A questão da intolerância religiosa está na agenda política
do país. Com preocupante frequência, episódios de violência contra adeptos de
religiões de diversas matrizes chegam ao conhecimento da imprensa ou são
registrados em órgãos institucionais. Atos condenáveis, são evidências de que o
tema merece a atenção da sociedade, através de seus organismos de representação
e prevenção. Ainda que uma escalada generalizada de discriminação no terreno da
fé seja ainda um risco potencial, inibi-lo liminarmente é um imperativo da
democracia.
Há no Brasil um indisfarçável incremento da intransigência.
Religiões de matrizes africanas aparecem como alvos preferenciais da violência.
O Rio de Janeiro tem um dos mais graves perfis desse tipo de violência, um
quadro em que se configura uma perseguição de cunho fundamentalista dirigida
contra esses fiéis. São agressões físicas, invasões de terreiros de umbanda ou
candomblé e outras ações ditadas por crenças que se atribuem o monopólio da fé,
um tônico para a intolerância.
Não são poucos os episódios que justificam a inquietação com
esse tipo de procedimento. Ano passado, mães e filhos de santo foram expulsos
de morros cariocas por adeptos de um ramo religioso neopentecostal. Mais grave
ainda: um juiz federal, ao avaliar uma ação patrocinada por um pastor
neopentecostal, sentenciou que umbanda e candomblé não se constituem religiões.
São exemplos que ajudam a explicar - nunca a justificar - por que pelo menos
metade dos terreiros fluminenses já foi alvo de algum tipo de agressão.
Dentro desse quadro, é compreensível a iniciativa de
representantes de religiões de matriz africana, o ramo mais visado pela
intransigência de fiéis de outras crenças, de entrar no Ministério Público de
26 estados com pedidos de investigação de casos de intolerância religiosa. O
alvo explícito das ações é a criação de um grupo chamado Gladiadores do Altar,
ligado à neopentecostal Igreja Universal do Reino de Deus. Deve-se ressaltar
que, apesar de essas fileiras adotarem uma liturgia militarizada nas suas aparições,
até agora restritas a templos com plateias de fiéis (mas amplamente divulgadas
em vídeos na internet), não há qualquer registro comprovado de que se tenham
envolvido em atos de violência. A própria Iurd assegura, em pronunciamento
oficial, que tem “apreço pelos seguidores de todas as religiões”, e que o
projeto dos Gladiadores “se resume a um programa de ensino religioso pacífico”.
A ver.
De toda forma, cabe agora ao MP investigar se procedem ou
não as preocupações que inspiraram os pedidos de investigação. Por laico e
comprometido com os princípios de um Estado Democrático de Direito, o Brasil
assegura a todos os cidadãos o pressuposto da liberdade de culto e criminaliza
a segregação. Há de fato no país surtos de intolerância religiosa, mesmo que
não generalizados, e é sob esse aspecto que o pleito da umbanda e do candomblé
precisa ser diligenciado. Por prevenção e para que não se dê curso a criminosas
manifestações de violência contra a fé.