quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Guilherme Fiuza: Os postes saíram do armário


O resultado da eleição em São Paulo confirma: se a economia brasileira não derrapar feio até lá – e nada indica que isso acontecerá –, Dilma Rousseff deverá ser reeleita em 2014. Nesse caso, o Brasil será governado pelo PT por 16 anos, no mínimo. Getúlio Vargas, com ditadura e tudo, só conseguiu ficar 15 anos seguidos. E não tinha Valério, Delúbio e companhia no Palácio. A ditadura Vargas era o Estado Novo. A democracia petista é o Estado Velho – e doente.

Poderia ser pior. Lula e Dilma mantiveram as instituições funcionando (até aqui), não tentaram nenhuma guinada autoritária explícita (só as dissimuladas, como o mensalão), cumpriram contratos e não caíram na tentação dos calotes, como seus parceiros argentinos. Isso não é pouco. Ou melhor: é pouco, mas é essencial. Pior se o país tivesse caído nas mãos de franco-atiradores como Brizola, Ciro Gomes e outros inspirados por ideólogos da salvação, como Roberto Mangabeira Unger.

Em 2000, o PT discutia se valia a pena embarcar na quarta candidatura presidencial de Lula. O filho do Brasil ainda não tinha nascido. Quem existia era o bastardo, o perdedor, que a cada quatro anos repetia seu disco de reclamações contra tudo e era descartado pelo eleitorado. Lula trabalhara bravamente para desacreditar o Plano Real, que seu partido tentou sabotar no Congresso Nacional. Depois de sua terceira derrota como presidenciável, boa parte do PT queria outro candidato em 2002 – o nome do ex-governador Cristovam Buarque era o mais cotado.

Aí o Brasil foi abalroado pela crise da Rússia, que agravou a anterior, no Sudeste Asiático. José Dirceu teve a ideia de aparecer com o projeto Lulinha Paz e Amor. Em lugar do barbudo rancoroso – espécie de João Pedro Stédile urbano –, Lula apareceria como um conciliador, jogando fora suas próprias bandeiras de ruptura.

Foi um sucesso. A eleição foi ganha, e o perdedor ranzinza, que ninguém aguentava mais (nem o próprio PT), virou messias. Com a economia nacional arrumada e o início de um período sem tormentas externas, os brasileiros passaram a acreditar que a vida melhorava porque Lula era pobre e tinha consciência social. O PT ganhou na loteria – e está até hoje administrando o prêmio.

Prêmio que, vale lembrar, é colossal. O governo popular bateu seguidamente seus próprios recordes de arrecadação, com uma carga tributária entre as maiores do mundo. O país gigante deu a Lula e Dilma uma fortuna para administrar, e eles cumpriram sua missão: gastaram pesado com a máquina – que emprega os companheiros e os aliados dos companheiros (até terceiro grau ou onde a vista alcançar). Derramaram as bolsas gratuitas pelo território inteiro, enriqueceram a floresta de convênios picaretas com os ministérios (como se viu no Esporte, no Turismo e no Trabalho), que servem para a manutenção de uma infinidade de boquinhas com altos dividendos eleitorais. Torraram dinheiro grosso com a propaganda do governo dos coitados.

Esse é o Estado Velho do PT, que o Brasil resolveu eternizar. Um Estado que não precisa se preocupar em planejar nada, porque o país não lhe cobra isso. Infraestrutura? A receita é a mesma: usina-dinossauro de Belo Monte, trem-bala imaginário, e o futuro empurrado com a barriga e o marketing. Não há ninguém trabalhando para modernizar um dos países mais burocratizados do mundo, ninguém gastando neurônios com um planejamento tributário decente, ninguém projetando a organização das metrópoles caóticas – que dependem do governo federal para os grandes projetos viários, mas que receberão a Copa do Mundo cheias de remendos e disfarces.

O prefeito eleito Fernando Haddad achou engraçado se dizer o segundo poste de Lula (Dilma é o primeiro) e perguntar quem será o próximo. Não há dúvida: haverá um próximo, ou mais de um, para continuar torrando o prêmio lotérico do messias. O crime é tão perfeito que os postes já estão resolvendo sair do armário.

A defesa de Dirceu pediu ao STF a redução de sua pena, considerando o alto “valor social” do réu que combateu a ditadura. Antes de discutir se esse valor social será cotado em reais ou em dólares, seria o caso de perguntar ao ex-sequestrado e seus amigos: qual o valor do resgate do Estado sequestrado por eles?

domingo, 18 de novembro de 2012

J.R. Guzzo: Tudo em javanês


O artigo 13 da Constituição em vigor determina que “a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil”. É um mandamento de utilidade duvidosa, considerando-se que todo mundo sempre soube que aqui se fala o português — até 1988, aliás, o Brasil não tinha nenhum “idioma oficial” estabelecido em lei, e jamais se notou problema algum por causa disso durante os 500 anos anteriores. Tudo bem: numa Constituição que tem 250 artigos e mais uma prodigiosa quantidade de “incisos” — só o artigo 5o tem 78 —, umas palavras a mais ou a menos não vão machucar ninguém. Mas, já que nossa lei mais importante determina que o português é a língua oficial do país, obrigatória nos atos públicos, no ensino, nas placas de trânsito e assim por diante, imagina-se que ela deveria ser falada e escrita corretamente, ou pelo menos de maneira compreensível, por todos os que tenham a responsabilidade de resolver alguma coisa. Eis aqui, porém, mais uma questão na qual se faz, na vida prática, justamente o contrário do que a lei manda fazer.

O curioso é que esse tipo de postura comece justamente onde menos deveria começar — nas nossas altas cortes de Justiça. É o caso, como milhões de brasileiros estão sentindo justamente agora, e com direito a transmissão ao vivo, da linguagem utilizada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento do mensalão. Nunca, em toda a sua história, o STF viveu um momento de maior prestígio. Nunca tantos brasileiros viram com os próprios olhos o tribunal em ação. Nunca ele foi tão aplaudido por mostrar-se independente, capaz de condenar gente poderosa na máquina do governo e provar que não se assusta com ameaças ao tomar suas decisões. Deveria ser uma oportunidade de ouro, assim, para a população entender como a Justiça pode de fato funcionar no Brasil. A chance foi desperdiçada. O STF realizou seu trabalho essencial, sem dúvida — mas os ministros fizeram tanta questão de falar “difícil” durante o julgamento que acabaram se tornando perfeitamente incompreensíveis para quem os via e ouvia.

Os dez ministros do STF sabem muito bem que três quartos da população brasileira não são capazes de entender direito o que leem — que esperança poderiam ter, então, de que alguém conseguisse entender o que estavam dizendo? Falou-se, no julgamento, em “vértice axiológico”, “crivo probatório” e “exordial acusatória”. Ouviram-se as palavras “subsunção”, “vênia” e “colendo”. Apareceu o verbo “infirmar”. Em certo momento, um dos ministros falou em “egrégio sodalício”. Que raio de língua seria essa? Latim não é, mesmo porque os ministros não sabem falar latim. Não é nenhum idioma estrangeiro que se conheça. Também não é português. Os sons lembram vagamente a língua falada no Brasil, e as palavras utilizadas estão nos dicionários do nosso idioma oficial. Mas, se nem o 1% mais instruído da população nacional entende algo desse patuá, o resultado prático é que o julgamento mais importante da história do STF acabou sendo feito numa linguagem desconhecida. Daria na mesma, no fundo, se tivessem falado em javanês — tanto que foi indispensável, para os meios de comunicação, armar uma espécie de serviço de tradução simultânea para as pessoas ficarem sabendo se o réu, afinal, estava sendo condenado ou absolvido.

