Há um pensamento que é constantemente repetido por figuras
das mais admiráveis, como Carlos Lacerda, Winston Churchill e, recentemente, o
jornalista e colunista de Veja, Reinaldo Azevedo. Varia; uns dizem que a
citação é “quem não foi comunista até os vinte anos não tem coração, quem é
depois dos trinta não tem juízo”. Outros preferem “quem não foi comunista aos
dezoito”. Pouco importa; a mensagem é clara. O espírito da juventude reclamaria
os anseios e delírios utopistas do socialismo. Seria natural e esperável que os
mais jovens abraçassem esse gênero de estupidez, contanto que, depois,
modificassem suas disposições e compreendessem os limites impostos pela
realidade.
A frase é de impacto, mas, levada ao pé da letra,
significaria uma perda substancial para os esforços por construir um movimento
social de convicções liberais, vedando ao potencial da juventude a condição
ontológica para participar do processo. Não há como negar que, à juventude,
liga-se o entusiasmo e, com ele, seus riscos; porém, em defesa dos meus pares -
posto que sou, eu mesmo, um jovem -,
sinto-me no dever de pontuar que há também as possíveis qualidades.
Nelson Rodrigues tinha uma visão que soava bem negativa da
juventude. Dizia que “o jovem, justamente por ser mais agressivo e ter uma
potencialidade mais generosa, é muito suscetível ao totalitarismo. A vocação do
jovem para o totalitarismo, para a intolerância, é enorme. Eu recomendo aos
jovens: envelheçam depressa, deixem de ser jovens o mais depressa possível;
isto é um azar, uma infelicidade”. Essas declarações não são, no entanto, tudo
que o velho Nelson tinha a dizer sobre o assunto. Ele foi mais claro e positivo
quando disse: “eu amo a juventude como tal. O que eu abomino é o jovem idiota,
o jovem inepto, que escreve nas paredes ‘É proibido proibir’ e carrega cartazes
de Lênin, Mao, Guevara e Fidel, autores de proibições mais brutais”.
Está evidente que o homem que se gabava de ser
“anticomunista desde os onze anos” - tendo conseguido a rara proeza de ser
paparicado por certa “intelectualidade” ou classe artística de esquerda
brasileira, a despeito de suas posições francamente “reacionárias” - não pretenderia
ser tão literal. Não creio seja justo assumir que estejamos, os jovens,
condenados a uma idiotice totalitária que apenas o tempo poderia curar, e que o
entusiasmo que costuma caracterizar essa fase necessariamente implique a
incapacidade de negociar com o mundo em vez de desejar ardentemente impor sobre
ele as suas imaturas imagens de ideal.
Quero lançar aqui, em interesse próprio, um manifesto: “quem
não foi comunista até os vinte, até os dezoito, até os onze, até os dez, até a
barriga da mãe”, começou bem! Desde logo, desde que começamos a formar nossas
convicções, podemos e devemos dar ouvidos à experiência transmitida pelos mais
velhos, pela realidade e pelo tempo, sem abdicar da paixão que nos pode mover
na defesa de nossas ideias. Quem a abandona por completo? Pode ser ela a face
boa do entusiasmo juvenil, se bem disciplinada e conduzida. Paixão e entusiasmo são como corcéis; se você
não os controlar, podem levá-lo à queda do precipício. Se os dominar, podem
ajuda-lo a correr para o objetivo, sem necessariamente voar em direção ao
impossível.
Os jovens são uma parcela importante da sociedade. Urge
difundir entre eles a consciência da importância da individualidade, da
liberdade, a fim de que não sejam presas fáceis dos atalhos delirantes oferecidos
pelas propostas totalitárias - situação de que, ao contrário do que creem
alguns, não é algo fácil se desgarrar depois. Principalmente quando o jovem,
vitimado pela ânsia coletivista de ser “aceito pelo grupo” - normalmente, um
grupo de “esquerdistas caviar”, como diria Rodrigo Constantino -, se submete
aos seus abusos, ainda que não esteja convicto dos princípios insanos que
abraça. Daí, para sair, é difícil.
Já o dizia um dos personagens que evocamos ao começo: Carlos
Lacerda. Em O Poder das Ideias, obra em que estão reunidos artigos que expõem
seu pensamento político, diz ele:
“Tornei-me um exemplo perigoso, o do sectário que deixou a
seita, o do que encontrou um modo de recuperar a liberdade, a despeito de todas
as intimidades; o do simpatizante que passou a antipatizante. Por isto farão
tudo por destruir esse exemplo, com a ajuda daqueles que ainda consideram o
comunismo somente uma ideia e não sabem que ele é principalmente uma vasta,
total, permanente conspiração. Pior do que tudo: uma conspiração para destruir
a consciência. Procedíamos como idealistas, mas automatizados. Hoje, a própria
palavra ideal, a muitos parecerá confusa, pois o que conta para eles é o êxito.
(…) Atuam como ventríloquos de si mesmos, obrigam-se a emprestar ideias e até gramática
aos aventureiros e desonestos para os quais o comunismo, hoje, como ontem o
fascismo, é um pretexto para tomar a carteira do público, enquanto o público,
de nariz para cima, contempla, cintilante, a Ideologia.”
Não contemplemos a Ideologia, não sejamos o jovem idiota que
clama por liberdade em abstração, enquanto se reúne em grupos nas ruas,
portando bandeiras que clamam pela escravidão, pelo Caminho da Servidão.
Sejamos o jovem que não tem medo de se desgarrar do coletivo acéfalo, que se
atreve a pensar, e com isso, secunda um movimento muito mais importante: aquele
que pode nos emancipar como pessoas, como povo e como nação. Quanto mais cedo
acordarmos, melhor; não deixaremos de ter coração por causa disso.