Com o apoio de 20 dos 27 votantes, a Comissão de
Constituição e Justiça do Senado aprovou a entrega da toga que pertenceu a
Joaquim Barbosa ao candidato de Dilma Rousseff. Apenas sete eleitores ouviram o
clamor do Brasil decente, inconformado com a insistência da presidente em
transformar o Supremo Tribunal Federal num escritório de advogados a serviço do
Planalto. Os demais senadores endossaram a ampliação da bancada governista. E
chancelaram mais uma fraude.
Quem apareceu para a sabatina desta terça-feira não foi o
doutor que caiu nas graças de Dilma por defender perigosas ideias de jerico.
Esse ficou em Curitiba. E foi substituído pelo seu oposto. Durante 12 horas,
Fachin discordou de tudo o que Fachin escreveu. A versão escrita parece nascida
para comandar a nau dos insensatos. A versão oral lembra um avô que fala
difícil e já dava conselhos sábios aos parceiros de berçário.
Ainda não se consumou o final indesejado pelo país que
presta, habitado por multidões que se recusam a pagar em silêncio a conta da
roubalheira e da inépcia. Há uma votação secreta no meio do caminho que leva ao
STF. E, como adverte o vídeo de 4 minutos, os senadores terão de escolher entre
a voz rouca das ruas e os sussurros dos inimigos do Estado Democrático de
Direito; entre o Brasil decente e o desenhado nos sonhos clandestinos de Luiz
Fachin.
Até lá, todos os inquilinos da Casa do Espanto estarão sob
estreita vigilância. É bom que tenham juízo.
Na terça-feira 12 de Maio de 2015, a Comissão do Senado que
trata das relações com o Judiciário fará a sabatina do magistrado Luiz Fachin,
indicado pela presidente Dilma como substituto de Joaquim Barbosa no Supremo
Tribunal Federal. É apenas óbvio que uma militante petista como a presidente
Dilma indique alguém polarizado pelos interesses do PT e dos ditos “Movimentos
Sociais”, notadamente o MST. O que não era de se esperar é que o principal
partido da oposição, o PSDB, não desse nenhuma importância a esse fato. Fachin,
seguidor dos ensinamentos do constitucionalista português José Gomes Canotilho,
se empossado na vaga no STF, fará, com certeza, o “dever de casa”. Como pregava
Canotilho, a revolução socialista pode dar uma acelerada mediante a
judiciarização da política, proclamando o “socialismo por decreto”. É só dar
uma chance a advogados como Fachin.
Na data marcada para o debate, senadores importantes do PSDB
não estarão presentes na Comissão que sabatinará o candidato. Estarão em Nova
Iorque, participando de uma comemoração internacional que exalta o nome do
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Isso é dar muito mole para a
petralhada. O PSDB, aliás, já deu mole quando Fernando Henrique, na época do
Mensalão, desistiu de incentivar o processo de impeachment contra Lula,
preferindo “deixa-lo sangrar”. Aconteceu o que era de se esperar. O sapo
barbudo deu a volta por cima, se reelegeu e elegeu (e reelegeu) o seu poste,
com toda a série de desgraças que se abateram sobre o Brasil, deixando-nos
prostrados do jeito que todo mundo conhece.
Acho que o artigo que ora divulgo sobre a oposição que não
se opõe, publicado no primeiro número da Revista Nabuco (Agosto-Outubro de
2014), pode contribuir ao debate que deve se abrir em torno à fraqueza da
atitude dos senadores tucanos.
A oposição brasileira não propõe porque não se opõe. E não
se opõe porque foi cooptada pelo Estado Patrimonial. Essa é a triste realidade
que pretendo ilustrar nas seguintes páginas.
Dividirei a minha exposição em três partes: 1 – A tradição
patrimonialista. 2 – Doze anos de lulopetismo: a oposição cooptada pelo
Executivo. 3 – Condições necessárias para o funcionamento de uma verdadeira
oposição.
1 – A tradição patrimonialista.
O Brasil herdou de Portugal a estrutura patrimonial do
Estado. Isso aconteceu mediante a junção, em original simbiose, da tradição
cartorial com a inédita realidade das novas terras apropriadas pelos Capitães
Mores e os Sesmeiros e, depois, pelos Senhores de Engenho.
