segunda-feira, 25 de maio de 2015

Entrevista concedida por Dilma Rousseff ao jornal La Jornada

Jornalista: Está indo à primeira visita de Estado ao México, Presidenta?

Presidenta: Estou, e estou contente de ir ao México. Eu conheço o México. Eu já fui ao México umas duas vezes. Não, acho que foi até mais do que duas vezes, mas uma foi só de passagem. A coisa que mais me estarreceu no México não foi as duas pirâmides, porque aí eu já estava... eu já tinha tido noção do tamanho da civilização anterior aos Astecas, foi no museu antropológico, que me disseram que agora mudou, não é? E que eu fiquei absolutamente espantada pela versão ocidental, que não destaca o tamanho daquela civilização. E a única coisa...

Jornalista: Posso gravar?

Presidenta: Pode. Que não destaca e que uma das coisas, assim, que eu acho que eles... Uma das coisas que a mim, eu tive muito impacto quando eu vi, na época que eu fui a primeira vez, que foi em 1982, lá em (...), lá se vão muitos anos, eu vi, tinha uma reprodução da cidade indígena, e a cidade indígena, ela...

Jornalista: Tenochtitlán.

Presidenta: É Tenochtitlán, não é? Ela tinha uma estrutura de água e esgoto que, na época em que ela existia, na mesma época, não havia na Europa, não havia em lugar nenhum do mundo ocidental. Então, e você vê uma sofisticação imensa em toda a cultura, coisa que você, por exemplo, naquela época, em 82, eu desconhecia completamente. O Brasil vivia de costas para a América Latina, vivia de costas e olhava só os Estados Unidos e a Europa, e até a Rússia, mas jamais olhava para nós mesmos, não é? Então, eu fiquei muito impressionada com isso. Aí, depois, eu fui lá nas duas, na Pirâmide do Sol e na Pirâmide da Lua. Aí eu percebi o tamanho do que que tinha sido aquela civilização. Depois, um pouco depois, eu fui em Chichén Itzá.

Jornalista: Chichén Itzá.

Presidenta: É Chichén Itzá. Eu fui em Chichén Itzá, eu é maior que as duas, do que a do Sol, a da Lua necessariamente, mas do que a do Sol também, é impressionante a Chichén Itzá, e também todo o conhecimento astronômico, a precisão do conhecimento astronômico. Para você ter aquela precisão, tem de ter um certo domínio razoável da matemática para aquele tipo de precisão que eles tinham. E como uma civilização, para ter aquele tamanho, tinha dominado pelo menos uma questão: tinha dominado a questão da alimentação, não é? Porque senão você não tem uma civilização daquele porte. E o que é destacado de forma bastante simplória para nós? É destacado sacrifícios humanos, numa visão, eu acho, preconceituosa, contra aquela civilização que tinha um padrão de desenvolvimento e de desempenho que nós não conhecemos. A nossa população indígena não estava nesse nível de desenvolvimento.
            A mesma coisa o Inca, não é? Mas lá é mais, era mais avançada, a mais avançada de todas. E não era asteca, não é? Eles não sabem, eles chamam de Tolteca, Olmeca.

Jornalista: Maia.

Presidenta: A Maia é mais embaixo, é ali na península do Yucatán, não é?

Jornalista: Isso.

Presidenta: Mas a do centro do México, ali, ali na...

Jornalista: Essa é Asteca.

Presidenta: Essa é Asteca? Não é Tolteca, não é... Porque...

Jornalista: Não, Tolteca é mais...

Presidenta: Não, me diz o seguinte: as duas pirâmides não são astecas?

Jornalista: Não, totalmente, não. Mas eu também não sou expert em...

Presidenta: São... Segundo... Por exemplo, eu fiquei estarrecida e corri atrás para saber. Segundo se sabe, é de uma civilização anterior.

Jornalista: Anterior, claro.

Presidenta: Anterior.

Jornalista: Que os astecas dominaram pela sua vez.

Presidenta: Que os astecas dominaram.

Jornalista: Exatamente.

Presidenta: Porque os astecas, eles dominaram civilizações que tinham em torno. Inclusive isso explica, em parte, a questão de eles terem, dos espanhóis terem conquistado ali, a cidade do México, e aplastado, porque aplastaram.

Jornalista: Tanto que na praça central no Zócalo...

Presidenta: É, eu sei, tem... Eu sei disso, que lá no Zócalo, estive lá no Zócalo. Quem é que... Você vai lá, o Zócalo é uma praça monstruosa, não é?

Jornalista: Embaixo tem templos astecas.

Presidenta: Tem, e tem um debaixo da catedral.

Jornalista: Exatamente

Presidenta: Exatamente debaixo da catedral. Uma forma de você desaparecer com a civilização, não é?

Jornalista: (incompreensível)

Presidenta: Não, com a civilização. O que é que é uma coisa inimaginável é uma pessoa, não é? Uma coisa que eu pensei assim, sempre: o que é que sentiu um integrante, um homem ou uma mulher daquela civilização, quando vê ela sendo implacavelmente destruída, implacavelmente, sem deixar traço. Era isso que era o objetivo. Por isso é que eles... Eu acho... Outro dia me perguntaram: o que você quer visitar?

Jornalista: Isso que eu ia perguntar.

Presidenta: É, me perguntaram isso e eu, primeira coisa que eu disse era o Museu Antropológico. Mas depois me falaram duas coisas, que aí, aí eu estou balançando, porque o museu eu já conheci, porque depois eu voltei e tornei a olhar, tornei a ir no museu, porque não dava tempo, era... para mim foi muito importante. Eu queria ir no... eu queria ver uma exposição, ou onde tem as pinturas de uma mulher que foi da época da Frida Kahlo, chamada Remedios – se eu não me engano –,Varo.

Jornalista: Claro, que foi (incompreensível)

Presidenta: Mas que é fantástica.

Jornalista: Sim, é claro.

Presidenta: E tem uma, tem uma pintura dela que eu acho genial, é... como é que é? Natureza Morta... Ai, eu tinha de lembrar a palavra. Natureza Morta... é uma contradição em termos: e que que é o quadro? É uma natureza morta? Rodando, você entendeu? É o stand still a Natureza Morta, aí a Remedios Varo vai lá e faz... ela bota uma mesa e os componentes da natureza morta estão girando. O nome é interessantíssimo. O nome tem uma certa, uma certa ironia.
            E ela tem também um que é: Tecendo... Eu não vou lembrar os nomes. Tecendo o Fio do Tempo, uma coisa assim. E lá em cima uma porção de mulheres tecendo o tempo e a realidade. Ela é... A Remedios Varo é...

Jornalista: Eu queria contar, nós queremos contar, precisamente, (...) da jornada que a senhora gosta muito da pintura, que teria as amostras de Caravaggio e no...

Presidenta: Tem. Mas eu vou lá, também, eu quero ver os painéis, não é?

Jornalista: Isso.

Presidenta: Eu faço questão de ir. Então, eu estou... eu não tenho muito tempo, então eu vou ter de optar, porque a Frida Kahlo eu vi em tudo quanto é museu, vi lá nos Estados Unidos...

Jornalista: Quer ver Diego Rivera.

Presidenta: Quero ver Diego Rivera, como não quererei ver? Eu quero ver os painéis.

Jornalista: Claro. No Palácio Nacional.

Presidenta: Dizem que no Palácio do Zócalo eu vou ver um grande, eu vou ver os painéis do Diego Rivera.

Jornalista: Exato.

Presidenta: Agora, também me falaram que no Museu de Artes tem...

Jornalista: Sim, no Museu Belas Artes.

Presidenta: Belas Artes?

Jornalista: Belas Artes.

Presidenta: Tem painel de todos os grandes

Jornalista: Tem de Siqueiros, também.

Presidenta: Tem de Siqueiros?

Jornalista: Acho, acho que tem de Siqueiros também, sim.

Presidenta: Pois é, isso que eu queria ver.

Jornalista: E também teria que ir ao Monumento da Revolução.

Presidenta: Não, isso, sem dúvida. Isso, vamos dizer assim, está fora de “questión”. Aliás, eu acho o nome das avenidas, no México, fantásticas. E eu lembro – olha que eu fui a última vez no México em 96 –, eu lembro de alguns nomes que eu acho belíssimos, Insurgentes Sur.

Jornalista: Insurgentes, claro.

Presidenta: Insurgentes Sur. Depois tem um outro, que é Reconquista, depois tem... os nomes são muito bonitos, não é? São da história.

Jornalista: Exatamente.

Presidenta: E todos nós lemos Emiliano Zapata, Pancho Villa e toda a história da Revolução mexicana.

Jornalista: Como o ministro Edinho falávamos... ele me falava, não? Que são duas culturas tão intensas, tão ricas, a mexicana e a brasileira, que a aproximação dos dois povos é um experimento político e cultural extraordinário, não é?

Presidenta: É. Eu acho que Brasil tem muito a ganhar com essa aproximação cultural. Porque tem uma riqueza na cultura mexicana que ela valoriza o que nós temos, também, você entende? Ela é... Porque, o que eu senti? Eu senti orgulho do Continente, orgulho da América Latina. Então, eu acho que ela mexe muito com a sua autoestima. Então, tem isso também: mostrar que houve aqui, aqui, uma civilização daquele tamanho.

Jornalista: Talvez, Presidenta, talvez, a partir da identidade podemos construir uma nova unidade latino-americana.

Presidenta: Sem dúvida. Mas é sobre isso que nós estamos construindo uma nova identidade latino-americana. O que eu vejo nas reuniões das cúpulas latino-americanas? De todas. Como eu te disse, no caso do Brasil é muito forte, porque o Brasil estava de costas para os seus vizinhos e para o seu continente e achava que tanto a Europa como os Estados Unidos era o que nós devíamos nos relacionar. Não que não devamos, pelo contrário, devemos. Mas nós temos um compromisso – e eu acho que isso mudou a política externa do Brasil –, nós temos um compromisso com a América Latina e com a África. Esse é um compromisso que nós temos pela nossa identidade cultural.
            Porque o Brasil... Vocês têm uma forma diferente. No nosso caso tem um componente africano muito forte, e nós temos de valorizá-lo e olhar para ele com toda a importância que ele tem, na formação do homem e da mulher do Brasil, e da nação brasileira.
            Agora, eu acredito que um momento importante da história recente do Brasil foi o fato de a gente ter construído esta relação. E acho que uma parte importante dessa relação tem de ser estreitada, que eu acho que é do Continente Sul-Americano com o México. Porque o México é a maior nação que está no Hemisfério Norte. E de todas as nações que tem dentro desse continente, é uma das mais ricas, culturalmente falando. Não é só economicamente, é culturalmente falando. E essa relação interessa, eu acho, para o Brasil.
            Eu vou ao México com uma consciência muito forte da importância que o México tem na formação de uma relação e de uma unidade latino-americana, que respeita diferenças, viu? Que tem de respeitar diferenças.

Jornalista: Talvez a relação entre o México e o resto da América Latina quedó afetada depois de 2005, com o vértice de Mar del Plata, quando o presidente Fox defendeu muito o ALCA. Essa distância dos gigantes da América Latina, o México e o Brasil, a senhora acha que com essa primeira viagem de Estado podemos falar num novo capítulo da política externa da América Latina, finalmente toda uma? Porque, nesses anos, havia uma América do Sul e México. Há um novo momento para que possamos falar de uma política externa, uma política de articulação na América Latina toda? Porque também, na verdade, a partir de 94 o México ficou muito subalterno aos Estados Unidos, não é?

Presidenta: Olha, eu acredito que esta minha ida ao México, ela abre, sim, um novo capítulo nesta relação. Por quê? Eu acho que eu, quando recebi o presidente Peña Nieto, ele veio aqui antes da posse dele, ele já era presidente eleito, e uma das coisas que nesta conversa nós concordamos e criamos um consenso forte, era que era fundamental para o Brasil se aproximar do México, e era fundamental para o México se aproximar do Brasil. Além disso, que era importante para a nossa região toda.
            Eu acredito que essa relação é uma relação especial. Eu sei de todas as histórias da relação do México com os Estados Unidos, que na Revolução de 1910 diziam: “Ah, pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”.

Jornalista: Isso.

Presidenta: Não é? Sei bem direitinho essa questão. Agora, acho que hoje, num mundo que é globalizado, a proximidade de todos nós com todos nós tem de ser algo valorizado. Agora, temos de ter muita consciência sobre a importância de estreitar e de aproximar o México e o Brasil. Eu tenho a convicção de que, do ponto de vista comercial, do ponto de vista de investimento, enfim, do ponto de vista econômico, os dois países só têm a ganhar.
            Eu considero que foi um passo importante que nós pudéssemos construir o acordo automotivo. Por quê? Porque o acordo automotivo mostra um caminho, não é ele em si, ele é um caminho, ele é um passo, não é? É um passo que mostra que é possível fazer um acordo e os dois países ganharem.
            Eu acredito que nas relações, tanto as econômicas como as políticas e sociais do México com o Brasil – pelo menos é minha convicção, acredito que seja também a do Peña Nieto – nós só temos a ganhar. Aparentemente seríamos, muita gente nos vê como economias concorrentes, nós não somos isso. Nós somos economias complementares. E daí porque os nossos mercados, que são mercados, o México tem o segundo maior mercado, nós temos o primeiro maior mercado, é uma vantagem para nós que o México possa exercer a sua atividade comercial de investimento no Brasil e vice-versa.
            O México tem... Nós somos... Eu fiquei muito impressionada quando, lá atrás, me disseram que nós éramos o segundo destino de investimento externo mexicano.

Jornalista: Vinte de três bilhões.

Presidenta: É. Depois dos Estados Unidos somos nós. Então, a roda está girando favorecendo essa integração, a roda não está girando impedindo essa integração. Então, o que que cabe a nós, que estamos na roda? Forçar, cada vez mais, o potencial de integração.
            Eu fiquei também contente quando soube que a Braskem vai fazer parceria com uma empresa mexicana, para criar um polo...

Jornalista: Etileno.