O português tem cerca de 200000 palavras — mais do que o suficiente, portanto, para Suas Excelências encontrarem termos de compreensão mais fácil. Decidiram fazer justo o contrário: não perderam uma única oportunidade de substituir toda e qualquer palavra clara por outra que ninguém entende. Para que isso? Uma sentença não fica mais justa porque é escrita nessa linguagem torturada. É óbvio que num congresso de física molecular, cirurgia neurológica ou prospecção de petróleo os participantes têm de usar termos técnicos em sua conversa; são até obrigados a isso, para trabalhar com eficiência. Juristas podem fazer exatamente o mesmo, nos seus encontros profissionais. Mas magistrados exercem uma função pública — e isso exige que falem para o público, e não apenas para si mesmos. Um dos mais antigos princípios do direito universal determina que ninguém pode alegar, em sua defesa, que desconhece a lei. Mas para conhecer a lei é indispensável que o cidadão entenda o que está escrito nela - e nossos juristas, com o seu linguajar, fazem o possível para tomá-la incompreensível. Imaginam, com isso, que estão exibindo sua sabedoria para o mundo. Estão apenas mostrando sua recusa, ou incapacidade, de se expressar no idioma oficial do país.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

J.R. Guzzo: Parada gay, cabra e espinafre


Já deveria ter ficado para trás no Brasil a época em que ser homossexual era um problema. Não é mais o problema que era. com certeza, mas a verdade é que todo o esforço feito há anos para reduzir o homossexualismo a sua verdadeira natureza – uma questão estritamente pessoal – não vem tendo o sucesso esperado. Na vida política, e só para ficar num caso recente, a rejeição ao homossexualismo pela maioria do eleitorado continua sendo considerada um valor decisivo nas campanhas eleitorais. Ainda agora, na eleição municipal de São Paulo, houve muito ruído em torno do infeliz “kit gay” que o Ministério da Educação inventou e logo desinventou, tempos atrás, para sugerir aos estudantes que a atração afetiva por pessoas do mesmo sexo é a coisa mais natural do mundo. Não deu certo, no caso, porque o ex-ministro Fernando Haddad, o homem associado ao “kit”, acabou ganhando – assim como não tinha dado certo na eleição * anterior, quando a candidata Marta Suplicy (curiosamente, uma das campeãs da “causa gay” no país) fez insinuações agressivas quanto à masculinidade do seu adversário Gilberto Kassab e foi derrotada por ele. Mas aí é que está: apesar de sua aparente ineficácia como caça-votos, dizer que alguém é gay, ou apenas pró-gay. ainda é uma “acusação”. Pode equivaler a um insulto grave – e provocar uma denúncia por injúria, crime previsto no artigo 140 do Código Penal Brasileiro. Nos cultos religiosos, o homossexualismo continua sendo denunciado como infração gravíssima. Para a maioria das famílias brasileiras, ter filhos ou filhas gay é um desastre – não do tamanho que já foi, mas um drama do mesmo jeito.

Por que o empenho para eliminar a antipatia social em torno do homossexualismo rateia tanto assim? O mais provável é que esteja sendo aplicada aqui a Lei das Consequências Indesejadas, segundo a qual ações feitas em busca de um determinado objetivo podem produzir resultados que ninguém queria obter, nem imaginava que pudessem ser obtidos. É a velha história do Projeto Apollo. Foi feito para levar o homem à Lua; acabou levando à descoberta da frigideira Tefal. A Lei das Consequências Indesejadas pode ser do bem ou do mal. É do bem quando os tais resultados que ninguém esperava são coisas boas. como aconteceu no Projeto Apollo: o objetivo de colocar o homem na Lua foi alcançado – e ainda rendeu uma bela frigideira, além de conduzir a um monte de outras invenções provavelmente mais úteis que a própria viagem até lá. É do mal quando os efeitos não previstos são o contrário daquilo que se pretendia obter. No caso das atuais cruzadas em favor do estilo de vida gay, parece estar acontecendo mais o mal do que o bem. Em vez de gerar a paz, todo esse movimento ajuda a manter viva a animosidade: divide, quando deveria unir. O kit gay, por exemplo, pretendia ser um convite à harmonia – mas acabou ficando com toda a cara de ser um incentivo ao homossexualismo, e só gerou reprovação. O fato é que, de tanto insistirem que os homossexuais devem ser tratados como uma categoria diferente de cidadãos, merecedora de mais e mais direitos, ou como uma espécie ameaçada, a ser protegida por uma coleção cada vez maior de leis. os patronos da causa gay tropeçam frequentemente na lógica- e se afastam, com isso. do seu objetivo central.

O primeiro problema sério quando se fala em “comunidade gay”é que a “comunidade gay” não existe – e também não existem, em consequência, o “movimento gay” ou suas “lideranças”. Como o restante da humanidade, os homossexuais, antes de qualquer outra coisa, são indivíduos. Têm opiniões, valores e personalidades diferentes. Adotam posições opostas em política, religião ou questões éticas. Votam em candidatos que se opõem. Podem ser a favor ou contra a pena de morte, as pesquisas com células-tronco ou a legalização do suicídio assistido. Aprovam ou desaprovam greves, o voto obrigatório ou o novo Código Florestal – e por aí se vai. Então por que, sendo tão distintos entre si próprios, deveriam ser tratados como um bloco só? Na verdade, a única coisa que têm em comum são suas preferências sexuais – mas isso não é suficiente para transformá-los num conjunto isolado na sociedade, da mesma forma como não vem ao caso falar em “comunidade heterossexual” para agrupar os indivíduos que preferem se unir a pessoas do sexo oposto. A tendência a olharem para si mesmos como uma classe à parte, na verdade, vai na direção exatamente contrária à sua principal aspiração – a de serem cidadãos idênticos a todos os demais.

Outra tentativa de considerar os gays como um grupo de pessoas especiais é a postura de seus porta-vozes quanto ao problema da violência. Imaginam-se mais vitimados pelo crime do que o resto da população; já se ouviu falar em “holocausto” para descrever a sua situação. Pelos últimos números disponíveis, entre 250 e 300 homossexuais foram assassinados em 2010 no Brasil. Mas. num país onde se cometem 50 000 homicídios por ano, parece claro que o problema não é a violência contra os gays; é a violência contra todos. Os homossexuais são vítimas de arrastões em prédios de apartamentos, sofrem sequestros-relâmpago, são assaltados nas ruas e podem ser monos com um tiro na cabeça se fizerem o gesto errado na hora do assalto – exatamente como ocorre a cada dia com os heterossexuais; o drama real, para todos, está no fato de viverem no Brasil. E as agressões gratuitas praticadas contra gays? Não há o menor sinal de que a imensa maioria da população aprove, e muito menos cometa, esses crimes; são fruto exclusivo da ação de delinquentes, não da sociedade brasileira.

Não há proveito algum para os homossexuais, igualmente, na facilidade cada vez maior com que se utiliza a palavra “homofobia”; em vez de significar apenas a raiva maligna diante do homossexualismo, como deveria, passou a designar com frequência tudo o que não agrada a entidades ou militantes da “causa gay”. Ainda no mês de junho, na última Parada Gay de São Paulo, os organizadores disseram que “4 milhões” de pessoas tinham participado da marcha – já o instituto de pesquisas Datafolha, utilizando técnicas específicas para esse tipo de medição, apurou que o comparecimento real foi de 270000 manifestantes, e que apenas 65000 fizeram o percurso do começo ao fim. A Folha de S.Paulo, que publicou a informação, foi chamada de “homofóbica”. Alegou-se que o número verdadeiro não poderia ter sido divulgado, para não “estimular o preconceito”- mas com isso só se estimula a mentira. Qualquer artigo na imprensa que critique o homossexualismo é considerado “homofóbico”; insiste-se que sua publicação não deve ser protegida pela liberdade de expressão, pois “pregar o ódio é crime”. Mas se alguém diz que não gosta de gays, ou algo parecido, não está praticando crime algum – a lei. afinal, não obriga nenhum cidadão a gostar de homossexuais, ou de espinafre, ou de seja lá o que for. Na verdade, não obriga ninguém a gostar de ninguém; apenas exige que todos respeitem os direitos de todos.

Há mais prejuízo que lucro, também, nas campanhas contra preconceitos imaginários e por direitos duvidosos. Homossexuais se consideram discriminados, por exemplo, por não poder doar sangue. Mas a doação de sangue não é um direito ilimitado – também são proibidas de doar pessoas com mais de 65 anos ou que tenham uma história clínica de diabetes, hepatite ou cardiopatias. O mesmo acontece em relação ao casamento, um direito que tem limites muito claros. O primeiro deles é que o casamento, por lei, é a união entre um homem e uma mulher; não pode ser outra coisa. Pessoas do mesmo sexo podem viver livremente como casais, pelo tempo e nas condições que quiserem. Podem apresentar-se na sociedade como casados, celebrar bodas em público e manter uma vida matrimonial. Mas a sua ligação não é um casamento – não gera filhos, nem uma família, nem laços de parentesco. Há outros limites, bem óbvios. Um homem também não pode se casar com uma cabra, por exemplo; pode até ter uma relação estável com ela, mas não pode se casar. Não pode se casar com a própria mãe. ou com uma irmã. filha, ou neta, e vice-versa. Não poder se casar com uma menor de 16 anos sem autorização dos pais. e se fizer sexo com uma menor de 14 anos estará cometendo um crime. Ninguém, nem os gays, acha que qualquer proibição dessas é um preconceito. Que discriminação haveria contra eles. então, se o casamento tem restrições para todos? Argumenta-se que o casamento gay serviria para garantir direitos de herança – mas não parece claro como poderiam ser criadas garantias que já existem. Homossexuais podem perfeitamente doar em testamento 50% dos seus bens a quem quiserem. Tem de respeitar a “legítima”", que assegura a outra metade aos herdeiros naturais – mas essa obrigação é exatamente a mesma para qualquer cidadão brasileiro. Se não tiverem herdeiros protegidos pela “legítima”, poderão doar livremente 100% de seu patrimônio – ao parceiro, à Santa Casa de Misericórdia ou à Igreja do Evangelho Quadrangular. E daí?