A primeira experiência brasileira no mundo da política, nos
períodos que correspondem às Capitanias Hereditárias e às Sesmarias, que
ensejaram o latifúndio, não foi a luta de classes, nem a organização do Estado
contratualista. A primeira vivência tipicamente brasileira do exercício do
poder consolidou-se ao redor da Casa Grande [1]. Tratou-se, portanto, de uma
experiência de privatização do poder, em que se confundia público com privado,
na liturgia dos Senhores de Engenho. Eis
a questão fundamental: a defesa dos interesses do clã patriarcal.
Quem não se acolhesse a essa premissa, não sobreviveria. Por
isso, a arraia miúda do povo precisava se arregimentar, sem discussão, na
serventia de um Senhor de Engenho, para ver respeitados os seus direitos à
vida, às escassas posses e à precária liberdade do latifúndio. Consolidou-se,
na história do nosso Patrimonialismo, a crença de que quem manda não pode ter
oposição. Esta era considerada, desde o início, como atentado contra a
autoridade. Somente era concebível uma atitude de total submissão do povo em
face dos donos do poder. [2]
Quando, no século XVIII, foram descobertas, nas Minas
Gerais, as jazidas de ouro e diamantes, a Coroa portuguesa passou a exercer
forte ação centralizadora. A partir da criação do “Distrito Diamantino”, a
Metrópole tentou organizar a dispersão dos senhores patrimoniais locais,
colocando sobre eles a autoridade dos Governadores Gerais das antigas
Províncias. Esse processo foi, aos poucos, aglutinando os poderes familísticos
dispersos na imensidão territorial do Vice Reinado.
De outro lado, graças às bandeiras iniciadas pelos senhores
patrimoniais vicentistas, a Coroa portuguesa abocanhou generosas extensões
territoriais, ao oeste e ao sul, para lá do Tratado de Tordesilhas, fazendo
encolher, astutamente, os restos do Império Espanhol nos limites da bacia do
Rio da Prata e dos contrafortes dos Andes. Os novos territórios ocupados foram
dotados pela administração pombalina de uma rede de fortes. Paralelamente, o
primeiro ministro de Dom José desenvolveu uma ousada estratégia de ocupação do
centro do vasto território, consistente no projeto de construção de uma capital
no Planalto Central que se comunicasse, mediante vias radiais, com as várias
Províncias. Esta proposta, como se sabe, foi posta em execução, primeiro na
construção da cidade de Goiás Velha, ainda no ciclo colonial, e depois, em
meados do século XX, na construção de Brasília por Juscelino Kubitschek.
O efeito central da luta da Monarquia com os poderes locais
seria este: consolidou-se, entre nós, um Estado mais forte do que a
sociedade. O poder centrípeto do Rei, no
período colonial, bem como o do Imperador, ao longo do século XIX, e o do
Executivo, no período republicano, criaram forte aparelho burocrático
alicerçado no sentimento de fidelidade pessoal.
No entanto, continuaram vivos, no seio da sociedade, os
antigos hábitos de privatização do poder pelos clãs, à maneira do ocorrido nos
Engenhos. A res publica foi vivenciada, pelos cidadãos da jovem República que
emergia da retórica positivista no final do século XIX, como res privata ou
coisa nossa, a ser administrada domesticamente, ensejando, assim, as conhecidas
práticas do empreguismo e da corrupção, sob as suas várias manifestações.
Em que pese o fato do caráter tradicional assinalado por
Raimundo Faoro para o Patrimonialismo no Brasil, Simon Schwartzman e Antônio
Paim destacaram um componente modernizador, que deu lugar a nova tradição,
identificada por eles como patrimonialismo modernizador ou neopatrimonialismo.
Consiste este, segundo Paim, na incorporação da ciência moderna pelo Estado
centralizador, fato que se realizou em Portugal a partir das reformas
pombalinas, e que se projetou no Brasil na geração de homens públicos que
fizeram a Independência (formados na nova Universidade aberta às ciências e às
técnicas). Essa elite organizou os primeiros institutos superiores, entre os
quais cabe destacar a Real Academia Militar criada, em 1810, pelo Conde de
Linhares, dom Rodrigo de Souza Coutinho.