Presidenta: Etileno 21, não é? Que é um polo petroquímico, a empresa mexicana chama Tesa... Não, eu tenho ela aqui, espera lá. Eu te digo o nome.

Jornalista: Vera Cruz, no estado de Vera Cruz.

Presidenta: De Vera Cruz?

Jornalista: Isso, é no estado de Vera Cruz.

Presidenta: O estado de Vera Cruz é em...?

Jornalista: É sobre o Caribe.

Presidenta: Sobre o Caribe. A Idesa.

Jornalista: Idesa, é isso.

Presidenta: Idesa. Eu ia falar Iesa, é Idesa. Projeto Etileno 21. E também acho que o que vai caracterizar as nossas relações é um tipo de parceria que eu acho que nós temos condições de fazer: complementaridade na cadeia produtiva. Produzir um pedaço aqui, um pedaço lá, indústria naval.

Jornalista: Ah, naval?

Presidenta: Indústria de equipamentos, vamos dizer, na cadeia de óleo e gás nós tempos interesse nisso, porque o México tem a Pemex, o Brasil tem a Petrobras. A Pemex e a Petrobras estão mais ou menos num mesmo ambiente regulatório, tem presenças de empresas internacionais, no México e no Brasil. Agora, tem duas gigantes.

Jornalista: É possível algum acordo Pemex-Petrobrás?

Presidenta: Eu sempre acho que é. E não só acho que é, como eles fizeram em 2005.

Jornalista: Isso sim seria um encontro de gigantes, não é?

Presidenta: Pois é, mas eles fizeram um acordo em 2005. E esse acordo está em plena vigência. Espera lá que eu te digo qual acordo, quer ver?

Jornalista: Mas se poderia avançar nesse acordo?

Presidenta: Eu acho que poderia. Chama “Convênio Geral de Colaboração Científica, Técnica e de Treinamento Pemex-Petrobras em 2005”. Em que áreas que nós podemos avançar? Primeiro, eu acho, na cooperação entre as duas empresas. Elas têm características, hoje, porque a Petrobras é uma empresa votada em bolsa, agora a Pemex está indo pelo mesmo caminho. Nós temos um marco muito similar.
            Eu acredito que tanto nós podemos atuar em investimentos comuns, nós podemos atuar também na cadeia de fornecedores. Porque a cadeia de fornecedores, no Brasil, nós estamos fazendo estaleiros, nós, aqui em um mercado que é demandante, porque nós temos de explorar o pré-sal. E lá no México é a mesma coisa, vocês têm uma porção de atividades a fazer.

Jornalista: Mas a Pemex poderia vir para o Brasil?

Presidenta: Só pode. Qualquer empresa internacional pode vir para o Brasil com a nacional.

Jornalista: Claro, claro. Mas há um interesse, digamos, estratégico do Brasil estimular a chegada de Pemex ao pré-sal?

Presidenta: Mas não tenha dúvida.

Jornalista: Ah, isso é muito importante.

Presidenta: E acredito que para a Pemex é bom, porque a Petrobras detém a tecnologia de exploração em águas profundas.

Jornalista: Porque Pemex não participou das (...) de...

Presidenta: Mas não participou porque não quis.

Jornalista: Por isso, mas eu diria: esse encontro dos governos poderia dar um marco político para incentivar a chegada de Pemex?

Presidenta: Pode, mas sem dúvida.

Jornalista: Ah, isso é muito importante, presidente.

Presidenta: Mas sem dúvida, não tenha dúvida disso. Nós veríamos com imensa simpatia. Afinal de contas, a Pemex é uma das maiores national oil companies do mundo. A Pemex é uma empresa absolutamente conceituada, por trás dela está o povo do México.

Jornalista: Me deixa fazer uma pergunta...

Presidenta: Qual é a cor da sua bandeira?

Jornalista: Branca, azul e vermelha.

Presidenta: Branca, vermelha e azul, não é? Não, verde.

Jornalista: Não, vermelha e verde, verde. Igual que a da Irlanda, igual que a da Itália, só que tem o escudo no meio, da águia com a serpente.

Presidenta: Ah, tem o escudo no meio, está certo, com a serpente. E deixa eu te falar uma coisa...

Jornalista: Mexicanos são grito de guerra,

Presidenta: Por que eu e perguntei isso? Sabe por quê? Teve um teatrólogo brasileiro, que você deve conhecer, Nelson Rodrigues, que, além, disso, foi um colunista de futebol.

Jornalista: Sim, claro.

Presidenta: Que quando se referia à Seleção Brasileira, dizia que a Seleção Brasileira era a pátria de chuteiras, a pátria verde e amarela de chuteiras, Lá, a Seleção Mexicana é a pátria azul, branca e verde...

Jornalista: Não, a camisa é verde, a camisa da Seleção. Sim, é verde.

Presidenta: É verde? Então, é a pátria verde e chuteiras. A nossa também às vezes é ver, hein?

Jornalista: Agora deixa eu fazer uma pergunta, uma pergunta...

Presidenta: Agora, a Petrobras é tão importante para o Brasil como a Seleção.

Jornalista: Claro.

Presidenta: Então, eu sempre disse o seguinte: se a Seleção Brasileira é a pátria de chuteiras, a Petrobras é a pátria com as mãos sujas de óleo.

Jornalista: Ah, isso é muito bom, Presidente, é uma frase muito boa.

Presidenta: E vocês têm também a pátria suja de óleo lá, a mão suja de óleo.

Jornalista: Desde o presidente Cárdenas.

Presidenta: Cárdenas, el grande presidente Cárdenas.

Jornalista: Ele nacionalizou os recursos, os recursos...

Presidenta: Hidrocarburos.

Jornalista: Exatamente, 1935, 35 ou 36. Mas deixa eu fazer uma pergunta, uma pergunta do “diabo”: Miestras, o Brasil tem uma política nacionalista de petróleo, que prestabilizou o rol da Petrobras. México tem um sentido contrário: abriu a Pemex ao capital privado. Esses cortes e recortes distintos do México e Brasil...

Presidenta: Abriu o quê ao capital privado? A exploração.

Jornalista: Sim e, além disso, reformou a Constituição, no ano passado, que falavam que o recurso petroleiro era só do Estado, que era herança de Cárdenas.

Presidenta: Mas nós já tínhamos feito isso.

Jornalista: Claro, mas mientras o Brasil, com a senhora e com o presidente Lula, tem um novo marco jurídico, que dão um rol mais rigoroso para a Petrobras, lá o progressismo de esquerda, o filho do presidente Cárdenas está denunciando que a Pemex está sendo desnacionalizada. Que esses rumos sendo extintos podem prejudicar uma aproximação de Pemex com a Petrobras?

Presidenta: Bom, primeiro eu vou te falar o seguinte: a Petrobras, e nós fazemos parcerias com todas as empresas. Nós fazemos parcerias com a Shell, com a Total, são empresas... Eu estou dando a Shell e a Total porque é o último Campo de Libra.

Jornalista: É isso.

Presidenta: O maior campo do pré-sal tem a seguinte composição: Petrobras, Shell, Shell Total e duas chinesas, a CNPC e a CNOOC. Nós achamos perfeitamente possível que a Petrobras mantenha a sua importância, o Brasil mantenha a sua soberania e eles, ao mesmo tempo, participem.

Jornalista: Claro, claro.

Presidenta: Nós achamos que isso é absolutamente possível. As ações da Petrobras são abertas na Bolsa de Nova Iorque. Então, a Petrobras é uma empresa... é uma S/A, com todas as características da S/A. Agora, obviamente a gente reconhece na Petrobras um papel estratégico no Brasil. Ela, hoje, tem uma coisa que ninguém tira dela, nem competição nenhuma, pode vir quem quiser: nós conhecemos a bacia sedimentar continental brasileira como poucos conhecem.
            Então, se você pegar uma empresa internacional e perguntar para ela: como é que você quer entrar no Brasil? Posso te dizer que ela quererá entrar no Brasil aliada à Petrobras? Por quê?

Jornalista: Porque tem o conhecimento.

Presidenta: Porque a Petrobras detém o conhecimento, a tecnologia, e é uma empresa poderosa. Ela recentemente, para a gente já adiantar o serviço, passou por um processo de investigação, numa operação chamada Lava-Jato. Não é possível você... A Petrobras tem 90 mil funcionários, quatro funcionários foram e estão sendo acusados de corrupção, muito provavelmente, ninguém pode falar antes de serem condenados, mas todos os indícios são no sentido de que são responsáveis pelo processo de corrupção.
            Isso não impede que a Petrobras tenha ganho, na OTC, que todos nós sabemos que é uma espécie de Oscar da área de petróleo e gás, a OTC, em Houston, tenha ganho o prêmio da empresa mais inovadora. Por quê? Porque nós temos a tecnologia de operar em águas profundas.

Jornalista: Então, posso perguntar diretamente, sei que a senhora tem matéria para a opinião pública de México: existe risco zero de o Brasil voltar ao regime anterior de partilha. O regime atual está fora de discussão?

Presidenta: Bom, posso te dizer uma coisa?

Jornalista: Claro.

Presidenta: É bom entender o que que é o regime de partilha ou de concessão. Eu falo com tranquilidade porque, na época, eu coordenei isso.

Jornalista: Claro. Era ministra da Casa Civil, não?

Presidenta: Da Casa Civil. Bom, o que que tem no Brasil? No Brasil... O Brasil tem toda uma história, em relação ao petróleo, não é uma história mais de... todo mundo sabia que o México tinha petróleo. O Brasil passou pelo menos uns 20 anos discutindo se aqui tinha petróleo ou não tinha petróleo, tá? Essa discussão se tinha ou não tinha petróleo, porque procuravam onde? Procuravam em terra. Aqui em terra não... é muito difícil, é pouco petróleo, ele não é de boa qualidade. Aí, a Petrobras entrou em águas rasas, na Bacia de Campos, e achamos o petróleo. Era muito? Não. Em alguma área era petróleo pesado, mas dava.
            Agora, esse modelo de concessão, ele tem todo sentido... O que que é a diferença dele para o modelo de partilha? É quem é dono do óleo descoberto. No concessão, quem é dono do óleo descoberto é quem descobre. Por quê? Porque o risco é muito alto. No de partilha, quando você sabe aonde está o óleo, que ele existe, que ele é de boa qualidade, o risco é pequeno. Então, é justo, e mais do que justo, é completamente legítimo que o petróleo descoberto seja, uma parte, do Estado nacional.

Jornalista: Então, posso escrever que existe risco zero de voltar ao velho modelo de concessão.

Presidenta: Eu acho que não é zero. Enquanto eu estiver na Presidência, é menos mil, não é zero, é diferente esse risco. O modelo de partilha é um modelo baseado nas melhores práticas internacionais.

Jornalista: Claro que é, claro que é.

Presidenta: Nós, em todos os lugares onde se sabia que tinha petróleo, que era de boa qualidade e que era bastante, caso Noruega, o modelo de partilha vigiu. Quem achar que o modelo de partilha é algo ideológico está equivocado. O modelo de partilha é a defesa dos interesses econômicos da população deste país, que é dona das suas riquezas naturais, em especial do petróleo. Aqui é difícil achar.
            Para você ter uma ideia, você vê como é complicada a situação: sabe esse Campo de Libra, pelo qual pagaram, na época R$ 15 bilhões, era US$ 7 bilhões, só por assinatura, vou te contar o que aconteceu. Esse campo era da Petrobras. Na primeira, houve uma rodada chamada “Rodada Zero”, que muitas coisas ficaram com a Petrobras. A Petrobras olhou o campo e passou ele para a Shell, vendeu em cooperação para a Shell. A Shell foi lá, furou, não achou nada, devolveu o campo para a Petrobras. A Petrobras tem prazo, porque aqui, não explorou devolva, me dá cá. A Petrobras devolveu ele para a Agência Nacional de Petróleo. Nós tínhamos recursos. Então, o que nós fizemos? Todos os dados é que lá tinha petróleo. O que nós fizemos? Nós pagamos a Petrobras. Nós quem? O governo brasileiro pagou a Petrobras para fazer outros furos, e acharam um dos maiores campos de petróleo do mundo.

Jornalista: Impressionante.

Presidenta: Tá?

Jornalista: Eu posso... Vamos falar um pouquinho mais de petróleo?

Presidenta: Vamos.

Jornalista: A senhora ficou conforme com a resposta do presidente Obama sobre a NSA pesquisou irregularmente sobre a Petrobras?

Presidenta: Sabe, a NSA, ela pesquisou sobre a Petrobras...

Jornalista: Ilegalmente,

Presidenta: E sobre também o governo brasileiro. Obviamente, de forma ilegal. O que o Presidente Obama faz, naquela circunstância, depois que houve o caso com o Brasil e com a Alemanha, ele abriu uma espécie de... ele abriu... não chama consulta pública lá, ele abriu um processo de discussão em que eles tiraram várias resoluções. Entre essas resoluções, eles tiraram uma resolução de que não tem cabimento espionar países amigos, não é? Porque toda a justificativa era porque era por causa dos terroristas, por conta da questão da...

Jornalista: Sim, do 11 de setembro.

Presidenta: Do 11 de setembro. Então, o que que acontece? No marco do que eles fizeram, eles nos responderam. Não tem... E inclusive sempre disseram: a partir dessa data nunca teve isso.

Jornalista: Portanto, esse assunto está concluído?

Presidenta: Para nós está concluído.

Jornalista: Mas toda a informação que eles – desculpa o termo – roubaram. O governo do Brasil não tem direito a reclamar, para saber o que eles levaram da Petrobras? Não poderia haver uma informação acessível?

Presidenta: Posso te dizer uma coisa? Eu não acredito que eles, inclusive, saibam o que foi levado da Petrobras completamente, eu não sei se sabem tudo o que foi levado.

Jornalista: Quem, o governo?

Presidenta: Todos os órgãos.

Jornalista: E a NSA também não sabe?

Presidenta: Não, isso eu não sei. Isso eu não sei. Eu estou falando...

Jornalista: Aí teremos um compartimento estanco, a NSA pode ter...