A mais nociva de todas essas exigências, porém, é o esforço para transformar a “homofobia” em crime, conforme se discute atualmente no Congresso. Não há um único delito contra homossexuais que já não seja punido pela legislação penal existente hoje no Brasil. Como a invenção de um novo crime poderia aumentar a segurança dos gays, num país onde 90% dos homicídios nem sequer chegam a ser julgados? A “criminalização da homofobia”é uma postura primitiva do ponto de vista jurídico, aleijada na lógica e impossível de ser executada na prática. Um crime, antes de mais nada. tem de ser “tipificado” – ou seja, tem de ser descrito de forma absolutamente clara. Não existe “mais ou menos” no direito penal; ou se diz precisamente o que é um crime, ou não há crime. O artigo 121 do Código Penal, para citar um caso clássico, diz o que é um homicídio: “Matar alguém”. Como seria possível fazer algo parecido com a homofobia? Os principais defensores da “criminalização” já admitiram, por sinal, que pregar contra o homossexualismo nas igrejas não seria crime, para não baterem de frente com o princípio da liberdade religiosa. Dizem, apenas, que o delito estaria na promoção do “ódio”. Mas o que seria essa “”promoção”? E como descrever em lei, claramente, um sentimento como o ódio?

Os gays já percorreram um imenso caminho para se libertar da selvageria com que foram tratados durante séculos e obter, enfim, os mesmos direitos dos demais cidadãos. Na iluminadíssima Inglaterra de 1895, o escritor Oscar Wilde purgou dois anos de trabalhos forçados por ser homossexual; sua vida e sua carreira foram destruídas. Na França de 1963, o cantor e compositor Charles Trenet foi condenado a um ano de prisão, pelo mesmo motivo. Nada lhe valeu ser um dos maiores nomes da música popular francesa, autor de mais de 1 000 canções, muitas delas obras imortais como Douce France – uma espécie de segundo hino nacional de seu país. Wilde, Trenet e tantos outros foram homens de sorte – antes, na Europa do Renascimento, da cultura e da civilização, homossexuais iam direto para as fogueiras da Santa Madre Igreja. Essas barbaridades não foram eliminadas com paradas gay ou projetos de lei contra a homofobia, e sim pelo avanço natural das sociedades no caminho da liberdade. É por conta desse progresso que os homossexuais não precisam mais levar uma vida de terror, escondendo sua identidade para conseguir trabalho, prover o seu sustento e escapar às formas mais brutais de chantagem, discriminação e agressão. É por isso que se tomou possível aos gays, no Brasil e no mundo de hoje, realizar o que para muitos é a maior e mais legítima ambição: a de serem julgados por seus méritos individuais, seja qual for a atividade que exerçam, e não por suas opções em matéria de sexo.

Perder o essencial de vista, e iludir-se com o secundário, raramente é uma boa ideia.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Nota oficial petralha sobre o julgamento do mensalão


O PT E O JULGAMENTO DA AÇÃO PENAL 470

O PT, amparado no princípio da liberdade de expressão, critica e torna pública sua discordância da decisão do Supremo Tribunal Federal que, no julgamento da Ação Penal 470, condenou e imputou penas desproporcionais a alguns de seus filiados.

1. O STF não garantiu o amplo direito de defesa
O STF negou aos réus que não tinham direito ao foro especial a possibilidade de recorrer a instâncias inferiores da Justiça. Suprimiu-lhes, portanto, a plenitude do direito de defesa, que é um direito fundamental da cidadania internacionalmente consagrado.

A Constituição estabelece, no artigo 102, que apenas o presidente, o vice-presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros do STF e o Procurador Geral da República podem ser processados e julgados exclusivamente pela Suprema Corte. E, também, nas infrações penais comuns e nos crimes de responsabilidade, os ministros de Estado, os comandantes das três Armas, os membros dos Tribunais superiores, do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática em caráter permanente.

Foi por esta razão que o ex-ministro Marcio Thomaz Bastos, logo no início do julgamento, pediu o desmembramento do processo. O que foi negado pelo STF, muito embora tenha decidido em sentido contrário no caso do “mensalão do PSDB” de Minas Gerais.

Ou seja: dois pesos, duas medidas; situações idênticas tratadas desigualmente.

Vale lembrar, finalmente, que em quatro ocasiões recentes, o STF votou pelo desmembramento de processos, para que pessoas sem foro privilegiado fossem julgadas pela primeira instância – todas elas posteriores à decisão de julgar a Ação Penal 470 de uma só vez.

Por isso mesmo, o PT considera legítimo e coerente, do ponto de vista legal, que os réus agora condenados pelo STF recorram a todos os meios jurídicos para se defenderem.

2. O STF deu valor de prova a indícios
Parte do STF decidiu pelas condenações, mesmo não havendo provas no processo. O julgamento não foi isento, de acordo com os autos e à luz das provas. Ao contrário, foi influenciado por um discurso paralelo e desenvolveu-se de forma “pouco ortodoxa” (segundo as palavras de um ministro do STF). Houve flexibilização do uso de provas, transferência do ônus da prova aos réus, presunções, ilações, deduções, inferências e a transformação de indícios em provas.

À falta de elementos objetivos na denúncia, deducões, ilações e conjecturas preencheram as lacunas probatórias – fato grave sobretudo quando se trata de ação penal, que pode condenar pessoas à privação de liberdade. Como se sabe, indícios apontam simplesmente possibilidades, nunca certezas capazes de fundamentar o livre convencimento motivado do julgador. Indícios nada mais são que sugestões, nunca evidências ou provas cabais.

Cabe à acusação apresentar, para se desincumbir de seu ônus processual, provas do que alega e, assim, obter a condenação de quem quer que seja. No caso em questão, imputou-se aos réus a obrigação de provar sua inocência ou comprovar álibis em sua defesa—papel que competiria ao acusador. A Suprema Corte inverteu, portanto, o ônus da prova.

3. O domínio funcional do fato não dispensa provas
O STF deu estatuto legal a uma teoria nascida na Alemanha nazista, em 1939, atualizada em 1963 em plena Guerra Fria e considerada superada por diversos juristas. Segundo esta doutrina, considera-se autor não apenas quem executa um crime, mas quem tem ou poderia ter, devido a sua função, capacidade de decisão sobre sua realização. Isto é, a improbabilidade de desconhecimento do crime seria suficiente para a condenação.

Ao lançarem mão da teoria do domínio funcional do fato, os ministros inferiram que o ex-ministro José Dirceu, pela posição de influência que ocupava, poderia ser condenado, mesmo sem provarem que participou diretamente dos fatos apontados como crimes. Ou que, tendo conhecimento deles, não agiu (ou omitiu-se) para evitar que se consumassem. Expressão-síntese da doutrina foi verbalizada pelo presidente do STF, quando indagou não se o réu tinha conhecimento dos fatos, mas se o réu “tinha como não saber”…

Ao admitir o ato de ofício presumido e adotar a teoria do direito do fato como responsabilidade objetiva, o STF cria um precedente perigoso: o de alguém ser condenado pelo que é, e não pelo que teria feito.

Trata-se de uma interpretação da lei moldada unicamente para atender a conveniência de condenar pessoas específicas e, indiretamente, atingir o partido a que estão vinculadas.

4. O risco da insegurança jurídica
As decisões do STF, em muitos pontos, prenunciam o fim do garantismo, o rebaixamento do direito de defesa, do avanço da noção de presunção de culpa em vez de inocência. E, ao inovar que a lavagem de dinheiro independe de crime antecedente, bem como ao concluir que houve compra de votos de parlamentares, o STF instaurou um clima de insegurança jurídica no País.

Pairam dúvidas se o novo paradigma se repetirá em outros julgamentos, ou, ainda, se os juízes de primeira instância e os tribunais seguirão a mesma trilha da Suprema Corte.

Doravante, juízes inescrupulosos, ou vinculados a interesses de qualquer espécie nas comarcas em que atuam poderão valer-se de provas indiciárias ou da teoria do domínio do fato para condenar desafetos ou inimigos políticos de caciques partidários locais.

Quanto à suposta compra de votos, cuja mácula comprometeria até mesmo emendas constitucionais, como as das reformas tributária e previdenciária, já estão em andamento ações diretas de inconstitucionalidade, movidas por sindicatos e pessoas físicas, com o intuito de fulminar as ditas mudanças na Carta Magna.

Ao instaurar-se a insegurança jurídica, não perdem apenas os que foram injustiçados no curso da Ação Penal 470. Perde a sociedade, que fica exposta a casuísmos e decisões de ocasião. Perde, enfim, o próprio Estado Democrático de Direito.

5. O STF fez um julgamento político
Sob intensa pressão da mídia conservadora — cujos veículos cumprem um papel de oposição ao governo e propagam a repulsa de uma certa elite ao PT —  ministros do STF confirmaram condenações anunciadas, anteciparam votos à imprensa, pronunciaram-se fora dos autos e, por fim, imiscuiram-se em áreas reservadas ao Legislativo e ao Executivo, ferindo assim a independência entre os poderes.