A tendência modernizadora, vinculada ao cientificismo a
serviço do Estado, ensejou ampla prática centralizadora, já a partir do período
pombalino. O ministro de Dom José I pôs em execução o modelo de Estado
empresário, produtor da riqueza da Nação e equacionador da ordem política e moral,
mediante a incorporação da ciência moderna e da técnica. [3]
Longe de ensejar a participação da sociedade, o modelo
pombalino submetia os cidadãos à tutoria do soberano. Inseriram-se no contexto
do Estado tutelar e modernizador as reformas empreendidas por Getúlio Vargas,
ao longo das décadas de 30 e de 40 do século passado, inspiradas diretamente na
filosofia política castilhista. Partindo do princípio de que o regime
parlamentar é um regime para lamentar, foram banidos o debate político e a representação,
sendo substituídas essas práticas pelo “equacionamento técnico dos problemas”.
[4]
Segundo Oliveira Vianna, não se desenvolveu, no Brasil, a
consciência do bem público, pelo fato de estarmos, sempre, sob o império do
interesse particular ou familiar. Esse individualismo, que impede entender o
que é a solidariedade social ou o interesse público, passou das elites para o
povo. A escola prática da vida política, que foi a fazenda ou o engenho, formou
o brasileiro na submissão incondicional ao senhor, na defesa exclusiva dos
interesses familiares dos clãs. [5]
De acordo com o sociólogo fluminense, a construção do Estado
Nacional, no Brasil, foi obra da geração de estadistas do Segundo Reinado que,
reunidos ao redor de Dom Pedro II, conseguiram cooptar, mediante a Guarda
Nacional, os senhores patrimoniais locais (os senhores de engenho), ao redor de
uma proposta de unificação do país. Dom Pedro II situou-se na cúpula do poder,
distribuindo benesses entre aqueles que o reconhecessem como soberano de todos.
Uma vez consolidada a autoridade do soberano, ele disciplinou a autoridade dos
senhores de engenho para fazer emergir os Partidos Liberal e Conservador, ao
redor dos quais se concretizou a representação dos interesses mudáveis da
sociedade.
A representação dos interesses permanentes da Nação ficaria
centralizada no Poder Moderador, exercido pelo Soberano e pelo seu Conselho de
Estado. Dessa forma, foi possível unificar o país ao redor de um centro de
poder, ao passo que se consolidava a possibilidade da representação. Essa
complexa obra de engenharia política foi obra de grandes estadistas da talha de
Silvestre Pinheiro Ferreira (o precursor das instituições imperiais, no início
da nossa vida independente) e da denominada por Oliveira Vianna de “elite de
homens de mil”, integrada por incondicionais colaboradores do Imperador como o
visconde de Araguaia, Domingos Gonçalves de Magalhães, o duque de Caxias, ou o
visconde de Uruguai, Paulino Soares de Sousa, cujo Ensaio de Direito
Administrativo [6] testemunha a clarividência dessa geração.
A República Velha constituiu, no Brasil, uma privatização do
poder pelos clãs políticos, identificados com as oligarquias estaduais. A essas
oligarquias reagiu fortemente o estamento militar, nos movimentos
insurrecionais protagonizados pelo Tenentismo, ao longo da década de 20.
Getúlio Vargas e as elites mineira e paraibana reagiram contra a hegemonia das
oligarquias, na denominada campanha da Aliança Liberal que depôs Washington
Luiz em 1930. Getúlio, rodeado pelos tenentes e pela Segunda Geração
Castilhista, deu ensejo a uma completa reforma do Estado. O getulismo
correspondeu à aplicação, no plano nacional, do modelo castilhista de
“equacionamento técnico dos problemas”.
O Estado presidido por Vargas submeteu as oligarquias
estaduais e consolidou amplo processo centralizador e autoritário ao redor do
Executivo hipertrofiado, auxiliado pelos Conselhos Técnicos Integrados à
Administração. O Estado já não seria mais o mesmo após o longo ciclo getuliano,
que se estendeu de 1930 até 1945 e de 1951 até 1954. Getúlio, como lembra
Oliveira Vianna, acumulou em suas mãos tal grau de poder como nunca se tinha
observado na história brasileira, desde Dom Pedro II. O Estado getuliano e as
reformas ensejadas correspondem, portanto, a novo ciclo da política brasileira,
identificado com um modelo de Patrimonialismo Estamental. Tudo passou a girar
ao redor do Executivo e do seu Estamento burocrático presidido pelos Conselhos
Técnicos. Trata-se, sem dúvida, de uma tardia manifestação da “ditadura
científica”, inaugurada na França, no início do século XIX, por Napoleão
Bonaparte.