Presidenta: Eu não sei, eu não sou do governo americano, você há de convir. Eu só estou te dizendo que o que eu tenho noção é que são centenas e milhares de empresas que fazem esse processo. A mim me parece, em algum momento, que não havia o controle total. Porque se houvesse... Por que o meu raciocínio é assim? Porque se houvesse controle total, não teria como uma pessoa, um funcionário, que não era dos mais altos escalões, tirar tanta informação.

Jornalista: O Snowden.

Presidenta: É. Sem ninguém saber direito o que ele tirou e como tirou.

Jornalista: Portanto, digamos, sua visita em Estados Unidos, em julho, pode também marcar um novo momento da relação bilateral?

Presidenta: Sem dúvida, eu espero que sim.

Jornalista: O passado esquecido, digamos, aquele momento...

Presidenta: Não, o passado é o seguinte, não foi esquecido, tanto é que foi registrado. Nós fizemos todas as tratativas, inclusive nós, com a Angela Merkel, o Brasil e a Alemanha, nós fizemos um... nós tivemos a iniciativa de fazer proposta junto à ONU para que isso fosse regulamentado, e temos hoje todo um processo, dentro da Comissão de Direitos Humanos da ONU sobre essa questão.
            Acho que... a compreensão é que o governo Obama, nas suas atribuições, tomou as providências cabíveis, não é? Do que fizeram anteriormente. É essa a nossa convicção.

Jornalista: Perfeito. Podemos falar um pouquinho da América Latina, uns minutinhos?

Presidenta: Pode.

Jornalista: A propósito, também, da relação com os Estados Unidos. A senhora acha que esse novo momento entre Washington e Havana tem uma repercussão construtiva no Hemisfério todo?

Presidenta: Olha, para mim foi uma das grandes iniciativas tomadas nos últimos anos. Primeiro, porque encerra a Guerra Fria no nosso Continente. O nosso Continente era um dos continentes, você tem outros, mas o nosso Continente tinha ainda as consequências da Guerra Fria dentro dele, que é toda a questão relativa à relação entre os Estados Unidos e Cuba. Por isso que nós queremos que isso se aprofunde e que leve ao fim do embargo, completamente. Eu sei que não depende do Executivo americano, depende do Congresso americano, mas que esse será um passo fundamental.
            Agora, eu acredito também que você não barra a história, você não barra a história. E eu tenho certeza, e o Brasil apostou nisso, tanto é assim que nós financiamos Cuba no maior porto de águas profundas, que foi o Porto de Mariel.

Jornalista: Isso.

Presidenta: A oposição brasileira, antes dos Estados Unidos reatar relações com Cuba, era extremamente cáustica, a respeito deste financiamento que nós fizemos.

Jornalista: Portanto, a senhora ratifica, a política do BNDES foi acertada, foi correta.

Presidenta: A política não é do BNDES, é política do governo brasileiro.

Jornalista: Ah, do Estado brasileiro.

Presidenta: É, pois o BNDES é um banco controlado 100% pelo governo brasileiro. Não há como o BNDES financiar sem cumprir a política. Nós achamos que o processo de evolução das relações democráticas em Cuba passa por apostar na abertura, passa por apostar no investimento lá, passa por apostar nessa relação comercial entre Estados Unidos e Cuba.
            Outra forma qualquer, que é o embargo, não leva a nada. Tanto é assim que, quantos anos o embargo teve? Quarenta?

Jornalista: Desde 62, já estamos... 63 anos. 53.

Presidenta: 53 anos. Não levou a nada. E o que que vai levar? Vai levar ao desenvolvimento, tem de ter o desenvolvimento da sociedade. O que que é a consequência para nós? E aí não é só Estados Unidos e Cuba, eu quero falar também do Papa. O Papa Francisco teve um papel fundamental, porque além de Papa, de chefe da igreja católica apostólica romana, ele é... ele foi também uma pessoa com discernimento para per5ceber que se havia uma coisa importante para os povos deste Hemisfério e para o de Cuba, em especial, era essa retomada das relações. Eu acho que os Estados Unidos deram um passo extremamente feliz, estratégico, para o que ocorre aqui, na América Latina.

Jornalista: E voltando um instantinho ao...

Presidenta: E vou te dizer mais: acho que não é um passo sem consequências para o presidente Obama. Acho que o presidente Obama deu esse passo com muita coragem porque, obviamente, tem oposição a isso. Agora, acredito, como eu te disse: não volta para trás, essa roda da história não volta para trás. Acho que vai ter uma abertura de investimentos em Cuba. Acho... Cuba é um país especial, não é? Pelo menos para nós, latino-americanos, ele é um país especial. Para vocês, mexicanos, eu tenho certeza.

Jornalista: Muito.

Presidenta: Porque uma vez eu visitei Cuba, e como a gente era só quatro brasileiros, nós... não, éramos cinco brasileiros, a nossa delegação era pequena, a delegação mexicana era grande. Então, nós fomos “adotados” pela delegação mexicana, tá? Que era tão alegre como nosotros. E eu assisti a delegação mexicana, você entende? Porque era um congresso de economistas, e eu participei com a delegação mexicana de todo esse processo de...

Jornalista: De evolução, o degelo, o descongelamento com os americanos.

Presidenta: Não. Não, não, não, isso foi em 82. Foi no auge do... 82, não, 83. Auge do congelamento

Jornalista: Pleno Reagan.

Presidenta: Congelamentíssimo. Mas a delegação mexicana devia ter umas cem pessoas, era alegríssima e participativa. Porque nós seríamos como vocês dizem, ponencias.

Jornalista: Ah, claro, ponencias.

Presidenta: Foi quando eu descobri que, para vocês, charla era conversar. Vamos charlar.

Jornalista: Para falar um pouquinho da América Latina, Presidenta. Então, estamos num momento em que poderíamos falar até de um novo eixo político-diplomático, como disseram, falando em música, “mariachi-bossa nova”, podemos falar isso?

Presidenta: Pode. Pode falar tequila de um lado e cachaça de outro, a caipirinha. Tequila e caipirinha.

Jornalista: Está bem. Temos um novo...

Presidenta: O murritos é de vocês?

Jornalista: Não, murritos é cubano. Nós somos primos-irmãos.

Presidenta: Vocês gostavam muito de murritos.

Jornalista: A América Latina, nesses momentos Venezuela convulsionada, a Argentina convulsionada...

Presidenta: Por que a Argentina está convulsionada?

Jornalista: A Argentina está convulsionada porque acho que tem eleições em outubro, mas...

Presidenta: Mas eleições não... em democracias, não convulsionam.

Jornalista: Mas, bom, o caso do procurador Nisman foi muito (...). A senhora vê um quadro de... não falaríamos em instabilidade, mas...

Presidenta: Posso falar uma coisa?

Jornalista: Claro.

Presidenta: Eu acho que a Argentina é extremamente estável, não acho a Argentina um país instável, convulsionado. Acho que é um país estável, com eleições, com um debate algumas vezes bastante ácido. Aqui, no Brasil, também tem debates ácidos; lá nos Estados Unidos tem debates ácidos, não é? O Teaparty não tem propriamente um debate muito gentil.

Jornalista: Nem muito civilizado também.

Presidenta: Não, eu não vou usar a palavra civilizada, eu vou dizer mais gentil. Agora, lá na Argentina é a mesma coisa, porque os Estados Unidos não está convulsionado e a Argentina está? Agora, se for sobre a questão da política econômica ou da situação econômica argentina, a Argentina tem absoluto direito de escolher seus rumos.
            Eu acho que mesmo a Venezuela, e vou te dizer isso, e também aí, também, o Papa Francisco teve um papel importante.

Jornalista: Teve.

Presidenta: Quando houve toda a instabilidade maior, eu acho que a Unasul, os três chanceleres da Unasul, que tinham mandão para fazer as tratativas – Colômbia, Brasil, Equador – junto com a nunciatura, fizeram todo um esforço, para quê? Qual foi o esforço que sempre a Unasul fez e eu acho que deu certo? É o esforço para manter a estabilidade, para manter a regra democrática, para manter a garantia política de que este Continente não voltará ao arbítrio. Tanto é assim, que eu acho que isso foi um papel extremamente estabilizador, que a Unasul e a Nunciatura, porque tem de dar crédito ao Santo Papa, tiveram ali, na relação entre o governo e oposição.
            Nós somos a favor de que na Venezuela se respeite a ordem democrática, de parte a parte, que haja condições de se marcar as primárias, foi marcada a primária da oposição, agora vai ser marcada a primária... Eu não sei se chama primária mesmo, a palavra, se é primária, está certo.

Jornalista: Sim, que venceu o Capriles.

Presidenta: Isso.

Jornalista: Capriles derrotou a direita radical.

Presidenta: O que é interessante, porque o Capriles é um homem de posições de centro e vai ter também a primária do lado do governo. Então, eu acredito na estabilidade. Nós, inclusive, dissemos sempre que é ruim tratar a Venezuela como sendo um inimigo dos Estados Unidos, porque não contribui, tá? Não contribui para que você estabilize a situação. O que contribui para você estabilizar a situação... porque, dos dois lados pode ter gente que não queira estabilizar.
            Então, para você estabilizar a situação, quanto mais respeito aos procedimentos, quanto mais respeito aos prazos e às datas, melhor para todo mundo. Eu não acredito numa solução violenta na Venezuela, não acho ela boa para o Brasil, não acho ela boa para a Colômbia, não acho ela boa para o Equador, não acho ela boa para toda a Unasul, e não acho ela boa para os Estados Unidos. E acredito – vou te falar com sinceridade – acredito que o governo, a administração Obama pensa assim também. Acredito nisso. Não acho que a administração Obama quer uma situação de conflito ali na Venezuela.
            Eu queria te falar uma outra coisa, em relação à América Latina. Eu queria lembrar do Lugo. Nós, da Unasul, tivemos uma posição extremamente clara, na questão do Lugo.

Jornalista: Foi um golpe ou não foi um golpe?

Presidenta: Para nós não foi uma forma democrática de afastar um presidente da República. Tanto é assim que a Unasul se pronunciou nesse sentido. E o que a Unasul fez? A Unasul disse o seguinte: “Olha, nós não somos, não somos e não vamos reconhecer legitimidade nesta forma de sucessão governamental. O próximo presidente, eleito por voto direto e secreto, no Paraguai, terá todo o nosso respaldo”. Foi isso que aconteceu. Hoje, o Paraguai não só tem nosso respaldo, mas o Paraguai hoje está em pleno uso e expandindo, inclusive, todas as sua situação. O presidente Cartes é um presidente fantástico para o Paraguai e para a região.
            Eu falo isso porque foi recomposto. Agora, não foi recomposto com a gente alienando todos os compromissos, por exemplo, do Mercosul e da Unasul, em relação a processos democráticos e a como se tratar os eleitos pelo voto direto do povo. Nós somos um continente absolutamente traumatizado por golpe. Todos nós, você pode perguntar país a país, talvez vocês são os únicos, talvez seja o México. Porque eu estou aqui, na minha cabeça, pensando quem está fora disso. Começa a subir, você sobe lá de baixo: Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Brasil, o Equador, Bolívia – eu já falei -, Colômbia, não é? Então, não sobra ninguém que não teve golpe de Estado. Então, nós não gostamos disso. Não gostamos nem um pouquinho.

Jornalista: Mas a senhora aceita, Presidenta, a senhora aceita que há um quadro de certa instabilidade na América do Sul, em Venezuela, tem um intento de golpe policial no Equador, tem um intento de desestabilização na Bolívia. Esse quadro existe ou está exagerado?

Presidenta: Eu acho que está exagerado. Para mim, ele está completamente exagerado. Sabe por que está exagerado? Acho que todas essas movimentações, primeiro, eu não acredito que a democracia engendre situações de paz dos cemitérios, tá? A democracia engendra manifestações de rua, a democracia engendra reivindicações, a democracia engendra expressão de descontentamento. E nós, na América Latina, temos de cuidar muito, porque a raiz golpista sempre perpassa, perpassa a cultura política dos países. Não dominantemente mais, não, eu não acredito nisso,
            Então, eu acho o seguinte: onde tem algum conflito, ele faz parte da democracia. Nós, quanto mais resilientes formos, quanto mais normal for a manifestação política, “Eu estou divergindo”, “Eu sou contra”, e isto não levar à ruptura, nem à situação extrema, mais evoluídos, do ponto de vista democrático nós somos.
            Você veja que, eu vou dar o exemplo da Europa: a Europa passou por imensas manifestações, imensos momentos de conflito, de contestação. Nem por isso você viu processos de ruptura institucional. Acho que os Estados Unidos também passaram por isso, e não teve processo de ruptura constitucional. Nós temos agora de falar com orgulho que há duas décadas pelo menos, duas décadas pelo menos que nós não temos ruptura da ordem constitucional, duas.

Jornalista: Posso romper um pacto que eu fiz com o ministro?

Presidenta: Deixa eu perguntar, deixa eu pensar se é duas mesmo. É três.

_________: Teve uma tentativa de golpe contra o Chávez, mas foi tentativa que foi...

Jornalista: Em 2002, em abril de 2002.

Presidenta: Sei, mas... Foi em 2002 o do Chávez, foi o Lugo.

Jornalista: E foi Honduras, não é?

Presidenta: Honduras, é. Mas você veja que teve conflito no Equador? Teve. Teve problema na Bolívia? Teve problema na Bolívia. Teve problema no Peru? Porque conflito?

Jornalista: Eu assumi um compromisso que (incompreensível), que foi não perguntar nada da política interna do Brasil. Mas, posso perguntar?

Presidenta: Agora você tem mais duas perguntas.

Jornalista: Duas perguntas. Uma é essa. Há um setor, uma direita, que fala muito do impeachment. Isso é uma forma de golpismo branco?

Presidenta: Posso te dizer? Essa questão do impeachment...

Jornalista: Não é um (incompreensível) da direita?

Presidenta: Sem base real...

Jornalista: Claro, não. Claro.

