terça-feira, 18 de agosto de 2015

Flavio Morgenstern: Por que o PT deve acabar

Nos últimos dias, uma série de “deserções” das fileiras petistas tem acontecido, num momento em que ser petista é mais algo para se esconder como capricho atrasado e teimosia diante da realidade do que mostra de superioridade moral.

Dizem que o PT traiu seus ideais originais. Alguns até negam que ele ainda seja de esquerda.

Balela: o ideal do PT original era expropriar a “burguesia” e criar uma democracia de operários. Depois de 13 (!) anos no poder, o PT expropriou a burguesia e faz vigorosos contratos com empreiteiras para ou sermos operários deste esquema, ou falirmos.

Onde está a traição, se o PT cumpriu à risca o que prometia?

Quando debatia com Collor em 1989, Lula pregava uma jabuticaba chamada “socialismo democrático”, já que os países socialistas, que ele tanto defendia, entravam no colapso que resultou na Queda do Muro e na falência da União Soviética.

Já no poder, em 2007, no 3.º Congresso do Partido dos Trabalhadores, um vídeo promovido pelo próprio PT declarava qual era o “segundo grande tema do nosso [deles] Congresso, o Socialismo Petista” (sic).

O vídeo afirmava reiteradamente que eram um partido anticapitalista, que a luta anticapitalista estava no seu sangue, e que o conceito de socialismo “está presente desde a criação do partido, há 27 anos”.

Falando entre os seus, os petistas não precisam se preocupar com o que ordenam seus marqueteiros, preocupados em engabelar a população. Entre petistas, não há nada de “democracia”, “cumprir a lei”, “respeitar a Constituição”, “que papo ultrapassado, o socialismo já acabou, a Guerra Fria foi vencida pelos caras corretos e agora somos todos capitalistas de carteirinha”.

Lá, o mote é socialismo, é enaltecer Cuba e ditaduras totalitárias, é chamar genocida de “companheiro” e falar com toda a naturalidade da tirania bolivariana, para logo a seguir, quando estiver na imprensa, nos blogs ou conversando com pessoas normais, afirmar que aceitam a derrocada do socialismo, que o PT se dá muito bem com o capitalismo, que é paranóia de ultraliberais fanáticos como o Rodrigo Constantino chamar o PT de “bolivariano” e enxergar traços socialistas no PT. E, claro, que o Foro de São Paulo não existe, ou então é só uma reunião de velhas viúvas do totalitarismo bolchevique ou ainda que o PT nada tem a ver com isso.

Ora, o PT continua idêntico ao PT 89, sem riscos e até melhor repaginado, com terno Armani e sem tantos perdigotos. Inclusive foi a fundo no seu projeto de democracia operária: hoje, ou se trabalha batendo prego para uma grande empreiteira (“pleno emprego! oportunidades a todos! diminuição das desigualdades! distribuição de renda! vocês plantam inflação para colher juros!”), se tornando operário, ou sua pequena empresa vai à falência – com todos os brasileiros recebendo salário de peão da Odebrecht, lá se vão as diferenças sociais e está distribuída a renda.

Mesmo o enriquecimento destes empreiteiros, em conchavo com o governo, nada tem de traição do projeto inicial petista: o socialismo “científico” surgiu justamente com um industrial financiando um pretenso intelectual que nunca bateu um prego na parede para pendurar um quadro na vida.

As empreiteiras que estão na mira da Lava Jato não são um “desvio” do projeto petista anos 80: são exatamente sua extrema materialização. Numa democracia sindical, os empreiteiros não querem concorrer no livre mercado, e sim atuar em concessões com o governo, para que todos nós paguemos pelos seus projetos sem opção de “desigualdade” causada pelo “capital financeiro” na Bolsa de Valores. Marcelo Odebrecht, Léo Pinheiro e companhia são apenas nossos Engels.

E qual a preocupação dos sindicatos como CUT com a Lava Jato? Como Dilma Rousseff se pronunciou sobre tantos bambambans presos? Ambos apenas criticaram o risco de “desemprego” – ou seja, se empresas como Odebrecht, OAS e Andrade Gutierrez falirem, aí sim está comprometido o projeto sindicalista petista da década de 80, sem empregos de batedores de martelo em empreiteiras protegidos por leis trabalhistas.

A resposta da presidente e dos sindicatos não é preocupação com a corrupção, com o tráfico totalitário de poder e dinheiro: é apenas com empregos comprometidos para as classes baixas. Assim se juntam nossos Engels com nossos Stalins. Assim o povo voltará a ter de fazer negócios e abrir pequenas empresas no livre mercado e teremos novamente “desigualdade” e risco de “desemprego”.

