terça-feira, 31 de maio de 2011

Aldo Rebelo: O Código Florestal e a quinta coluna

Conta a lenda que, ao cercar Madri durante a Guerra Civil Espanhola, o general Emilio Mola Vidal, ao ser questionado sobre qual das quatro colunas que comandava entraria primeiro na cidade sitiada, respondeu: “A quinta coluna”. Mola referia-se aos seus agentes, que, de dentro, sabotavam a resistência republicana. Durante a Segunda Guerra Mundial, a expressão tornou-se sinônimo de ações contra o esforço aliado na luta para derrotar o eixo nazi-fascista. A quinta coluna disseminava boatos, procurava enfraquecer e neutralizar a vontade da resistência e desmoralizar a reação contra o inimigo.

Após a votação do Código Florestal, no último dia 24, um restaurante de Brasília acolheu os principais “cabeças” das ONGs internacionais para um jantar que avançou madrugada adentro. A Câmara acabara de aprovar, por 410 x 63 votos, o relatório do Código Florestal e derrotara de forma avassaladora a tentativa do grupo de pressão externo de impedir a decisão sobre a matéria. O ambiente era de consternação pela derrota, mas ali nascia a tática da quinta coluna moderna para pressionar o Senado e o governo contra a agricultura e os agricultores brasileiros. Os agentes internacionais recorreriam à mídia estrangeira e espalhariam internamente a idéia de que o Código “anistia” desmatadores e permite novos desmatamentos.

A sucessão dos fatos ilumina o caminho trilhado pelos conspiradores de botequim. No último domingo, o Estado de S. Paulo abriu uma página para reportagem assinada pelas jornalistas Afra Balazina e Andrea Vialli com a seguinte manchete: “Novo Código permite desmatar mata nativa em área equivalente ao Paraná”. Não há, no próprio texto da reportagem, uma informação sequer que confirme o título da matéria. É evidente que o projeto votado na Câmara não autoriza desmatamento algum. O que se discute é se dois milhões de proprietários que ocupam áreas de preservação permanente (margem de rio, encostas, morros) devem ser expulsos de suas terras ou em que proporção podem continuar cultivando como fazem há séculos no Brasil, à semelhança de seus congêneres em todo mundo.

No jornal O Globo, texto assinado por Cleide Carvalho procura associar o desmatamento no Mato Grosso ao debate sobre o Código Florestal, e as ONGs espalham por seus contatos na mídia a existência de relação entre o assassínio de camponeses na Amazônia e a votação da lei na Câmara dos Deputados. O Guardian de Londres publica artigo de um dos chefetes do Greenpeace com ameaças ao Brasil pela votação do Código Florestal. Tratam-nos como um enclave colonial carente das lições civilizatórias do império.

As ONGs internacionais consideram toda a área ocupada pela agropecuária no Brasil, passivo ambiental que deve ser convertido em floresta. Acham razoável que milhões de agricultores sejam obrigados a arrancar lavoura e capim e plantar vegetação nativa em seu lugar, em um país que mantém mais de 60% de seu território de áreas verdes.

A “anistia” atribuída ao relatório não é explicada pelos que a denunciam, nem a explicação é cobrada pela imprensa. Apenas divulgam que estão “anistiados” os que desmataram até 2008. Quem desmatou até 2008? Os que plantaram as primeiras mudas de cana no Nordeste e em São Paulo na época das capitanias hereditárias? Os primeiros cafeicultores do Pará, Rio de Janeiro e São Paulo no século 18? Os colonos convocados pelo governo de Getúlio Vargas para cultivar o Mato Grosso? Os gaúchos e nordestinos levados pelos governos militares para expandir a fronteira agrícola na Amazônia? Os assentados do Incra que receberam suas terras e só tinham acesso ao título de propriedade depois do desmatamento?

É importante destacar que, pela legislação em vigor, são todos “criminosos” ambientais submetidos ao vexame das multas e autuações do Ministério Público e dos órgãos de fiscalização. Envolvidos na teia de “ilegalidade”, estão quase 100% dos agricultores do país por não terem a Reserva Legal, que a lei não previa, ou mata ciliar, que a legislação de 1965 estabelecia de cinco a 100 metros e, na década de 1980, foi alterada para 30 até 500 metros.

Reconhecendo o absurdo da situação, o próprio governo, em decreto assinado pelo presidente Lula e pelo ministro Carlos Minc, suspendeu as multas em decorrência da exigência “legal”, cujo prazo expira em 11 de junho e que provavelmente será reeditado pela presidente Dilma.

O governo e o País estão sob intensa pressão da desinformação e da mentira. A agricultura e os agricultores brasileiros tornaram-se invisíveis no Palácio do Planalto. Não sei se, quando incorporou à delegação da viagem à China os suinocultores brasileiros em busca de mercado no gigante asiático, a presidente tinha consciência de que quase toda a produção de suínos no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná está na ilegalidade por encontrar-se em área de preservação permanente.

A Câmara dos Deputados, por grande maioria, mostrou estar atenta aos interesses da preservação ambiental e da agricultura, votando uma proposta que foi aceita por um dos lados, mas rejeitada por aqueles que desconhecem ou precisam desconhecer a realidade do campo brasileiro. O Senado tem agora grande responsabilidade e o governo brasileiro precisa decidir se protege a agricultura do País ou se capitulará diante das pressões externas que em nome do meio ambiente sabotam o bem-estar do nosso povo e a economia nacional.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

FHC em entrevista sobre drogas

Mônica Bergamo

PEGA LEVE
FHC defende em filme a descriminalização de todas as drogas, o acesso controlado a entorpecentes leves e admite até a plantação caseira de maconha no Brasil como forma de combater o tráfico

Há três anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se juntou a personalidades como os ex-presidentes César Gaviria, da Colômbia, e Ernesto Zedillo, do México, e aos escritores Paulo Coelho e Mario Vargas Lllosa na Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia. Passou a defender a descriminalização do consumo de entorpecentes. E transformou sua “saga” no filme “Quebrando o Tabu”, de Fernando Andrade, que estreia na sexta, 3. Visitou 18 cidades da América Latina, EUA e Europa, foi a bares que vendem maconha, viu pessoas se drogarem nas ruas.
Mostrou o documentário às netas de 25 anos -que estavam ansiosas para saber, segundo ele, como defenderiam o trabalho “do avô maluco”. FHC falou à coluna.
Abaixo, um resumo:

Folha - O senhor já tem um histórico com o tema: na campanha para prefeito de São Paulo, em 1985, foi acusado de defender o consumo da maconha.
Fernando Henrique Cardoso - Ali foi o uso, pela campanha do Jânio Quadros [que concorria com FHC], de uma entrevista que eu havia dado à revista “Playboy”, em que me perguntaram se eu já tinha provado maconha. Eu contei que a única vez que eu vi alguém com maconha foi no bar P. J. Clarke's, em NY. Eu estava com uns primos banqueiros, bastante compostos. Alguém puxou. Achei o cheiro horrível. Me perguntaram: o senhor tragou? Nem sei tragar, nunca traguei nem cigarro. [A resposta de FHC à “Playboy” foi: “Eu dei uma tragada, achei horrível, acho que é porque nem cigarro eu fumo”.]

E outras drogas?
No meu tempo, não tinha esse negócio. Era só lança-perfume no Carnaval.

E o senhor cheirou lança?
Mas muito pouco. Eu tinha horror dessas coisas. Eu nunca vi cocaína na minha vida. Eu sei que é um pozinho branco, e tal, mas nunca vi. Fui ver gente se drogar agora, na Holanda, fazendo o filme.

Claramente, qual é a sua posição sobre as drogas?
Eu sou a favor da descriminalização de todas as drogas.

Cocaína, heroína?
Todas, todas. Uma droga leve, tomada todo dia, faz mal. E uma droga pesada, tomada eventualmente, faz menos mal. Essa distinção é enganosa. Agora, quando eu digo descriminalizar, eu defendo que o consumo não seja mais considerado um crime, que o usuário não passe mais pela polícia, pelo Judiciário e pela cadeia. Mas a sociedade pode manter penas que induzam a pessoa a sair das drogas, frequentando o hospital durante um período, por exemplo, ou fazendo trabalho comunitário. Descriminalizar não é despenalizar. Nem legalizar, dar o direito de se consumir drogas.

Os manifestantes da Marcha da Maconha, por exemplo, defendem a legalização, o direito de cada um fumar ou não o seu baseado.
Eles defendem não só a legalização, como dizem: “Não faz mal”. Eu não digo isso, porque ela faz mal. Agora, não adianta botar o usuário na cadeia. Você vai condená-lo, estigmatizá-lo. E não resolve. O usuário contumaz é um doente. Precisa de tratamento e não de cadeia.

Eles podem argumentar: faz mal, mas eu tenho o direito de escolher.
Aí é a posição holandesa. Lá você tem o indivíduo como o centro das coisas. Mas a Holanda é um país de formação protestante, capitalista, individualista: “Eu posso decidir por mim. Se eu quiser me matar, eu me mato”. Lá, você não tem o nível de violência, de pobreza e de desinformação que tem no Brasil. Legalizar aqui pode significar realmente você alastrar enormemente o uso de drogas, de uma maneira descontrolada. Na Holanda, eles não tentam levar ninguém ao tratamento. Na cultura brasileira, funcionaria mais o modelo adotado por Portugal.

Como é em Portugal?
Eles descriminalizaram todas as drogas e deram imenso acesso ao tratamento. E como você não tem medo de ir para a cadeia, você procura o hospital. Eles fazem inclusive uma audiência de aconselhamento com o usuário. Portugal está hoje entre os países com a menor expansão do consumo de drogas na Europa Ocidental. Agora, eles combatem o tráfico.

O filme diz que nunca existiu um mundo sem drogas.
Antropologicamente, é verdade. O que não quer dizer que o mundo seja drogado! Agora, droga zero... Crime zero vai existir? Não vai haver nunca mais adultério? Mesmo no Irã, em que jogam pedra? Mas isso não pode dar o sentido de “então, libera”.

Se nunca existirá um mundo sem drogas, de que adianta proibí-las e deixá-las, ilegais, sob controle de traficantes?
Posso te dizer com franqueza? Vai ter que diminuir o consumo. Como? Motivando, e não prendendo as pessoas. O cigarro foi transformado em um estigma. Não era assim há 20 anos. Tem que tirar o glamour da maconha. Ela pode trazer perturbações graves. Tem que haver campanhas sistemáticas, informação, educação.

Os críticos da descriminalização dizem que uma droga leva a outras mais pesadas.
Vamos falar sem hipocrisia: o acesso à maconha é fácil no Brasil. E o elo entre a droga leve e a droga pesada é o traficante. Se você não tem acesso regulado, vai para o traficante. E ele te leva da maconha para outras drogas.

E como seria esse acesso?
Em vários estados americanos, na Europa, há liberdade de produção em pequena quantidade, doméstica. Cada país tem que encontrar o seu caminho.

No Brasil, imagina liberar a plantação caseira?
Por exemplo. Descriminaliza e deixa alguma experimentação. Eventualmente, plantação caseira, por aí. Outra coisa: em alguns países da Europa, o governo fornece a droga para o dependente, para evitar o tráfico. Na Holanda, não é permitido se drogar na rua. Você tem locais específicos. Isso poderia acontecer no Brasil. Em SP, na cracolândia, o pessoal se droga na rua, à vontade. É melhor se drogar na rua ou ter um local específico? Isso não é liberar, é tratar como saúde pública.