Presidenta: Sem base real, porque o impeachment está previsto na Constituição, não é? Ele é um elemento da Constituição, está lá escrito. Agora, o problema do impeachment é sem base real, e não é um processo, e não é algo, vamos dizer assim, institucionalizado, tá? Eu acho que tem um caráter muito mais de luta política, você entende? Ou seja, é muito mais esgrimido como uma arma política, não é? Uma espécie de espada política, mistura de espada de Dâmocles que querem impor ao Brasil.
            Agora, a mim não atemorizam com isso. Eu não tenho temor disso, eu respondo pelos meus atos. E eu tenho clareza dos meus atos. Então...

Jornalista: Mas é uma, digamos assim, uma atitude de direita muito radical, que não era vista há tempos no Brasil, não?

Presidenta: É. De uma certa forma, todos os presidentes no Brasil tiveram esse processo. O Lula teve, o Fernando Henrique teve, antes do Fernando Henrique...

Jornalista: O Collor.

Presidenta: Não, o Collor foi tirado. O Itamar eu não lembro, acho que não. Mas eu estou te falando dos últimos tempos. Vira e mexe tem essa...

__________: ...Casa Civil só, mas não foi nada.

Presidenta: O Fernando Henrique, o Lula...

__________: Tá, mas teve aquele episódio da Casa Civil só, mas não foi nada.

Presidenta: Bom, antes disso era praxe.

Jornalista: Antes disso era praxe. Eu faço a última: eu trouxe ali, para se a senhora quer depois assinar, aquele livro muito bonito, que é aquele com o título “A Vida...” Bom...

Presidenta: “O que a vida quer de nós é coragem”? Sabe de quem é essa frase?

Jornalista:  Não.

Presidenta:  Essa frase, para mim, é de um dos maiores escritores brasileiros, chama João Guimarães Rosa. O texto inteiro é muito bonito. Se eu tivesse os meus 50 anos, eu te citaria ele, porque eu sei ele de cor mas não vou conseguir citar. Porque ele fala algo assim: que a vida esquenta e esfria, instiga e depois pacifica, radicaliza”... Me abre ali, por favor? A vida quer de nós a coragem.

Jornalista: Eu tenho ali, eu trouxe.

Presidenta: Não, aquele ali é o livro que fizeram, que o meu assessor de imprensa da campanha fez, e que tem coisa ali que não é verdade, tem coisa que é. Ele não é um livro autorizado.

Jornalista: Não é um livro autorizado?

Presidenta: Não. Mas tem muita coisa que está certa.

Jornalista: Mas por quê?

Presidenta: Eu não estou desautorizando o livro, estou só te dizendo que tem umas coisas que não são verídicas, assim, não foi daquele jeito que aconteceu. Porque tem isso, é muito difícil de você saber de que jeito aconteceu, não é? Quer pegar-me, por favor, o meu ipad? Porque é lindo o texto, deixa eu dar para ele.

Jornalista: Porque, a propósito desse...

Presidenta: É lindo, esse texto é lindo.

Jornalista: E claro que vou levar...

Presidenta: E o que a vida quer de nós é coragem, ela não quer outra coisa.

Jornalista: Para nós, o Jornal La Jornada, que é um jornal de esquerda, que respeita muito a luta dos que resistiram na ditadura, esse livro, mesmo que não tenha um relato absolutamente fidedigno do que aconteceu, está falando de uma mulher que tem uma coragem excepcional. Quando a senhora chegou ao poder, pela via dos votos, aquela força que a senhora construiu na resistência contra a ditadura foi uma enseñanza para enfrentar esses momentos difíceis do poder?

Presidenta: Do ponto de vista pessoal, aquilo está indelevelmente marcado dentro de mim. Não tem... Você... Ninguém pode chegar e dizer... Outro dia eu estava lendo um texto do Mujica, conversei muito sobre isso com o Mujica. Nós não nos arrependemos de nada. O que você tem de fazer é entender que naquele momento, naquelas condições, o que te levou a fazer daquele jeito, hoje não tem a menor condição de ocorrer.

Jornalista: Claro, claro.

Presidenta: Não é? Isso é a primeira coisa. A segunda coisa: você muda, mas você não muda de lado, que é a segunda coisa. Ou seja, muda porque você vê que em alguns, com alguns fatos que ocorreram, alguns equívocos cometidos, você vê que tem um pouco, também, da minha juventude. Não é? E eu não vou ser contra a minha juventude. Mas tem coisa que não estava correta. Agora, eu não mudei de lado. Eu posso achar que tudo aquilo ocorreu... Agora, tenho muito orgulho de muita coisa, não largo aquilo de lado, não. A minha vida é inquestionavelmente marcada por aquilo. E se vocês foram capazes... Porque uma vez, aqui, eu fui depor no Congresso.

Jornalista: Eu me lembro, eu me lembro. Estava o senador dos Democratas, Agripino Maia, aquela conversa, não é?

Presidenta: Eu fui depor no Congresso e falaram assim para mim.

Jornalista: Na tortura a senhora mentiu, não foi isso? Isso foi uma segunda tortura, digamos, de novo, Presidente?

Presidenta: Nem perto. Não passa nem perto da tortura aquilo. Que é isso? Uma pergunta de um senador no Congresso Nacional, com o Brasil democrático? Que é isso? Moleza. Ele me perguntar: “Na tortura você mentiu?” Por que ele perguntou isso? Porque ele não estava do meu lado, ele não era do meu lado, ele era de outro lado. Quem não mente em tortura, lá lascado. Você entrega companheiro, tem gente que é seu amigo, seu irmão, que você vê morrer. Ou mente ou você se destrói. Quantas pessoas eu vi destruídas? E eu não julgo essas pessoas também. É muito difícil, eu disse para o senador: “Senador, é muito difícil mentir”, porque na tortura todo o incentivo é: “se você falar eu paro, se você falar eu paro”. É uma luta para você aguentar não falar, porque todos nós somos o que somos, não tem heróis. Cada um de nós encontra, dentro de si, forças.
            E eu falo, sabe por que que não tem heróis? Porque eu vi as pessoas mais variadas, é uma questão de resistir. Se você tem convicção que está certo, você tem de resistir. Resistir, tem hora até que você resiste se enganando. Você fala: “Ah, eles vão voltar”. Porque eles falam assim para você: “Nós voltamos daqui a uma hora, pensa bem”. Aí te pendura outra vez, bota no pau-de-arara, te dá um choque, etc. Qual é a estratégia, o que que é que você tem de fazer? Primeiro, você não pode pensar, você tem de impedir, você tem de fazer um esforço quase... Como é que chama aquilo que uma vez me falaram: “Você tem de fazer treinamento de...”. Aquele que a gente para  fica assim: “Ummmmm”.

Jornalista: Meditação.

Presidenta: Meditação. Você faz meditação. Você sabe o que é fazer meditação espontânea? Você tem de tirar aquilo da sua cabeça. Porque se você não tirar aquilo da sua cabeça, o medo toma conta, não é? E o medo, ele te corrói, o medo é uma coisa que tem dentro de você, não tem fora. O medo é tudo que a natureza, ao longo de toda a nossa evolução, colocou dentro de nós, para a gente poder sobreviver. Há alguém querendo nos comer, não é? Há o raio, há o diabo. Há o diabo, por isso que tem adrenalina.
            Então, você tem de resistir, sabendo que você está resistindo contra toda a sua... toda a sua natureza.

Jornalista: Portanto, a senhora resistiu àquilo, as pressões de hoje são nada.

Presidenta: Olha, eu te digo que elas são bem mais fáceis. Não que sejam facílimas ou que elas não são relevantes.

Jornalista: Mas quando a gente é preso está muito preparado para sofrer as pressões.

Presidenta: Mas eu te digo o seguinte: não passa perto. Tem, outra coisa, que chama a dor, a dor. A dor é outra coisa que ela oprime, ela corrói, ela humilha, ela degrada. A dor degrada. Então, resistir é algo muito difícil. Não faz de ninguém herói, faz das pessoas só isso: gente. Você não vira herói, você vira gente.

Jornalista: Ou vira Presidenta.

Presidenta: É. Agora, eu acho que você pode virar presidente sem passar por tortura. Inclusive defendo isso como sendo uma bandeira: não precisa, não precisa.

Jornalista: Posso fazer a última, a última, a última pergunta?

Presidenta: Não, você vai esperar, porque “A vida quer é coragem”.

Jornalista: Claro.

Presidenta: Ah, não, espera lá

Jornalista: Claro que sim, Presidenta, nós não temos pressa nenhuma.

Presidenta: Guimarães Rosa. Se tivesse o Pìmentel aqui, ele tem.

Jornalista: Ele falaria.

Presidenta: Óbvio. Porque eu e o Pimentel gostamos disso...

Jornalista: Foram companheiros de militância, não é?

Presidenta: Sim, por causa que no passado a gente descobriu. Eu e o Pimentel, eu conheci o Pimentel ele tinha 17 anos, eu acho que eu tinha 19.

Jornalista: Os dois eram combatentes, não era?

Presidenta: Éramos. Eu conheci o Pimentel, ele era bem novinho. Ele sempre disse que eu tinha 4 anos mais que ele, mas é mentira, eu tinha só 2. Ele fala isso: eu sou muito mais novo que ela, tenho 4 anos menos. Mentira, mentira.

Jornalista: Ok. (...) sua palavra.

Presidenta: Bom, eu não estou achando.

Jornalista: Eu tenho duas. Tenho a sorte jornalística e humana de ter três longas entrevistas com a doutora que foi sua advogada.

Presidenta: A Rosa?

Jornalista: A Rosa, ela deu para mim.

Presidenta: Eu lembro da Rosa.

Jornalista: É, que ela também teve a coragem, como a Presidenta, quando estava presa, de assumir ser sua advogada nesse momento tão difícil.

Presidenta: E foi mesmo, mas não era só minha não, viu? Ela teve a coragem de ser a advogada de uma porção de presos políticos, muitos presos políticos.

Jornalista: Eu vi o caráter como que ela trabalhou muito na Comissão da Verdade.

Presidenta: É, ela é uma pessoa muito determinada, a Rosa. E era difícil, porque era complicado.

___________: Aqui, Presidenta.

Presidenta: Você achou? “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria; aperta e daí afrouxa; sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.

Jornalista: Depois posso repetir para...

__________: Sim.

Presidenta: Chama João Guimarães Rosa.

Jornalista: Por quê? Porque ela estava à frente da Comissão do Plano Condor e ela...

Presidenta: Quem? A Rosa?

Jornalista: A Rosa, dentro da Comissão da Verdade.

Presidenta: Ah, é? Eu não sabia.

Jornalista: E trabalhamos muito sobre o caso Goulart. E ela falou para mim, igual que falou para mim...

Presidenta: O caso...?

Jornalista: Do presidente Goulart.

Presidenta: Ah, o Goulart.

Jornalista: E ela falou para mim, e também o procurador da Argentina, o (...), e também o procurador (...) na Itália, que seria fundamental poder algum dia falar com o presidente, com o ex-secretário de Estado Henry Kissinger. A senhora gostaria de alguma vez Henry Kissinger falar sobre o que aconteceu no Plano Condor?

Presidenta: Sem problema, se ele quiser falar comigo, eu aceito.

Jornalista: E acharia que isso é importante para...

Presidenta: Eu, se eu falasse com o Kissinger, você vai me desculpar, não era sobre isso que eu ia falar, não, sobre esse livro dele, chamado “World”, “International World”, extremamente, eu diria, agudo, nas suas percepções. Acho que ele faz a análise bem... Óbvio, eu não tenho a mesma compreensão do mundo, mas eu respeito um conservador lúcido. Ele é, este livro dele, e mesmo o sobre a China, são muito interessantes. Mas eu gostei muito deste último. Agora, perguntaria a ele sobre... Não tenho problema, se ele quiser responder, responde.

Jornalista: Sobre o Plano Condor?

Presidenta: É.

Jornalista: Por quê? Porque a Justiça do Brasil, a procuradora que está seguindo o caso, num jornal falou também que ela gostaria de o Kissinger falar. Isso seria bom para que a gente finalmente soubesse a verdade do Plano Condor?

Presidenta: Olha, eu acho importante. Agora, não sei se ele quer falar. Não cabe a mim constranger ninguém. Porque aí, nesse caso, eu sou chefe de Governo, não é? No caso... Aliás, chefe de Estado, não cabe eu fazer isso.


Jornalista: Está bom. Muito obrigado, Presidenta.

sábado, 23 de maio de 2015

João Cesar de Melo: Jandira Feghali e o nojo do pobre

Qual pequeno empresário dono, por exemplo, de um pequeno restaurante, tiraria do caixa 2,5 mil dólares para uma passagem na classe executiva sendo que poderia pagar 1/3 desse valor na classe econômica? Nenhum. Nenhum porque todo pequeno empresário sabe o valor do dinheiro, sabe os sacrifícios que precisa fazer para conseguir algum luxo; e viajar de classe executiva é um luxo acessível apenas aos maiores empresários, artistas ou políticos.

Afirmo, com toda certeza, que se a Deputada Federal Jandira Feghali, do PCdoB, vivesse apenas da renda de seu pequeno restaurante, ela não teria viajado na classe executiva de um voo internacional, conforme flagrado dias atrás. Se ela vivesse apenas de seu pequeno negócio, ela teria comprado a passagem mais barata, depois de muita pesquisa. É assim que faz um cidadão comum quando deseja fazer uma viagem. Mas Jandira Feghali não é uma cidadã comum. Ela é uma “nobre deputada”, no sentido trágico-literal da expressão. Jandira só voou de classe executiva porque a passagem foi paga pelo Estado, por meio dos privilégios que lhe concede por ser uma “representante do povo”. Todavia, o que deve nos chamar a atenção não é apenas a falta de pudor com o dinheiro dos outros, mas, também, a evidência de uma grande verdade: Líderes socialistas odeiam pobre, têm nojo de pobre.

Se o socialismo é o sistema de espoliação legal dos esforços privados, seus líderes são vagabundos que se utilizam desse sistema para terem acesso aos luxos que apenas os maiores empresários usufruem − e um dos maiores luxos que uma pessoa pode se dar é o de ser tratada de modo especial.

