No final de 2014, conversei sobre Paulo Freire com uma
pessoa de quem gosto muito e que tem opiniões opostas às minhas. Ela perguntou
se eu tinha lido algum dos livros dele. Só A Importância do Ato de Ler, mas há
tanto tempo que não me lembro de quase nada, respondi. Nunca li Pedagogia do
Oprimido, confessei. Você não pode criticar o que não conhece, acusou ela.
Prometi que leria Pedagogia do Oprimido e escreveria uma resenha. Aqui está.
Não é uma leitura fácil. Embora o livro não seja extenso,
com pouco mais de 100 páginas, levei dois meses para terminar. Achei a
linguagem confusa, com termos inventados ou palavras às quais o autor atribui
um sentido peculiar, sem contudo definir claramente esse sentido. Muitas vezes,
não há um encadeamento lógico entre um parágrafo e o seguinte, entre uma frase
e a próxima, entre uma idéia e outra. Nesse aspecto, lembra muito o estilo do
Alcorão. Paulo Freire tem um cacoete de separar os prefixos dos radicais das
palavras (co-laboração, ad-mirar, re-criar), como se isso significasse alguma
coisa. Há muitas passagens com sentido obscuro (vejam algumas abaixo), muitas
repetições, citações de supostas autoridades em educação (como Mao, Lênin, Che,
Fidel e Frantz Fanon) e menções freqüentes a que se vai voltar ao assunto
depois ou a que já se tratou dele antes.
Logo na introdução, somos brindados com esta afirmação: “Se
a sectarização, como afirmamos, é o próprio do reacionário, a radicalização é o
próprio do revolucionário. Dai que a pedagogia do oprimido, que implica numa
tarefa radical cujas linhas introdutórias pretendemos apresentar neste ensaio e
a própria leitura deste texto não possam ser realizadas por sectários.” Minha
leitura deste trecho é: “Só quem já concorda comigo pode ler o que escrevo.”
Vou apresentar a seguir o que entendi do livro, procurando
ao máximo omitir minhas opiniões, que guardarei para o final da resenha.
Paulo Freire descreve dois tipos de educação, uma
característica de uma sociedade opressora, outra característica de uma
sociedade livre, ou que luta para se libertar. A educação da sociedade
opressora é chamada de “bancária”, sempre entre aspas, porque ela deposita
conhecimentos nos alunos. Ou seja, ela reduz o aluno a um objeto passivo do
processo educacional, no qual são jogadas informações sobre Português,
Matemática, História, Geografia, Inglês, Física, Química, Biologia, Filosofia.
Já a educação libertadora é chamada de dialógica, porque se baseia no diálogo
entre professores e alunos (educadores e educandos, na linguagem do livro). É
um processo do qual todos são sujeitos ativos e cuja finalidade é ampliar a
consciência social de todos, especialmente dos alunos, para que se viabilize a
revolução que acabará com a opressão. O livro não detalha o que a educação
libertadora fará depois dessa libertação. Imaginamos que mantenha os educandos
conscientes e imunes a movimentos reacionários e contra-revolucionários.
A educação dialógica se baseia no diálogo e o diálogo começa
com a busca do conteúdo programático. Na parte do livro em que há mais
orientações práticas, Paulo Freire recomenda que seja formado um grupo de
educadores pesquisadores que observará os educandos e conversará com eles, em
situações diversas, para conhecer sua realidade e identificar o que ele chama
de temas geradores, que possibilitarão a tomada de consciência dos indivíduos.
Haverá reuniões com a comunidade, identificação de voluntários, conversas e
visitas para compreender a realidade, observações e anotações. Os
investigadores farão um diagnóstico da situação. Então discutirão esse
diagnóstico com membros da comunidade para avaliar o grau de consciência deles.
Constatando que esse nível é baixo, vão apresentar as situações identificadas
aos alunos, para discussão e reflexão, com o objetivo de despertar sua
consciência para sua situação de opressão. Se o pensamento do povo é mágico
(religioso) ou ingênuo (acredita nos valores de direita), isso será superado
pelo processo, conforme o povo pensar sobre a maneira que pensa, e conforme
agir para mudar sua situação de opressão.
Paulo Freire enfatiza que o revolucionário não pode
manipular os educandos. Todo o processo tem de ser construído baseado no
diálogo e no respeito entre os líderes e o povo. Porém, os líderes devem ter a
prudência de não confiar no povo, porque as pessoas oprimidas têm a opressão
inculcada no seu ser. Como exemplo de um líder que jamais permitiu que seu povo
fosse manipulado, Paulo Freire apresenta Fidel Castro.