Único dos poderes da República cujos integrantes independem do voto popular e detêm mandato vitalício até completarem 70 anos, o Supremo Tribunal Federal – assim como os demais poderes e todos os tribunais daqui e do exterior – faz política. E o fez, claramente, ao julgar a Ação Penal 470.

Fez política ao definir o calendário convenientemente coincidente com as eleições. Fez política ao recusar o desmembramento da ação e ao escolher a teoria do domínio do fato para compensar a escassez de provas.

Contrariamente a sua natureza, de corte constitucional contra-majoritária, o STF, ao deixar-se contaminar pela pressão de certos meios de comunicação e sem distanciar-se do processo político eleitoral, não assegurou-se a necessária isenção que deveria pautar seus julgamentos.

No STF, venceram as posições políticas ideológicas, muito bem representadas pela mídia conservadora neste episódio: a maioria dos ministros transformou delitos eleitorais em delitos de Estado (desvio de dinheiro público e compra de votos).

Embora realizado nos marcos do Estado Democrático de Direito sob o qual vivemos, o julgamento, nitidamente político, desrespeitou garantias constitucionais para retratar processos de corrupção à revelia de provas, condenar os réus e tentar criminalizar o PT. Assim orientado, o julgamento convergiu para produzir dois resultados: condenar os réus, em vários casos sem que houvesse provas nos autos, mas, principalmente, condenar alguns pela “compra de votos” para, desta forma, tentar criminalizar o PT.

Dezenas de testemunhas juramentadas acabaram simplesmente desprezadas. Inúmeras contraprovas não foram sequer objeto de análise. E inúmeras jurisprudências terminaram alteradas para servir aos objetivos da condenação.

Alguns ministros procuraram adequar a realidade à denúncia do

Procurador Geral, supostamente por ouvir o chamado clamor da opinião pública, muito embora ele só se fizesse presente na mídia de direita, menos preocupada com a moralidade pública do que em tentar manchar a imagem histórica do governo Lula, como se quisesse matá-lo politicamente. O procurador não escondeu seu viés de parcialidade ao afirmar que seria positivo se o julgamento interferisse no resultado das eleições.

A luta pela Justiça continua
O PT envidará todos os esforços para que a partidarização do Judiciário, evidente no julgamento da Ação Penal 470, seja contida. Erros e ilegalidades que tenham sido cometidos por filiados do partido no âmbito de um sistema eleitoral inconsistente – que o PT luta para transformar através do projeto de reforma política em tramitação no Congresso Nacional – não justificam que o poder político da toga suplante a força da lei e dos poderes que emanam do povo.

Na trajetória do PT, que nasceu lutando pela democracia no Brasil, muitos foram os obstáculos que tivemos de transpor até nos convertermos no partido de maior preferência dos brasileiros. No partido que elegeu um operário duas vezes presidente da República e a primeira mulher como suprema mandatária. Ambos, Lula e Dilma, gozam de ampla aprovação em todos os setores da sociedade, pelas profundas transformações que têm promovido, principalmente nas condições de vida dos mais pobres.

A despeito das campanhas de ódio e preconceito, Lula e Dilma elevaram o Brasil a um novo estágio: 28 milhões de pessoas deixaram a miséria extrema e 40 milhões ascenderam socialmente.

Abriram-se novas oportunidades para todos, o Brasil tornou-se a 6ª.economia do mundo e é respeitado internacionalmente, nada mais devendo a ninguém.

Tanto quanto fizemos antes do início do julgamento, o PT reafirma sua convicção de que não houve compra de votos no Congresso Nacional, nem tampouco o pagamento de mesada a parlamentares. Reafirmamos, também, que não houve, da parte de petistas denunciados, utilização de recursos públicos, nem apropriação privada e pessoal.

Ao mesmo tempo, reiteramos as resoluções de nosso Congresso Nacional, acerca de erros políticos cometidos coletiva ou individualmente.

É com esta postura equilibrada e serena que o PT não se deixa intimidar pelos que clamam pelo linchamento moral de companheiros injustamente condenados. Nosso partido terá forças para vencer mais este desafio. Continuaremos a lutar por uma profunda reforma do sistema político – o que inclui o financiamento público das campanhas eleitorais – e pela maior democratização do Estado, o que envolve constante disputa popular contra arbitrariedades como as perpetradas no julgamento da Ação Penal 470, em relação às quais não pouparemos esforços para que sejam revistas e corrigidas.

Conclamamos nossa militância a mobilizar-se em defesa do PT e de nossas bandeiras; a tornar o partido cada vez mais democrático e vinculado às lutas sociais. Um partido cada vez mais comprometido com as transformações em favor da igualdade e da liberdade.

São Paulo, 14 de novembro de 2012.

Comissão Executiva Nacional do PT.

·RUI FALCÃO – Presidente
·ANDRÉ LUIZ VARGAS ILÁRIO – Secretário Nacional de Comunicação
·ARLETE SAMPAIO – Vogal
·BENEDITA DA SILVA – Vogal
·CARLOS HENRIQUE ÁRABE – Secretário Nacional de Formação Política
·ELÓI PIETÁ – Secretário–Geral Nacional
·FÁTIMA CLEIDE RODRIGUES DA SILVA – Vogal
·IOLE ILÍADA – Secretária Nacional de Relações Internacionais
·JILMAR AGUSTINHO TATTO – Líder do PT na Câmara dos Deputados
·JOÃO VACCARI NETO – Secretário Nacional de Finanças e Planejamento
·JORGE LUIZ CABRAL COELHO – Secretário Nacional de Mobilização
·JOSÉ NOBRE GUIMARÃES – Vice–Presidente Nacional
·MARIA APARECIDA DE JESUS – Vogal
·MARIA DE FÁTIMA BEZERRA – Vice–Presidente Nacional
·MARIA DO CARMO LARA PERPÉTUO – Vogal
·MARIENE PANTOJA DE LIMA – Vogal
·PAULO FRATESCHI – Secretário Nacional de Organização
·RENATO SIMÕES – Secretário Nacional de Movimentos Populares
·VILSON AUGUSTO DE OLIVEIRA – Secretário Nacional de Assuntos Institucionais
·WALTER DE FREITAS PINHEIRO – Líder do PT no Senado Federal

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Reynaldo Rocha: A salsa cubana do covarde sem caráter


Prova de desonestidade. Já conhecida. De ofensa ao país, comumente repetida. A arrogância de quem se julga acima do estado de direito. E da verdade histórica.

A condenação aconteceu? Que se puna a imprensa! Cassem a palavra de jornalistas! Como se estes fossem policiais, promotores e juízes. Os atuais acusados pelo delírio do guerrilheiro da espingarda de rolha de cortiça.

Acrescente-se uma reforma política jamais explicitada. Só a defesa do tal financiamento público de campanha, para dar legalidade aos achaques já praticados.

E como usam o termo “desconstrução!” Tenho ouvido com frequência. O mesmo que destruição. Quem quer desconstruir assume que quer destruir: acabar com algo que já foi construído.

Como um julgamento. E contra os fatos.

Parece-me que José Dirceu deseja a prisão. Ou ao menos justificar a pena a ser cumprida. Dando ares de politização a uma condenação por roubo.

Se na ditadura os assaltos a bancos eram chamados de expropriação e tinham – mesmo com críticas de muitos – um emprego coletivo, desta feita foi dinheiro para os bolsos de porcos que transformaram o Legislativo em chiqueiro. O que há de ideológico ou de político nestas ações?

Esta tentativa – hoje isolada – de Dirceu parece dar razão a Lula quando definiu o condenado pela chefia da quadrilha, em tempos passados: “José Dirceu não tem amigos. Ele só pensa nele!”.

Dirceu tenta criar um clima de desmoralização do Poder Judiciário na tentativa desesperada de criar um fato político que dê margem – delirante – de se autodeclarar “prisioneiro político”. Como já disse antes, prisioneiro do governo do PT.

Mas, ele só pensa nele…

Dirceu não terá ─ nem ele nem ninguém ─ condições de desconstruir o que quer que seja, além das próprias pobres biografias. Transformadas em folhas corridas.

Esta insistência patológica de ignorar a realidade não pode ser doença. Parece ser retirada de algum manual lulopetista, visto que utilizada pela imensa maioria dos adeptos da seita.

E há quem pretenda separar Dirceu do PT. São irmãos siameses. Indissociáveis. Um diz o que o outro pensa. E ambos obedecem o que o supremo líder pensou pensar.

Mas Lula conhece os seus (dele)!

Sabe que Dirceu “não tem amigos.” Nunca teve. E que neste momento, José Dirceu – chefe de uma quadrilha de bandidos condenados por roubos aos cofres públicos – precisa ser mais uma vez a vítima do crime que não houve. Um crime político.

O outro, previsto no Código Penal, não há como desconstruir.

A única alternativa é calando a imprensa e propondo reformas.