Os socialistas se anunciam como os porta-vozes da ética e da coerência, pessoas avessas aos luxos promovidos pelo sistema capitalista – por que, segundo os próprios, todo luxo se sustenta sobre a pobreza de alguém – mas nos basta olhar o cotidiano de todo personagem da esquerda que ocupa uma cadeira no parlamento ou na direção de órgãos ou em empresas estatais para comprovarmos o contrário. Todos, assim que têm a oportunidade, chafurdam na lama capitalista. As caríssimas bolsas da presidente de república, os tratamentos médicos dos seus “companheiros” nos hospitais privados mais caros do país, a exigência de Lula de só viajar em avião executivo, o deputado que paga 450 reais num corte de cabelo, a turma toda que faz questão de se hospedar nos melhores hotéis e comer nos melhores restaurantes… Todos fazendo jus ao termo esquerda caviar criado por Rodrigo Constantino – e que ninguém se esqueça de que todos os atuais líderes socialistas, sem exceção, construíram carreira incitando o ódio contra aqueles que ostentam o luxo.

O que o luxo socialista representa é o esforço de cada um de seus agentes em manter uma vida privada distante do pobre, distante daqueles que os sustentam não apenas com impostos, mas com esperança.

Dilma prefere bolsas caras, de marcas estrangeiras, porque isso lhe diferencia de suas eleitoras. A guerrilheira também quer se sentir chique, fina, burguesíssima… Martha Suplicy Style! Lula exige aviões executivos porque não quer se submeter a filas de embargue ou aos banheiros dos aeroportos, nem sentar-se ao lado de um cidadão qualquer, principalmente nesses tempos em que até pobre voa de avião e xinga políticos de ladrão. Jandira pensou como Lula quando mandou reservar seu voo. Todos eles pensam como Lula. Todos tentam cotidianamente ter uma ascensão financeira semelhante à de Lula.  Mesmo se o SUS oferecesse um serviço de melhor qualidade, nenhum líder socialista se submeteria a ele por uma simples razão: É lá onde estão os pobres! Mesmo os líderes que vieram das comunidades mais pobres, assim que conquistam um cargo no governo ou no parlamento mudam radicalmente de critérios não apenas em relação ao tratamento da saúde, mas também em relação ao conforto e ao paladar. Do churrasco no sindicato ao Fasano! De uma hora para outra, passam a amar tudo o que repudiavam: o caro e o exclusivo. Mudam também os critérios sobre renda. Os mesmos que em seus tempos de rua davam faniquito por causa da baixa renda do cidadão assalariado, principalmente em relação aos rendimentos dos políticos, assim que assumem seus cargos passam a achar não apenas normal, mas também justo os rendimentos de parlamentares e de funcionários do alto escalão do governo, cujos salários somados a benefícios sempre estão na casa das dezenas de milhares de reais, vinte, trinta, quarenta, cinquenta vezes superiores ao salário mínimo estabelecido pelo governo.

Jandira Feghali, por ser uma representante do proletariado, poderia ter aberto seu restaurante mais próximo do povo, na baixada fluminense, gerando emprego numa comunidade pobre, oferecendo a esta seus INCRÍVEIS quibes recheados de boas intenções socialistas, mas preferiu um shopping em Copacabana, entre burgueses locais e turistas estrangeiros.

Qual cidadão comum, mesmo tendo um bom salário ou que seja dono de uma pequena empresa, se dá ao luxo de pagar 450 reais num corte de cabelo? Nenhum, mas um certo político socialista carioca não é um cidadão qualquer. Já foi. Ele até já tomou uma cerveja com o autor que assina esse texto! Mas sua vida mudou… Hoje, ele e seus companheiros estão financeira e legalmente acima da maioria dos brasileiros, precisam de privacidade, precisam de um atendimento à altura de suas “responsabilidades sociais”, não podem se submeter a ambientes infestados de pobres. Precisam de tranquilidade para terem novas ideias de como roubar a sociedade sem que sejam percebidos como ladrões.

Empresários e políticos utilizam-se das massas para usufruírem do luxo, mas há uma grande diferença entre os dois grupos: o primeiro assume sua condição de vendedor ou de prestador de serviço visando o lucro, enquanto o segundo insiste em se dizer um herói altruísta que trabalha em função dos mais pobres, nunca em benefício próprio. Não por acaso, são esses pseudo-altruístas que dizem desejar um Brasil com o mesmo padrão de vida da Suécia, aquele país onde um deputado ganha apenas 50% a mais do que ganha um professor da rede pública. Será mesmo que os socialistas desejam que o Brasil se torne uma Suécia tropical? Os socialistas brasileiros poderiam comprovar o altruísmo ao qual se atribuem distribuindo seus próprios salários entre todos aqueles que lhes servem, nivelando seus rendimentos aos deles; e preferir, sempre, frequentar os mesmos ambientes frequentados pela classe trabalhadora, alimentando-se das mesmas gororobas, hospedando-se em hotéis baratos ou na casa de seus eleitores, usando roupas e relógios comprados em lojas populares.


A verdade: Perseguir o luxo, desejar ambientes e tratamentos exclusivos é um direito de cada indivíduo, mas esse direito se torna uma grande hipocrisia quando não é assumida sua intenção e um crime quando é feito à custa do dinheiro dos outros.

domingo, 17 de maio de 2015

Leandro Demori: Um trem para Bangladânia

O Brasil queria ligar suas duas maiores cidades com um trem-bala. Uma obra de bilhões de dólares para ser inaugurada até a Copa do Mundo. Um empresário italiano acusado de fraude e um político brasileiro se apresentaram como solução, encenando uma peça de mistérios até hoje indecifrados.

Um dos homens apontou o dedo para a ferrovia como se indicasse a estrada para o futuro. A ligação entre Milão e Turim ainda estava em obras quando Moreno Gori — italiano parcialmente careca, de queixo retangular e boca retilínea — garantia que sua empresa, a Itaplan, tinha experiência de mais de 25 anos no setor de transporte ferroviário, especialmente de alta velocidade. A ferrovia diante dele seria apenas uma parte daquele extenso currículo empresarial.

Com o braço estendido, o diretor da Italplan explica ao homem a seu lado que seria possível construir uma ferrovia como aquela no Brasil, ligando São Paulo e Rio de Janeiro. José Francisco das Neves é conhecido como Juquinha. Em todas as fotos, com todos os políticos e autoridades, cercado por todos os papagaios de pirata da vida pública brasileira, Juquinha surge como o mais baixinho de todos. Ele é o presidente da estatal Valec, empresa subordinada ao Ministérios dos Transportes encarregada de “coordenar, controlar, fiscalizar e administrar” a construção de ferrovias no Brasil, entre elas a que seria a joia do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: o trem de alta velocidade entre Rio de Janeiro e São Paulo.

Gori e Juquinha haviam jantado juntos em Milão na noite anterior, 26 de outubro de 2004, e agora admiravam os dormentes da ferrovia Milão-Turim — que seria inaugurada pelo premier Silvio Berlusconi cinco anos depois. No Brasil, décadas de sonhos e projetos inacabados chegariam ao fim pelas mãos daqueles dois homens e graças à experiente Italplan. O país finalmente teria seu trem-bala.

O vexame húngaro
O trem de alta velocidade é um sonho antigo dos governos brasileiros. Sobre estradas de terra e asfalto, os 500 quilômetros entre as duas maiores cidades do país são perigosos e engarrafados. De avião, o voo de 40 minutos é caro. Por um breve período, no entanto, o sonho se materializou. Folhetos distribuídos aos passageiros que partiram às 17 horas do dia 11 de março de 1974 da Estação da Luz, em São Paulo, garantiam que os vagões da composição húngara da empresa Ganz-Mávag chegariam à Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em apenas quatro horas e meia. Alta velocidade sobre trilhos, para os padrões da época.

Aqueles trens haviam sido negociados pelo governo brasileiro em troca de uma de suas moedas correntes desde o Império: café. A linha Rio-São Paulo recebeu seis composições, embarcadas da Europa depois de serem fabricadas na Hungria. A tecnologia foi celebrada na imprensa — desde o desembarque dos vagões no porto do Rio de Janeiro, em 1973, até as viagens inaugurais no ano seguinte, aproveitando a velha estrada de ferro com trechos inaugurados por Dom Pedro 2º. Anúncios publicitários convidavam os cidadãos a deixar de lado os momentos de tensão ao volante em troca de “minutos de relax” a bordo dos Ganz-Mávag. Os carros eram, de fato, seguros e confortáveis, mas se mostraram uma bomba mecânica em poucas viagens. O sistema de tração era fraco para as subidas íngremes, sobretudo entre Japeri e Barra do Piraí, uma serra inclemente aos trens projetados para deslizar nas planícies magiares. As rodas patinavam, os motores esquentavam, e a composição precisava parar no meio do caminho. Apesar de ser fabricado na Hungria, o trem-bala tinha motor alemão, controles suíços e freios italianos — problemas multinacionais na hora de repor peças em um mundo ainda não globalizado. Quatro anos após a inauguração, deixou de circular. Em 1978, os trens foram deslocados para linhas menos exigentes e, anos depois, viraram sucata.

O governo decidiu buscar um substituto. Ainda em 1978, o então ministro Dyrceu Nogueira anunciou uma viagem ao Japão para conhecer o primeiro trem-bala do mundo. O veículo japonês havia sido inaugurado em 1964, mesmo ano em que os militares assumiam o poder no Brasil. Nogueira era comandante do 1º Batalhão Ferroviário e tinha predileção pelo tema. A visita, que selaria um pacto feito pelo presidente Ernesto Geisel em viagem ao Oriente dois anos antes, foi duramente atacada em um discurso do deputado Pacheco Chaves (MDB): ele citava a penúria dos cofres públicos em contraste à megalomania do projeto. “O presidente Geisel não deve permitir. Isso apenas redundaria em novas e graves dificuldades para o futuro governo, cuja herança já é assustadora!”, gritou Chaves da tribuna da Câmara dos Deputados na sessão do dia 23 de agosto.

Chaves foi ignorado, e o trem-bala ganhou impulso. O projeto foi levado à imprensa dezenas de vezes, apresentado como a porta de entrada do Brasil na modernidade. Reportagens de página inteira mostravam a capacidade de carga dos vagões, a velocidade dos motores, o conforto e a sofisticação das cabines. Anúncios de agências de viagem nos pés-de-página vendiam pacotes turísticos para brasileiros que quisessem conhecer o Japão e andar no trem oriental.

O esforço do ministro Dyrceu Nogueira foi em vão. Nos anos seguintes, japoneses, espanhois e franceses tentariam negociar com o Brasil a instalação da linha rápida, oferecendo tecnologia e crédito, mas as condições financeiras do país eram assustadoras aos estrangeiros.

Morte prematura de presidente, inflação descontrolada, dívida externa impagável, impeachment e secura financeira seriam problemas mais prementes ao Brasil da segunda metade do século 20 do que ligar suas duas principais cidades por trilhos. “Bangladânia, meio Bangladesh meio Albânia, é a Terra Não Prometida para a qual alguns constituintes estão querendo arrastar 130 milhões de brasileiros”, escreveu Mário Henrique Simonsen, banqueiro e ex-ministro de governos militares, no artigo O trem-bala para Bangladânia, publicado em 1987 no jornal O Globo. Simonsen criticava a sanha dos políticos em querer resolver contingências do capitalismo na base do canetaço, o que poderia levar o país para uma terra sombria, a Bangladânia, e batizou o artigo fazendo alegoria a mais uma tentativa do governo em construir o trem — projeto abandonado no mesmo ano.

Poucos anos depois, em 1990, no entanto, uma das oportunidades mais concretas para o projeto aportou na Baía de Guanabara a bordo do Le Pharaon, um iate de 60 metros capaz de acomodar 12 convidados e 11 tripulantes. Na ponte de comando estava o bilionário saudita Ghaith Pharaon, educado no Ocidente com dinheiro do reino, acionista de um banco de investimentos e sócio da família Bush em uma empresa de geração de energia.

Ghaith era ciceroneado no Brasil pelo empresário carioca Arthur Falk, um dos milionários mais proeminentes e midiáticos dos anos 1990. Falk era dono de um empreendimento financeiro que chegou a movimentar R$ 400 milhões por ano: a loteria Papatudo. Tendo como garotos-propaganda os astros da TV brasileira da época — Faustão, Xuxa, Chico Anysio — o Papatudo pagava prêmios aos acertadores, ou devolvia parte do dinheiro da compra dos bilhetes no final de cada ano. Os títulos de capitalização se tornaram populares em todo o Brasil, distribuindo riqueza aos poucos sortudos e algumas ambulâncias a hospitais de caridade. A imagem pública de Falk e seu amigo bilionário saudita pareciam o par perfeito para um projeto megalômano como o alta-velocidade.

A bordo do Le Pharaon, Falk e Ghaith aportavam em Angra dos Reis para festas e reuniões. A ideia da dupla era convencer investidores locais a bancar o trem, trocando títulos da dívida externa brasileira por investimentos na linha. O projeto parecia agradar a opinião pública ao prometer não tocar em dinheiro estatal. Em troca, a empresa Trem de Alta Velocidade S.A., na qual o saudita era apontado como um dos sócios, teria a concessão da ferrovia por 90 anos, decidindo livremente o preço da tarifa.

Arthur Falk ainda sonhava com o trem-bala quando o Papatudo derreteu, em meados dos anos 90.
O Papatudo deixou para trás milhões em dívidas, e uma complexa massa falida que ainda perambula pelos tribunais como um fantasma arrastando correntes. O amigo saudita de Falk também enfrentaria mares revoltos na ponte de comando. Ghaith Pharaon foi apontado, em investigações posteriores ao atentado de 11 de Setembro, como parceiro da família Bin Laden em “bancos, holdings, fundações e projetos de caridade”. Pharaon seria procurado pelo FBI por quase duas décadas e acusado pelo parlamento francês de ser um dos financiadores do terrorismo. Caçado pelas autoridades americanas, o magnata quase foi preso em 2006, quando seu barco foi visto ancorado em uma ilha perto da Sicília. O saudita conseguiu escapar do FBI e da polícia italiana, tomando o rumo da Argélia. Seu nome não consta mais na lista de procurados pelos EUA, mas Gaith vive boa parte do tempo a bordo do Le Pharaon, em território neutro.