A palavra é o resultado da soma de ação e reflexão. Se nos
baseamos apenas na reflexão, temos um “verbalismo” estéril. Se nos baseamos
apenas na ação, temos um “ativismo” inepto. Os líderes revolucionários e os
educadores devem compreender que a ação e a reflexão caminham juntas de maneira
indissociável, ou não se atingem os objetivos da educação e da revolução.
As características da opressão são a conquista dos mais
fracos, a criação de divisões artificiais entre os oprimidos para
enfraquecê-los, a manipulação das massas e a invasão cultural. Os opressores se
impõem em primeiro lugar pela força. Depois, jogam os oprimidos uns contra os
outros, para mantê-los subjugados. As pessoas são manipuladas para acreditarem
em falsos valores que lhes são prejudiciais, embora elas não percebam isso. Sua
cultura de raiz é esquecida e trocada por símbolos vazios importados de fora,
num processo que esmaga a identidade do povo.
As características da libertação são a colaboração (que
Paulo Freire grafa co-laboração), a união, a organização e a síntese cultural.
A colaboração está contida em tudo o que foi dito sobre educação dialógica, que
é feita em conjunto pelos educadores e educandos. A união entre os oprimidos é
fundamental para que tenham força para resistir contra o opressor. No trecho em
que explica a organização, é citado o médico Dr. Orlando Aguirre, diretor da
Faculdade de Medicina de uma universidade cubana, que afirmou que a revolução
implica em três P: palavra, povo e pólvora. Disse o Dr. Aguirre: “A explosão da
pólvora aclara a visualização que tem o povo de sua situação concreta, em
busca, na ação, de sua libertação.” E Paulo Freire complementa: “O fato de não
ter a liderança o direito de impor arbitrariamente sua palavra não significa
dever assumir uma posição liberalista, que levaria as massas à licenciosidade.”
Ele afirma que não existe liberdade sem autoridade. Sobre a síntese cultural,
diz que a visão de mundo do povo precisa ser valorizada.
Agora, o que penso sobre o texto. O próprio Paulo Freire
deixa claro em vários momentos, que seu livro não é sobre educação. Ensinar,
transmitir conhecimentos, é uma preocupação da educação “bancária” opressora.
Não é essa a função de um educador libertador. Não, sua função é criar os meios
para uma revolução libertadora, como foram libertadoras as revoluções
promovidas pelos educadores citados: Mao, Lênin, Fidel. Ou seja, a única
preocupação do livro é com os meios para viabilizar uma revolução marxista. Se
você, meu leitor, é professor e acha que essa é a sua função, talvez encontre
conhecimentos úteis no livro. Caso contrário, não há mais nada nele.
Fiz uma coletânea de palavras utilizadas por Paulo Freire
que poderiam ter saído de um discurso de Odorico Paraguaçu: “involucra”, em
lugar de envolve, “implicitados”, em lugar de implícitos, “gregarizadas”, deve
ser um derivado de gregário, “unidade epocal”, em lugar de unidade de tempo,
“fatalistamente”, por fatalisticamente, “insertado”, por inserido. Dois erros
divertidos: chamar Régis Debray de Régis Debret e achar que o nome do padre
Marie-Dominique Chenu OP (onde OP significa Ordo Praedicatorum, Ordem dos
Pregadores, sigla que designa a Ordem dos Dominicanos) é O. P. Chenu. É
sintomático que alguém com tantas dificuldades com a Língua Portuguesa seja o
Patrono da Educação Brasileira, considerado nossa maior autoridade em
alfabetização.
Desafio os bravos leitores a encontrar o sentido dos trechos
a seguir. A melhor interpretação ganhará um pão com mortadela. Os grifos são de
Paulo Freire.
1) «Na verdade, não há eu que se constitua sem um não-eu.
Por sua vez, o não-eu constituinte do eu se constitui na constituição do eu
constituído. Desta forma, o mundo constituinte da consciência se torna mundo da
consciência, um percebido objetivo seu, ao qual se intenciona. Daí, a afirmação
de Sartre, anteriormente citada: “consciência e mundo se dão ao mesmo tempo”.»
2) «O ponto de partida deste movimento está nos homens
mesmos. Mas, como não há homens sem mundo, sem realidade, o movimento parte das
relações homens-mundo. Dai que este ponto de partida esteja sempre nos homens
no seu aqui e no seu agora que constituem a situação em que se encontram ora
imersos, ora emersos, ora insertados.»
3) «Sem ele [o diálogo], não há comunicação e sem esta não
há verdadeira educação. A que, operando a superação da contradição
educador-educandos, se instaura como situação gnosiológica, em que os sujeitos
incidem seu ato cognoscente sobre o objeto cognoscível que os mediatiza.»
4) «Esta é a razão pela qual o animal não animaliza seu
contorno para animalizar-se, nem tampouco se desanimaliza.»
5) «Somente na medida em que os produtos que resultam da
atividade do ser “não pertençam a seus corpos físicos”, ainda que recebam o seu
selo, darão surgimento à dimensão significativa do contexto que, assim, se faz
mundo.»