Na Holanda “coffee shops” vendem maconha.
Eu fui lá.

E experimentou?
Não, não. Comigo não tem jeito. Eu não beijo sereia. Quer dizer, às vezes, sim. Mas não de drogas [risos]. A produção de maconha é ilegal na Holanda. Os “coffee shops” são solução meia-bomba. É uma coisa meio hipócrita.

Debates sobre costumes são sempre interditados no Brasil. A campanha de 2010 mostrou isso, com o aborto.
Eu fui contra aquilo. Esses assuntos não são de campanha eleitoral. E, se você não tiver coragem de ficar sozinho, não é um líder. Mas no Brasil tem uma vantagem: a proposta mais avançada no Congresso sobre drogas é do líder do PT, o deputado Paulo Teixeira. Ele esteve na minha casa, com o Tarso Genro [governador do Rio Grande do Sul], discutindo essa questão. Nossa posição é parecida. Uma parte da sociedade vai ser sempre contra, mas não estamos defendendo coisas irresponsáveis. A droga faz mal, eu sou contra o uso da droga, tem que fazer campanha para reduzir o consumo. Agora, a guerra contra ela fracassou. Tá aumentando o consumo, tá tendo um resultado negativo, tá danificando as pessoas e a sociedade. Vamos ver se tem outros caminhos. No filme, não estamos dando receitas, e sim abrindo os olhos.

O senhor vai enviar o filme para Dilma Rousseff. A presidente, no entanto, tem se mostrado fechada a discussões sobre o tema das drogas.
É o que dizem. Eu não sei. Não ouvi dela nada. Ela está saindo da campanha eleitoral e tal. Agora [rindo], precisa ver a posição do Lula. Álcool faz mais mal que marijuana.

As ideias que o senhor declara hoje jamais foram aplicadas ou mesmo defendidas em seu governo.
Naquela época, havia uma enorme pressão americana, sobretudo por causa de Colômbia, Peru e Bolívia, que exportavam pasta de coca. E houve uma certa militarização do problema. Os americanos fizeram a ONU aprovar uma convenção com o objetivo de acabar com as drogas. E fizeram muita pressão para o Brasil participar de um entendimento do ponto de vista militar. Nós nos recusamos.

Mas houve cooperação.
Nós tínhamos que mostrar que não deixamos de combater as drogas. Então criamos a Senad [Secretaria Nacional Antidrogas] com um duplo desafio: como é que diminuímos [as drogas] e como é que não nos amolam com essa questão. Fizemos esforços de erradicação de plantações no quadrilátero da maconha em Pernambuco, por exemplo.
Eu acreditava nisso. O problema não era tão violento. Não estava no radar como hoje está. Mas eu confesso que não tinha a posição que hoje eu tenho, porque eu não tinha informação. Meu governo foi isso: ambíguo.

domingo, 29 de maio de 2011

João Ubaldo Ribeiro: Observações de um usuário

A língua inglesa nunca teve academias para formular gramáticas oficiais e certamente seria afogado no Tâmisa ou no Hudson o primeiro que se atrevesse a tentar impor normas de linguagem estabelecidas pelo governo. Sua ortografia, que rejeita acentos e outros sinais diacríticos, é um caos tão medonho que Bernard Shaw deixou um legado para quem a simplificasse e lhe emprestasse alguma lógica apreensível racionalmente, legado esse que nunca foi reclamado por ninguém e certamente nunca será, apesar de algumas tentativas patéticas aqui e ali. Ingleses e americanos dispõem de excelentes manuais do uso da língua, baseados na escrita dos bons escritores e jornalistas - e, quando um americano quer esclarecer alguma dúvida gramatical ou de estilo, usa os manuais de redação de seus melhores jornais.

A segregação racial nos Estados Unidos produziu um abismo linguístico entre a língua falada pelos negros e a usada pelos brancos. Durante muito tempo, a língua dos negros foi vista como uma forma corrompida ou degenerada da norma culta do inglês americano. Mas já faz tempo que essa visão subjetiva e etnocêntrica foi substituída e o inglês falado pelos negros passou a ser visto pela ciência linguística como “black English”, uma língua perfeitamente estruturada, com morfologia e sintaxes próprias, com sua gramática e sua funcionalidade autônoma, não mais como inglês de quinta categoria. E essa visão não foi acatada “de favor” ou para fazer demagogia com a coletividade negra, mas porque se tornou inescapável a existência de uma língua falada por ela, eficaz na comunicação de informação e emoção e que prescindia, sem que isso fizesse falta, de determinados recursos do inglês dominante.

Todos nós, com maior ou menor habilidade, falamos várias línguas, ou dialetos, dentro da, digamos, língua-mãe. Falamos língua de criança, língua chula, língua de solenidade. Podemos não chegar a falar todas as muitas línguas à disposição, mas geralmente as entendemos, como, por exemplo, quando ouvimos um caipira. Essas línguas, em padrões de variedade quase infinita, são todas legítimas, não são “erradas”, pois, em rigor, nenhuma língua que funcione realmente como tal é “errada”. E, muitas vezes, ao falarmos “certo”, estamos na realidade falando inadequadamente, como um orador que, num comício no Mercado de Itaparica, se esbaldasse em proparoxítonas, polissílabos e mesóclises. Eu mesmo falo itapariquês de Mercado razoavelmente bem e alguns entre vocês, se me ouvissem lá, talvez tivessem dificuldade em entender algo que eu dissesse, por exemplo, a meu amigo Xepa.

Cientificamente, a neutralidade quanto a línguas, dialetos ou usos subsiste. Mas não socialmente, e é isso o que me parece ainda estar sendo discutido em torno da propalada aceitação, pelo MEC, de erros de português. “Erro de português” é uma expressão que desagrada ao linguista, porque ele não vê o fenômeno sob essa ótica. No entanto, é assim que o enxerga o público, mesmo o analfabeto, que aprende pelo ouvido a distinguir o certo do errado. Isto porque sempre se entendeu no Brasil que ensinar português é ensinar a norma culta, que, durante muito tempo, foi até mesmo ditada pelos usos de Portugal.

Quer se queira quer não - e há séculos de formação por trás disso -, a norma culta é tida como a correta e a única que representa verdadeiramente nossa língua. Sua violação é tolerada em manifestações literárias e artísticas de modo geral - e, assim mesmo, funciona mais quando o intuito é obter efeitos cômicos, ou “folclóricos”, com essa violação. As pessoas costumam observar a adesão à norma culta no que ouvem e leem. Falar e escrever de acordo com ela é socialmente muito valorizado e resulta num poder de que a maioria não se sente boa detentora e ao qual todos aspiram. Não é questão linguística, é questão política. Não se trata de dizer aos que desconhecem a norma culta que a fala deles tem a mesma legitimidade, porque não adianta, não “cola” na sociedade. Trata-se de ensinar a esse praticante o pleno domínio da norma culta, a qual, mesmo tendo que absorver mudanças, nunca abdicará de sua hegemonia e é a de que ele vai precisar para subir na vida.

Advertir contra o preconceito sofrido por quem “fala errado” também não adianta nada, diante da força onipresente da norma culta. (Aliás, no Brasil estamos sempre à frente e agora legislamos sobre preconceitos e tornamos ilegal ter preconceitos, quando isto é praticamente impossível, pois o possível é apenas tornar ilegal a manifestação do preconceito.) A fala é dos mais importantes recursos para o que se poderia chamar de reconhecimento social da pessoa. Vendo alguém pela primeira vez, fazemos, conscientemente ou não, um julgamento automático. Aprontamos uma ficha mental, avaliamos a roupa, a idade, o estado dos dentes e, inevitavelmente, a fala, através da qual é frequentemente possível saber a origem e a extração social de um interlocutor eventual. A norma culta, a dominante, a que é ensinada como correta, mostra sua cara imediatamente e se reflete logo na maneira pela qual o sujeito é percebido e tratado. Ferreira Gullar tem razão, a crase não foi feita para humilhar ninguém. Mas humilha o tempo todo. E agora, pensando aqui nessa tirania da norma culta, fico imaginando se ela não é empregada com esse fim, por certos fiscais dogmáticos. Não devia ser, porque, afinal, ela é necessária para preservar e aprimorar a precisão da linguagem científica e filosófica, para refinar a linguagem emocional e descritiva, para conservar a índole da língua, sua identidade e, consequentemente, sua originalidade. Ao contrário do que entendi de certas opiniões que li sobre o assunto, a norma culta não tem nada de elitista, é ou devia ser patrimônio e orgulho comuns a todos. Elitismo é deixá-la ao alcance de poucos, como tem sido nossa política.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Guilherme Fiúza: Lula e o esgoto do PT

O escândalo de corrupção na prefeitura de Campinas não tem nada de escandaloso. Tudo nesse caso é absolutamente normal. Há uma ordem de prisão contra o vice-prefeito, do PT, que está foragido. Segundo o Ministério Público, ele é uma das cabeças de um propinoduto montado no serviço de águas e esgotos.Qual é a novidade? Nenhuma. É mera repetição do padrão consagrado, que tem no caso Celso Daniel seu emblema máximo: PT, lixo, esgoto, propina. Em meio a essa mesmice, mais uma revelação trivial: no caminho da propina entre a empreiteira e a companhia de saneamento aparece, como suspeito, um empresário.

Adivinhe de quem ele é amigo? Acertou. É amigo do filho do Brasil. Luiz Inácio da Silva, o homem e o mito, é candidato a um verbete no Guinness. Entrará no livro dos recordes como o cidadão com o maior número de amigos acusados de alguma trampolinagem. Até no episódio do dossiê dos aloprados, os principais suspeitos eram amigos de Lula. Tinha o churrasqueiro do presidente, o segurança e personal-chapa do presidente, o sindicalista de fé e irmão camarada do presidente desde os anos 70, e assim por diante.Isso para não falar em Delúbio, Silvinho, Gushiken e grande elenco mensaleiro – todos da cota afetiva de Lula.

O aparecimento de mais um amigo do ex-presidente no caso do esgoto de Campinas não tem, portanto, qualquer relevância. Será possível que o Ministério Público ainda não entendeu o jeito Lula de fazer amizades? Em vez de ficarem implicando com o ex-operário, deveriam estimulá-lo a ampliar o temário de suas valiosas palestras. Além de ensinar o jeito PT de administrar, Lula poderia discorrer sobre a importância do afeto na política. E explicar como se faz para ter um milhão de amigos fichas-sujas, mantendo intacta a estampa de herói. Seria um sucesso. Ele nem precisaria explicar como ficou amigo de Dilma Rousseff.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Lei da Homofobia: Redação Final PLC 122/06

Redação Final PLC 122/06
(projeto de lei nº 5.003-b, de 2001)

Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dá nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5° da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e dá outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, definindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.