O projeto italiano
O trem-bala parecia destinado a ser uma eterna miragem até 2003, quando José Francisco das Neves foi nomeado presidente da Valec, empresa criada em 1972 pela então estatal Vale do Rio Doce em sociedade com a companhia americana USS Engineers and Consultants para projetar e viabilizar uma ferrovia para escoar o minério da mina de Carajás, recém-descoberta pelos americanos. Nos anos 80, o governo assumiu o controle total da Valec.

Nos meses seguintes a sua posse, Juquinha mergulhou no projeto, com apoio do alto escalão do novo governo. Em um ano, ele havia feito contato com diversas empresas interessadas em investir na obra. O presidente recém-eleito Luiz Inácio Lula da Silva via o empreendimento com o mesmo brilho dos seus antecessores: um sinal inegável de riqueza, tecnologia e futuro. Um cartão de visitas do país no exterior.

Em 24 de junho de 2004, uma portaria assinada pelo ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, criou um Grupo de Trabalho liderado pela Valec. O Grupo deveria analisar e escolher o estudo de viabilidade que orientaria uma futura licitação do trem-bala, onde seria apontada a construtora encarregada pela obra. Era uma espécie de manual de instruções que mostraria, por exemplo, quantos passageiros seriam transportados por ano, qual seria o custo da passagem, por quais adequações a ferrovia já existente deveria passar para receber trens velozes, onde seriam as paradas, onde haveria túneis e quanto deveria ser o orçamento total do empreendimento — dos pregos aos vagões.

A Italplan de Moreno Gori havia se adiantado. Desde o início de 2004, antes de existir Grupo de Trabalho, a empresa já levantava informações para o empreendimento bilionário. “Soubemos do projeto do trem-bala através de contatos locais”, me escreveu Roberta Peccini, atual presidente da Italplan, Engineering, Environment & Transports S.p.A. Ao final da chamada pública, três estudos chegaram ao Grupo.


TRANSCORR RSC
Desenvolvido sob a coordenação do GEIPOT, uma empresa em liquidação vinculada ao Ministério do Trabalho, com recursos do banco de desenvolvimento alemão KFW. Os estudos da Transcorr eram antigos: haviam sido feitos entre 1997 e 1999.

SIEMENS / ODEBRECHT / INTERGLOBAL
Consórcio formado pela alemã Siemens e pelas brasileiras Odebrecht e Interglobal, com experiência alemã. Foi apresentado ao Grupo de Trabalho em outubro de 2004.

ITALPLAN
Desenvolvido pela empresa Italplan Engineering Environment & Transports SRL, com conhecimento italiano. Apresentado ao Grupo de Trabalho em setembro de 2004.

O Grupo de Trabalho deveria analisar os estudos em seis meses. Nesse meio tempo, sentado na poltrona 2C do voo RG-8734, da Varig, Juquinha voou para Milão no dia 25 de outubro de 2004, às 23h45, para se encontrar com Moreno Gori e vistoriar as obras da ferrovia Milão-Turim. Ele deveria ter viajado à Alemanha no dia 28 para conhecer um trem eletromagnético, mas adiou a partida em três dias: preferiu ficar na Itália. Sua agenda nesses três dias é uma incógnita, não registrada pela Valec nos documentos oficias.

O prazo do Grupo de Trabalho para analisar as propostas foi prorrogado duas vezes até que, em abril de 2005, seis meses depois do tour milanês de Juquinha, um relatório caiu nas mãos do ministro Alfredo Nascimento. Assinado por membros da Secretaria de Gestão dos Programas de Transportes, Secretaria de Política Nacional de Transportes, Agência Nacional de Transportes Terrestres, Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, BNDES e Valec, o texto dizia que o estudo da Transcorr — iniciado oito anos antes — era “da mais alta credibilidade e serve de referência para as análises das alternativas de projetos a serem avaliados pelo GT”. O texto eliminava a Transcorr, mas utilizava seu material como parâmetro para declarar quem seria o vencedor.

O estudo Siemens/Odebrecht/Interglobal indicava a obra mais barata entre os concorrentes e o menor tempo de construção. Enquanto a Transcorr estimava um custo de US$ 7,2 bilhões e sete anos de obras, o consórcio Siemens/Odebrecht/Interglobal previa gastos de US$ 6,3 bilhões, em seis anos. Mas a proposta alemã-brasileira foi eliminada porque previa que US$ 5 bilhões, 80% do investimento, fossem pago com dinheiro público. Brasília queria que saísse tudo do bolso da iniciativa privada.

No estudo da Italplan, as obras levariam sete anos e custariam bem mais, US$ 9 bilhões. Os técnicos italianos, no entanto, ofereciam uma alternativa irresistível: nem um centavo sairia da caixa-forte do Planalto. Num sistema de concessão 100% privado, o trem-bala previsto pela Italplan teria uma passagem muito mais barata do que o tíquete previsto pelos concorrentes: US$ 39, contra US$ 77 da Siemens/Odebrecht/Interglobal e US$ 81 da Transcorr.

Negligenciada pelos outros estudos, a geração de tributos ao país foi estimada pela Italplan. Era uma monstruosidade: US$ 73,7 bilhões durante os 35 anos em que a concessão administraria a linha — mais de US$ 2 bilhões ao ano.


Citando a Italplan como “uma empresa de engenharia com grande experiência no setor de transporte de alta velocidade, tendo o próprio pessoal contribuído para o desenvolvimento do trem-bala italiano”, o relatório foi definitivo: “o Grupo de Trabalho recomenda ao Sr. Ministro dos Transportes implementar as medidas institucionais necessárias à implantação de uma ligação ferroviária para transporte de passageiros por trem de alta velocidade entre as cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, considerando como referência a modelagem técnica e financeira concebida no Projeto Italplan, para efeito do processo de licitação pública de concessão”.

Pequenos e desconhecidos perto dos gigantes que brigavam pelo projeto, os italianos venceram. Agora, esperavam pelo lançamento do edital, elaborado com base em seu estudo de viabilidade, que apontaria a empreiteira responsável pela construção da ferrovia.
Ainda havia trabalho pela frente. O estudo aprovado pelo Ministério dos Transportes era uma espécie de prévia do que deveria ser o estudo de viabilidade completo. Para que a licitação fosse lançada e a empreiteira escolhida, era necessário um levantamento mais aprofundado e detalhado por parte da Italplan. “Eles trouxeram gente pro Brasil, técnicos, engenheiros. Ficaram dois anos indo e vindo, investiram. Eu mesmo montei um escritório pra eles em Brasília”, me contou Ary Raghiant Neto, advogado e ex-juiz do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso do Sul. Ary conhecia Moreno Gori ao menos desde 2002, quando, como advogado, foi procurador de dois estrangeiros em uma empresa chamada Alfred Klotz do Brasil, da qual Gori era sócio — em 2003, a companhia foi autorizada pela Agência Nacional de Energia Elétrica a construir duas usinas termoelétricas no Mato Grosso do Sul.

Todo mês a Italplan mandava representantes ao Brasil para aprimorar o estudo comissionado pela Valec, garante Roberta Peccini. Seus demais funcionários, 74 pessoas, segundo ela, trabalhavam da Itália. Para calcular o impacto ambiental, Roberta Peccini disse que a Italplan contratou “uma empresa especializada brasileira”, sem especificar qual. Para estimar quantos passageiros usariam o trem, a presidente da Italplan garantiu que se valeu de “50 consultores locais, coordenados pelo nosso próprio pessoal no Brasil, que fizeram entrevistas domiciliares com mais de 15 mil pessoas entre Rio de Janeiro e São Paulo”. Após as entrevistas, a empresa concluiu que a demanda anual para o trem seria, em 2011, de 32 milhões de passageiros — mais do que o quádruplo do que esperavam Siemens/Odebrecht/Interglobal, que estimavam menos de 7 milhões por ano.

Enquanto seus técnicos trabalhavam para transformar o estudo de viabilidade em um projeto aprovado por órgãos como IPHAN e IBAMA, a Italplan se movia na arena política. Roberta Peccini participou de reuniões e apresentações no Brasil, mas o rosto da empresa era Moreno Gori.

“Fiquei surpreso quando um dos sócios que viajou com ele pelo Brasil voltou à Itália e me contou sobre a facilidade com que ele transitava pelo meio político brasileiro”, acrescentou a fonte. Apresentado como diretor-técnico da Italplan, Moreno Gori foi recebido pelo então ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, em seu gabinete no Ministério. A reunião aconteceu em 3 de outubro de 2006. Além de Gori e alguns burocratas, estavam presentes Juquinha e Alberto Bernini, sócio de Gori na Alfred Klotz do Brasil e vice-presidente da Italplan. O encontro durou cerca de uma hora. “Os representantes da Italplan fizeram uma apresentação sobre o estudo que eles tinham desenvolvido para o trem de alta velocidade no Brasil. Eu conheci o Moreno Gori naquele dia”, me disse o então embaixador da Itália no Brasil, Michele Valensise, um dos presentes.

Juquinha também fazia a sua parte. O presidente da Valec não perdia um microfone para falar do trem. Segundo declarou à Agência Brasil em 2007, italianos, japoneses, coreanos, franceses e brasileiros estavam interessados em construir a linha. O governo, se orgulhava ele, não gastaria um centavo. “Nós não temos risco nenhum”, afirmou. O trem-bala estava chegando.

Laranja madura
Após reuniões com Valec e Italplan, o Tribunal de Contas da União (TCU) verificou os números de um arquivo enviado por e-mail chamado Analisi Finanziaria.xls. Era a planilha financeira montada pela Italplan e tida por ela e pela Valec como o cálculo oficial para as operações do trem. Técnicos do TCU estudaram as tabelas por meses e, ao fim, constataram problemas: “erro no cálculo da despesa com energia elétrica”, “utilização incorreta da alíquota do PIS/Cofins”, “exclusão da CSLL da base de cálculo do Imposto de Renda”. Diante das incongruências, o tribunal enviou uma diligência à Valec em busca de respostas.

A estatal se comprometeu em corrigir o documento e o remeteu novamente ao TCU. Técnicos abriram o arquivo e destrincharam o projeto outra vez. Dezenas de falhas foram apontadas. Ainda assim, o estudo foi aprovado com ressalvas em abril de 2007.

As ressalvas viraram nota de rodapé na imprensa, onde o projeto ganhava força como aprovado. Mas um consultor legislativo da Câmara dos Deputados trabalhava em silêncio. Eduardo Fernandez Silva é mestre em economia e conhece bem projetos de engenharia financeira como os da Italplan. Em dezembro de 2007, Fernandez pôs o ponto final em um estudo que começava com a citação de um samba de 1966 cantado por Ataulfo Alves.

O relatório analisou os concorrentes ao estudo de viabilidade e se ateve especialmente ao vencedor Italplan. Fernandez desossou os números como um açougueiro. Após 25 páginas, o consultor abriu suas conclusões. “A viabilidade da implantação do Trem de Alta Velocidade ligando Rio de Janeiro a São Paulo depende da ocorrência de hipóteses altamente improváveis, e as afirmações em que se baseia a conclusão oposta são frágeis”.

Um dos principais problemas era a demanda de passageiros prevista no estudo, estimada em 32,6 milhões por ano pela Italplan. “Em 2006, o número total de viajantes entre Rio de Janeiro e São Paulo, por ônibus, automóvel e avião, foi de 8,4 milhões”, calculou Fernandez. “Para que a previsão adotada ocorra será necessário que todos os viajantes da ponte aérea Rio-São Paulo em 2006 optem pelo trem, e que se somem a eles o total de viajantes por ônibus que chegaram ou saíram das cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro com origem ou destino a todas as cidades de todos os estados brasileiros, e países vizinhos”, acrescentou o consultor. Como o número de passageiros estimado afeta a tarifa, Fernandez também viu inconsistências no preço dos bilhetes proposto pelos italianos, 49% mais barato do que o tíquete apurado pelo consórcio da Siemens. “Para atingir o valor previsto será necessário, ainda, que os viajantes optem sempre pelo trem e o seu número cresça, a partir de 2006, à taxa superior a 10% ao ano. As projeções da Italplan não são realistas e não existe a hipótese de elas virem a se realizar”, escreveu.

Sobre os bilhões de impostos que seriam gerados: “carece de credibilidade: não há memória de cálculo e, no resto do mundo, os trens-bala são subsidiados. Os relatórios não dizem uma palavra sequer sobre porque no Brasil será diferente”.

O prazo de construção também foi criticado. “A Itália demorou 22 anos para implantar a sua primeira linha de trem rápido e prevê, hoje, melhorias em linhas férreas existentes — de forma a adequá-las ao trem rápido — ao custo de 28,8 milhões de euros por quilômetro. O Grupo de Trabalho aceitou a informação de que o trem-bala brasileiro seria implantado em apenas sete anos. Aceitou também que a sua implantação — a partir do zero –, custaria menos de 15 milhões de euros por quilômetro”, escreveu Fernandez. “As razões pelas quais se espera que os brasileiros sejam tão mais eficientes que os italianos não foram explicitadas”.

Com tantos problemas no projeto, o consultor passou a questionar a alegada “larga experiência em trens de alta velocidade” da Italplan. “A alegação não se sustenta. A empresa responsável pelo projeto escolhido pelo Grupo de Trabalho mostra, em seu sítio da internet, apenas um projeto de trem de alta velocidade executado sob sua responsabilidade, exatamente o Rio de Janeiro — São Paulo”.

Para esta reportagem, eu entrei em contato com a Salini-Impregilo, empresa que liderou o consórcio que construiu a ferrovia Milão-Turim, a mesma que Gori e Juquinha visitaram em 2004. A companhia garantiu que não consta o nome da Italplan entre as empresas membros do consórcio.
É possível que a Italplan tenha participado de alguma fase que precedeu a obra? Sim. Mas a Salini-Impregilo disse ter consultado quem tocou diretamente o projeto e ninguém se lembra dela.