Três princípios autoritários inspiraram Vargas no tratamento
da oposição: o primeiro, de origem castilhista, rezava assim: “O regime
parlamentar é um regime para lamentar”, destacando-se, nele, a ideia de que o
verdadeiro poder é o Executivo, sendo a representação parlamentar simples
expediente oligárquico para garantir privilégios. A representação, na sua
origem, era desmoralizada pela retórica oficial.
O segundo princípio, de origem igualmente castilhista, dizia
assim: “Aos nossos adversários o único que resta é uma sincera penitência”,
destacando a ideia de que qualquer oposição é indesejável, confundido o esforço
em prol de organiza-la como atentado contra o poder do Estado.
O terceiro princípio, elaborado por Vargas à luz do
saint-simonismo que, paralelamente ao positivismo castilhista o inspirava,
rezava assim: “Não fazer inimigos que não se possa transformar em amigos”,
explicitando a ideia de que qualquer oposição deve ser diluída na cooptação dos
adversários pelo Executivo, mediante o oferecimento de cargos e favores.
Em que pese o fato de a nossa sociedade ter-se transformado
radicalmente ao longo do século XX, notadamente a partir do processo de
industrialização e de urbanização, fortemente acelerados nos últimos cinquenta
anos, não podemos negar que uma das características marcantes da vida social é
o insolidarismo. O país cresceu em termos demográficos, econômicos e políticos.
As velhas estruturas rurais deram lugar à sociedade industrial e urbana. Mas
não foram modificados os valores. O secular espírito de patota e o
insolidarismo, que é o seu corolário, estão presentes em todas partes. No
Brasil, o patotismo sufocou o patriotismo.
Apesar da adoção do ideal democrático como um dos Objetivos
Nacionais Permanentes pela Escola Superior de Guerra, na década de cinquenta do
século passado, as reformas modernizadoras deflagradas no ciclo militar, entre
1964 e 1985, retomaram a tendência estatizante do período getuliano. A
hipertrofia do Executivo e o crescimento exagerado do setor estatal da economia
seriam dois elementos fundamentais desse processo. As empresas estatais
passaram de 90, em 1964, para cerca de 490, no fim do ciclo mencionado.
Tornou-se necessário, como frisou o general Golbery do Couto e Silva, na sua
memorável palestra na ESG, em 1980, [7] um processo de descentralização
administrativa e de abertura política, a fim de contornar o excessivo
centralismo de inspiração autoritária, que ameaçava a sobrevivência do sistema.
O curioso é que, hoje, após os esforços para retomar a vida
democrática, através da valorização da representação política no Congresso e do
controle da sociedade sobre o setor estatal, mediante as privatizações e a Lei
de Responsabilidade Fiscal, (medidas efetivadas entre 1986 e 2002), com a
chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, foi deflagrado novo ciclo
patrimonialista, de forte caráter estatizante e centralizador.
2 – Doze anos de lulopetismo: a oposição cooptada pelo
Executivo.
Antônio Paim, na sua obra Para entender o PT, [8] frisou que
a característica fundamental do Partido dos Trabalhadores consiste em ser uma
agremiação afinada com o Patrimonialismo, sem possuir uma proposta claramente
democrática e modernizadora. Nesse contexto, o papel da oposição foi se
diluindo paulatinamente, ao longo destes últimos doze anos. Isso aconteceu em
decorrência da hipertrofia que sofreu o Executivo, que terminou cooptando o
Legislativo e atrapalhando o Judiciário no exercício das suas funções, como se
observou no caso do julgamento do Mensalão. O ex-presidente Lula, com a maior
cara de pau, sempre falou que “Mensalão nunca existiu”, atribuindo esse fato à
imprensa.
Dois fatores, a meu ver, contribuíram para que essa
hipertrofia se consolidasse e se tornasse, sob a égide dos governos petistas,
um perigo para a normalidade institucional do país: em primeiro lugar, a fraca
representatividade dos eleitos para a Câmara e o Senado, em decorrência do
viciado sistema proporcional existente; em segundo lugar, a prática das
“emendas parlamentares”, que passaram a ser administradas pelo Executivo de
forma a tornar os deputados, amigos do rei, beneficiários desses recursos.