6) «Porque, ao contrário do animal, os homens podem
tridimensionalizar o tempo (passado-presente-futuro) que, contudo, não são
departamentos estanques.» Alguém pode me dizer como é possível
tridimensionalizar o tempo?
7) «Uma unidade epocal se caracteriza pelo conjunto de
idéias, de concepções, esperanças, dúvidas, valores, desafios, em interação
dialética com seus contrários, buscando plenitude. A representação concreta de
muitas destas idéias, destes valores, destas concepções e esperanças, como
também os obstáculos ao ser mais dos homens, constituem os temas da época.»
Outra característica curiosa são as citações em idiomas
diversos. Há citações de Hegel e Karl Jaspers em inglês, de Marx e Erich Fromm
em espanhol e de Lukács em francês. Todos esses autores escreveram em alemão.
Frantz Fanon, que escreveu em francês, é citado em espanhol. Albert Memmi, que
também escreveu em francês, é citado em inglês, e se menciona que há uma edição
brasileira de seu livro. Mao é citado em francês. Porque todas essas citações
não foram simplesmente traduzidas para o português? E por que Paulo Freire
gosta tanto de ditadores, torturadores e assassinos?
Ele afirma que vender seu trabalho é sempre o mesmo que
escravizar-se. Porém, desejar não ser mais empregado e tornar-se patrão é
escravizar a um outro, tornar-se opressor. Qualquer tipo de contratação de um
indivíduo por outro é maligna, é opressão, é escravidão. Só teremos liberdade
quando a nenhum indivíduo for permitido contratar ou ser contratado por outro
indivíduo. Faz sentido para vocês?
Paulo Freire afirma que os oprimidos devem ser reconhecidos
como Pedro, Antônio, Josefa, mas os chama o tempo todo de “massas”. Diz que
valoriza a visão de mundo do povo, enquanto não perde uma oportunidade de
desdenhar das crenças religiosas desse mesmo povo, chamando-as de mágicas,
sincréticas ou mistificações. E ele se dizia católico.
Como a opressão é uma violência, qualquer violência cometida
pelos oprimidos contra os opressores é sempre uma reação justificada. É um
raciocínio assustador. Nas palavras dele: “Quem inaugura a tirania não são os
tiranizados, mas os tiranos. Quem inaugura o ódio não são os odiados, mas os
que primeiro odiaram. Quem inaugura a negação dos homens não são os que tiveram
a sua humanidade negada, mas as que a negaram, negando também a sua.” Paulo
Freire considera justificados a tirania como resposta a uma tirania anterior e
o ódio como resposta a um ódio anterior. E nega a humanidade de quem ele
resolver chamar de opressores.
Mais um trecho escabroso: «Mas, o que ocorre, ainda quando a
superação da contradição se faça em termos autênticos, com a instalação de uma
nova situação concreta, de uma nova realidade inaugurada pelos oprimidos que se
libertam, é que os opressores de ontem não se reconheçam em libertação. Pelo
contrário, vão sentir-se como se realmente estivessem sendo oprimidos. É que,
para eles, “formados” na experiência de opressores, tudo o que não seja o seu
direito antigo de oprimir, significa opressão a eles. Vão sentir-se, agora, na
nova situação, como oprimidos porque, se antes podiam comer, vestir, calçar,
educar-se, passear, ouvir Beethoven, enquanto milhões não comiam, não calçavam,
não vestiam, não estudavam nem tampouco passeavam, quanto mais podiam ouvir
Beethoven, qualquer restrição a tudo isto, em nome do direito de todos, lhes
parece uma profunda violência a seu direito de pessoa. Direito de pessoa que,
na situação anterior, não respeitavam nos milhões de pessoas que sofriam e
morriam de fome, de dor, de tristeza, de desesperança.»
O fato é que ninguém pode proibir ninguém de comer, vestir,
calçar, educar-se, passear ou ouvir Beethoven. E ninguém pode exigir comer,
vestir, calçar, educar-se, passear ou ouvir Beethoven às custas dos outros.
Uma última citação abjeta: “Mesmo que haja – e
explicavelmente – por parte dos oprimidos, que sempre estiveram submetidos a um
regime de expoliação, na luta revolucionária, uma dimensão revanchista, isto
não significa que a revolução deva esgotar-se nela.” A revolução não deve se
esgotar no revanchismo, mas o revanchismo é parte natural dela. Como alguém que
escreveu essas monstruosidades nunca foi processado por incitação à violência e
apologia do crime? Como alguém com um pensamento tão anti-social pode ser
sequer ouvido, quanto mais cultuado como Patrono da Educação Brasileira?
Chega de doutrinação marxista! Fora Paulo Freire!