Quem sabe a do Poder Judiciário?

Na semana passada, o quadrilheiro Pedro Caroço voltou à carga contra os atuais alvos da covardia reconhecida: de novo a imprensa. E como se previa, o Judiciário.

Um porque ousou falar. Outro, porque ouviu. E ambos porque fizeram o que a nação e a democracia exigem.

Em artigo no blog que mantém (e que perderá o direito de usar, visto que presos não podem ter acesso a Internet), um post com o título “O que justifica?”, investe contra a decisão do ministro Joaquim Barbosa de apreender os passaportes de réus já condenados.

As justificativas são diversas. E é até cansativo elencá-las. A primeira – e básica – e que bandidos precisam ser vigiados entre a apenação e a execução da pena. E que bandidos que roubaram, possuem ainda mais condições de fugir, visto que milionários com o que roubaram. Outra decorre do caráter dos condenados. Especificamente no caso de Dirceu, nada a comentar. Dirceu continua na clara intenção de ser o “mártir do puteiro!”. O “preso político” que trocou o crime de opinião pelo roubo na boca do caixa. Do dinheiro público.

Quer confrontar o Judiciário. Quer se colocar como uma vítima do sistema, que ele mesmo afirmava (e nunca foi verdade!) a construir. Ele se esquece de que o nome do jogo é DEMOCRACIA. E, na democracia, bandidos são presos.

Há muito não via tamanho descaramento e hipocrisia, na tentativa de impor a canalhice como valor a ser preservado: “Nenhum ministro encarna o Poder Judiciário – não estamos no absolutismo real. Nenhum ministro encarna a nação ou o povo – não estamos numa ditadura. Mesmo acatando a decisão, tenho o direito de me expressar diante de uma tentativa de intimidar os réus, cercear o direito de defesa e expor os demais ministros ao clamor popular instigado, via holofotes de certa mídia, nestes quase quatro meses de julgamento.”

Dirceu é uma anta? Há controvérsias. Mesmo uma nobre anta (o que não é o caso, visto que falta nobreza) sabe que não pode, presa em redes, atacar quem a capturou.

A figura animal mais próximo da verdade é da hiena. Come fezes, ataca em bando, ri, abandona outras (as feridas) pelo caminho de fuga e provoca o inimigo e depois foge…

Até onde este script de filme de terror vai continuar sendo encenado?

A alegação de uma suposta “coragem” derivada deste enfrentamento cai por terra quando se reconhece que o Judiciário não age por vingança. Age por justiça. E esta já basta ao escroque oficial. O chefe da quadrilha sabe que nada perde ao tentar desmoralizar o mesmo poder que lhe deu acolhida quando fugitivo e anistiado. O ganho se ouve nos gritos de “mexeu com ele, mexeu comigo!”, entoado nas bocas de fumo – correção , nas plenárias – onde os aliados do ladrão se reúnem.

O objetivo é posar de perseguido político. E justificar a pesada pena pelo “inconformismo” com a “sentença influenciada por uma certa mídia”, prolatada por “juízes absolutistas e ditadores”. Em um país governado pelos seus (dele) próprios protetores.

É o samba do ladrão doido!

Ou a salsa cubana do covarde sem caráter.

domingo, 11 de novembro de 2012

Marco Antonio Villa: Tempos sombrios, tempos petistas


Luiz Inácio Lula da Silva está calado. O que é bom, muito bom. Não mais repetiu que o mensalão foi uma farsa. Também, pudera, após mais de três meses de julgamento público, transmitido pela televisão, com ampla cobertura da imprensa, mais de 50 mil páginas do processo armazenadas em 225 volumes e a condenação de 25 réus, continuar negando a existência da "sofisticada organização criminosa", de acordo com o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, seria o caso de examinar o ex-presidente. Mesmo com a condenação dos seus companheiros - um deles, o seu braço direito no governo, José Dirceu, o "capitão do time", como dizia -, aparenta certa tranquilidade.

Como disse o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), Lula é "um sujeito safo". É esperto, sagaz. Conseguiu manter o mandato, em 2005, quando em qualquer país politicamente sério um processo de impeachment deveria ter sido aberto. Foi uma manobra de mestre. Mas nada supera ter passado ao largo da Ação Penal 470, feito digno de um Pedro Malasartes do século 21.

Mas se o silêncio público (momentâneo?) de Lula é sempre bem visto, o mesmo não pode ser dito das articulações que promove nos bastidores. Uma delas foi o conselho para que Dilma Rousseff não comparecesse à posse de Joaquim Barbosa na presidência do STF. Ainda bem que o bom senso vigorou e ela vai ao ato, pois é presidente da República, e não somente dos petistas. O artífice de diversas derrotas petistas na última eleição (Recife, Belo Horizonte e Campinas são apenas alguns exemplos) continua pressionando a presidente pela nomeação de um "ministro companheiro" na vaga aberta pela aposentadoria de Carlos Ayres Brito. E deve, neste caso, ser obedecido.

O ex-presidente quer se vingar do resultado do julgamento do mensalão. Nunca aceitou os limites constitucionais. Considera-se vítima, por incrível que pareça, de uma conspiração organizada por seus adversários. Acha que tribunal é partido político. Declarou recentemente que as urnas teriam inocentado os quadrilheiros. Como se urna fosse toga. Nesse papel tem apoio entusiástico do quarteto petista condenado por corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Eles continuam escrevendo, dando entrevistas, participando de festas e eventos públicos, como se nada tivesse acontecido. Ou melhor, como se tivessem sido absolvidos.

O que os petistas chamam de resistência não passa de um movimento orquestrado de escárnio da Justiça. José Dirceu, considerado o chefe da quadrilha por Roberto Gurgel, tem o desplante de querer polemizar com o ministro Joaquim Barbosa, criticando seu trabalho. Como se ele e Barbosa estivessem no mesmo patamar: um não fosse condenado por corrupção ativa (nove vezes) e formação de quadrilha e o outro, o relator do processo e que vai assumir a presidência da Suprema Corte. Pior é que a imprensa cede espaço ao condenado como se ele - vejam a inversão de valores da nossa pobre República - fosse uma espécie de reserva moral da Nação. Chegou até a propor o financiamento público de campanha. Mas os petistas já não o tinham adotado?

Outro condenado, João Paulo Cunha, foi recebido com abraços, tapinhas nas costas e declarações de solidariedade pelos colegas na Câmara dos Deputados. Já José Genoino pretende assumir a cadeira de deputado assim que abrir a vaga. E como o que é ruim pode piorar, Marco Maia, presidente da Câmara, afirmou que a perda de mandato dos dois condenados é assunto que deve ser resolvido pela Casa, novamente desprezando a Constituição.

O julgamento do mensalão desnudou o Partido dos Trabalhadores (PT). Sua liderança assaltou o Estado sem pudor. Como propriedade do partido. Sem nenhum subterfúgio. Os petistas poderiam ter feito uma autocrítica diante do resultado do julgamento. Ledo engano. Nada aprenderam, como se fossem os novos Bourbons. Depois de semanas e semanas com o País ouvindo como seus dirigentes se utilizaram dos recursos públicos para fins partidários, na semana que passou Dilma (antes havia se reunido com o criador por três horas) recebeu no Palácio da Alvorada, residência oficial, para um lauto jantar, líderes do PT e do PMDB. A finalidade da reunião era um assunto de Estado? Não. Interessava apenas aos dois partidos. Fizeram uma analise das eleições municipais e traçaram planos para 2014. Ninguém, em sã consciência, é contrário a uma reunião desse tipo. O problema é que foi num prédio público e paga com dinheiro público. Imagine o leitor se tal fato ocorresse nos EUA ou na Europa. Seria um escândalo. Mas na terra descoberta por Cabral, cujas naus, logo vão dizer, tinham a estrela do PT nas velas, tudo pode. E quem protesta não passa de golpista.

Nesta República em frangalhos, resta esperar o resultado final do julgamento do mensalão. As penas devem ser exemplares. É o que o STF está sinalizando na dosimetria do núcleo publicitário. Mas a Corte sabe que não será tarefa nada fácil. O PT já está falando em controle social da mídia, nova denominação da "censura companheira". Não satisfeito, defende também o controle - observe o leitor que os petistas têm devoção pelo Estado todo-poderoso - do Judiciário (qual, para eles, deve ser a referência positiva: Cuba, Camboja ou Coreia do Norte?). Nesse ritmo, não causará estranheza o PT propor que a Praça dos Três Poderes, em Brasília, tenha somente dois edifícios... Afinal, "aquele" terceiro edifício, mais sóbrio, está criando muitos problemas.