Em cinco itens identificarei as principais características
que levaram o Partido do Governo a se tornar um empecilho para a independência
da oposição no seio do Congresso: A – Consolidação da entropia administrativa.
B – Corrupção desenfreada. C – Gasto público incontrolado. D – Supremacia do
Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário.
E - Ideologização da política externa.
A – Consolidação da entropia administrativa. Este mal
decorre, a meu modo de ver, da esquizofrênica gestão pública implantada pelo
Partido dos Trabalhadores, que se pautou por duas cartas de navegação: uma,
para “inglês ver” e ganhar as eleições de 2002, identificada com uma plataforma
socialdemocrata semelhante à desenvolvida por Fernando Henrique Cardoso nos
seus dois governos. Tal plataforma foi adotada pelo candidato Lula na
denominada “Carta ao Povo brasileiro”, com a finalidade de desfazer os temores
de que, se eleito, implantaria no Brasil um modelo socialista.
A outra carta de navegação identificava-se com as
tradicionais propostas socialistas do PT, inspiradas no modelo posto em
funcionamento em Cuba pelos irmãos Castro ao longo dos últimos cinquenta anos.
Esse modelo, aliás, inspirou a criação, nos anos 90, do Foro de São Paulo, a
partir da proposta apresentada por Lula e Fidel Castro, com a finalidade de dar
sobrevida ao comunismo na América Latina.
A simultaneidade dessas duas cartas de navegação na agenda
do PT é responsável pela incoerência da gestão pública petista. Enquanto que a
proposta socialdemocrata da “Carta ao Povo brasileiro” defendia o respeito aos
contratos internacionais, bem como o funcionamento da livre empresa capitalista
e o regime de liberdades civis, a “carta do peito” dos petistas defendia a
instauração de um modelo de socialismo estatizante, autoritário e
distributivista.
Ora, o que se tem visto nesta década é o desgoverno causado
pela mistura contraditória das duas propostas, que terminou redundando na
implantação de um distributivismo irresponsável em benefício dos denominados
“movimentos sociais” e dos mais carentes, nas inúmeras “bolsas” concedidas a
torto e a direito, sem assinalar responsabilidades por parte dos beneficiários
e sem fazer um balanço transparente, perante a opinião pública, dos resultados
obtidos.
Essa política distributivista tornou-se, assim, como frisava
o senador Jarbas Vasconcelos, o maior programa de compra de votos do Hemisfério
Ocidental. Essas bondades indiscriminadas terminaram ensejando o
enfraquecimento da oposição, bem como o desequilíbrio nas contas públicas.
No terreno empresarial, a exigência de transparência nos
créditos que beneficiariam o setor, simplesmente ficou para as calendas gregas.
A política oficial terminou consolidando a surrada praxe de cooptação de
empresários que seriam apresentados como “campeões de bilheteria”, simplesmente
pelo fato de que se colocaram do lado certo, a serviço dos donos do poder. Os
restantes empresários, a grande maioria, ficaram do lado de fora do festival de
bondades do BNDES. Esta instituição terminou sendo convertida em guichê de
favorecimento a empresários e a governos estrangeiros amigos. O Brasil está
pagando a pesada conta dessas “bondades” oficiais.
A entropia administrativa ficou garantida, portanto, pelas
opções contraditórias do Partido do governo. As administrações petistas
simplesmente prescindiram dos instrumentos de navegação no tumultuado mar da
conjuntura internacional, ao jogarem pela borda os dados outrora confiáveis do
IPEA e ao tentarem aparelhar o IBGE. A nau do Estado passou, assim, a navegar
em águas incertas e a transmitir essa falta de rumo à sociedade.
b – Corrupção desenfreada e “assassinato de reputações”.