Eu também conversei com três engenheiros que trabalharam na ferrovia Milão-Turim. A amnésia persiste: nenhum dos três se recorda da Italplan. Um deles disse que “jamais ouviu falar em Italplan ou em qualquer nome ligado à empresa”.

Por e-mail, Roberta Peccini, presidente da Italplan, me garantiu que o staff da empresa “participou do projeto e da direção dos trabalhos da ferrovia Milão-Turim, assim como da ferrovia Roma-Florença”. Eu pedi que Peccini me indicasse ao menos dois funcionários da empresa que tivessem trabalhado em alguma das obras para que pudesse conversar com eles. Não obtive resposta.

E disse isso por escrito, em texto aprovado pela Valec: “Deve-se firmar como conceito que os números de demanda, de investimento e dos resultados financeiros apresentados nos estudos são apenas indicativos, e não metas a serem atingidas pelos potenciais interessados”. Fernandez ainda afirma: “a Valec informou — também verbalmente — que nenhuma garantia foi solicitada à Italplan, muito menos oferecida por ela, com relação à coerência, consistência e realismo de seu trabalho”.

Durante o namoro entre Valec e Italplan jamais se falou em dinheiro, ao menos publicamente. Quanto custaria o serviço dos técnicos italianos, trabalho que começara, ao menos, em 2004? A resposta estava no relatório aprovado pelo Grupo de Trabalho, aceito pelo ministro dos Transportes e analisado pelo consultor Eduardo Fernandez. “A Italplan se tornará, após o processo licitatório, detentora do direito de ser ressarcida pelo custo de desenvolvimento do projeto, cujo valor será objeto de deliberação posterior”.

Os italianos tinham nas mãos um cheque em branco.

Uma montanha de lixo
No mesmo ano em que as avaliações do TCU e de Fernandez foram divulgadas, o Brasil vivia um clima de euforia. Em 30 de outubro de 2007, o presidente da FIFA, Joseph Blatter, passou às mãos de Lula a taça da Copa do Mundo em uma cerimônia na Suíça. O Brasil havia sido formalmente escolhido para receber o evento, cumprindo um desejo de décadas para reeditar o Mundial de 1950. Diante de uma plateia de celebridades, emocionado, o presidente brasileiro declarou: “o mundo terá a oportunidade de ver o que nosso povo é capaz de fazer”.

A Copa reacendeu esperanças. Planos engavetados por décadas começaram a pular das gavetas dos ministérios. O trem-bala, símbolo do novo Brasil, ganhou propulsão de motores no máximo. Projetos ambiciosos como aquele precisavam ser inaugurados antes da Copa. O país não queria dar vexame.

A Italplan ainda buscava os acertos finais do projeto junto aos órgãos brasileiros quando Moreno Gori se dirigiu ao microfone da Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados em Brasília. Eram cerca de 16 horas do dia 17 de junho de 2008. Diante dele, uma plateia que, naquele dia, não falaria uma linha sobre os relatórios de Eduardo Fernandez e do Tribunal de Contas da União. Eram deputados de vários partidos, além de executivos de empresas interessadas na licitação que o governo previa lançar no ano seguinte — entre elas, Alstom e Siemens, além de Giovanni Rocca, representante da Ferrovie Dello Stato, a empresa estatal que controla os trens na Itália.

Gori não tremia diante de plateias de engravatados.
Ele tinha experiência em negociações envolvendo políticos.

Em 1999, Moreno se apresentou na prefeitura de Campo Grande com uma solução para um problema crônico. O aterro sanitário da capital do Mato Grosso do Sul entrara em operação em 1992 com previsão de vida útil de quatro anos. Quase uma década depois, ainda recebia lixo. A situação beirava à catástrofe para o prefeito André Puccinelli, concorrente à reeleição no ano seguinte. Puccinelli, um italiano nascido na Toscana que emigrara para o Brasil ainda criança, decidiu transformar lixo em votos. Em abril de 1999, ele assinou com a empresa Consórcio Energético Ambiental de Campo Grande (Cenagran) um contrato de compra de energia elétrica no valor anual de R$ 7 milhões, pagos pela prefeitura. A energia viria de uma usina termoelétrica que deveria queimar 400 toneladas de lixo por dia, aliviando o aterro. Moreno Gori era o presidente do consórcio, o homem que transformaria um desastre ambiental em solução ecológica.

Não levou um mês para que um dos vereadores da oposição passasse documentos reveladores à imprensa: o contrato entre a prefeitura e o consórcio fora assinado sem licitação. A Polícia Federal entrou no caso e desconfiou de tudo. Investigou o consórcio e as duas empresas por trás dele: a italiana STR Engineering e a Seaton do Brasil. A polícia levantou a hipótese de que a Seaton, fundada apenas um ano antes da assinatura do contrato, não tinha tecnologia exclusiva para o serviço que a prefeitura demandava — condição que poderia justificar a dispensa de licitação.

Os investigadores focaram em Gori, conhecido de André Puccinelli desde quando o político era deputado federal, eleito em 1994. Em eventos sociais, o amigo italiano do prefeito era apresentado como “representante de Campo Grande junto à Comunidade Europeia”. Seu nome era conhecido, por isso os policiais estranharam quando encontraram duas identidades brasileiras junto à documentação do consórcio — uma delas tinha foto e assinatura de Moreno.

Neles, o presidente do consórcio que faturaria R$ 7 milhões de dinheiro público todos os anos havia mudado seu local de nascimento para o Brasil. Outros documentos também haviam sido adulterados, segundo os investigadores. Em um deles, o Gori citou a profissão de biólogo, apesar de ser engenheiro civil; em outro, declarou um depósito de R$ 1 milhão no Banco do Brasil, dinheiro que garantia que o consórcio tinha caixa para funcionar. O dinheiro jamais existiu: o comprovante, sustentaram os investigadores, era também falso. O contrato entre a prefeitura e o Cenagran era uma bomba prestes a explodir: tinha vigência de 30 anos e multa de R$ 208 milhões em caso de quebra de acordo. O caso ficou conhecido como “Lixogate”.

André Puccinelli desfez a parceria, mas teve que enfrentar um processo judicial. Os papéis andaram pelos tribunais até 2006, quando a Justiça determinou a quebra de sigilo bancário de Moreno Gori. Enquanto isso, o italiano circulou por gabinetes requisitados de Brasília, se reuniu com ministros de primeira linha, conversou com embaixadores e deputados, teve seu nome submetido a órgãos de controle e financiamento e agora estava ali, diante de um microfone, na Câmara dos Deputados, vendendo ao Brasil um projeto bilionário.

A palestra de Moreno Gori aos deputados em 17 de junho de 2008 foi antecedida por uma notícia nada banal. Um mês antes de apresentar o projeto da Italplan aos políticos, a história do Lixogate foi relembrada por um jornal. No dia 19 de maio, o Correio do Estado, de Campo Grande, publicou uma nota intitulada Autor do Lixogate vende trem-bala ao governo. Nela, o jornal dava o nome de Moreno Gori e mencionava seu envolvimento com o escândalo. O homem que os deputados ouviriam na sessão da Câmara no mês seguinte era considerado um falsário pela polícia e pelo Ministério Público Federal, relembrava a reportagem.

A nota do Correio repercutiu na imprensa especializada e pôs a Italplan em alerta. Roberta Peccini mandou uma carta para a Revista Ferroviária na qual negava que Moreno Gori fosse vinculado à companhia.

Uma ligação entre ele e a empresa poderia comprometer todo o trabalho dos italianos. Afinal, Gori era mesmo apenas um freelancer da Italplan no Brasil?

Roberta Peccini, presidente da Italplan, é dona de 7,79%. Eu conversei com outro sócio da Italplan, que não quer ter seu nome divulgado. Segundo ele, tudo se liga a Moreno Gori. “Ele fundou a Italplan em 2002, ele tinha os contatos no Brasil, ele que se encontrava com o Juquinha, inclusive na sede da Italplan em Terranuova Bracciolini, na Toscana. Nós ficávamos sabendo de tudo o que acontecia sobre o trem-bala brasileiro através dele”, me disse a fonte.

“Muito boa tarde! Cumprimento as autoridades presentes e os senhores deputados”, exaltou um animado Gori na palestra no Congresso, usando um português com sotaque indefectível. “Somos uma empresa diferente daquelas apresentadas até agora. Não vamos apresentar uma tecnologia. Somos uma empresa de engenharia. Somos uma empresa que tem experiência de mais de 25 anos no setor do transporte ferroviário, especialmente de alta velocidade. O nosso pessoal desenvolveu o projeto do trem de alta velocidade italiano no trecho Roma-Florença e, recentemente, no trecho Bolonha-Milão.” Gori tomou ar enquanto mostrava alguns slides com imagens de trens, trilhos e croquis de áreas revitalizadas nos centros decadentes das duas maiores metrópoles brasileiras. “Chamamos o nosso projeto de Trem Bala Brasileiro, o famoso TBB. O comprimento da linha é de 403 quilômetros; possíveis três paradas futuras; uma possível interconexão do trem com o aeroporto de Guarulhos, além dos aeroportos de Campinas e do Rio de Janeiro; uma velocidade máxima permitida acima de 320 quilômetros por hora; uma velocidade comercial de 285 quilômetros; tempo de viagem de 85 minutos.”

A explanação de Gori continuou por cerca de 30 minutos. O diretor da Italplan derramou estatísticas animadas sobre empregos, renda e cidadania e garantiu que a empresa havia “entrevistado 22 mil pessoas” e feito “6 mil perfurações de solo para achar todo o perfil geológico e geotécnico” da área onde a ferrovia seria implantada. Ao final, Gori deu o nome de todas as entidades que haviam lido e relido a documentação da Italplan ao longo dos anos, nomeou um a um os xerifes do tesouro brasileiro responsáveis por evitar fraudes e roubalheira. “O governo brasileiro aprovou nosso projeto por meio desta portaria de junho de 2005. Houve uma lei federal que incluía no Plano Nacional de Viação uma rede ferroviária brasileira. Esse é um histórico do projeto Italplan: apresentação ao Ministério dos Transportes; à ANTT; à então criada Comissão de Transportes, onde estava o BNDES; ao Ministério do Planejamento; à Valec e a todo o mundo. Apresentamos o anteprojeto. O Grupo de Trabalho adotou esse projeto da Italplan como referência. Foi feito requerimento ao IBAMA em junho de 2005. Foi feita a vistoria, como já havíamos dito, e fizemos o projeto básico, a pedido do governo brasileiro. Enfim, foi feita uma avaliação econômico-financeira, que foi aprovada pelo Tribunal de Contas da União. O projeto está pronto, pode ser eventualmente licitado.”

Era o fim de um ciclo que começara quatro anos antes. Os parâmetros iniciais da Italplan estavam confirmados por seu trabalho de campo, tornados públicos pela primeira vez a uma plateia de representantes do governo, políticos e empresários. O trem-bala brasileiro teria 412 km de trilhos, um carro a cada 15 minutos viajando a velocidade de 280 km/h, graças ao trabalho de, esperava-se, 140 mil pessoas envolvidas direta ou indiretamente na construção; e 32 milhões de passageiros atendidos no primeiro ano de operação, quase 60 milhões em 2021.

Diante de executivos e deputados, no coração político do Brasil, pressionada pelos prazos curtos que o governo impunha para inaugurar o trem antes da Copa do Mundo de 2014, a Italplan parecia carimbar enfim seu passaporte para a fortuna.

Três meses após Moreno Gori se apresentar diante dos deputados em Brasília, o presidente Lula assinou uma lei dando mais força à Valec. O decreto de 17 de setembro de 2008 instituiu mudanças na estatal já responsável pela malha ferroviária brasileira, deixando ainda mais claro que ela deveria “promover os estudos para implantação de Trens de Alta Velocidade, sob a coordenação do Ministério dos Transportes”.

Colônia de moscas
O decreto tinha pouco mais de dois meses quando Moreno Gori foi condenado em primeira instância a cinco anos de prisão em regime semi-aberto por uso de documentos falsos. Ele recorreu, e responde em liberdade.

As incongruências que rondavam o estudo da Italplan e a condenação de Moreno não abalaram o governo. Em junho de 2009, a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, garantiu que o trem-bala sairia. Dilma conhecia a Italplan: havia se encontrado com seus representantes na Embaixada do Brasil em Roma, em 2007, durante um evento para empresários italianos interessados em investir no projeto. O prazo dado pela ministra: antes da Copa. “Nosso projeto é que esteja integralmente pronto em 2014”, afirmou Dilma em Brasília durante o 7º balanço sobre o andamento das obras do PAC, programa no qual o trem era a grande estrela e uma das obras mais caras. Faltavam quatro anos para o primeiro jogo do Mundial no Brasil. Nem mesmo as previsões mais otimistas previam a construção em tão pouco tempo: os derrotados Interglobal/Siemens/Odebrecht estimavam uma obra de seis anos.

O Governo Federal começou 2010 disposto a tirar o projeto do papel. Em julho, o presidente Lula divulgou o edital de licitação da obra. O leilão que escolheria a construtora da linha deveria ocorrer em 16 de dezembro, às 11h, na sede da Bovespa, quando os interessados apresentariam suas propostas. Mesmo já admitindo a necessidade de uso de dinheiro público, o presidente não perderia a chance de comandar uma sessão de gala em plena Bolsa no ano em que a economia do Brasil cresceria 7,5%.

“Acho plenamente possível inaugurar até as Olimpíadas”, cravou Lula, dando um passo atrás e admitindo a impossibilidade de usufruir do trem-bala durante a Copa, jogando o prazo para os Jogos de 2016, no Rio. A seu modo, o presidente aproveitou para cutucar os críticos, comparando as dificuldades do trem brasileiro às dos idealizadores da Torre Eiffel: “a Torre deve ter enfrentado mais de cinco mil ações populares”, disse. E se irritou com a cobrança sobre o prazo inicial da obra brasileira, que deveria servir à Copa do Mundo.