O País aguarda o momento da definição das penas do núcleo político, especialmente do quarteto petista. Será um acerto de contas entre o golpismo e o Estado Democrático de Direito. Para o bem do Brasil, os golpistas mensaleiros perderam. Mais que perderam. Foram condenados. E serão presos.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Olavo de Carvalho: O óbvio esotérico

A derrota do sr. José Serra em São Paulo demonstra, pela enésima vez, que é impossível vencer o PT e seus aliados sem fazer precisamente as duas coisas que a oposição tem evitado a todo preço: (1) livrar-se do resíduo ideológico “politicamente correto”, adotando um discurso conservador sem concessões nem atenuações; (2) denunciar incansavelmente a aliança criminosa de partidos comunistas e quadrilhas de narcotraficantes – o Foro de São Paulo.

            Quem duvida que o sucesso de Magalhães Neto, em contrapartida, deveu muito à nostalgia de um conservadorismo linha-dura que o seu nome de família ainda evoca na imaginação do eleitorado baiano? Antonio Carlos Magalhães nunca foi um conservador em sentido estrito, mas, faute de mieux, a esquerda fez dele o símbolo quintessencial da direita, e, ao menos nos seus últimos anos, ele vestiu a camiseta com alguma bravura, cujo prestígio agora reverte em benefício do seu neto.

            Uma das razões mais óbvias do triunfo da esquerda, não só no Brasil mas em toda parte, é a solidariedade profunda, a aliança inquebrantável entre seus setores moderados e radicais, sempre articulados para bater no adversário com duas mãos. Na direita, ao contrário, os moderados, menos ciosos do seu futuro político que da imagem que exibem  na mídia esquerdista, tratam de marcar distância dos radicais, seja fingindo ignorá-los, seja mesmo insultando-os, ao menos da boca para fora.

            A mensagem que isso transmite ao eleitor é clara: o esquerdismo é um remédio bom, do qual se pode, no máximo, discutir a dosagem; o direitismo, ao contrário, é um veneno que só pode ser bom em doses mínimas.

            É preciso ter subido muito na escala da idiotice para não entender que isso é a política de quem já se acostumou tanto com a derrota que já não pode viver sem ela.

            O PT não se inibe de aliar-se ao PSOL, ao PSTU, aos Sem-Terra e até, mais discretamente, às Farc. Mas quem pode imaginar os homens do DEM – para não falar de José Serra – posando numa foto em visita, mesmo de pura cortesia, ao Instituto Plínio Correia de Oliveira ou ao Clube Militar? Cito essas entidades de caso pensado: elas nada têm de radical, mas assim as rotulou a mídia esquerdista para isolá-las da direita oficial, que, como sempre, aceitou servilmente jogar segundo a regra imposta pelo adversário.

            O mais elementar bom-senso político ensina que toda maioria moderada precisa dos radicais – ou de quem o pareça -- para dizer em público o que ela não pode dizer. Ensina também que a minoria enfezada só pode ser posta sob controle quando inserida numa aliança. A esquerda já aprendeu isso há décadas. A direita nem começou a pensar no assunto.

            Na França, a vitória da esquerda teve como causa principal ou única a impossibilidade de um diálogo entre a direita gaullista e o Front National. Nos EUA, em 2008, John McCain jamais teria perdido a eleição se não houvesse caprichado tanto naquele bom-mocismo centralista que os conservadores abominam. E no Brasil o sr. José Serra teria tido uma carreira mais brilhante se atirasse à lata de lixo da História um passado esquerdista que, quanto mais ostentado, mais honra e eleva a imagem dos seus inimigos. Desculpem-me por insistir no óbvio, mas, neste país, o óbvio vai-se tornando cada vez mais um segredo esotérico, só acessível a um círculo de iniciados: num campeonato de esquerdismo, vence, por definição, o mais esquerdista. O eleitorado brasileiro é maciçamente conservador, mas, não tendo quem o represente na política, acaba votando a esmo, conforme simpatias de momento ou interesses de ocasião que no fim o tornam tão corrupto, ao menos psicologicamente, quanto os políticos que ele despreza. O voto interesseiro vai, necessariamente, para quem está no poder, para quem controla a usina de favores. A oposição teria tudo a ganhar se contrapusesse a esse estado de coisas um discurso ideologicamente carregado, restaurando o senso da política como conflito de valores em vez de mera disputa de cargos. Mas ela não vai fazer isso. Há tempos ela já se persuadiu de que acumular derrotas é mais confortável do que fazer um exame de consciência.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Olavo de Carvalho: O novo imbecil coletivo


Quando entre os anos 80 e 90 comecei a redigir as notas que viriam a compor O Imbecil Coletivo, os personagens a que ali eu me referia eram indivíduos inteligentes, razoavelmente cultos, apenas corrompidos pela auto-intoxicação ideológica e por um corporativismo de partido que, alçando-os a posições muito superiores aos seus méritos, deformavam completamente sua visão do universo e de si mesmos. Foi por isso que os defini como “um grupo de pessoas de inteligência normal ou mesmo superior que se reúnem com a finalidade de imbecilizar-se umas às outras”.

          Essa definição já não se aplica aos novos tagarelas e opinadores, que atuam sobretudo através da internete que hoje estão entre os vinte e os quarenta anos de idade. Tal como seus antecessores, são pessoas de inteligência normal ou superior separadas do pleno uso de seus dons pela intervenção de forças sociais e culturais. A diferença é que essas forças os atacaram numa idade mais tenra e já não são bem as mesmas que lesaram os seus antecessores.

          Até os anos 70, os brasileiros recebiam no primário e no ginásio uma educação normal, deficiente o quanto fosse. Só vinham a corromper-se quando chegavam à universidade e, em vez de uma abertura efetiva para o mundo da alta cultura, recebiam doses maciças de doutrinação comunista, oferecida sob o pretexto, àquela altura bastante verossímil, da luta pela restauração das liberdades democráticas. A pressão do ambiente, a imposição do vocabulário e o controle altamente seletivo dos temas e da bibliografia faziam com que a aquisição do status de brasileiro culto se identificasse, na mente de cada estudante, com a absorção do estilo esquerdista de pensar, de sentir e de ser – na verdade, nada mais que um conjunto de cacoetes mentais.

          O trabalho dos professores-doutrinadores era complementado pela grande mídia, que, então já amplamente dominada por ativistas e simpatizantes de esquerda, envolvia os intelectuais e artistas de sua preferência ideológica numa aura de prestígio sublime, ao mesmo tempo que jogava na lata de lixo do esquecimento os escritores e pensadores considerados inconvenientes, exceto quando podia explorá-los como exceções que por sua própria raridade e exotismo confirmavam a regra.

          Criada e mantida pelas universidades, pelo movimento editorial e pela mídia impressa, a atmosfera de imbecilização ideológica era, por assim dizer, um produto de luxo, só acessível às classes média e alta, deixando intacta a massa popular.

          A partir dos anos 80, a elite esquerdista tomou posse da educação pública, aí introduzindo o sistema de alfabetização “socioconstrutivista”, concebido por pedagogos esquerdistas como Emilia Ferrero, Lev Vigotsky e Paulo Freire para implantar na mente infantil as estruturas cognitivas aptas a preparar o desenvolvimento mais ou menos espontâneo de uma cosmovisão socialista, praticamente sem necessidade de “doutrinação” explícita.

          Do ponto de vista do aprendizado, do rendimento escolar dos alunos, e sobretudo da alfabetização, os resultados foram catastróficos.

          Não há espaço aqui para explicar a coisa toda, mas, em resumidas contas, é o seguinte. Todo idioma compõe-se de uma parte mais ou menos fechada, estável e mecânica – o alfabeto, a ortografia, a lista de fonemas e suas combinações, as regras básicas da morfologia e da sintaxe -- e de uma parte aberta, movente e fluida: o universo inteiro dos significados, dos valores, das nuances e das intenções de discurso. A primeira aprende-se eminentemente por memorização e exercícios repetitivos. A segunda, pelo auto-enriquecimento intelectual permanente, pelo acesso aos bens de alta cultura, pelo uso da inteligência comparativa, crítica e analítica e, last not least, pelo exercício das habilidades pessoais de comunicação e expressão. Sem o domínio adequado da primeira parte, é impossível orientar-se na segunda. Seria como saltar e dançar antes de ter aprendido a andar. É exatamente essa inversão que o socioconstrutivismo impõe aos alunos, pretendendo que participem ativamente – e até criativamente – do “universo da cultura” antes de ter os instrumentos de base necessários à articulação verbal de seus pensamentos, percepções e estados interiores.

O socioconstrutivismo mistura a alfabetização com a aquisição de conteúdos, com a socialização e até com o exercício da reflexão crítica, tornando o processo enormemente complicado e, no caminho, negligenciando a aquisição das habilidades fonético-silábicas elementares  sem as quais ninguém pode chegar a um domínio suficiente da linguagem.      

O produto dessa monstruosidade pedagógica são estudantes que chegam ao mestrado e ao doutorado sem conhecimentos mínimos de ortografia e com uma reduzida capacidade de articular experiência e linguagem. Na universidade aprendem a macaquear o jargão de uma ou várias especialidades acadêmicas que, na falta de um domínio razoável da língua geral e literária, compreendem de maneira coisificada, quase fetichista, permanecendo quase sempre insensíveis às nuances de sentido e incapazes de apreender, na prática, a diferença entre um conceito e uma figura de linguagem. Em geral não têm sequer o senso da “forma”, seja no que lêem, seja no que escrevem.

