Mais uma vez, o povo na rua. Grande parte de nossa esperança
está depositada na sociedade. Ela é quem pode dinamizar a mudança. A maioria
vai gritar “Fora Dilma”, “Fora PT”. Não há espaço agora para outras palavras.
No entanto, a saída de Dilma é apenas o começo. Vai ser preciso um ajuste
econômico. Todos deveriam se informar e tomar posição sobre ele. O governo
Dilma não se mexe na redução de ministérios e cargos de confiança. Não há um
projeto sério de contenção de gastos com a máquina. E sem isso, o impacto do
ajuste, aumentando impostos e cortando benefícios sociais, dificilmente será
digerido pelo Congresso e pela própria sociedade.
O Congresso é passível de suborno com verbas e cargos. A
sociedade, não. Mas um simples ajuste econômico merecia um pouco mais de
reflexão para além deste domingo.
Vale a pena retomar um crescimento apoiado no consumo de
carros e eletrodomésticos? É possível superar a limitação do voo da galinha na
economia brasileira, achar um caminho sustentável?
Os rios brasileiros estão exauridos. Vamos continuar a
destruição? A Califórnia luta há anos com a escassez de água. É um estado que
sempre soube se reinventar. Abriga a indústria do cinema, o Vale do Silício.
Apesar de toda a experiência, a crise atual ameaça seu futuro.
Cada vez que um grande movimento vai às ruas pedindo a saída
de Dilma, ela, na realidade, vai saindo aos pouquinhos. Hoje não controla a
política, nem a economia. Inaugura, faz discursos para a claque. Apegado à
negação de seus erros, o PT é quase um fantasma. Seu líder na Câmara é Sibá
Machado. Ele acha que as manifestações do dia 15 e também as de hoje são
organizadas pela CIA. E foi ao ministro da Fazenda pedir novos financiamentos
para as empreiteiras do Lava-Jato.
A tendência é achar que o Sibá Machado não existe, que é
criação de algum escritor dedicado ao realismo fantástico. Mas Sibá existe e
ocupa a liderança de um partido com 64 deputados na Câmara. Como foi possível
Dilma ser presidente do Brasil? Como foi possível Sibá Machado tornar-se o
líder de um partido que está no poder há 12 anos?
Não há espaço para explicar tudo. Mas Dilma é fruto da
vontade de Lula, que detesta a ideia de surgirem outros líderes no partido.
Sibá é o fruto da disciplina de quem espera na fila a hora do revezamento.
Todos podem ser líderes, independentemente de estarem preparados. É a hora e a
vez de Sibá Machado.
Estamos atravessando uma atmosfera de “Cem anos de solidão”.
Sibá pede mais dinheiro público para quem nos roubou. Dilma afirma que sua
tarefa é recuperar a Petrobras, que ela e o PT destruíram. Não acredito que
sejam cômicos por vocação, embora o Sibá leve muito jeito. Isaac Deutscher, o
grande biógrafo de Trotsky, demonstra que muitas vezes os governos fazem
bobagem porque já não têm mais margem de manobra.
O buraco em que o PT se meteu é mais grave do que a
estreiteza da margem de manobra. É a escolha de quem se agarra à negação para
fugir da realidade. Por isso é que, além dos incômodos da crise, do assalto às
estatais e fundos de pensão, o PT irrita. São muitas as pessoas simples que se
sentem não apenas assaltadas como contribuintes, mas desrespeitadas pelo
cinismo oficial.
Já é um lugar comum afirmar que vivemos a maior crise dos
últimos tempos. Nela, entretanto, há um dado essencial: aparato político
burocrático segue afirmando que a realidade é a que vê e não a compartilhada
por milhões de pessoas na rua.
O que pode acontecer numa situação dessas? Collor saiu de
nariz empinado e submergiu alguns anos. Ele chamava verde e amarelo, aparecia
preto. O PT chama vermelho, aparecem verde e amarelo.
O curto circuito pictórico parece não dizer nada para eles.
No fundo, havia em Collor uma espécie de orgulho pessoal. No PT, há uma
confiança na manipulação. O partido no poder escolheu o caminho mais espinhoso.
Seu líder na Câmara parece delirar, mas apenas quer cumprir suas tarefas
elementares de negação.
O assalto à Petrobras não existiu. As manifestações foram
arquitetadas pela CIA, e as empreiteiras, coitadinhas, precisam de grana
oficial para financiar nossas campanhas. E os marqueteiros nos observam como
jacarés tomando sol. Daqui a pouco vão entrar em ação para convencer a todos
que o Brasil é maravilhoso e vai ficar melhor ainda.
É assim que a negação se reflete numa alma simples como a de
Sibá Machado. Ele vem de uma região marcada pelas experiência místicas com a
ayahuasca, planta que provoca visões. Um pouco distante dali, mas também na
Amazônia, o pastor Jim Jones comandou um suicídio coletivo.
Na hora e vez de Sibá, o próprio inferno será refrigerado.
Ganha-se muito dinheiro quando se passa pela cadeia, como fez José Dirceu. E há
sempre Cuba e Venezuela para um recuo estratégico.
Vamos para a rua fingindo que os agentes da CIA nos
organizam. No fundo, sabemos que se dependêssemos deles, correríamos o risco de
uma grande trapalhada.
Mas pra que contrariar Sibá Machado e o PT na sua fase
tardia ? De uma certa forma, já não estão entre nós. Morreram para o debate
racional.