quinta-feira, 12 de março de 2015

Carlos Alberto Sardenberg: Não é para principiantes

A gente que nasceu e vive aqui no Brasil vai se acostumando e achando muito natural as coisas que acontecem na política. Por exemplo: a presidente se eleger pela esquerda e governar pela direita. O PMDB estar montado no Executivo e no Legislativo e achar que não manda o suficiente. Um gerente da Petrobras confessa ter acumulado propinas — em caráter pessoal e coletivo! — no valor equivalente a R$ 300 milhões. O partido da ética dizendo que todo mundo rouba.

E isso era piada. Lembram-se do personagem de Jô Soares, o sonegador apanhado pela Receita, que dizia: “Só eu? E os outros?”

Ou da muita antiga frase de Chico Anysio: “No Brasil de hoje, os cidadãos têm medo do futuro. Os políticos têm medo do passado”.

Mas me lembrei mesmo de Tom Jobim — “O Brasil não é para principiantes” — ao imaginar a sua situação, caro leitor, tendo de explicar a conjuntura nacional a um amigo de fora.

Mais ou menos assim: o estrangeiro desembarca no Brasil na sexta-feira, 13 de março, e topa com uma manifestação com muitas bandeiras vermelhas.

— Isso é contra o governo? — pergunta ele, já que esse tipo de manifestação em geral é prerrogativa das oposições.

Você tem que explicar, pelo menos em linhas gerais. Melhor simplificar:

— Na verdade, é a favor da presidente Dilma. É o pessoal dos sindicatos de trabalhadores.

O estrangeiro estranha, ainda mais que, arranhando o português, identifica alguns cartazes que parecem ser contra alguma coisa.

Melhor simplificar de novo:

— Eles estão a favor da presidente, mas contra a política econômica conservadora.

— Então a presidente é de direita?

— Não, é de esquerda, do Partido dos Trabalhadores, que se considera a maior esquerda do mundo.

— Esquerda tipo Cuba, Venezuela ou como a social-democracia e o trabalhismo europeu?

— Meio que uma mistura.

— E por que faz uma política econômica de direita?

Aqui dá para explicar:

— Porque a presidente precisou fazer alianças com partidos de centro e de direita para compor a maioria no Congresso. E porque a economia desenvolvimentista deixou uma baita crise.

Você chega a pensar que está resolvido, mas volta a pergunta do gringo:

— E quem aplicou esse desenvolvimentismo está na oposição?

— Não, porque foi a mesma presidente que fez aquela política no primeiro mandato. E se reelegeu prometendo continuar. Mas aí, sabe como é, inflação, déficit, juros, teve que chamar os ortodoxos para a economia.

Agora parece bem claro. O pessoal mais à esquerda e os sindicatos não gostam da política econômica, estão manifestando isso, mas também querem defender a presidente Dilma do pessoal que está contra ela por outros motivos.

Lógico, o estrangeiro vai querer saber quais outros motivos.

Não faltam: preços em alta, juros em alta, crédito apertado, estagnação, impostos subindo, medo do desemprego e uma baita corrupção. Tem também os que estão contra porque a presidente prometeu uma coisa na campanha e está governando com outra.

Volta o estrangeiro:

— Mas os partidos de direita e centro que fazem parte da coligação dela certamente estão ajudando.

— Pois é, o problema é esse. Tem um partido, o maior deles, PMDB, que tem o vice-presidente da República, seis ministros e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado. E está de briga com a presidente Dilma porque acha que não manda e porque diversos membros do partido estão sendo acusados de corrupção.

— Caramba! É uma campanha da esquerda contra a direita corrupta?

— Não, porque muitos membros do partido da presidente Dilma também estão sendo apanhados na corrupção.

— Então, admira-se o estrangeiro, a presidente de vocês está promovendo uma faxina geral.

— Mais ou menos, não é ela, mas os promotores e os juízes. Para falar a verdade, a presidente está tão nervosa com isso quanto os aliados de direita.

— Então esses manifestantes (o estrangeiro aponta para os sindicalistas) estão contra a política econômica do governo, a corrupção no governo e nos partidos do governo, mas estão a favor do governo e da presidente?

— É mais ou menos por aí, e também a favor da Petrobras, a estatal foco da corrupção.

— Contra a corrupção, mas a favor da empresa onde tudo aconteceu?

— Isso aí.

— E ninguém protesta direto contra a corrupção? — inquieta-se o gringo.

— Essa manifestação será no domingo.

— E será a favor da política econômica ortodoxa?

— Tem gente que até era, mas agora é contra tudo. Sabe como é... Aceita uma caipirinha?