Art. 2º A ementa da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.”(NR)

Art. 3º O caput do art. 1º da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º Serão punidos, na forma desta Lei, os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero.”(NR)

Art. 4º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 4º-A:

“Art. 4º-A Praticar o empregador ou seu preposto atos de dispensa direta ou indireta:

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”

Art. 5º Os arts. 5º, 6º e 7° da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 5º Impedir, recusar ou proibir o ingresso ou a permanência em qualquer ambiente ou estabelecimento público ou privado, aberto ao público:

Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos.”(NR)

“Art. 6º Recusar, negar, impedir, preterir, prejudicar, retardar ou excluir, em qualquer sistema de seleção educacional, recrutamento ou promoção funcional ou profissional:

Pena – reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.

Parágrafo único. (Revogado).”(NR)

“Art. 7º Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a hospedagem em hotéis, motéis, pensões ou similares:

Pena – reclusão de 3 (três) a 5 (cinco) anos.”(NR)

Art. 6º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 7º-A:

“Art. 7º-A Sobretaxar, recusar, preterir ou impedir a locação, a compra, a aquisição, o arrendamento ou o empréstimo de bens móveis ou imóveis de qualquer finalidade:

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”

Art. 7º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes art. 8º-A e 8º-B:

“Art. 8º-A Impedir ou restringir a expressão e a manifestação de afetividade em locais públicos ou privados abertos ao público, em virtude das características previstas no art. 1º desta Lei:

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”

“Art. 8º-B Proibir a livre expressão e manifestação de afetividade do cidadão homossexual, bissexual ou transgênero, sendo estas expressões e manifestações permitidas aos demais cidadãos ou cidadãs:

Pena: reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos.”

Art. 8º Os arts. 16 e 20 da Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 16. Constituem efeito da condenação:

I – a perda do cargo ou função pública, para o servidor público;

II – inabilitação para contratos com órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional;

III – proibição de acesso a créditos concedidos pelo poder público e suas instituições financeiras ou a programas de incentivo ao desenvolvimento por estes instituídos ou mantidos;

IV – vedação de isenções, remissões, anistias ou quaisquer benefícios de natureza tributária;

V – multa de até 10.000 (dez mil) UFIRs, podendo ser multiplicada em até 10 (dez) vezes em caso de reincidência, levando-se em conta a capacidade financeira do infrator;

VI – suspensão do funcionamento dos estabelecimentos por prazo não superior a 3 (três) meses.

§ 1º Os recursos provenientes das multas estabelecidas por esta Lei serão destinados para campanhas educativas contra a discriminação.

§ 2º Quando o ato ilícito for praticado por contratado, concessionário, permissionário da administração pública, além das responsabilidades individuais, será acrescida a pena de rescisão do instrumento contratual, do convênio ou da permissão.

§ 3º Em qualquer caso, o prazo de inabilitação será de 12 (doze) meses contados da data da aplicação da sanção.

§ 4º As informações cadastrais e as referências invocadas como justificadoras da discriminação serão sempre acessíveis a todos aqueles que se sujeitarem a processo seletivo, no que se refere à sua participação.”(NR)

“Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero:

§ 5º O disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica.”(NR)

Art. 9º A Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 20-A e 20-B:

“Art. 20-A. A prática dos atos discriminatórios a que se refere esta Lei será apurada em processo administrativo e penal, que terá início mediante:

I – reclamação do ofendido ou ofendida;

II – ato ou ofício de autoridade competente;

III – comunicado de organizações não governamentais de defesa da cidadania e direitos humanos.”

“Art. 20-B. A interpretação dos dispositivos desta Lei e de todos os instrumentos normativos de proteção dos direitos de igualdade, de oportunidade e de tratamento atenderá ao princípio da mais ampla proteção dos direitos humanos.

§ 1º Nesse intuito, serão observadas, além dos princípios e direitos previstos nesta Lei, todas as disposições decorrentes de tratados ou convenções internacionais das quais o Brasil seja signatário, da legislação interna e das disposições administrativas.

§ 2º Para fins de interpretação e aplicação desta Lei, serão observadas, sempre que mais benéficas em favor da luta antidiscriminatória, as diretrizes traçadas pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos, devidamente reconhecidas pelo Brasil.”

Art. 10. O § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 140.

§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero, ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Pena: reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.”(NR)

Art. 11. O art. 5º da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:

“Art. 5º

Parágrafo único. Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, orientação sexual e identidade de gênero, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.”(NR)

Art. 12. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Sala das Sessões, em 23 de novembro de 2006.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Dora Kramer: Por uma vida pior

O Ministério da Educação decidiu não tomar conhecimento da adoção em escolas públicas do livro Por uma Vida Melhor, que “ensina” a língua portuguesa com erros de português. Avalizou, quando autorizou a compra e a distribuição, e depois corroborou seu apoio àquela ode ao desacerto ao resolver que a questão não lhe diz respeito.

Fica, portanto, estabelecido que o ministério encarregado dos assuntos educacionais no Brasil, além de desmoralizar os mecanismos de avaliação de desempenho escolar, não vê problemas em transmitir aos alunos o conceito de que as regras gramaticais são irrelevantes.

Pelo raciocínio, concordância é uma questão de escolha. Dizer “nós pega o peixe” ou “nós pegamos o peixe” dá no mesmo. “Os menino” ou “o menino”, na avaliação do MEC, são duas formas “adequadas” de expressão, conforme o conceito adotado pela autora, Heloísa Ramos, note-se, professora.

A opção pelo correto passa a ser considerada explicitação de “preconceito linguístico”.

De onde, “nós vai ao mercado todos os dias” pode ser um exemplo de construção gramatical plenamente aceitável em salas de aula e fora delas. “As notícia” também “poderá” ser “apresentada” todas as noites nos jornais de televisão sem que os apresentadores sejam importunados por isso.

Ironias à parte, o assunto é da maior seriedade. Graves e inacreditáveis tanto a tese defendida pela professora quanto a posição do ministério em prol da incultura que apenas dificulta o acesso a uma vida melhor.

Aceitar como correta a argumentação de que a linguagem oral se sobrepõe ao idioma escrito em quaisquer circunstâncias e que não existe mais o “certo” nem o “errado”, mas sim o “adequado” e o “inadequado” em face das deficiências educacionais, equivale a aceitar a revogação de todas as regras.

Não apenas do português, mas de todos os outros itens que compõem o currículo escolar. Com precisão, a escritora Ana Maria Machado exemplifica: “Seria como aceitar que dois mais dois são cinco”.

Ou consentir na adaptação da história e da geografia ao estágio do conhecimento de cada um.

Tal deformação tem origem na plena aceitação do uso impróprio do idioma por parte do ex-presidente Lula, cujos erros de português se tornaram inimputáveis, por supostamente simbolizarem a mobilidade social brasileira.

Corrigi-los ou cobrar o uso correto da língua pelo primeiro mandatário da nação viraram ato de preconceito.

Eis o resultado da celebração da ignorância, que, junto com a banalização do malfeito, vai se confirmando como uma das piores heranças do modo PT de governar.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Dora Kramer: Supremacia

O governo já conseguiu fazer com que o valor do salário mínimo seja estabelecido anualmente por decreto, pondo fim ao debate de todos os anos no Congresso.

Agora, na proposta do novo Código Florestal, quer estabelecer que as permissões de plantio em área de preservação permanente nas margens dos rios sejam também decididas por decreto.

Para as obras necessárias à realização da Copa o Mundo de 2014, tenta aprovar uma legislação específica para fugir dos rigores da Lei de Licitações, alegando urgência depois de ter tido quatro anos desde a indicação do Brasil para dar início aos trabalhos pelo processo normal.

O controle dito “social” dos meios de comunicação só poderá ser considerado fora da agenda, como prometeu a presidente Dilma Rousseff, depois de divulgado o texto do projeto de regulação em exame no Ministério das Comunicações.

Já cooptou os movimentos sociais, desmontou a autonomia das agências reguladoras, manda na maioria dos partidos (cuidadosamente desmoralizados), influencia na redistribuição de forças dissidentes do campo adversário, estimula as lideranças que lhe parecem mais convenientes na oposição, trabalha para adaptar a reforma política aos seus interesses (por que Lula cuidaria pessoalmente do assunto?) e por aí vão os exemplos.

São fatos, não visões de fantasmas ao meio-dia.

O governo caminha, devagar e no uso dos instrumentos disponíveis na democracia, para conquistar o controle das instituições construindo uma hegemonia político, social, legislativa, cultural e mais o que puder açambarcar até consolidar-se na posição de suprema instância de decisão.

Faz isso nas barbas de uma sociedade inerte e de uma oposição cúmplice que parecem ter dificuldades para decodificar sinais e ligar os pontos.

O avanço do Executivo sobre as instituições é esperto, pois não se dá a partir de um projeto explícita e assumidamente autoritário: acontece de maneira sub-reptícia, por meio de movimentos isolados que, no entanto, têm sempre como pano de fundo o objetivo da dominação, da prevalência absoluta de uma força política sobre as demais.

A aparência é democrática, mas a intenção é francamente impositiva, considerando-se que não se vê um só gesto plural, que aceite o contraditório como algo natural. Só o pensamento alinhado ao governismo é tido como democrático e a divergência, tachada de antipatriótica, “perdedora”, indigna de atenção.

O raciocínio segundo o qual quem ganhou as eleições é quem tem razão está disseminado em todos os setores: na política, no mundo dos negócios, na sociedade e, um pouco menos, também na imprensa.

A discussão e as tentativas de votação do novo Código Florestal encerram demonstrações de sobra a respeito do acima exposto: o governo não tem maioria para aprovar o ponto que para ele é crucial - o poder de mando discricionário sobre as áreas de proteção - e, no lugar de compor, procura impor. É a lógica de sua atuação.

Não há crise na base. O que existe são interesses conflitantes que permeiam todas as bancadas no tema específico do uso produtivo da terra e da preservação ambiental.

O impasse se dá justamente porque o governo não administra divergências. Simplesmente quer vê-las extintas.

Mal parado. Em um ambiente que se pretendesse decente, a acusação do deputado Aldo Rebelo ao marido da ex-senadora Marina Silva - “contrabandista de madeira” -, seguida da confissão de que como líder do governo ajudou a abafar o caso, não poderia terminar com o dito pelo não dito.

Mas, como a conjuntura não se pretende decente, prevalecerá o deixa-disso.

Resumo da ópera. Em entrevista ao jornal Valor, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, resumiu no que consiste o poder de atração do PSD: “O conjunto de forças que sempre esteve no governo, ao cabo de oito anos fora dele, resolveu mudar para ser o que sempre foi: base de governo”.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Arthur Dapieve: Bin Laden venceu

Quando, na noite de 30 de abril de 2011, o presidente americano Barack Obama foi à TV anunciar que um comando especial da Marinha havia matado o terrorista saudita Osama bin Laden, no Paquistão, o mundo suspirou aliviado por um instante. Um dos homens mais perigosos da História enfim estava fora de combate. De quebra, Obama neutralizava a acusação da direita de sua terra de que não era patriota, sequer era americano. Parecíamos salvos até 2016. Não de Bin Laden, mas de Sarah Palin.

Por definição, porém, um instante passa logo. E aquele foi extraordinariamente breve. Cutucada por uma frase tola do próprio presidente (“O mundo é um lugar melhor e mais seguro por causa da morte de Osama bin Laden”), a opinião pública mundial mudou de tom, do predominantemente festivo ao predominantemente acusatório. Obama nunca teve a menor chance. A falta de regras do jogo indicava que a vitória “moral” seria exclusividade de um dos lados, o de Osama bin Laden.