Esta mazela foi tomando conta da gestão pública ao ser criminosamente
estimulada pelo Executivo, mediante a prática da cooptação dos Partidos
políticos no Congresso, no seio do esquema de distribuição sistemática de
dinheiros públicos para comprar o apoio do Legislativo. Outro expediente
igualmente importante do autoritarismo petista tem sido aquele que foi
denominado de “assassinato de reputações”. [9]
O primeiro esquema, denominado de “Mensalão”, foi
investigado pelo Ministério Público e terminou dando ensejo ao conhecido
julgamento desses crimes pelo Supremo Tribunal Federal, ao longo de 2012 e
2013. Longe de criticar a cúpula partidária que foi condenada e que se encontra
pagando pena em presídios de várias cidades, o PT simplesmente passou a
vociferar contra a Magistratura, declarando que “Mensalão não houve”, sob o
comando vergonhoso do ex-presidente Lula.
No segundo esquema, o governo passou a desviar recursos para
financiar o aniquilamento de qualquer oposição, mediante a prática totalitária
do crime que Romeu Tuma Jr. identificou como “assassinato de reputações”, sendo
peça fundamental dessa operação corrupta a partidarização da Polícia Federal,
que passou a ser considerada pelo PT como força armada ao seu serviço, com a
finalidade de montar falsos dossiês a serem utilizados para neutralizar membros
do parlamento ou do próprio governo, quando assim conviesse ao Partido,
corrompendo, destarte, setores importantes não só da polícia como também da
magistratura. [10]
O Partido do governo, de outro lado, como retaliação contra
os juízes da mais alta corte brasileira pelo julgamento do Mensalão, apresentou
ao Congresso duas propostas de emenda constitucional que tinham como finalidade
diminuir os poderes do Ministério Público e do Supremo Tribunal Federal. Isso
sem esquecer as ameaças de morte que contra o Presidente desta alta corte tem
sido feitas por militantes do Partido pelas redes sociais, o que contribuiu
para aumentar o clima de desconforto da sociedade em face da corrupção apoiada
pelo próprio governo.
c – Gasto público incontrolado. Este mal se instalou em
decorrência do debilitamento das instâncias institucionais que exerciam controle
sobre o gasto público. Tais instâncias, de fato, estavam representadas pelo
Tribunal de Contas da União e pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Ora, segundo decisão tomada pelo presidente Lula, o Tribunal
de Contas não poderia mais tomar conhecimento do destino dos dinheiros públicos
colocados à disposição dos sindicatos, sem importar o montante recebido. Tal
medida conferiu às organizações sindicais um poder extraordinário, até o ponto
de convertê-las num “Estado dentro do Estado”, configurando assim aquilo que
Fernando Henrique Cardoso denominou, com propriedade, de um tipo de “peronismo
à brasileira”. De outro lado, a Lei de Responsabilidade Fiscal foi derrogada na
prática por Lula, ao ignorar a sua aplicação naqueles municípios administrados
por prefeitos do Partido dos Trabalhadores.
d – Supremacia do Executivo sobre o Legislativo e o
Judiciário. Esta tendência, que já se encontrava presente na história
republicana brasileira (como, por exemplo, no longo ciclo getuliano e no regime
militar) voltou a ganhar força na Nova República devido ao abuso na prática das
“medidas provisórias” (legislação por decreto presidencial que deve ser
ratificado pelo Congresso).
O uso exagerado dessa forma de legislação pelos presidentes
Lula e Dilma terminou entorpecendo os trabalhos normais do Legislativo e tem
gerado constantes atritos com o Poder Judiciário, ao serem contempladas
decisões que ferem a Constituição.
e - Ideologização da política externa. Ao longo dos governos
petistas, a política externa brasileira foi desenhada não de acordo aos
interesses da Nação, mas em consonância exclusiva com os interesses do PT, que
buscava firmar a sua hegemonia no plano interno e desenvolver uma política
favorável aos populismos socialistas na América Latina.
A partir dos dois governos de Lula e continuando com o
mandado de Dilma Rousseff, a política externa brasileira passou a seguir as
diretrizes do Foro de São Paulo. Assim, o governo passou a defender, de forma
indiscriminada, a “revolução bolivariana” do coronel Chávez na Venezuela, a
ditadura cubana dos irmãos Castro, bem como as reivindicações de grupos
reconhecidamente terroristas como as FARC. Isso se tem traduzido numa confusa
posição brasileira no panorama latino-americano, em prol das iniciativas
venezuelanas (com o reforço à ALBA e à UNASUL) e contra outras políticas
regionais diferentes destas, como as representadas pelas nações que se
organizaram na Aliança do Pacífico (México, Colômbia, Peru e Chile).