Dilma e o PT podem ser acusados de tudo, exceto de descumprir ou trair os ideais antigos do PT. A classe média, a antiga “burguesia”, continua devidamente expropriada, e todos nós continuamos tendo como opção inevitável, num governo petista, virarmos apertadores de parafuso sindicalizados. Com os movimentos sociais pregando isso na nossa cara.

O que acontece de fato neste momento no Brasil não é uma traição de ideais, como já explicamos aqui. É uma dissonância entre uma simbologia construída em torno de um projeto de sociedade (“trabalhadores! fim da desigualdade! moral social na política!”) e a realidade concreta que vem com tais discursos.

Não é uma “onda conservadora” que perpassa o Brasil: é a realidade reagindo a uma tentativa de mascará-la. Isto que torna alguém mais, digamos, reacionário. Ou seja, desconfiado de “salvadores” políticos.

O PT inteiro tentou e conseguiu se safar de seu projeto de compra de consciências e concentração de poder no Executivo, o mensalão, escorando-se tão somente no carisma de Lula para ganhar eleições – inclusive as duas de Dilma, já que ela, sozinha, não parece capaz de completar uma frase com sujeito, verbo e predicado.

Enquanto tal carisma acaba, restam apenas militantes os mais ferrenhos, inclusive os acadêmicos e jornalistas, a ainda acreditar no projeto petista – muitas vezes a soldo. Feministas, por exemplo: que não percebem a vergonha que é a primeira presidente do sexo feminino precisar tanto da figura de Lula para completar uma frase. Progressistas sofrem da Lei de Rothbard: são especialistas naquilo que menos enxergam.

A simbologia do PT ainda é afirmar que “lutaram contra a ditadura”, aquela que terminou há mais tempo do que durou. Quem ainda aguenta 50 livros sobre a ditadura lançados por mês? Quem ainda cai na esparrela de que os socialistas da década de 60 e 70 lutavam por um regime livre, de livre empreendimento e livres eleições, e não um totalitarismo cubanófilo que acaba mais gerando uma simpatia exagerada por militares, e não pelos socialistas?

Apenas militantes com lavagem cerebral. E estes cada vez mais estão distantes da população de carne e osso. Os militantes, por exemplo, adoram falar que José Dirceu “lutou pelo Brasil”, mas apenas conseguem se auto justificar diante de sua prisão – não convencer qualquer pessoa de que nossas liberdades políticas, hoje, sejam conquista de Dirceu.

Pelo contrário: se tivemos um regime de exceção (que saiu do poder sozinho, ao contrário do despotismo cubano, de quem Dirceu se considera “um ex-agente do Serviço de Inteligência”) foi justamente graças a pessoas como Dirceu, Lula e Dilma.

O apelo a uma “social-democracia” (embora o PT seja mais honesto no termo, e diga claramente “socialismo democrático”) foi o que fez o PT crescer já depois da redemocratização. Na oposição, estava sempre criticando o “livre mercado”, as “privatizações”, o FMI.

No poder, gabava-se de “tirar 40 milhões de brasileiros da miséria”, número que, como Lula admite entre risos, era inventado. Na verdade, apenas trocava o critério de contagem de pobres, como contar uma pessoa que receba R$ 291 por mês (sic) como de “classe média”. Nesta bricolagem embusteira, para atingir tais “números”, depois regurgitados pela militância como Verdades Morais Absolutas, chegaram a dar R$ 2 (sim, DOIS REAIS) para “tirar da miséria” 13 mil famílias.

A alquimia numérica pode durar um certo tempo, mas qualquer liberal sabe que não muito. Mesmo com o pouco apreço que nossa educação, jornalismo e cultura tenham pelos liberais, a conta desconfiada deles está sempre mais próxima da realidade.

Hoje vemos que a economia estatal do PT, seu desapreço pela livre iniciativa (a da “desigualdade”, que precisa ser corrigida e “regulada” pelo Estado) gerou os números de desemprego, PIB retroagindo, empresas falindo e todos precisando virar funcionários da Odebrecht para sobreviver. É ruim? É péssimo. Mas é exatamente o que o PT sempre pregou e apregoou.

Se o discurso de corrigir a “desigualdade” não convence mais, é porque a população, mesmo sem o conhecer (já que liberais não inventam, apenasdescrevem a realidade), percebeu a lição de Friedrich Hayek: para um Estado ter controle sobre a sociedade, precisa de poder sobre a sociedade.