Argumentou-se que os EUA deveriam ter pedido autorização ao Paquistão para o ataque de 38 minutos em Abbottabad, de modo a não ferir a soberania de seu aliado e o Direito Internacional. Certo. Não se explicou como isso seria compatível com o sucesso da operação, diante da obviedade de que, para “se esconder” daquela maneira, a menos de um quilômetro da maior academia militar do Paquistão, Bin Laden contava com a guarida de gente graúda no governo local, gente que vazaria a informação.

Argumentou-se que os EUA deveriam ter capturado e julgado Bin Laden antes de, eventualmente, executá-lo de acordo com os procedimentos legais. Certo. Não se explicou como isso seria feito. O terrorista iria engrossar a lista dos presos talibãs e da Al-Qaeda em Guantánamo, aquele centro de tortura em solo cubano que Obama prometeu fechar? Ou teria o privilégio de uma prisão em solo americano? Receberia um julgamento justo? Militantes pró-vida protestariam contra a pena de morte?

Argumentou-se que, já que Bin Laden fora morto mesmo, os EUA ao menos deveriam ter divulgado as fotos do corpo. A maligna Sarah Palin chegou a dizer que não mostrá-las era “covardia”. Certo. Não se explicou como isso seria coerente com os protestos escutados em outras ocasiões, como na morte de Saddam Hussein e de seus filhos, protestos de que a exibição profanava os defuntos. Se fosse apenas para atestar o óbito de Bin Laden, a Al-Qaeda se apressou a fazer o reconhecimento.

Como se lê, não havia a menor possibilidade de Obama ganhar a parada contra Bin Laden. Qualquer atitude que o presidente tomasse estaria errada, assim como estaria errada também a atitude contrária. Talvez matar o terrorista nem fosse mais necessário, a não ser como mera vingança, como observou o sempre arguto Robert Fisk, num artigo para o “Independent”: Bin Laden e sua pregação por um único califado para todo o mundo islâmico já haviam sido aposentados pelo atual clamor árabe por democracia.

A guinada da percepção mundial dos acontecimentos de Abbottabad pode ser espantosa, não surpreendente. Parece-me haver três razões complementares para a proteção póstuma a Bin Laden: as próprias características de uma “guerra assimétrica”, travada entre um Estado legalmente constituído e um grupo de pessoas à margem das leis, para o bem ou (era o caso) para o mal; o velho antiamericanismo; e, mais interessante talvez, uma forma de autopreservação da opinião pública.

Ao declarar guerra ao terror, os EUA caíram numa armadilha das “guerras assimétricas”. Eles deveriam travá-la sem infringir as leis internacionais, ao passo que a Al-Qaeda nunca precisaria respeitar o que quer que fosse, nem mesmo certos preceitos do Corão que proclama defender. Ao infringir as leis, em Guantánamo, Abu Ghraib ou Abbottabad, os EUA se igualariam a seus inimigos (e a seus próprios fantasmas). Um aparente paradoxo, num tipo de conflito que se define por ser desigual.

Maniqueísmo herdado da Guerra Fria, o antiamericanismo continua, claro, a desempenhar um papel crucial na recepção às ações, hesitações ou omissões dos EUA. Se eles fazem algo, há de estar errado, sempre. Idem se não fazem. Soa como a “moral de escravo”, na acepção de Nietzsche, ou seja, como o conjunto de valores derivados da circunstância de se estar numa condição inferior. Bin Laden forneceu uma nova face a esse ressentimento, substituindo o “romântico” Che Guevara das camisetas.

Por fim, o assassinato de Bin Laden lembrou-me o episódio do ônibus 174, em 12 de junho de 2000. Durante as horas em que Sandro Barbosa do Nascimento manteve reféns, as pessoas em torno das TVs urravam para que um atirador lhe estourasse os miolos. Deu tudo errado. O policial matou a refém feita de escudo, e o sequestrador foi asfixiado no camburão. Então, as mesmas pessoas lincharam a PM. É como se houvesse um modo “certo” de matar, em que pessoas “de bem” saciassem os próprios instintos assassinos. Ou isso ou acaba o transe, e o agressor se torna vítima. Seria este o caso de Bin Laden, envelhecido, desarmado, ao arrepio da soberania paquistanesa, tadinho.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Manoel Pastana, Procurador Regional da República: Pedido de responsabilização criminal de Lula pelo mensalão

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, DOUTOR ROBERTO GURGEL.

No Brasil, muitas pessoas acreditam na impunidade. Parece que o ex-Presidente Lula não só acredita como tem certeza, e até fez piada com as irrisórias multas sofridas por sucessivas infrações à Lei Eleitoral. É preciso colocar um basta nisso, pois é inadmissível que o rigor da lei seja aplicado apenas ao pequeno infrator. Por exemplo, a Controladoria-Geral da União (CGU) anunciou que, durante o Governo Lula, quase três mil servidores do Executivo foram demitidos. Todavia, não há notícia de que a CGU tenha agido para apurar os gravíssimos fatos informados na Ação de Improbidade Administrativa, suporte desta representação.

Aliás, é bem provável que parte dessas demissões tenha ocorrido porque os servidores punidos se opuseram a práticas criminosas e foram perseguidos. Conforme registrado e demonstrado nesta peça, em 2004, a Coordenadora-Geral de Benefícios do INSS foi exonerada porque se recusou a publicar o convênio fraudulento, que proporcionou ao banco BMG faturar mais de três bilhões de reais em empréstimos a aposentados e pensionistas. Esse banco é suspeito de ter participado do esquema do mensalão.

O recente relatório da Polícia Federal (publicado na imprensa) não só ratifica como traz mais detalhes sobre o esquema do mensalão. Esta representação baseia-se nesse relatório e, principalmente, nos elementos de provas colhidos no Inquérito Civil Público nº 1.16.000.001672/2004-59, que angariou as provas que são utilizadas na Ação de Improbidade, proposta recentemente contra o ex-Presidente Lula. A ação de improbidade busca responsabilizá-lo civil e administrativamente por atos gravíssimos, que têm relação direta com o esquema do mensalão.

O objetivo da presente representação é instar a promoção da responsabilidade criminal do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, uma vez que as responsabilidades civil e administrativa são objeto da ação de improbidade há pouco ajuizada, que traz fatos gravíssimos diretamente ligados ao mensalão. Foi o ex-Presidente Lula quem praticou atos materiais que fomentaram esse gigantesco esquema criminoso, e sem a presença dele na ação penal, o STF não terá elementos para condenar os líderes, mormente os autores intelectuais do esquema criminoso, pois estes não praticaram atos materiais e não deixaram rastros. Do jeito que está, apenas os integrantes braçais da “sofisticada organização criminosa” (o mensalão no dizer da denúncia levada ao STF) serão condenados.

Por ano, cada brasileiro trabalha cerca de seis meses apenas para pagar impostos. Essa carga tributária é exagerada, absurda para os padrões de um país como o Brasil (altas cargas tributárias são comuns em países ricos. Aqui, contudo, a carga é tão alta que são raros os países ricos que têm carga tributária semelhante a nossa). Caso não haja punição exemplar para os líderes envolvidos no gigantesco esquema do mensalão, os vultosos recursos arrecadados com os impostos continuarão sendo insuficientes para prestar serviços públicos de boa qualidade, uma vez que grande parte do que é arrecadado vaza pelo ralo da corrupção, que se alastrou no país. Atualmente, é raro encontrar uma obra ou serviço público que não esteja contaminado pela corrupção, e a tendência é piorar. Para servir de exemplo, é preciso segregar por longos anos os grandes corruptos, especialmente os líderes do mensalão, considerado o maior esquema criminoso de todos os tempos, que envolveu até produção sucessiva de atos legislativos. Enquanto isso não for feito, a corrupção continuará crescendo, pois o corrupto sentir-se-á seguro de que vale a pena apoderar-se dos recursos públicos.

MANOEL DO SOCORRO TAVARES PASTANA, Procurador Regional da República, endereço funcional na Rua Sete de Setembro nº 1133, Centro, Porto Alegre/RS, com supedâneo no artigo 5º, inciso XXXIV, alínea a, da Constituição Federal e no artigo 236, inciso VII, da Lei Complementar 75/1993, vem

R E P R E S E N T A R
Contra o senhor LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, ex-Presidente da República, CPF 070.680.938-68, residência na Av. Francisco Prestes Maia, 1501, bl. 01, apto 122, Santa Terezinha, São Bernardo do Campo-SP, pelos fundamentos de fato e de direito a seguir delineados.

AS CARTAS DO MENSALÃO

1 - Conforme os autos do processo nº 7807-08.2011.4.01.3400, em trâmite na 13ª Vara Federal, Seção Judiciária de Brasília, no dia 15 de janeiro de 2011, a Procuradoria da República no Distrito Federal manejou ação de improbidade administrativa contra o ex-Presidente Lula e o ex-Ministro da Previdência Social Amir Lando. Conforme consta na inicial da ação, foram enviadas 10.657.233 (dez milhões, seiscentas e cinquenta e sete mil, duzentas e trinta e três) cartas endereçadas a segurados da Previdência Social (aposentados e pensionistas), instando-os a tomar empréstimos bancários consignados em folha de pagamento. As correspondências foram assinadas pelo ex-Presidente Lula e pelo o ex-Ministro Almir Lando e, conforme a imputação, teriam o propósito de convencer os aposentados a tomar empréstimos junto ao banco privado BMG. A ação de improbidade busca a responsabilidade civil e administrativa, já esta representação objetiva instar a promoção da responsabilidade criminal do ex-Presidente.

2 - É que, segundo a denúncia do mensalão (doc.01), que resultou no maior processo criminal da história do Supremo Tribunal Federal, o banco BMG teria participação no esquema criminoso, repassando vultosas quantias ao Partido dos Trabalhadores, sob o disfarce de empréstimos bancários. Veja-se o que diz trecho da acusação (fl. 17 da denúncia): “Também foram repassadas diretamente pelos Bancos Rural e BMG vultosas quantias ao Partido dos Trabalhadores, comandado formal e materialmente pelo núcleo central da quadrilha, sob o falso manto de empréstimos bancários.” (grifo nosso). E mais. Conforme consta à fl. 182 do relatório da Polícia Federal, divulgado recentemente pela imprensa, a perícia contábil detectou cinco “empréstimos” milionários feitos, entre 2003 e 2004, pelo Banco BMG ao PT e mais três empresas que teriam participado do mensalão.

3 - A denúncia do mensalão afirma que o BMG foi beneficiado com operações financeiras decorrentes de empréstimos bancários feitos a segurados do INSS, mediante consignação em folha de pagamento. Veja-se o que diz a inicial da Ação 470, em trâmite no STF (fl. 18 da denúncia): “Ficou comprovado que o Banco BMG foi flagrantemente beneficiado por ações do núcleo político-partidário, que lhe garantiram lucros bilionários na operacionalização de empréstimos consignados de servidores públicos, pensionistas e aposentados do INSS, partir de 2003, quando foi editada a Medida Provisória nº 130, de 17.09.03, dispondo sobre o desconto de prestações em folha de pagamento dos servidores públicos e também autorizando o INSS a regulamentar o desconto de empréstimos bancários a seus segurados”.