O resultado de tudo isso terminou sendo o encadeamento do
Brasil aos consensos cada vez mais fechados do MERCOSUL (uma aliança que deixou
de ser um pacto econômico para se transformar em organização
político-ideológica) e o abandono da sadia prática de uma independência da
nossa política externa para efetivar pactos bilaterais que abrissem novos
mercados ao Brasil.
Essa política externa do PT, contrária, de forma
sistemática, aos Estados Unidos e favorável a tudo quanto signifique combate ao
denominado “imperialismo norte-americano”, terminou por colocar o Brasil em posição
desfavorável no mundo globalizado. O Brasil relegou a segundo plano os
interesses da indústria e do comércio ao se alinhar, por motivos ideológicos,
com países que atacam os interesses econômicos brasileiros. Isso aconteceu, por
exemplo, com a política de estatizações de empresas exploradoras de petróleo e
gás na Bolívia e com a adesão brasileira às políticas comerciais aventureiras
do presidente venezuelano.
Chávez simplesmente deixou de pagar a contribuição pactuada
com o Brasil na empresa binacional criada por Lula, a Refinaria Abreu e Lima,
no Recife. Os venezuelanos, até agora, não aportaram um único centavo para esse
empreendimento, que produziu uma forte descapitalização da Petrobrás. Essa
política, mais ideológica do que fundada em princípios pragmáticos, derrubou,
de forma quase irreparável, a tradição de seriedade que tinha sido conquistada
pela diplomacia brasileira ao longo do século XX.
3 – Condições necessárias para o funcionamento de uma
verdadeira oposição.
Somente uma reforma política que adote uma relação direta
entre eleitores e eleitos (o que implicaria na adoção do voto distrital)
poderia pôr remédio ao mal da falta de oposição. Mas a reforma nunca sai. Ela
não interessa nem ao Executivo, que se beneficia com o mecanismo de cooptação
representado pelas mencionadas “emendas”, nem ao Legislativo, que se acomodou
aos benefícios adquiridos ao longo das últimas décadas.
Lembro-me de que durante a Constituinte, um grupo de
parlamentares do velho PMDB, com José Richa à testa, optou por apresentar a
adoção do voto distrital. Grande foi a agitação entre os Constituintes. O
argumento brandido por eles, tanto no seio do PMDB quanto na Arena, era o
seguinte: “se fomos eleitos pelo voto proporcional, para que mudar esse
sistema?” Argumento cartorial que se acomodava às práticas patrimonialistas que
consagraram o entendimento da representação como sesmaria a ser explorada em
benefício próprio.
Uma reforma política para valer deve, certamente, provir do
seio da própria sociedade. As massivas manifestações de Junho de 2013 tinham
essa finalidade: mostrar a insatisfação da sociedade em face dos vícios
institucionais em que mergulhou o Estado, notadamente diante da cooptação
vergonhosa do Congresso pelo Executivo. A manifestação massiva dos jovens foi o
primeiro passo e não deve ser descartado o aparecimento de novas iniciativas
nesse sentido, em que pese os esforços feitos pelo governo petista para fazer
“melar” as pacíficas reivindicações dos jovens, com a participação de ativistas
a serviço de escusos interesses partidários. Têm sido visíveis as articulações
do ministro Gilberto Carvalho, junto aos denominados “movimentos sociais”, no
intento de tirar o foco do essencial nas manifestações populares, fomentando a
baderna. Já ficou provada a participação, nesta, como agentes provocadores, de
militantes partidários.
A sociedade brasileira vê com preocupação a presença, nas
manifestações multitudinárias, ao lado dos agentes provocadores mencionados, de
pessoas claramente vinculadas ao crime organizado. Isso tem sido observado nas
badernas que têm agitado as noites da cidade de São Paulo e de outras cidades
outrora pacíficas, como Florianópolis e Joinville. Membros do crime organizado
(e o PCC já é uma gangue com projeção nacional) têm estado presentes nessas
agitações. O governo não tem feito o trabalho que se esperava no sentido do
restabelecimento da ordem, mediante a neutralização rápida e eficaz desses
elementos. O próprio PT tem desenvolvido uma esquisita tolerância em face
desses abusos, nas tresloucadas interpretações ideológicas dos distúrbios
feitas pelo prefeito de São Paulo e outras autoridades ligadas ao PT, em
importantes cidades como Porto Alegre.
