como na perigosa afirmação de que todo político é corrupto, pois isso leva à falsa ideia de que não há solução para o problema. A principal questão é a impunidade.

- Daí a importância de estudarmos como o cérebro participa dessas decisões. Hoje essa análises são usadas na propaganda, num campo que se chama neuromarketing. Publicitários e cientistas investigam quais as áreas do cérebro são ativadas na hora de escolher um produto ou o rejeitar. É um caminho para entender porque o cérebro de algumas pessoas se corrompe e o de outras não. Será que algum dia poderemos intervir precocemente para evitar isso? Não acredito que possamos criar uma pílula para acabar com o comportamento corrupto, mas teremos mais dados para agir de forma preventiva - considera.

Corrupto age como um sociopata

Já o neurocientista André Palmini, também da PUC-RS e que falou sobre o tema no Congresso, diz que a neurociência está descobrindo pistas importantes. Ele citou pesquisa realizada num período de 20 anos nas Ilhas Maurício, com crianças a partir de 3 anos e jovens até 23 anos. O grupo que na infância apresentou reduzida capacidade de sentimentos e ignorava o medo tomou mais decisões inadequadas, tornou-se agressivo e mostrou tendência para cometer crimes. Uma das equipes que se dedica a estudar profundamente esse assunto é a do cientista Jorge Moll, da UFRJ, conta Palmini:

- Eles mostraram que quando se estudam sentimentos como compaixão, culpa, indignação, constrangimento, entre outras, o cérebro ativa determinadas emoções morais. Sentimos desgosto ou tristeza mesmo quando só imaginamos alguém numa situação difícil. Já o corrupto não, assim como um sociopata.

Os cientistas acham que o comportamento corrupto pode ser causado por uma interação entre oportunidade, vulnerabilidade causada por características anatômicas e/ou funcionais do cérebro ainda misteriosas, e impunidade. E querem investigar até que ponto cérebros com alguma diferença agem de forma diversa em certas situações.