4 - O que a denúncia do mensalão não apontou e agora está categoricamente demonstrada, mediante provas robustas, é a participação decisiva do ex-Presidente Lula na trama arquitetada para favorecer o banco BMG com tais empréstimos. Daí o motivo desta representação, pois se trata de fato novo, que tem relação direta e fundamental com a Ação Penal nº 470, em trâmite na Suprema Corte.

5 - A Ação de Improbidade Administrativa, ajuizada contra o ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é resultado da apuração levada a efeito no Inquérito Civil Público nº 1.16.000.001672/2004-59, da Procuradoria da República no Distrito Federal, que contou com exames técnicos realizados pelo Tribunal de Contas da União (TC nº 012.633/2005-8 e TC nº 014.276/2005-2).

6 - O conteúdo do referido Inquérito Civil Público é assustador e estarrecedor. Para que o Banco BMG se beneficiasse dos referidos empréstimos, produziram-se atos normativos, violaram-se regras elementares que norteiam a Administração Pública, como as que estão elencadas na Lei de Licitações (Lei 8.666/1993), ignorando-se, entre várias exigências legais, previsão orçamentária e regras contratuais básicas; coagiram-se servidores públicos, inclusive exonerando servidora que não aceitou participar da trama montada para favorecer o banco suspeito. Ao final, depois de incluir o citado banco como privilegiada instituição financeira a efetuar os empréstimos consignados em folha de pagamento, o ex-Presidente Lula e o ex-Ministro da Previdência Amir Lando assinaram carta dirigida aos segurados da Previdência, informando sobre os “vantajosos empréstimos”. Como se verá adiante, a carta tinha o nítido propósito de incentivar o segurado a contrair o empréstimo anunciado, pois fala até dos valores “vantajosos” dos juros.

7 - A intenção era enviar 17 milhões de cartas aos segurados, todavia, após a emissão, impressão e postagem de 10.657.233 (dez milhões, seiscentos e cinquenta e sete mil, duzentos e trinta e três cartas), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), em dezembro de 2004, suspendeu a operação. Além das mais de 10 milhões de cartas enviadas, 453.329 (quatrocentos e cinquenta e três mil, trezentas e vinte e nove mil) foram emitidas, mas não impressas e outras 510.625 (quinhentas e dez mil, seiscentas e vinte e cinco), que tinham sido emitidas e impressas, mas ainda não postadas, foram destruídas.

8 - O custo de produção e de postagem das cartas foi de R$ 9.526.070,54 (nove milhões, quinhentos e vinte e seis mil, setenta reais e cinquenta e quatro centavos). Por considerar a conduta ilegal, pois teria a finalidade de fazer promoção pessoal do ex-Presidente da República e de favorecer o banco BMG, a Procuradoria da República no Distrito Federal aviou ação de improbidade administrativa contra o ex-Presidente Lula e o ex-Ministro da Previdência Amir Lando, objetivando a responsabilização administrativa e o ressarcimento ao erário do valor utilizado na produção e remessa das cartas.

9 - As condutas são gravíssimas, pois o elevado prejuízo ao erário com o custo da emissão, impressão e postagem (superfaturadas) das cartas, e inúmeras infrações a regras administrativas tiveram o nítido propósito de fomentar - com vultosos recursos - o esquema criminoso do mensalão. A empreitada deu tão certo que, segundo o Tribunal de Contas da União, apesar de o banco BMG ser muito pequeno, pois tinha apenas 10 agências e 79 funcionários na área operacional, fez mais empréstimos a segurados do INSS do que Caixa Econômica Federal com suas mais de duas mil agências. A título exemplificativo, até meados de 2005, a gigante Caixa Econômica havia celebrado 964.567 (novecentos e sessenta e quatro mil, quinhentos e sessenta e sete) contratos de empréstimos a segurados do INSS, faturando R$ 2.380.992.632,75 (dois bilhões, trezentos e oitenta milhões, novecentos e noventa e dois mil, seiscentos e trinta e dois reais e setenta e cinco centavos). Por outro lado, o minúsculo BMG fez bem mais, apesar de ter iniciado a operação vários meses após a Caixa (inicialmente só bancos pagadores de benefícios poderiam conceder os empréstimos; contudo, a regra foi alterada para proporcionar a habilitação do BMG). O banco suspeito, ou melhor, suspeitíssimo, celebrou 1.431.441 (um milhão, quatrocentos e trinta e um mil, quatrocentos e quarenta e um) contratos de empréstimos do mesmo perfil financeiro, com faturamento de R$ 3.027.363.821,06 (três bilhões, vinte e sete milhões, trezentos e sessenta e três mil, oitocentos e vinte um reais e seis centavos), isso até agosto de 2005.

SEQUÊNCIA DOS ATOS NORMATIVOS QUE FAVORECERAM O BMG

10 - A Medida Provisória nº 130, de 17 de setembro de 2003 (doc.02), editada pelo ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, instituiu empréstimos consignados em folha de pagamento a segurados do INSS. De acordo com o artigo 62 da Constituição Federal, em caso de relevância e urgência, o Presidente da República pode adotar medida provisória com força de lei. Ora, a concessão de empréstimos bancários não parece preencher o requisito da relevância nem da urgência, essa aberração, por si só, indica algo anormal. Mas isso é apenas um pequeno detalhe, pois o que veio depois escancara, com todas as letras, o verdadeiro objetivo da empreitada que contou com a participação sucessiva, efetiva e determinante do ex-Presidente Lula.

11 - Pouco tempo após a edição da famigerada e suspeitíssima Medida Provisória houve a sua conversão na Lei 10.820/2003 (doc.03). Ocorre que um parecer da Procuradoria Federal do INSS entendeu não ser possível a concessão dos empréstimos por instituições financeiras que não fossem pagadoras de benefícios previdenciários. Esse parecer inspirou a Instrução Normativa nº 097/INSS/DC, de 17 de novembro de 2003 (doc. 04), que assim dispôs no artigo primeiro: “Podem ser consignados descontos na renda mensal dos benefícios de aposentadoria ou de pensão por morte, para pagamento de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil contraídos pelo titular do benefício em favor da instituição financeira pagadora do benefício…”. (grifo nosso). Tal exigência jogou por terra a pretensão do banco BMG, pois ele não é pagador de benefício.

12 - Todavia, mais uma vez o ex-Presidente Lula entrou em cena, ao baixar o Decreto nº 5.180/2004 (doc.05), que expressamente permitiu a concessão dos referidos empréstimos por qualquer instituição financeira, independentemente de ser pagadora de benefícios previdenciários. Veja-se o que diz o art. 1º, inciso VI, do curioso decreto: “o empréstimo poderá ser concedido por qualquer instituição consignatária, independentemente de ser ou não responsável pelo pagamento do benefício.” Logo após a edição desse ato normativo, o banco BMG requereu habilitação e, como se verá adiante, atropelaram-se todas as normas de tramitação junto ao INSS, proporcionando, em tempo recorde, a participação do banco na lucrativa operação financeira.

13 - A edição desse decreto foi tão absurda, pois estava evidente que tinha o objetivo de favorecer o referido banco, que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) representou contra o ex-Presidente Lula. Todavia, o ex-Procurador-Geral da República Antonio Fernando, da mesma forma como não viu motivos nem necessidade de prender Marcos Valério quando destruía provas, também não viu fundamento para responsabilizar o ex- Presidente pela escandalosa conduta.

AS PROVAS COLHIDAS NO INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO E NO INQUÉRITO POLICIAL

14 - Agora, mais uma vez, provas contundentes, que indicam a participação do ex-Presidente Lula no esquema do mensalão, vêm à baila. O Inquérito Civil Público nº 1.16.000.001672/2004-59, que serviu de fundamento para o manejo da ação de improbidade e instou esta representação, acrescenta dados relevantes e estarrecedores. Nele é apontada a utilização descarada da estrutura e do poder público, com efetiva participação do ex-Presidente Lula, para favorecer instituição financeira (BMG) que, sob disfarces de “empréstimos”, alimentou o esquema do mensalão com vultosos recursos. Ademais, o relatório da Polícia Federal, recentemente divulgado na imprensa, esclarece que o banco BMG não só “emprestou” dinheiro ao PT, como também a empresas que estariam envolvidas no esquema criminoso (foram cinco “empréstimos” milionários).

15- No processo nº 7807-08.2011.4.01.3400 (ação de improbidade), em trâmite na 13ª Vara Federal, Seção Judiciária de Brasília, que apura a responsabilidade civil e administrativa do ex-Presidente Lula, o objeto da demanda está assim delimitado (doc. 06):

“A presente ação tem por objeto a imposição de sanções civis-administrativas ao primeiro requerido (ex-Presidente da República) e a condenação de ambos os requeridos ao ressarcimento dos prejuízos causados ao erário, em razão da prática de ato de improbidade administrativa, consistente no envio irregular de correspondências aos segurados do INSS, através das quais informavam sobre a possibilidade de obtenção de empréstimos consignados com taxas de juros reduzidas.

Referidas correspondências, emitidas pela DATAPREV e custeadas pelo INSS, foram assinadas pelo então Presidente da República e pelo então Ministro da Previdência, Luiz Inácio Lula da Silva e Amir Francisco Lando, respectivamente, em total desrespeito ao art. 37 § 1o, da CF, e sem que houvesse anuência do INSS ou interesse público na divulgação daquelas informações, da forma como fora feita.

A imposição das sanções descritas na Lei no 8.429/92 e o ressarcimento ao erário são imperiosos, tendo em vista as irregularidades praticadas pelo ex-Presidente Lula e pelo ex-Ministro Amir Lando, no exercício de suas atribuições, conforme será demonstrado.”

16 - A ação está robustamente fundamentada, inclusive com apuração minuciosa realizada pelo TCU. Assim, pela primeira vez, o ex-Presidente Lula é oficialmente apontado como envolvido em trama que está relacionada diretamente ao esquema do mensalão. Como visto antes, na própria denúncia do mensalão está consignado que o banco BMG foi favorecido pelo esquema criminoso, emprestando a aposentados com consignação em folha de pagamento, o que lhe proporcionou lucros extraordinários. Diz também a denúncia que o referido banco fez “empréstimos” ao PT. O Relatório recente da PF informa, com análise contábil, que os empréstimos não se limitaram ao referido partido, mas também a empresas que teriam participado do mensalão.

17 - Com efeito, considerando que a ação de improbidade busca a responsabilidade civil-administrativa do ex-Presidente Lula, faz-se necessário perquirir a responsabilidade penal. Esta até com maior razão, pois, sem a presença do ex-Presidente na ação penal do mensalão, fica impossível responsabilizar os líderes (autores intelectuais) do maior esquema criminoso de todos os tempos, segundo o que já foi apurado.

18 - Conforme pode se aferir no último relatório da PF, a origem do megaesquema criminoso é anterior ao Governo Lula. Contudo, foi no governo do ora representado que o esquema cresceu assustadoramente, a ponto de serem produzidos atos normativos dentro do Executivo (Medida Provisória 130/2003, decretos 4.799/2003 e 8.180/2004, além de instruções normativas do INSS), bem como utilização do Congresso Nacional para aprovar leis (Lei 10.820/2003 e 10.953/2004 - doc. 07) com o indisfarçável objetivo de viabilizar a atividade criminosa. A utilização do poder normativo do Estado para a prática de atos objetivando a implementação de atividade criminosa é gravíssimo e assustador. Por isso faz-se necessário rigorosa apuração, com punição exemplar dos envolvidos - é o mínimo que se espera.