Hoje, mais do que em qualquer outro tempo, é necessário um
trabalho persistente da sociedade para conseguir resultados de médio e longo
prazo. Uma sugestão concreta seria que os Partidos que integram a oposição
formal ao governo partissem para um trabalho de planejamento conjunto,
superando as diferenças ideológicas e os interesses conjunturais, com o
propósito de buscar a governabilidade fortalecendo a representação política e,
logicamente, o exercício legítimo da oposição. No entanto, o que até agora se
vê são esforços isolados dos líderes partidários e dos potenciais candidatos
das oposições. São tímidas e insulares iniciativas. É necessário algo mais.
Esse trabalho de construção de uma proposta conjunta das
oposições deveria se abrir à participação dos jovens que se tem manifestado
particularmente ativos nas redes sociais. São inúmeros os grupos dos que se
arregimentam em portais e blogs de índole conservadora ou liberal, em prol de
um saneamento das nossas políticas públicas. Essa é uma força importante de
opinião, que precisa ser canalizada para uma participação mais completa. E,
nesse terreno, as oposições deveriam atuar com maior afinco. Até agora,
contudo, as iniciativas têm sido muito tênues. São poucos os políticos que se
tem disposto a manter um diálogo sistemático com esses jovens nas redes sociais
e em outras organizações. É um trabalho que pressupõe muito estudo desses
fluxos de comunicação e muita disposição para o diálogo com os elementos
jovens.
O governo tenta fazer a parte que corresponde aos interesses
totalitários do PT, desenvolvendo, com dinheiro público, uma vergonhosa
guerrilha virtual que visa a desmoralizar quem esboça oposição nas redes
sociais. Que a sociedade brasileira não se deixa domesticar pelos donos do
poder no terreno da circulação de ideias e de críticas aos desmandos petistas,
fica claro nas respostas que, na hora, têm sido dadas pelas redes sociais
diante dos pronunciamentos oficiais.
[1] Cf. FREYRE, Gilberto, Casa Grande & Senzala –
Formação da Família Brasileira sob o regime de Economia Patriarcal. 25a edição,
Rio de Janeiro: José Olympio, 1987.
[2] Cf. FAORO, Raimundo. Os donos do poder – Formação do
patronato político brasileiro. 1ª edição. Porto Alegre: Globo, 1958, 2 vol.
[3] Cf. PAIM, Antônio (organizador). Pombal na cultura
brasileira. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro / Fundação Cultural
Brasil-Portugal, 1982.
[4] Cf. VÉLEZ-RODRÍGUEZ, Ricardo. Castilhismo: uma filosofia
da República. 2a edição, ob. cit., p. 229-270.
[5] Cf. VIANNA, Francisco José de Oliveira. Populações
meridionais do Brasil e Instituições políticas brasileiras. 1ª edição num único
volume. Brasília: Câmara dos Deputados, 1983.
[6] Cf. SOUSA, Paulino Soares de. Ensaio sobre o Direito
Administrativo, com referência ao Estado e Instituições peculiares ao Brasil.
(Prefácio de T. Brandão Cavalcanti). 2ª edição, Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1960.
[7] Cf. SILVA, Golbery do Couto e. Conjuntura Política
Nacional: o Poder Executivo e Geopolítica do Brasil. 2a. Edição. Rio de Janeiro: José Olympio,
1981.
[8] Cf. PAIM, Antônio. Para entender o PT. Londrina: Edições
Humanidades, 2002.
[9] Cf. TUMA JÚNIOR, Romeu. Assassinato de reputações – Um
crime de Estado. (Com a colaboração de Claudio Tognolli). 1ª edição, Rio de
Janeiro: Topbooks, 2013.
[10] Cf. TUMA JÚNIOR, Romeu. Assassinato de reputações – Um
crime de Estado. Ob. cit., p. 129. A respeito dessa deletéria prática, escreve
Romeu Tuma Jr.: “Quando constato um crime e parto em busca de seu autor, estou
investigando. Quando escolho um alvo e parto em busca do que ele fez, ou anda
fazendo, estou espionando. A Justiça não pode autorizar o uso das mesmas
ferramentas legais em ambos os casos, mas leniente, tem o feito à exaustão!”.