Lula estava flanqueado pelo nova ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, que substituíra Dilma Rousseff, em campanha pela Presidência da República. Erenice declarou, confiante: “por que faremos o trem de alta velocidade? Porque podemos, porque estamos maduros, porque temos o comando firme do presidente da República”.

Um mês antes da data estipulada para a entrega dos envelopes, nuves densas de rumores se espalharam por Brasília: Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez — empresas interessadas na licitação — pressionavam o governo por um adiamento, apesar de um consórcio liderado por coreanos prometer uma proposta no dia combinado, com depósito de R$ 340 milhões como garantia. O presidente relutou até a noite de 24 de novembro, quando deu sinal para que assessores informassem a Agência Nacional de Transportes Terrestres sobre o adiamento do prazo.

O Planalto deu tempo às empresas até meados de 2011 acreditando que as coisas se ajustariam, mas a expectativa foi açoitada por uma tempestade impiedosa.

Ações do Ministério Público bloqueando a licitação, disputas políticas na Câmara pondo em xeque a prioridade dada à obra, outro estudo (desta vez de um consultor do Senado) confirmando as conclusões de Eduardo Fernandez e até boatos de que a base do governo era contra o projeto — isolando a presidente recém-eleita Dilma Rousseff, entusiasta do trem desde que era ministra da Casa Civil — jogaram a concorrência em um lamaçal. O episódio crucial foi encenado no começo de julho, quando o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, recebeu uma ordem de Dilma. A presidente foi dura: chamou o ministério comandado pelo Partido da República (PR) de “descontrolado” e exigiu que o ministro pusesse fim em uma era negra da pasta que, segundo edição da revista Veja que circulou em 2 de julho de 2011, cobrava “um pedágio de 4% sobre o valor dos pagamentos das empreiteiras”. Propina.

A espada de Nascimento decapitou as mais altas cabeças do ministério naquele mesmo dia, entre elas a do homem que há quase uma década reinava encastelado na Valec: Juquinha. Além dele, cairiam todos os membros da cúpula do Ministério dos Transportes, derrubados pelas denúncias. Três dias depois, o próprio ministro pediu demissão.

No dia 11 de julho, após a semana considerada de “faxina” no ministério, membros do governo roíam as unhas nos salões da Bovespa, centro de São Paulo. O relógio bateu 14h em ponto. Era o horário limite para as apresentação de propostas para o primeiro leilão do trem-bala.

Ninguém apareceu.

De joia do PAC, o trem passou à colônia de moscas.

De volta à Toscana
A Italplan continuava atuando nos bastidores mesmo após o fiasco. Vendo seu trabalho desmoralizado e com poucas chances de ser levado ao canteiro de obras, a companhia imprimiu uma fatura e mandou entregar na Valec, na esperança de receber pelos anos de parceria com a estatal. O valor não havia sido combinado previamente, e a Italplan preencheu o cheque como quis — pediu 261,7 milhões de euros ao Tesouro.

Enquanto esperavam, seus diretores evitavam a vida pública, buscando um acordo com a Valec para receber o que julgavam o custo do trabalho que tiveram no Brasil. A estatal não efetuou o depósito, e não se falou mais nos italianos até o começo de 2012, quando a Embaixada Brasileira em Roma foi surpreendida por uma notificação da Justiça local.

Na província de Arezzo, um juiz da comarca de Montevarchi — cidade de 22 mil habitantes no interior da Toscana, vizinha à sede da Italplan — determinava o congelamento das contas da embaixada no Banco do Brasil para pagamento de uma parcela de 15,7 milhões de euros à Italplan. Outras decisões judiciais, da mesma natureza, bloquearam igualmente as contas dos demais postos do Brasil na Itália: consulado-geral em Roma, representação permanente junto à FAO e consulado-geral em Milão. A decisão estremeceu o Palazzo Pamphilj, sede diplomática brasileira na capital italiana — ironicamente, um prédio adquirido em troca de café, assim como os trens húngaros dos anos 1970.

A disputa judicial levou Ruy Nogueira, secretário-geral do Itamaraty, a Roma. Nogueira é tido como um dos melhores negociadores do país. Na mala, levou argumentos da Advocacia Geral da União sobre erros processuais. Um deles: o Brasil havia sido indevidamente citado. Outro, mais grave: o juiz da província de Arezzo não teria competência jurídica para legislar sobre bens extraterritoriais como embaixadas e consulados. As contas do Brasil na Itália são protegidas por convenções claras sobre imunidade diplomática. O processo era, no mínimo, descuidado. A negociação avançou durante dois dias, entre 14 e 15 de março de 2012, durante encontros de Ruy Nogueira com o então ministro dos Negócios Estrangeiros da Itália, Giulio Terzi, e com o então secretário-geral da chancelaria italiana, Giampiero Massolo. As reuniões ocorreram na sede do ministério de Negócios Estrangeiros da Itália, em Roma. Ao fim, a Italplan não colocou as mãos no dinheiro.

Para defender a Valec, o governo brasileiro contratou o escritório de advocacia italiano Chiomenti, ao custo de R$ 1,26 milhão. Eu procurei a banca, que não quis dar entrevista.

Menos de dois meses após Ruy Nogueira voltar ao Brasil, a Polícia Federal bateu em uma casa luxuosa no condomínio Alphaville, em Goiânia. Naquele 5 de julho de 2012, a pessoa que os agentes buscavam era aquele mesmo senhor que em todas as fotos, com todos os políticos e autoridades, cercado por todos os papagaios de pirata da vida pública, sejam homens ou mulheres, é sempre o mais baixinho de todos.

Sem esboçar resistência, ele foi levado à sede da PF com as mãos livres de algemas. Usava uma camisa branca levemente desalinhada. Para os investigadores, Juquinha havia fraudado licitações da ferrovia Norte-Sul, outra estrada de ferro administrada pela Valec. Dono de um patrimônio de R$ 560 mil, declarado em 1998, Juquinha tinha bens avaliados em R$ 60 milhões no momento da prisão. “É um dinheiro incompatível com o salário dele”, disse por telefone o procurador da República em Goiás, Helio Telho, à frente do processo.

Em 19 de dezembro de 2012, com o projeto do trem-bala enguiçado há um ano e meio, Dilma tirou das mãos da Valec a tarefa de executar a ferrovia, anulando o trecho do decreto presidencial de Lula que dava à estatal a missão de “promover os estudos para implantação de Trens de Alta Velocidade”. A obra foi direcionada a outro órgão ligado ao Ministério dos Transportes, a Empresa de Planejamento e Logística S.A (EPL). A Valec, chacoalhada por denúncias de corrupção e por uma licitação fracassada em sua principal missão, estava formalmente afastada do trem-bala.

Entre 2004 e 2014, a estatal custou aos cofres públicos brasileiros — entre despesas com “pessoal, custeio, investimentos e inversões financeiras” — quase R$ 14 bilhões. Durante as investigações da operação Trem Pagador, a mesma que prendeu Juquinha, a Polícia Federal estimou que até R$ 1 bilhão desse orçamento pode ter sido desviado somente em uma das obras administradas pela Valec, a ferrovia Norte-Sul. O processo ainda aguarda julgamento, e Juquinha se defende dele negando todas as acusações.

No Brasil, a briga judicial do governo com a Italplan terminou no dia 1º de fevereiro de 2013, quando o presidente do Superior Tribunal de Justiça do Brasil, Felix Fischer, negou o pagamento aos italianos alegando “ofensa à ordem pública e à soberania nacional”. Em sua decisão, Fischer disse que a Italplan não anexou qualquer tipo de contrato que comprovasse uma ligação formal com a Valec.

A Italplan cometera um erro básico no processo? Simplesmente esquecera de anexar o contrato, único instrumento que lhe daria credibilidade no litígio de 261,7 milhões de euros?

Ao longo da apuração desta reportagem, muitas dúvidas foram dissipadas com documentos e entrevistas. Agradeço a todas as fontes que aceitaram conversar comigo, mesmo que de forma anônima. Foram mais de 30 pessoas que se dispuseram a esclarecer dúvidas. No entanto, como é normal em assuntos com tantas camadas de informação, muitos outros questionamentos surgiram — todos, ao menos para mim, até agora sem respostas.

A Valec e a cúpula do Ministério dos Transportes jamais se preocuparam em saber quem eram os diretores à frente da Italplan, sobretudo Moreno Gori? Nunca exigiram da Italplan comprovação dos serviços que a empresa diz ter prestado para as ferrovias italianas? Por que ignoraram por tanto tempo o relatório de Eduardo Fernandez, um documento que colocava muitas dúvidas sobre a viabilidade do projeto? Por que não adequaram o projeto às ressalvas do Tribunal de Contas da União? Por que, apesar de tudo isso, a obra foi confirmada por Lula e Dilma para a Copa do Mundo diversas vezes, mesmo quando nem o mais otimista dos estudos previa prazos tão curtos para a inauguração? Como Valec e Italplan mantiveram uma relação por tantos anos sem assinar um contrato determinando parâmetros triviais, como preço dos serviços? Se esse contrato existe — e tudo indica que não — ele deve estar nas mãos da Italplan. A empresa, no entanto, não se dispôs a enviá-lo a mim.

As respostas podem passar pelas dificuldades de comunicação entre os muitos atores da máquina pública brasileira, pela carência de pessoal capaz de dar atenção aos sinais vermelhos que piscaram ao longo do caminho, pelo desconhecimento técnico dos políticos encarregados de viabilizar a obra e pelo entusiasmo quase irracional de realizar um projeto magnânimo para apresentar ao mundo durante a Copa.

E podem passar, é claro, por caminhos mais tortuosos.

Publicamente, nenhum inquérito foi aberto sobre o trem-bala brasileiro.

Onde estão os envolvidos?
Moreno Gori
Esta reportagem o procurou por meses. Não foi encontrado. Um dos sócios da Italplan que não quer se identificar disse que pouco o vê, “apenas nas reuniões de balanço da empresa”. A última delas foi em agosto de 2014. Seu advogado no Brasil diz desconhecer seu paradeiro. Réu no processo do Lixogate por uso de documentos falsos, Gori espera um parecer final do desembargador federal Hélio Nogueira, que analisa seu recurso. O caso completou 15 anos, sem julgamento definitivo.

Roberta Peccini
Respondeu, em 18 de fevereiro de 2015, a oito perguntas enviadas por mim via e-mail. Depois, ao ser indagada com outras questões, silenciou. Fiz contatos insistentes, sem resposta. Peccini ainda espera reverter a decisão da justiça brasileira e ser paga pelo trabalho que sua empresa fez no Brasil. Ela diz que a Suprema Corte italiana avaliará o caso Italplan x Valec.

José Francisco das Neves
Seus bens, avaliados em R$ 60 milhões, foram bloqueados pela justiça por conta da Operação Trem Pagador. Em 2008, diante de um grupo de deputados, Juquinha declarou: “Consegui colocar nos trilhos a Ferrovia Norte-Sul, embora tendo que fazer quatro pontes de safena, sem nem licitação…”. E emendou: “quer dizer, na ferrovia eu licitei tudo, mas as pontes de safena não deu nem para licitar”. Três dias após ser afastado da Valec por suspeitas de corrupção, Juquinha foi homenageado com o título de Cidadão de Palmeiras de Goiás, sua terra natal. O então governador do estado, Marconi Perillo (PSDB), que passou a infância no município, participou do evento. Perillo já havia homenageado o amigo em fevereiro, com a comenda do Mérito Anhanguera.

Eu tentei contato com seu advogado, sem sucesso.

Italplan
A empresa ainda existe, ao menos legalmente. Um de seus sócios me disse, no entanto, que ela não opera mais, apenas se reúne para as assembleias anuais obrigatórias. “Não sei como anda o processo contra a Valec, mas a Italplan não era uma fraude. Nós fizemos o projeto”, garantiu. A antiga sede da empresa, em Terranuova Bracciolini, na Itália, está fechada. “Não aparece mais ninguém aqui e o galpão está vazio”, disse a secretária de uma firma vizinha. O assessor para Atividade Produtiva, Crédito e Trabalho da Região Toscana, Gianfranco Simoncini, que interveio junto ao ministro do Interior da Itália em prol da Italplan — “uma empresa de excelência que precisamos salvar”, declarou em 2010 — me disse através de sua assessoria que, após o desbloqueio das contas da Embaixada brasileira em Roma, não acompanhou mais o caso e não tem mais contato com os membros da Italplan.

O site da companhia esteve no ar até meados de 2014, exibindo o trem brasileiro como um projeto da empresa. O endereço foi invadido por um hacker marroquino chamado Røøfix-fox. Contatado por esta reportagem, o hacker não respondeu.

Siemens
Derrotada pela Italplan no caso do estudo de viablidade do trem-bala, a empresa alemã ainda acreditava poder participar da obra. Um e-mail enviado em 2007 pelo executivo da Siemens, Nelson Branco Marchetti, à matriz da empresa na Alemanha diz: “temos o projeto futuro da HST (High Speed Train) Rio-SP (trem-bala) que estabelecerá um enorme consórcio de construtoras civis liderado pela Odebrecht”. Marchetti estava presente na reunião da Comissão de Viação e Transportes da Câmara em 2008 quando Moreno Gori apresentou o projeto da Italplan aos deputados.

A Siemens se envolveu em um escândalo de corrupção em 2013. Em troca de punições menos severas, ela reconheceu que pagou propinas a autoridades de governos do PSDB em São Paulo, e que teria formado cartel com outras companhias em licitações públicas para venda e manutenção de metrôs e trens metropolitanos desde os anos 1990.

O trem-bala
Remarcado para agosto de 2013, o leilão da obra foi adiado outra vez. Apenas um concorrente se mostrava disposto a bancar o projeto, com dinheiro público. Em entrevista coletiva, o presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, que assumiu o trem após o escanteamento da Valec, disse na ocasião que a denúncia da Siemens sobre o cartel do metrô em São Paulo incentivou o governo a empurrar a licitação. Mas o governo federal não desistiu da ferrovia de alta velocidade. Um novo edital de licitação deve ser lançado em 2016.


O trem para Bangladânia ainda pode apitar no horizonte.