19 - Serão transcritos trechos do que foi apurado no Inquérito Civil Público, que indicam, além da produção criminosa de atos normativos, a utilização do poder e da estrutura administrativa para implementar as atividades ilícitas, inclusive com intimidação e perseguição a servidores públicos que se opuseram.

20 - A carta assinada pelo ex-Presidente Lula e dirigida aos segurados tinha o seguinte teor (doc.08):

“Brasília, 29 de setembro de 2004.

Caro(a) segurado(a) da Previdência Social,

Em maio passado, o Governo Federal encaminhou ao Congresso um Projeto de Lei para permitir aos aposentados e pensionistas da Previdência Social acesso a linhas de crédito com taxas de juros reduzidas.

Agora, o Legislativo aprovou o projeto e acabamos de sancioná-lo. Com isso, você e milhões de outros beneficiários (as) passam a ter o direito de obter empréstimos cujo valor da prestação pode ser de até 30% do seu benefício mensal. Você poderá pagar o empréstimo com juros entre 1,75% e 2,9% ao mês.

Esperamos que essa medida possa ajudá-lo(a) a atender melhor às necessidades do dia-a-dia. Por meio de ações como esta, o Governo quer construir uma Previdência Social mais humana, justa e democrática. Afinal, a Previdência é sua!

Luiz Inácio Lula da Silva

Presidente da República

Amir Francisco Lando

Ministro de Estado da Previdência Social”

21 - É abominável o conteúdo dessa carta. Ao dizer que acabou de sancionar projeto de lei que permitiria aos aposentados e pensionistas da Previdência acesso a linhas de crédito, o ex-Presidente faltou com a verdade. É que ficou implícita na mensagem que antes não seria possível a tal “vantagem” oferecida em mais de dez milhões de correspondências. Ocorre que a carta é de 29 de setembro de 2004 e desde a edição da Medida Provisória 130/2003, convertida na Lei 10.820/2003, sancionada pelo ex-Presidente Lula, os empréstimos estavam autorizados, tanto é assim que a Caixa já vinha concedendo.

22 - A “novidade” que o ex-Presidente Lula oferecia aos segurados nas milhões de cartas era que, a partir daquela data, o banco BMG poderia conceder os empréstimos, pois antes apenas bancos oficiais que pagassem benefícios previdenciários, como a Caixa Econômica Federal, poderiam fazer. Isso está assim registrado na inicial da ação de improbidade administrativa:

“No que se refere à finalidade de expedição da carta, também apurou o TCU ter havido irregularidades, uma vez que a lei que permitia aos segurados do INSS efetuarem empréstimos com consignação em folha de pagamento foi sancionada 10 meses antes do envio da correspondência. Trata-se da Lei 10.820/2003, apenas modificada pela Lei 10.953/2004, citada na referida carta.

Na época de envio das cartas, a única “novidade” era a instituição financeira recém conveniada e apta a efetuar as operações de crédito, qual seja, o Banco BMG, cujo convênio com o INSS tinha sido firmado duas semanas antes, em 14/09/2004, de maneira extremamente ágil para os padrões do INSS (conforme apurou o TCU nos autos do TC nº 014.276/2005-2, do qual trataremos mais adiante). Além desse banco privado, somente a Caixa Econômica Federal estava habilitada a fornecer empréstimos consignados aos pensionistas do INSS, com base em convênio firmado vários meses antes.

Diante do apurado, podemos concluir facilmente que a finalidade pretendida com o envio das correspondências era, primeiramente, promover as autoridades que assinavam a carta, enaltecendo seus feitos e, consequentemente, realizando propaganda em evidente afronta ao art. 37, § 1o, da CF, e, ao mesmo tempo, favorecer o Banco BMG, única instituição particular apta a operar a nova modalidade de empréstimo.” (os grifos são do próprio texto)

23 - O relatório do TCU, juntado na ação de improbidade, desmonta a farsa montada na carta do Presidente (doc.08):

“383. A carta faz alusão à Lei nº 10.953, de 27 de setembro de 2004, publicado no DOU de 28/09/2004 que “Altera o art. 6º da Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003, que dispõe sobre autorização para desconto de prestações em folha de pagamento” (Anexo, 2.fls. 082)

384. Assim, a própria ementa da Lei nº 10.953/2004 esclarece que, ao contrário do que afirmam na carta o Presidente da República e o ex-ministro da Previdência Social - de que ela “permite aos aposentados e pensionistas da Previdência Social acesso a linhas de crédito com taxas de juros reduzidas” - foi a Lei nº 10.820/2003 que, dez meses antes, criou a possibilidade da consignação em folha de empréstimos e financiamentos, ao passo que o novo diploma apenas alterou o art. 6º da Lei nº 10.820/2003 (Anexo, 2, fls. 083 a 085).

385. Tanto é assim que desde maio a Caixa Econômica Federal já operava o convênio com a DATAPREV e o INSS para essa finalidade. Não poderia fazê-lo se a medida houvesse sido instituída pela Lei mencionada na carta presidencial.”

24 - De mais a mais, a carta faz alusão a valores como taxas de juros que nada tem a ver com informação de interesse institucional. O TCU pronunciou-se assim:

“391. Evidencia-se que o teor da correspondência nada esclarece sobre a Lei no 10.953. (que referia ter acabado de sancionar)

392. A carta faz alusão a valores cobrados com taxas de juros, que não constam do texto de nenhuma lei, decreto ou instrução normativa. (…) Quando o Presidente da República e o Ministro da Previdência subscreveram que “Você poderá pagar o empréstimo com juros entre 1,75% e 2,9% ao mês” não estavam se referindo a informações oficiais (…)

393. E mais. Afirmaram que “Esperamos que essa medida possa ajudá-lo(a) a atender melhor às necessidades do dia-a-dia”. Desse modo, a sanção da Lei constituiu-se em pretexto para o intuito de enviar correspondência ao universo de segurados da Previdência Social, destacando a possibilidade de realização de operações de empréstimos. (…)

394. O momento para o envio de correspondência com finalidade esclarecedora foi após a sanção da Lei no 10.820. A expedição das cartas a partir de 29/09/2004 coincide com a entrada em operação do Convênio com o Banco BMG em 14/09/2004.

395. A assinatura por agente público de documentos, com a marca d’água da República e custeado pelo Erário, proclamando as vantagens da aquisição de empréstimos que, naquela data, eram oferecidos apenas por reduzido número de instituições financeiras constitui fato relevante e grave.” Na verdade, esse fato não é apenas grave, é gravíssimo, mormente por ter relação direta com o esquema do mensalão.

25 - O BMG foi o banco que mais cresceu no ano de 2004, dedicando-se quase exclusivamente à concessão dos referidos empréstimos (85% da sua carteira de crédito). Registre-se que, apesar de as taxas de juros serem menores do que as praticadas no mercado de empréstimos sem garantia, elas eram superiores às taxas praticadas nos empréstimos com garantia, ou seja, empréstimos consignados em folha de pagamento (nesse tipo de empréstimo, devido à garantia de o credor ter acesso direto ao rendimento formal do devedor, os juros são os mais baixos do mercado). Ocorre que os juros cobrados nos empréstimos consignados em folha de pagamento dos aposentados e pensionistas (empréstimos com garantia) eram superiores aos juros dos empréstimos feitos aos servidores ativos, embora a garantia seja a mesma. Daí, o fabuloso lucro experimentado pelo banco suspeito.

26 - O enviou das milhões de cartas fazendo propaganda dos empréstimos foi o fechamento com sucesso (rendeu vultosos lucros) da criminosa série de ilegalidades, imoralidades e afronta aos mais elementares princípios que norteiam a Administração Pública. A série escandalosa de absurdos envolveu alteração legislativa e atropelos a tudo e a todos que se apresentassem como obstáculo, incluindo intimidação, perseguição e até a exoneração de servidora que se negou a publicar o ato criminoso.

27 - Demonstração dos absurdos estão registrados na inicial da ação de improbidade:

“O Relatório de Auditória do TCU datado de 29/09/2005, produzido nos autos do TC 014.276/2005-2, verificou que o “o BMG foi a instituição financeira cujo processo ocorreu de forma mais célere. Foram 5 dias entre a publicação do Decreto no 5.180 e a manifestação de interesse. E 8 dias entre a manifestação de interesse e a celebração do convênio. Via de regra, são no mínimo dois meses de tramitação processual. O BMG também foi a única instituição financeira não pagadora de benefícios a aposentados e pensionistas do INSS que celebrou convênio antes da adequação da norma interna do INSS ao Decreto no 5.180/2004. A IN no 110/2004 só foi publicada em 14/07/2004. O Banco BMC, Banco Cruzeiro do Sul e Banco Bonsucesso, que apresentaram suas manifestações em datas próximas à data de manifestação do BMG, só conseguiram assinar o ajuste depois da publicação da IN no 110/2004.

(…)

Reiteradas vezes relataram que a tramitação do processo do BMG foi completamente atípica. O processo das demais instituições financeiras, desde a manifestação do pedido até a celebração do convênio, levava, no mínimo, dois meses. Era necessário o encaminhamento dos documentos de regularidade fiscal, da manifestação de concordância com a minuta do convênio, da elaboração de testes e troca de arquivos com a Dataprev, até que disso resultasse a assinatura do termo de convênio.

Diferentemente das demais, a manifestação de interesse do BMG foi encaminhada diretamente à Presidência do INSS, que em 8 dias promoveu a assinatura do convênio. Isso ocorreu a despeito de não existirem ainda uma minuta-padrão e um plano de trabalho adaptados à nova regulamentação que permitiu que instituições financeiras não pagadoras de benefícios aderissem ao convênio, e de não terem sido submetidos à PFE/INSS para aprovação.

(…)

Conforme os relatos da Coordenadora-Geral de Benefícios, à época, Ana Adail F. de Mesquita, o processo foi avocado pela Presidência da autarquia. Como havia chegado o dia da reunião para discussão dos termos do convênio, ela foi em busca do processo na Presidência. Foi quando tomou conhecimento de que o convênio já havia sido assinado. Foi pedido a ela que promovesse a publicação do extrato do convênio. Constatando as modificações promovidas e as irregularidades existentes, ela se recusou a fazê-lo. Dois dias depois foi afastada de suas atribuições e comunicada a sua exoneração.

(…)

A demanda do BMG em utilizar a comprovação eletrônica como forma de autorização do empréstimo, feita em 19/10/2004, também foi rapidamente atendida por meio da assinatura de Termo Aditivo, em 25/11/2004.