Aplicado em escala nacional, o socioconstrutivismo resultou numa espetacular democratização da inépcia, que hoje se distribui mais ou menos equitativamente entre todos os jovens brasileiros estudantes ou diplomados, sem distinções de credo ou de ideologia. O novo imbecil coletivo, ao contrário do antigo, não tem carteirinha de partido.

Reinaldo Azevedo: O repúdio à democracia nos EUA e no Brasil. Ou: Os novos autoritários do bem!

Os valores democráticos, ao menos como os conhecemos, estão em declínio. E, se a democracia já não é mais como a conhecemos, então democracia não é, mas outra coisa, ainda a ser definida. Lembro, de cara, que a palavra “democracia” não é um fetiche, que deva ser necessariamente adorado. As pessoas podem, a exemplo de Lênin, Stálin, Hitler, Mao e outros tantos que os seguiram repudiá-la — e, com a palavra, os valores que encerra. No que me diz respeito, continuo apegado à tradição democrática. Refiro-me àquele regime baseado na representação, que garante a plena liberdade de organização da sociedade, que repudia a censura à opinião e que se pauta pela igualdade dos homens perante a lei. Eu o considero uma experiência civilizatória, não apenas um método de tomada de decisão pautado pela eficiência. Fosse assim, convenham, a ditadura dispõe de instrumentos bem mais convincentes até para promover o bem comum! De fato, a democracia não tem nem o monopólio das boas intenções e das boas realizações. Não se é um democrata convicto apenas por pragmatismo. O valor exclusivo da democracia, meus caros, é a liberdade.

As experiências de engenharia social oriundas do socialismo — que se multiplicaram em correntes várias, que guardam, sim, aquela matriz, mas estão bastante transformadas hoje — foram minando pouco a pouco os pilares da democracia como a conhecemos. À medida que uma ideia abstrata de igualdade — QUE TAMBÉM PODE SER PROMOVIDA POR UMA DITADURA! — tomou o lugar da liberdade como elemento distintivo e exclusivo do regime democrático, valores essenciais dessa experiência civilizatória foram entrando em declínio. Episodicamente, pragmáticos do ultraliberalismo se uniram às esquerdas renovadas (que já não querem mais, claro!, a planificação da economia de modelo soviético) no que chamo de desprestígio (e até de ódio) à democracia.

Há um bom tempo venho percebendo esse movimento no Brasil e em vários outros países. O resultado das eleições americanas deu o ensejo para que adoráveis autoritários — alguns nem mesmo sabem o nome do que praticam — expusessem todas as suas tentações. Das vocações supostamente as mais libertárias, ouvi a satanização da divergência, da oposição, do contraditório. E não só no Brasil. Editoriais de jornais americanos jogam fora os fatos e a história do país para emprestar ao resultado das urnas a expressão de uma suposta vontade coletiva de que Barack Obama seria uma espécie de antena ou de demiurgo, de sorte que opor-se a ele, como fazem os republicanos (que crime!), passa a ser encarado como sabotagem, expressão do atraso, do reacionarismo, coisa de “macho, branco e velho”. Nessa perspectiva, a nova metafísica é “mulher, latina e jovem” (ainda voltarei a esse aspecto.

Pausa para um momento emblemático. Depois retomo.
Assistia ontem ao Jornal da Globo. O correspondente Marcos Uchoa apresentou uma reportagem sobre a escolha do novo dirigente máximo da tirania chinesa. Falou-se das conquistas econômicas do país (o modelo é eficiente), das novas gerações que se beneficiam do crescimento (promove-se o bem comum…) etc e tal. E só um pouquinho da ditadura. Tendo como fundo a eleição americana, lembrou-se que também o regime chinês escolherá seu dirigente máximo, mas sem consulta popular. Então Uchoa disse o seguinte:
“Do comunismo, só restou o nome. Essa geração que vai assumir o poder é de filhos de antigos membros importantes do partido e é uma elite bem-educada e que hoje descartou dogmas ideológicos do passado e se concentra nas peças-chave da política: poder e dinheiro. Na mesma semana, o mundo vai ver duas maneiras bem diferentes de jogar o mesmo jogo.”

Comento
Não estou atribuindo intenções sub-reptícias ao repórter, de cujo trabalho não tenho nenhuma opinião. Nunca parei para pensar nisso. Também não o tomo como um pensador que deva ser contestado porque, afinal, influente e capaz de formar escola. Não! A questão é ainda mais séria. Temo que ele tenha sido apenas porta-voz de uma concepção corrente — ou que pode se tornar corrente. Um dos principais telejornais do país, da emissora mais importante e com maior audiência, sustenta que a eleição de um presidente nos EUA, sob o regime democrático (ainda), e a escolha do novo tirano chinês são “maneiras bem diferentes de jogar o mesmo jogo” — assim como, sei lá, Barcelona e Chelsea correndo atrás da bola. Ucha estabelece as peças-chave da política: “poder e dinheiro”. Até Delúbio Soares poderia dizer a mesma coisa.

Reitero: não estou tentando acusá-lo de ser um defensor de tiranias ou algo assim, mas o “jogo” que Obama ainda joga é outro — cada vez mais contaminado, é verdade, nos EUA, no Brasil e em várias outras democracias por aquele “esporte” que se pratica na China. E não! É falso que, naquele país, só tenha restado do comunismo o nome, Marcos Uchoa! Restou também, e isto é fundamental, o modelo de organização política. A fala do repórter tem importância porque ela é a plena expressão de um tempo em que a igualdade (ou o bem-estar social) tomou o lugar da liberdade como valor essencial da democracia. Como escrevi logo de início, também as ditaduras podem fazer coisas boas para as pessoas — como provam, no Brasil, o Estado Novo e o Regime Militar. Fim da pausa para um momento emblemático.

Retomo
Muito bem! Os republicanos perderam a eleição. E daí? Atribui-se a derrota — como se ela tivesse sido vexaminosa, submetendo o partido ao ridículo, o que é uma piada — a suas convicções, que seriam ultrapassadas, conservadoras, reacionárias. Escolham entre esses e outros adjetivos aquele que lhes parecer mais depreciativo. Mas é isso o que dizem, afinal de contas, os fatos???

Mitt Romney teve seu nome sufragado por 48,1% daqueles que foram votar, contra 50,4% de Obama. Não foi pequeno o risco de se ter, mais uma vez, um presidente vitorioso nas urnas que, não obstante, perde no colégio eleitoral. A regra, nos EUA, é o presidente conquistar a reeleição, não o contrário. A excepcionalidade de Obama, havendo uma, está em tê-lo conseguido com uma das mais baixas margens da história — apenas 2,3 pontos de vantagem. Do primeiro ano do século 20 até agora (incluindo-se o segundo mandato do atual presidente), os republicanos foram governo por 15 mandatos; os democratas, por 14. Considerado só o século passado, o placar é de 13 a 12 a favor dos primeiros. Neste século, chegarão ao empate: dois a dois. Os democratas ficaram 20 anos no poder (de 1933 a 1952). Seus líderes chegaram a namorar com tentações fascistoides, mas o regime democrático acabou triunfando. Nas eleições deste ano, não custa lembrar, os republicanos mantiveram o controle da Câmara.

Por que, afinal, analistas de lá — dos EUA — e daqui insistem em apontar o que seria uma derrota histórica do partido (???), havendo mesmo quem anteveja, santo Deus!, até a sua extinção?

Vamos lá
Embora Obama tenha sido eleito e reeleito segundo as regras vigentes na democracia americana, é visto, por deslumbrados de lá e daqui, não como um procurador daqueles valores, mas como um seu reformador. Em certa medida, algo análogo acontece, no Brasil, com o lulo-petismo. Como a “igualdade e o bem-estar social” (aquilo que a China também promove…) tomaram o lugar da liberdade como valor essencial da democracia e como o presidente é visto como a encarnação desses valores, opor-se a ele fugiria da esfera da luta democrática. Os republicanos, assim, não seriam representantes de uma parcela da população americana — simbolicamente, nesta eleição, a metade! — que discorda de suas medidas, de suas políticas, de suas escolhas! Nada disso! Seriam apenas porta-vozes do atraso, sabotadores, defensores de privilégios, insensíveis sociais que não estariam atentos ao novo momento.

Se os EUA se fizeram (e até Obama lembrou isso no discurso da vitória) articulando suas diferenças e divergências — e falamos de um povo que fez uma das guerras civis mais cruentas da história —, esse momento da democracia vigiado por minorias militantes, por alcaides do pensamento e por censores bem-intencionados excomunga o contraditório. À oposição, assim, não cabe nem mesmo o papel de vigiar as escolhas de Obama — muito menos de recusá-las. A ela estaria reservado o silêncio obsequioso, já que o mandato deste presidente não viria apenas das urnas, mas também dessa espécie de encarnação de utopias coletivas e igualitárias.

