Alguns dias em Curitiba, onde visitei a Boca Maldita. É um
lugar tradicional, um café com grupos de aposentados, de modo geral, discutindo
política. Um ônibus de turistas passa diante da calçada, sinal de que a Boca é
conhecida além-fronteiras.
Eles falam sem censura e ouvi muitas críticas ao Supremo
Tribunal por ter libertado os empreiteiros, impondo uma derrota à Operação Lava
Jato, que também ocorre em Curitiba.
Uns dias depois de falar com eles, leio que a Polícia
Federal (PF) revelou gravações que indicam um grau de amizade entre o ministro
Dias Toffoli e empresário da OAS chamado Leo Pinheiro. O resultado do
julgamento foi 3 a 2 e o voto de Toffoli, portanto, decisivo.
É bom que a PF divulgue o que sabe. Mas essas coisas são um
pouco como casamento, é preciso anunciar antes que o padre declare os noivos
marido e mulher. Se os vínculos afetivos de Toffoli com o diretor da OAS
tivessem sido revelados antes do julgamento, ele sofreria pressão para se
declarar impedido. Outro juiz poderia ter votado pela libertação. Mas aí é um
jogo limpo. Perder de 3 a 2 pelo voto de um juiz amigo do preso é um perder com
um gol roubado.
As revelações sucedem-se num ritmo tão rápido que deixam
pouco tempo para pensar na saída. Uma delas aponta uma triangulação BNDES, Lula
e Odebrecht em projetos no exterior. Lula prometia a obra, o BNDES financiava e
a Odebrecht realizava.
O tema deve ser discutido no Congresso, onde se prepara uma
CPI do BNDES. Mas já repercutiu no exterior.
Lula sentiu o golpe com a divulgação do inquérito no
Ministério Público. Respondeu afirmando que os jornalistas das duas revistas
semanais não tinham, juntos, 10% de sua honestidade. Medir a honestidade com
porcentagens não é uma imagem feliz num momento em que elas invadem o
noticiário do escândalo como indicativos da corrupção: 3% para o PT, 1% para o
PP.BOCA-MALDITA2
Como previ num artigo, ia sobrar até para o marqueteiro. E
eis que João Santana terá de explicar o repatriamento de US$ 16 milhões ganhos
na campanha eleitoral de Angola. Campanha cara.
A Operação Lava Jato acionou uma série de outras
inquietações, uma delas com o próprio BNDES. Qual o papel que o banco teve no
governo, que empresas fortaleceu com seus empréstimos e que vínculos elas têm
com o partido dominante? Essa demanda de transparência às vezes é vista como
hostilidade pelo PT, como se fosse parte de uma campanha para liquidá-lo.
Outro dia, vi no Roda Viva Demétrio Magnoli lembrar que o PT
faz parte da História do Brasil e, portanto, não acabaria. Mas este pertencer à
História do Brasil não dá garantias de eternidade. O Partido Comunista da
Itália era um pedaço da História do país, era até certo orgulho internacional
por sua visão singular do comunismo. Acabou.
O que vai definir o futuro do PT não é apenas inserção na
História, mas resposta sincera a algumas questões presentes. Se a administração
petista na Petrobras deu um prejuízo maior do que o terremoto no Nepal, não é
possível ignorar esse feito histórico.
O que o escândalo da Petrobras iluminou não foi apenas a
corrupção, mas a incompetência que dava à empresa um prejuízo de R$ 726 mil por
hora, segundo cálculo do repórter José Casado. Durante seis anos e seis meses,
uma perda de R$ 17,4 milhões por dia.
Tive a oportunidade de visitar Bolonha sob a administração
comunista. Era uma atração internacional. Os comunistas fizeram-se confiáveis
para governar. A experiência terminou em 1999, mas deixou sementes, como o
estímulo à pequena e à média empresas.
As duas acusações que pesam sobre o PT, corrupção e
incompetência, são difíceis de superar. Reconhecê-las é uma tarefa que parece
distante, a julgar pela maneira como o partido se move na crise.
Inspirado pela Boca Maldita, penso que seria necessário um
vínculo melhor entre o movimento de rua e o Congresso. E seria preciso também
que alguns deputados independentes se unissem, buscassem o contato e tentassem
levar algumas ideias ao lado do impeachment. Uma delas poderia ser usada no
contexto do ajuste fiscal: a máquina do governo o que é, o que gasta e onde se
pode racionalizá-la? Os cargos de confiança são 40 mil? Por que não reduzi-los
por lei?
Vivemos duas agendas: uma é a da transparência, iniciada
pela Operação Lava Jato, mas que acaba jogando luz também em outras
caixas-pretas, como BNDES, estatais, fundos de pensão, enfim, todo o universo
econômico sob a influência do PT.
O desejo da sociedade é que a apuração seja concluída e os culpados,
punidos. Mas isso leva tempo.
Estamos também no meio de uma crise econômica, perdendo
poder aquisitivo e empregos. A política de austeridade do governo certamente é
um desses pontos em que as crises se entrelaçam. Ela terá o esforço da
sociedade, mas qual o peso do governo?
Outro dia o Ministério da Saúde publicou edital convocando
Helder Barbalho porque não conseguia encontrá-lo. Ele é ministro da Pesca e
trabalha num prédio vizinho. O Ministério da Saúde não sabia da existência de
Barbalho. Poderia ter sido salvo pelo Google. Pelo menos lançou um pedido de
socorro: salvem a gigantesca máquina da sua irracionalidade!
Em 2013 as pessoas saíram às ruas porque estavam
insatisfeitas com os serviços do governo. Em 2015 as manifestações focam em
Dilma Rousseff e no PT. Os serviços públicos não melhoram, o PT e Dilma
continuam agarrados ao poder.
O que fazer nesse período? É necessário um pequeno roteiro
aberto a alterações, produzidas pelo avanço da transparência e pela
possibilidade do impeachment.
Pelo que vi em Curitiba, com cem feridos na praça, a
política de austeridade será um momento delicado: muitas variáveis em jogo. Mas
é o nosso cenário imediato. É nele que serão plantadas as sementes do futuro.