(…)

Em 10/12/2004, o BMG pediu que fosse autorizada a cessão de créditos para outra instituição financeira. Antes mesmo de consultar a PFE/INSS quanto à legalidade da operação, o Presidente do INSS, Carlos Gomes Bezerra, pronunciou-se favoravelmente à solicitação, desde que não onerasse o INSS ou a Dataprev. A PEF/INSS, em 26/01/2004, ratificando posicionamento do Banco Central do Brasil, informou não existirem óbices jurídicos sob o ponto de vista da regulamentação do Sistema Financeiro Nacional. Enfatizou, entretanto, a necessidade de se adaptar a IN no 110/2004, o que ocorreu de pronto. Em 28/01/2005, foi publicada a IN no 114/2005, com as adaptações necessárias para atender ao pedido, e foi comunicado ao BMG a concessão da autorização.

(…)

O fato de apenas o BMG, como instituição não pagadora de benefício previdenciário, ter atuado no mercado de empréstimos consignados a aposentados e pensionistas de 26/08 a 20/10/2004, dois meses aproximadamente, a despeito de outras 4 instituições financeiras terem manifestado o mesmo interesse, sem que obtivesse êxito, e de a norma interna do INSS ainda não ter regulamentado esta possibilidade, demonstra também o favorecimento.

Todo o exposto poderia explicar como uma instituição de pequeno porte como o BMG, com apenas 10 agências e 79 funcionários na área operacional, de acordo com dados divulgados pela imprensa sobre os Demonstrativos Financeiros do exercício de 2004, conseguiu que seus lucros subissem de R$ 90,2 milhões, em 2003, para R$ 275,3 milhões, em 2004, o que representa um crescimento de 205%. De acordo com o Relatório da Administração, as operações de consignação em folha representavam 85% da carteira de crédito do BMG em 31/12/2004.

Há que se ressaltar, inicialmente, que a conduta do Sr. Carlos Gomes Bezerra, na qualidade de Diretor-Presidente do INSS possibilitou ao Banco BMG S/A a concessão de 1.431.441 (um milhão, quatrocentos e trinta e um mil e quatrocentos e quarenta e um) empréstimos em consignação totalizando um montante aproximado de R$ 3 bilhões de reais (f.50) - posição de agosto de 2005 - o que tornou, essa instituição financeira, a líder, tanto em número (35,3% do total), como em montante de empréstimos em consignação (36,3% do total), superando, inclusive, a própria Caixa Econômica Federal com as suas mais de duas mil agências.

A gravidade da conduta indevida não se limita a essa questão processual. O termo de convênio assinado com o BMG diferiu dos termos das demais instituições financeiras, que, frise-se, seguiam o mesmo padrão. Isso permitiu que o BMG assumisse e consolidasse sua posição no mercado de empréstimos em consignação no período em que o convênio estava vigente até a sua anulação.

Com efeito, foram incluídas disposições no convênio, fora da minuta-padrão e sem o parecer da assessoria jurídica, que denotam, claramente, a concessão de vantagens indevidas ao citado banco e de atipicidades processuais que não foram justificadas pelo responsável em sua defesa.” (os grifos são do próprio texto transcrito)

28 - E continua a incisiva peça inaugural da ação de improbidade administrativa:

“Ora, não bastasse o favorecimento escancarado ao Banco BMG na celebração do convênio com o INSS, esta instituição também foi beneficiada com propaganda gratuita (pago com recursos públicos), consistente no envio de correspondência assinada pelo Presidente e seu Ministro da Previdência a todos os segurados do INSS, a fim de anunciar que agora os aposentados e pensionistas poderiam realizar empréstimos consignados a juros reduzidos.

Por óbvio, os requeridos não mencionaram na referida carta que os segurados só poderiam procurar duas instituições financeiras para obter o “incrível” empréstimo. Mas nem era preciso, pois, ao realizarem pesquisa no mercado, os aposentados e pensionistas só encontrariam a Caixa e o BMG aptos a firmarem tais contratos. Em outras palavras, não era necessário que os réus se comprometessem e deixassem clara sua intenção de favorecer o BMG. Foi possível fazer promoção pessoal de seu sucesso gerencial e ainda realizar propaganda para a instituição financeira que pretendiam favorecer, sem que isso ficasse explícito.

E a estratégia deu tão certo que o BMG ultrapassou a Caixa na concessão dos empréstimos, tendo efetuado empréstimos em consignação totalizando um montante de aproximado 3 bilhões de reais (posição de agosto de 2005).”

29 - A relação de ilegalidades e atrocidades praticadas contra a Administração Pública para implementar o favorecimento ao banco suspeito de participar do esquema do mensalão, apontadas na referida ação de improbidade, é extensa. Nesta representação, mencionam-se apenas alguns pontos reputados suficientes para justificar a providência em questão. A propósito, conforme consta no relatório do TCU, foram necessárias várias carretas para transportar a grande quantidade de papel utilizado na confecção das cartas:

“398. O processo de impressão das cartas afetou de tal modo a rotina da DATAPREV que chegou a efetuar-se um procedimento de aquisição emergencial de 18.000 (dezoito mil) resmas de papel (Anexo 2, fls. 138). A tarefa exigiu o consumo de 34.000 (trinta e quatro mil) resmas de papel A4 e 566 (quinhentos e sessenta e seis) frascos de toner (Anexo 2, fls. 123). (…) Foi necessária uma sofisticada operação logística para a entrega do material em diversas carretas (…).”

A RESPONSABILIDADE CRIMINAL DO EX-PRESIDENTE LULA

30 - O artigo 29 do Código Penal dispõe: “Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade.”. Assim, homem ou mulher, homossexual ou heterossexual, forte ou fraco, feio ou bonito, popular ou impopular, cuja conduta tenha concorrido para a prática delitiva deve ser responsabilizado, a fortiori, quando as condutas são reiteradas e indisfarçavelmente deliberadas para a prática de crimes gravíssimos contra a Administração Pública.

31 - Segundo a denúncia do mensalão, uma das fontes que proporcionaram elevados recursos para o esquema criminoso veio da concessão de empréstimos a segurados do INSS. O banco BMG, facilitado pelo comando central da quadrilha (nas letras da denúncia), operou empréstimos consignados em folha de pagamento, e faturou alto. Esse banco, segundo a acusação, fez empréstimo fictício ao PT. O relatório recente da Polícia Federal acrescenta que o BMG, além de “emprestar” ao PT, também “emprestou” a empresas que teriam participado do esquema criminoso.

32 - Com efeito, tendo em vista que o ex-Presidente Lula praticou atos sucessivos que favoreceram escandalosamente o BMG, sendo que esse banco, segundo a denúncia, irrigou financeiramente o esquema criminoso do mensalão, conclui-se que, nos termos do artigo 29 do Código Penal, o ex-Presidente deve responder por esses atos, pois ninguém está acima da lei, ainda que o suposto infrator seja muito popular. Se havia alguma dúvida da participação do Sr. Luiz Inácio Lula da Silva no favorecimento à referida instituição financeira, a ação de improbidade administrativa contra ele ajuizada, suporte desta representação, não deixa mais dúvida.

33 - De mais a mais, o derradeiro relatório da Polícia Federal mostra que, além do apurado anteriormente, outras empresas e pessoas físicas receberam recursos das agências de publicidade de Marcos Valério. Muitos desses recebedores não sabiam que os recursos vinham do esquema criminoso. É que a trama montada era tão abusada que Valério tornou-se uma espécie de administrador de recursos públicos. Assim, quem recebesse patrocínio público ou prestasse serviço de publicidade ao Governo Federal corria o risco de receber o pagamento por meio de recursos transitados por uma das empresas de Marcos Valério, “o administrador de recursos públicos”.

34 - A título exemplificativo, a Associação dos Juízes Federais da Primeira Região (AJUFER) recebeu patrocínio dos Correios, todavia, o dinheiro, antes de ser liberado, passou por uma das empresas de Marcos Valério, que “administrava” os recursos públicos. Representantes dessa associação alegaram desconhecer o trâmite dos recursos, dizendo que só ficaram sabendo com a quebra do sigilo bancário de Valério. Essa não foi a única associação de magistrados que recebeu recursos na mesma situação. O relatório derradeiro da PF traz relação de várias empresas e pessoas físicas que receberam dinheiro em idêntica situação. É possível que muitas delas desconhecessem a condição de “administrador de recursos públicos” conferida a Marcos Valério pelo Decreto 4.799/2003. A propósito, veja-se registro do dia 03/08/2005, referente à reunião da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito, quando o relator informou justificativa apresentada pela referida associação de juízes:

“O SR. RELATOR (Osmar Serraglio, PMDB - PR) - Sr. Presidente, já que V. Exa. está fazendo comunicados, muito brevemente, quero dizer ao Plenário da Comissão que recebemos, da Associação dos Juízes Federais da Primeira Região, Ajufer, a documentação. Só para lembrar, essa associação teve o nome vinculado à liberação de recursos. Leio a conclusão, para ser breve - eles estão juntando a documentação e dizendo o seguinte: (…) que apresentam a documentação comprobatória de não ter mantido qualquer relacionamento com o publicitário Marcos Valério e suas empresas, como também do patrocínio legal e legitimamente solicitado aos Correios, e por essa empresa deferido, ter sido, sem conhecimento e anuência da Ajufer, pago por agência de publicidade vinculada aos Correios, com base no Decreto n. 4.799.” Grifou-se

35 - A função de “administrador de recursos públicos” conferida a Valério ocorreu graças ao Decreto nº 4.799/2003, editado pelo ex-Presidente Lula, que alterou a forma de prestação dos serviços de publicidade do Governo Federal. A exemplo do Decreto nº 5.180/2004, elaborado com o nítido propósito de favorecer o BMG, e que de fato favoreceu, o Decreto nº 4.799/2003 teve o indisfarçável objetivo de proporcionar a Marcos Valério o manejo de vultosos recursos da área de publicidade. Esse famigerado ato normativo introduziu Valério na estrutura da administração pública.

36 - A prestação de serviços de publicidade do Governo Federal por intermediação das agências de Marcos Valério foi algo indecente, proporcionando tanto fraudes por serviços não prestados ou superfaturados (prestados por outras empresas e cobrados a mais) como “participação” no pagamento de patrocínio, ou seja, os recursos públicos eram sugados de várias formas. O último relatório da PF divulgado na imprensa recentemente ratifica e traz mais detalhes sobre a distribuição de recursos públicos captados por Valério. Isso ocorreu graças ao Decreto 4.799/2003, que proporcionou a Marcos Valério o acesso a diversas fontes de recursos públicos. Daí, mais uma vez, por força do artigo 29 do Código Penal, o ex-Presidente Lula, autor dos decretos, deve responder criminalmente.

37 - Há registro formal de participação do ex-Presidente da República nas duas principais fontes de recursos do mensalão. Assim, por força do que determina a lei, especialmente o art. 29 do Código Penal, ele deve ser processado para que o Poder Judiciário possa apreciar a sua conduta, pois o poder de acusar não é discricionário. Diante de provas tão evidentes da participação do representado, o Ministério Público tem o dever legal de levá-lo ao Judiciário. Aliás, se antes já era reclamada a sua presença no rol de acusados, tornou-se obrigatória, após o ajuizamento da ação de improbidade administrativa, com fartas provas de participação no favorecimento ao Banco suspeito que, segundo a denúncia (e as robustas provas), irrigou vultosos recursos ao megaesquema criminoso do mensalão.