A cada nova desculpa do PT para não conseguir entregar o mundo dos sonhos, e prometer um novo PAC ou culpar a mídia e a classe média, os agentes estatais apenas estão querendo mais poder. E quanto mais problemas surgem, vão precisando de ainda mais poder para corrigir os problemas do meio do caminho, e a razão inicial – digamos, o combate à desigualdade ou alguma besteira de sociólogo do tipo – acaba até sendo ignorada.

Nada foi mais claro do descompasso entre discurso e realidade do PT do que a entrevista de Dilma à Folha, em que Dilma afirma que “não respeita delator”.

Ora, delatores, no caso, eram empreiteiros que lucraram com a “economia estatal” não-socialista (mas que “regula” o mercado com concessões e “investimentos” do governo em empresas) do PT. Dilma, que ainda tem uma simbologia de “eu luto contra a ditadura”, falava como se “delatores” fossem combatentes e terroristas presos que alcagüetassem os colegas. Sua retórica e a realidade têm um descompasso de meio século.

Sem conseguir mais vencer a realidade e a lei com carisma, sem o apelo do ideário socialista agora que as pessoas sabem o que estava além da Cortina de Ferro, sem a promessa do Eldorado do PT no poder, sem o discurso do controle estatal em nome da distribuição de renda e do combate à desigualdade, com seus figurões sendo presos e se considerando tão heróis que vestem toalhas de mesa como capas de super-heróis ao caminhar para o camburão (o que deveria ser a suprema notícia internacional do século XXI) e com a população agora até indo às ruas para mostrar seu repúdio, resta apenas ao PT ser uma mancha de vergonha para os petistas que acordarem para a realidade.


O PT, felizmente, deve acabar.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Rodrigo Constantino: Um caso que dá referência circular e um nó górdio na cabeça dos esquerdistas

A esquerda “progressista” defende sempre as “minorias”, certo? Também inclui nesse grupo, por algum motivo obscuro, os bandidos, especialmente os jovens, vistos como “vítimas da sociedade”. Mas essas bandeiras podem gerar uma tremenda confusão na cabeça de um esquerdista típico, pois são muitas vezes contraditórias.

A feminista, por exemplo, deve elogiar os homens brancos ocidentais, que tratam as mulheres com respeito, ou os muçulmanos, outra “minoria” que não tem muito apreço pelo feminismo? Os homossexuais devem defender os países capitalistas liberais, onde gozam de ampla liberdade, ou as “minorias” africanas, que costumam vetar por lei o homossexualismo?

E como esses podemos pensar em vários outros casos. Mas um episódio ocorrido na Inglaterra é particularmente cruel com os “progressistas”. Ele, sozinho, é capaz de expor toda a hipocrisia da esquerda. Um adolescente esfaqueou uma pessoa. Até aqui, os “progressistas” estão na linha do “vítima da sociedade” e pregando que o ECA seja adotado na Inglaterra, para os ingleses aprenderem como se trata uma pobre criança de 14 anos que meteu a faca na vítima por falta de escola e oportunidade.

Mas aí começam os problemas. O garoto era aluno e a vítima foi seu professor. Já cai por terra a primeira grande ladainha da esquerda. Mas tem mais: o professor era negro, e o aluno teria cometido o crime por motivos racistas. E agora, José? Professor, da “elite opressora”, negro, e marginal, o “pobre sem oportunidades”, um estudante racista. Ainda querem aplicar o bondoso ECA?

Outro problema para os “progressistas”, claro, é a arma do crime: uma faca de cozinha. Esqueça o desarmamento, a desculpa de que “armas matam”, em vez de pessoas. O moleque usou uma faca de cozinha para ferir com risco de morte seu professor. A esquerda nada tem a dizer sobre isso, a menos que queira defender o desarmamento das facas…

Mas calma, leitor, que a confusão mental da esquerda continua: o professor, negro, também é cristão, e decidiu perdoar o delinquente racista. Direito dele, como cristão, algo que a esquerda “tolerante” não aceita, pois no fundo só quer perdoar bandidos das “minorias”, não os que atacam as “minorias”: esses merecem a morte, de preferência pela guilhotina em praça pública que é para dar o exemplo.

Só que, para fechar com chave de ouro, o professor, negro e cristão, reconheceu que seu perdão pessoal era uma coisa, mas a lei era outra, bem diferente, e que era importante o cumprimento da lei para passar a outros jovens de perfis similares “uma forte mensagem” que a violência é inaceitável. Ou seja, o homem pede a punição da lei para não incentivar novos crimes.

E agora, Maria? O que tirar disso tudo? O professor é da “elite golpista opressora” ou membro das “minorias oprimidas”? O estudante adolescente racista é “vítima da sociedade” ou um “marginal doente que merece a forca”? Já vejo a cabecinha oca de muito esquerdista dando aquela mensagem das planilhas de Excel: “referência circular”. Como desatar esse nó górdio, meus caros “progressistas”?