38 - Além da submissão legal a que todos estão obrigados, há necessidade da presença do ex-Presidente na ação penal do mensalão para que se possa punir os autores intelectuais do esquema criminoso. É que, como costuma acontecer na prática de corrupção, os crimes são perpetrados sob aparência de legalidade, tanto é que no caso do mensalão atos normativos foram produzidos para viabilizar o esquema criminoso. Ocorre que os autores intelectuais não praticaram atos materiais, quem os praticou foi o ex-Presidente Lula, logo a ausência deste na ação penal inviabiliza a punição daqueles.

39 - Não é fácil encontrar provas para responsabilizar os principais autores, mormente os autores intelectuais. Com isso, deixar de fora da acusação quem assinou os atos normativos é fechar as portas para a punição dos envolvidos graúdos; no máximo serão punidos os miúdos que deixaram rastros. Não é por acaso que José Dirceu está ansioso pela conclusão do processo, pois sabe que será absolvido, uma vez que não praticou nenhum ato material (não assinou medida provisória, decreto ou instrução normativa; não mandou ofício, nem bilhete; não celebrou contrato ou qualquer outro ato material que possa fundamentar uma condenação).

40 - A situação mudará de figura se o ex-Presidente Lula for acusado, pois a toda evidência a ideia de editar medida provisória, decretos, mandar cartas a aposentados etc., cujos objetivos criminosos saltam aos olhos, certamente não partiu dele. Ele materializou a intenção criminosa e, por força da lei, deve sentar-se no banco dos réus para explicar as razões que o levaram a praticar tais atos, e aí tudo indica que aparecerão os autores intelectuais. Caso isso não seja feito, não haverá punição para os líderes da societas sceleris, no máximo ter-se-á alguma punição para os integrantes braçais do esquema.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

41 - Na condição de membro do Ministério Público Federal, este Procurador sente-se envergonhado e, como cidadão brasileiro, estarrecido com os acontecimentos envoltos no mensalão. Estarrecido pela ousadia das pessoas que detém o poder, e o utilizam para a prática delitiva. Envergonhado pela ausência de ação efetiva do ex-PGR Antonio Fernando, que chegou a discutir publicamente com integrantes da CPI para que Marcos Valério não fosse preso, apesar de ser de conhecimento público que ele destruía provas. Envergonhado porque Marcos Valério, a exemplo de Durval Barbosa (delator no processo que derrubou o ex-governador Arruda), tentou colaborar nas investigações para ter o benefício da delação premiada, mas o ex-PGR Antonio Fernando não “aceitou”, sob a alegação de que seria “prematura” e “inoportuna”.

42 - Ora, qualquer acadêmico de Direito sabe que a apreciação dos benefícios da delação premiada, conforme expressamente disposto na lei, é feita no final do processo, quando se verificará se a colaboração efetivamente contribuiu para a identificação dos demais participantes da atividade criminosa. Portanto, não tem o menor cabimento dizer que a delação seria “prematura” ou “inoportuna”.

43 - Destarte, pareceu absolutamente estranha a recusa à colaboração de Valério. Aliás, Sílvio Pereira, que foi secretário-geral do PT, em entrevista ao Jornal O Globo, disse que, em uma conversa com Marcos Valério, este lhe falou que, se ele (Valério) entregasse todo mundo, derrubaria a República. Apesar de Sílvio Pereira ter sido denunciado, lhe foi proposta a suspensão processual; assim, ele foi poupado de ser interrogado em juízo.

44 - Desse jeito, sem a colaboração de Marcos Valério, sem a oitiva de Sílvio Pereira e, sobretudo, sem a presença do ex-Presidente Lula, o processo do mensalão, ao que tudo indica, está fadado ao insucesso. Por isso este Procurador representou contra o ex- PGR Antonio Fernando, pois pareceu evidente que ele não observou os princípios que norteiam a persecução penal.

45 - Agora, diante da mencionada ação de improbidade administrativa manejada contra o ex-Presidente Lula, trazendo mais elementos contundentes, indicativos de sua participação na empreitada criminosa, conhecida por mensalão, bem como do último relatório da PF, que reforça a existência desse gigantesco esquema criminoso e traz mais provas, este membro do MPF lança mão da faculdade legal de representar para que o ex-Presidente responda por seus atos, como determina a lei.

46 - O ex-Presidente Lula praticou atos gravíssimos que fomentaram o megaesquema criminoso do mensalão, depois disse que não sabia de nada; fez demonstração pública de apoio a pessoas acusadas de corrupção; por várias vezes deu demonstração de indiferença ao cumprimento da lei; desdenhou decisões do TSE, a ponto de fazer piada quando sofreu pequenas punições de multa por sucessivas infrações à lei eleitoral. Quando perguntado por jornalistas como o seu filho, de modesto servidor de um zoológico, tornou-se empresário de sucesso, o ex-Presidente sugeriu, em tom que pareceu ironia ou desprezo à inteligência alheia, que o seu filho poderia ser um “fenômeno” dos negócios, a exemplo de Ronaldo no futebol.

47 -Recentemente, mais uma vez ele voltou à contumaz atitude desafiadora e debochada com o sistema jurídico do país: em tom jocoso, ele “profetizou” que o processo do mensalão terminará no ano de 2050. É confiar demais na impunidade: até quando ele continuará zombando sem responder por seus gravíssimos atos?

47 - É inadmissível que alguém se ache no direito de fazer o que bem entende, tripudiando do ordenamento jurídico do país. É constrangedor deixar impunes grandes infratores, enquanto se punem pequenos infratores, por exemplo, humildes servidores municipais que, para complementar o irrisório salário, tentam receber benefício assistencial, como o Bolsa Família, ocultando a condição de servidor público. Esses pequenos infratores, quando pegos, o que costuma ocorrer com frequência, perdem o emprego, além de outras punições de natureza penal, civil e administrativa. A título exemplificativo, a Controladoria-Geral da União (CGU) anunciou, em tom solene e com muito estardalhaço, a demissão, no Governo Lula, de quase três mil servidores públicos do Executivo, mas a CGU nada fez para responsabilizar os megainfratores envolvidos no mensalão.

48 - A propósito, não é de se descartar que muitos desses servidores possam ter sido punidos injustamente por se recusarem a participar ou se opuserem a práticas criminosas, basta lembrar o que aconteceu com a Coordenadora-Geral de Benefícios do INSS, exonerada porque se recusou a publicar convênio, eivado de ilegalidades, celebrado às pressas para beneficiar banco suspeito de participar do mensalão.

49 - Fechando esta representação, vale ressaltar que a alteração legislativa autorizando a operação financeira, consistente nos empréstimos consignados em folha de pagamento a aposentados e pensionistas, bem como as mais de dez milhões de cartas assinadas pelo representado e custeadas pelos recursos públicos, fazendo propaganda dos tais empréstimos, produziram dois resultados distintos: lucros fabulosos para o banco suspeito de integrar o esquema criminoso do mensalão, e endividamento para milhões de aposentados e pensionistas. O pior é que muitos tomaram empréstimos sem que tivessem necessidade própria. Eles, provavelmente, foram convencidos ou até mesmo pressionados por familiares a pegar o dinheiro fácil, a “juros vantajosos”, oferecidos na carta presidencial (o dinheiro deve ter ido para familiares, e não para o aposentado). Além disso, diversos foram vítimas de estelionatários que tomaram empréstimos fraudulentos em nome do segurado da Previdência.

50 - Se não bastassem os endividamentos, prejuízos e problemas que os pobres aposentados sofreram em virtude da trama arquitetada para arrecadar dinheiro para o esquema criminoso, parece que esses idosos contribuíram para prejudicar outra categoria de idosos: os servidores públicos aposentados. É que a taxação dos inativos (servidores públicos aposentados), ao que tudo indica só foi possível graças ao mensalão. Essa hipótese é bem provável tendo em vista que antes, no Governo FHC, tentou-se taxar os futuros aposentados do serviço público e não houve apoio parlamentar. Porém, no Governo Lula, conseguiu-se taxar não apenas os que ainda iriam se aposentar, mas os que já estavam aposentados.

51 - Tudo leva a crer que isso só foi possível graças ao mensalão. É que a questão não envolvia apenas resistência política como, por exemplo, quando se tentou taxar os futuros inativos, que tinham mera expectativa de direito. Ao taxar os que já estavam na inatividade, a questão envolveu violação à segurança jurídica. Feriu-se de morte o ato jurídico perfeito e o direito adquirido, cláusulas pétreas da Constituição Federal, que não poderiam ser alteradas por emendas. Contudo, pelo visto, nada disso resistiu à força do mensalão.

52 - Vejam-se as coincidências. Em 2003, ano da votação da emenda constitucional 41, que taxou os inativos do serviço público, o BMG fez “empréstimos” ao PT e a algumas empresas suspeitas de participar do mensalão. Naquele mesmo ano, por meio da Medida Provisória 130/2003, convertida em seguida na Lei 10.820/2003, instituíram-se os empréstimos a aposentados, consignados em folha de pagamento. Todavia, como visto, inicialmente o BMG não conseguiu habilitar-se, porque um parecer da Procuradoria Federal do INSS, daquele mesmo ano (2003), dizendo que apenas instituições financeiras pagadoras de benefícios poderiam participar da concessão de empréstimos consignados (o BMG não pagava benefícios). Em 2004, o ex-Presidente Lula baixou o Decreto 5.180/2004, “esclarecendo” que, mesmo bancos que não pagassem benefício, poderiam conceder os empréstimos. Esse “esclarecimento presidencial” proporcionou ao BMG ingressar na operação financeira lucrativa, o que foi aquecida com o envio de mais de dez milhões de cartas, explicando os benefícios dos empréstimos. As cartas do Presidente despertaram o interesse dos aposentados em fazer empréstimos, entupindo os cofres do banco suspeito. Assim, parece que o banco recuperou com sobras o dinheiro “emprestado”, que provavelmente foi utilizado para “convencer” parlamentares a violar as cláusulas pétreas, taxando os inativos, inclusive os que já se encontravam na inatividade. Daí, a lógica aponta que os inativos da iniciativa privada colaboraram involuntariamente para que os inativos do serviço público fossem taxados. Essa é a conclusão que se tira da série de ilegalidades, imoralidades, insanidades e perversidades praticadas para viabilizar o que ficou conhecido como o mensalão.

53 - Espera-se que os mentores dessas atrocidades sejam severamente punidos. Para que isso aconteça é imprescindível que o autor dos atos materiais - o representado - seja incluído no rol dos acusados, sem o que não será possível alcançar os autores intelectuais, conforme exaustivamente demonstrada nesta representação.

Basta de impunidade!

Chega de corrupção!

PORTO ALEGRE/RS, 17 de abril de 2011.

MANOEL PASTANA

Procurador Regional da República

DOCUMENTOS QUE ACOMPANHAM ESTA PEÇA

1 - cópia da denúncia da ação penal do mensalão;

2 - cópia da Medida Provisória 130/2003;

3 - cópia da Lei 10.829/2003;

4 - cópia da Instrução 097/INSS/DC, de 17 de novembro de 2003;

5 - cópia do Decreto 5.180/2004;

6- cópia da inicial da ação de improbidade administrativa contra o ex-Presidente Lula;

7 - cópia da Lei 10.953/2004;

8 - cópia da carta assinada pelo ex-Presidente Lula;

9 -cópia do relatório do TCU;

10 - cópia do Decreto 4.799/2003