PS: O adolescente passará seis anos em regime fechado em um centro de recuperação de menores e os outros cinco sob vigilância em regime aberto. Lembrando que a vítima sequer foi fatal. Alguém ainda fica espantado com a criminalidade no Brasil, praticada de forma escancarada e ousada, pela certeza da impunidade? Será que os “progressistas” brasileiros acham que temos muito a ensinar aos “otários” ingleses sobre como tratar marginais?

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

Demétrio Magnoli: Guerreiro do povo brasileiro

Vão longe os tempos do braço erguido e do punho fechado. A novidade da prisão de José Dirceu encontra-se na esfera das narrativas. Mesmo para o PT, o “preso político” do mensalão reduziu-se a um político preso. A lacônica nota partidária assinada por Rui Falcão sequer menciona seu nome. Na declaração agourenta do ministro Ricardo Berzoini, um homem de Lula, “cabe aos investigados tomarem as providências que julgarem necessárias para se defenderem perante a Justiça”. O celebrado “guerreiro do povo brasileiro” não perdeu apenas os andrajos de liberdade pendurados no mancebo da prisão domiciliar: foi condenado por seu partido ao degredo político. É uma forma de adiar a reflexão inevitável sobre as fontes ideológicas do apodrecimento ético do PT.

O PT traçou uma linha na areia separando a “corrupção pela causa”, virtuosa, da “corrupção pelo vil metal”, pecaminosa. Corrupção virtuosa: no mensalão, intelectuais petistas produziram doutos textos consagrados à defesa da apropriação partidária de recursos públicos, e a relativa pobreza de Genoino tornou-se símbolo e estandarte. Corrupção pecaminosa: Dirceu, indicam as provas oferecidas pelos delatores, usou sua influência no governo para constituir patrimônio pessoal. O guerreiro caído cruzou a linha proibida. Seu degredo é uma desesperada tentativa de perenizar a fronteira que se apaga sob ação do vento.

Não existe pecado do lado de cá do Equador. Se o país se divide entre Povo e Elite, e se o Partido é a ferramenta da emancipação popular de um jugo de 500 anos, então a “corrupção pela causa” não é corrupção, mas um expediente legítimo na jornada libertadora. A fórmula inflexível, refletida nos punhos cerrados do mensalão, tem suas próprias implicações. É em nome dela que Dirceu experimenta a condenação mais implacável. Numa ordem unida à qual só escapam cortesãos inúteis e vozes periféricas de aluguel, o Partido imprime-lhe na fronte o estigma do traidor. “Bode expiatório”, disse seu advogado, numa referência aberta a interpretação.

Dirceu é Dirceu, a segunda face do PT, não um Duque qualquer, um Paulinho Land Rover ou um Vargas que só era André. Dobrando-se ao vil metal, o guerreiro traidor remexe a areia, desmarca um limite, desfaz uma certeza. Se até ele transitou de uma corrupção à outra, como separá-las nitidamente, sanitizando a primeira e satanizando a segunda? O degredo silencioso de Dirceu, que equivale a uma gritaria, destina-se a abafar a pergunta incômoda. Os juízes do Partido temem menos a hipótese improvável de uma delação premiada do guerreiro traidor que a exposição pública das conexões entre a corrupção virtuosa e a corrupção pecaminosa.

A linha divisória riscada pelo PT reflete uma lógica religiosa, típica dos partidos autoritários. A corrupção virtuosa é aquela que serve à finalidade transcendente de salvação do Povo; a pecaminosa, pelo contrário, serve ao objetivo terreno de acumulação individual de bens materiais. Na política democrática, contudo, a oposição relevante é entre o público e o privado, não entre a salvação coletiva e o enriquecimento pessoal. Segundo essa lógica, cujo critério são os meios, o guerreiro não caiu sozinho.

Revisito as fotografias do líder estudantil preso, com centenas de outros, no Congresso da UNE de Ibiúna, em 1968, e de sua partida para o exílio, na base aérea do Galeão, com 12 outros, em 1969. Vistas da torre de observação do presente, elas têm algo de profundamente melancólico: os sinais de um fracasso coletivo. Mas, na história que se encerra, há também a prova de um teorema: a “corrupção virtuosa” conduz, inelutavelmente, à “corrupção pecaminosa”. O PT não deveria renegar seu guerreiro caído, nem defendê-lo, mas reavaliar a si mesmo no espelho de sua trajetória. Para nunca mais cerrar o punho contra as instituições da democracia.


Ipojuca Pontes: Dom Helder, o santo do pau oco

A mídia amestrada noticia com insistência o deslanche do processo de beatificação e canonização de D. Helder Câmara, antigo arcebispo de Olinda e Recife falecido em 1990. D. Helder, reconhecido urbi et orbi como o “Arcebispo Vermelho”, foi secretário-geral e um dos fundadores da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a CNBB, uma espécie de ONG manipulada pelo comunismo internacional no seio da Igreja Católica para irradiar as propostas da decadente Teologia da Libertação, suprema pulha de apostatas declarados para subverter os valores espirituais do cristianismo.

(Segundo documentos dos arquivos ultra-secretos do Kremlin tornados públicos pelo dissidente russo Pavel Stroilov, a Teologia da Libertação é uma trama macabra dos mentores da KGB, na Era Stalin, para infiltrar na Igreja Católica o vírus do velho materialismo histórico, este, por sua vez, uma mistificação do furunculoso Karl Marx. De todo modo, a Congregação para a Doutrina da Fé, instrumento da Santa Sé, representante central da Igreja, condenou a herética Teologia da Libertação e seus militantes pela pretensão descabida de eliminar a transcendência religiosa a partir do fomento à luta de classes).

O atual arcebispo de Olinda e Recife, D. Fernando Saburito, outro militante da famigerada CNBB, empenhado até os ossos no processo de canonização, está nomeando uma comissão para ouvir pessoas que conviveram com o “Arcebispo Vermelho” e que possam falar de sua vida e trajetória. “Tudo será bem-vindo” – diz Saburito – “para que possamos juntar esse material e encaminhar para Roma daqui a um ano”. (Com o festivo Francisco como Papa, é bem possível que D. Helder vire santo, o santo do pau oco)

De minha parte, digo que convivi um pouco com D. Helder no final dos anos 1960. Em Recife, ele mostrou-se interessado em ver um dos meus documentários, “Os Homens do Caranguejo”, que abordava o tema da luta pela sobrevivência no Nordeste. Logo no primeiro contato, tomei um choque. Quando D. Helder chegou atrasado para ver o filme, mandou um assessor reiniciar a sessão. Em seguida, já sob holofotes, assumindo poses com requinte de popstar, entrou na sala de projeção saudando a todos com acenos e riso escancarado – no que foi triunfalmente aplaudido por uma platéia constituída de estudantes.

Depois da projeção, o arcebispo me levou para almoçar nos fundos da Igreja das Fronteiras, no Derby, transformada em sua residência particular. D. Helder era o que se pode chamar de “uma figura”. De início, associei-o ao “stariets” Zósima, o santo vivo de “Os Irmãos Karamazov”, de Dostoiéviski. Com o tempo, vi que estava equivocado: D. Helder não apenas cultivava a glória, mas queria o poder. De fato, um olhar atento veria que nele tudo era preconcebido. A batina branca surrada, o halo da falsa humildade, o sorriso forçado, o olhar súplice e, sobretudo, a voz adocicada.

Ah, a voz de D. Helder! Seu tom floreado e macio encantava. Mas a cabo de minutos, além de aborrecer, pressentia-se que a usava como artifício para camuflar um orgulho doentio. A propósito, a tese infame de D. Helder era de que o sujeito nunca devia ser “orgulhoso de dentro para fora, mas de fora para dentro”. E acrescentava: “Para fora seja humilde, modesto. O orgulho interior Deus perdoa”.

Depois daquele almoço o padre pegou um livro de sua autoria, “A Revolução Dentro da Paz”, e fez a dedicatória em forma de catequese: “Para o cineasta Ipojuca Pontes compreender o papel da busca da justiça pela paz”. E de passagem, sem perder o tom melífluo, apanhou uma edição do jornal “Le Monde”. Encenando surpresa, comentou como se lesse aquilo pela primeira vez: – “Aqui diz que D. Helder Câmara foi indicado mais uma vez para receber o Prêmio Nobel da Paz”. O homem não conseguia esconder a vaidade mórbida e anticristã.

Em vida, o dramaturgo Nelson Rodrigues garantia que D. Helder só olhava para o céu para ver se levava ou não guarda-chuva. Para ele, o padre não tinha nenhum compromisso com o transcendental. Não passava de grotesco materialista que vivia para inocular na alma da pobre gente nordestina a crença fanática de que o regime da escassez planetária era um pecado estrutural do capitalismo. E cegando criminosamente para a fome que até hoje se abate sobre o povo cubano, eterna vítima da ditadura comunista dos Castro.


Vade retro, Satanás!