A VEJA.com publicou ontem uma boa síntese do que escreveram sobre o resultado das eleições alguns jornais americanos. O Wall Street Journal vislumbra severas dificuldades para os republicanos (com, reitero, 48,1% dos votos totais!!!) porque o partido teria sido escolhido, principalmente, pela população branca e mais velha — que está em declínio. Poderia ter incluído também “os homens”. Assim, este seria o retrato da “reação” na América: macho, branco e coroa. Newt Gingrich, derrotado por Romney nas primárias, não perde a chance de embarcar no equívoco. Afirmou que seu partido enfrenta um “grande desafio institucional”: descobrir como se conectar com os eleitores das minorias que compõem uma parcela cada vez maior da sociedade americana. “O Partido Republicano simplesmente tem de aprender a parecer mais inclusivo para as minorias, particularmente hispânicos”. Repete, mais ou menos, o juízo asnal de alguns tucanos no Brasil, que estão convictos de que o PSDB deve disputar o eleitorado cativo do PT… “Ah, mas um dia os brancos serão minoria, e aí…” Bem, é preciso ver se os descendentes dos latinos, em 20 ou 30 anos, continuarão seduzidos pela pauta democrata, não é?

Os republicanos construíram, eis a verdade, uma alternativa real de poder — refiro-me à questão política; no conteúdo, os dois candidatos foram sofríveis, especialmente nos temas internos. E o fizeram, no que concerne aos valores, sendo quem são. Os números e a história demonstram que a virtude da democracia americana, ao contrário do que tenho ouvido por aí, está justamente na polarização. “Mas os republicanos quase levam os EUA ao calote, Reinaldo!” Não! Os republicanos se utilizaram de uma garantia constitucional para não permitir que o Executivo impusesse a sua vontade. Obama foi obrigado a negociar, e eis aí o homem reeleito.

O New York Times (aquele jornal que aceita anúncio conclamando católicos a deixar de ser católicos, mas recusa o que conclama muçulmanos a abandonar a sua religião) foi mais longe. Viu na reeleição de Obama “um repúdio à era Reagan” no que diz respeito ao corte exagerado dos impostos e às políticas de “intolerância, medo e desinformação”. Uau! É um triplo salto carpado dialético e tanto, não sei se já sob a influência de Mark Thompson, ex-chefão da BBC e contratado para ser o chefão do jornal americano. Na empresa britânica, ele se tornou célebre por declarar que, por lá, permitia-se zombar de Jesus, mas não de Maomé. Evoco essas questões laterais porque elas compõem a metafísica de um tempo. Então vamos ver. Talvez eu não tenha entendido direito o “raciossímio” do Times. Em 1980, Reagan venceu Carter em 44 estados — o democrata ficou com apenas 6 (50,7% dos votos a 41%). No Colégio, o placar foi de 489 a 49. E Carter era presidente! Em 1984, o republicano foi reeleito de forma humilhante para os democratas: sagrou-se vitorioso em 49 estados (58,8% a 40,6%). Deixou apenas um para o adversário; no colégio, 525 a 13! O presidente fez o seu sucessor, Bush pai, que triunfou em 40 estados (426 a 111): 53,37% a 45,65%. Não obstante, a era Reagan teria sido repudiada agora, e a evidência estaria na vitória de Obama em apenas 26 estados (contra 24 do adversário), por um placar com 2,3 pontos de diferença. Clinton venceu em 33 estados na primeira eleição (1992) e em 32 na segunda (1996). E manteve os fundamentos da economia da era Reagan. Eis a verdade traduzida em números da afirmação feita pelo jornal.

Que fique claro!
A mim me importam menos as respectivas pautas de cada candidato do que essa cultura de aversão à democracia que vai se espalhando. E que, por óbvio, não nos é estranha. Também entre nós o exercício da oposição, agora que “progressistas” estão no poder, vai se tornando algo malvisto, mero exercício de sabotagem e de oposição àqueles que seriam os interesses do povo. Dou um exemplo evidente: as cotas raciais foram impostas às universidades federais sem nem mesmo debate no Parlamento. A simples crítica à medida é apontada como ódio aos pobres, às minorias, aos oprimidos — todas aquelas tolices fantasiosas que compõem o estoque de agressões dos autoritários.

Os republicanos? Ah, eles tiveram a coragem de enfrentar o tal “Obamacare”, o que parecia, à primeira vista, suicídio político e, mais uma vez, obrigaram o governo a negociar. E sabem por que o fizeram? Porque tinham mandato de seus eleitores para fazê-lo. E agiram dentro das regras estabelecidas pela democracia americana. “Ah, mas olhe aí o resultado!” Sim, olho e vejo um partido que era uma real alternativa de poder. E só o era — e como as emissoras de TV suaram frio desta vez, não é? — porque, em vez de aderir à pauta do adversário — que, afinal, do adversário é —, fez a sua própria ao longo dos quatro anos de mandato de Obama. Reitero: não entro no mérito; talvez, nos EUA, eu apoiasse o plano de saúde de Obama. O ponto não é esse: estou advogando o direito que tem a oposição de ser contra ele. Se é por bons ou por maus motivos, isso o processo político evidencia. Chega a espantoso que muitos cobrem da oposição brasileira coragem para enfrentar o PT, mas adiram alegremente à satanização dos republicanos porque estes fazem lá — reitero: não estou tratando de conteúdo — o que a oposição brasileira não aprendeu a fazer aqui.

Fala-se, finalmente, de um país dividido. É? Melhor do que outro em que um partido, com pretensões hegemônicas, recorre a expedientes criminosos para eliminar a oposição. Os “decadentes” republicanos terão, por exemplo, o domínio da Câmara. Não existem PMDB e PSD nos EUA, aqueles que não são “nem de esquerda, nem de direita, nem de centro”. Os derrotados do dia anterior não são os vitoriosos do dia seguinte — ou, para ficar na espécie (como diria Marco Aurélio), derrotados e vitoriosos num mesmo dia… O que se chama um “país rachado” é um país que reconhece, ainda!!!, instituições por meio das quais se articulam essas divergências.

O valor exclusivo da democracia é a liberdade. E a característica exclusiva da liberdade é poder dizer “não”.

J.R. Guzzo: O resto é o resto


Nada mais natural que depois de uma eleição para prefeitos e vereadores, como a de agora  ou para governadores, deputados e presidente, como se fará daqui a dois anos, cada um diga o que bem entender sobre o verdadeiro significado do que aconteceu, com os costumeiros cálculos para estabelecer “quem ganhou e quem perdeu”; deveria ser uma tarefa bem simples concluir que ganhou quem teve mais votos e perdeu quem teve menos, mas esse debate é um velho hábito nacional, e não vai mudar. Outra coisa, muito diferente, é acreditar naquilo que se diz.

Trata-se de uma liberdade de duas mãos: cada um fala o que quiser e, em compensação, cada um entende o que quiser daquilo que foi falado. Na recém-terminada eleição municipal de 2012, como de costume, não ficou claro, nem vai ficar, quanta atenção o público deveria realmente prestar a toda essa conversa que está ouvindo agora. É certo, desde já, que está ouvindo coisas que não fazem nenhum sentido — e, por isso mesmo, provavelmente não perderia nada se prestasse o mínimo de atenção a elas.

A fórmula é sempre a mesma. Cientistas políticos  pescados em alguma universidade ou instituto superior disso ou daquilo, aparecem de repente nos meios de comunicação para explicar, depois de encerrada a batalha, como, por que e por quem ela foi ganha ou perdida. É uma estranha ciência, essa, que, em vez de lidar com fatos comprovados, lida com opiniões. Na anatomia, por exemplo, está dito que o homem tem dois pulmões: não pode haver outra “opinião” quanto a isso. Na ciência política pode. Juntam-se a esses cientistas os políticos propriamente ditos, os comentaristas da imprensa e mais uma porção de gente, e de tudo o que dizem resulta uma salada que a mídia serve ao público como se estivesse transmitindo ao vivo o Sermão da Montanha.

Uma demonstração clara desse tumulto mental é a conclusão, por parte de muitas cabeças coroadas do mundo político, de que a vitória pessoal do ex-presidente Lula na eleição de São Paulo, onde levou para a prefeitura uma nulidade eleitoral que ninguém conhecia três meses atrás, apagou as condenações que seu partido e seu governo receberam no julgamento do mensalão. Está na cara que o resultado não apagou nem acendeu nada, pois eleição não é feita para separar o certo do errado, nem para decidir se houve ou não houve um crime ─ serve, unicamente, para escolher quem vai governar. Dizer o que está certo ou errado é tarefa exclusiva da Justiça; no caso, o STF já decidiu que foi cometida no governo Lula uma catarata de crimes, sobretudo de corrupção. Não há, simplesmente, como mudar isso. A Justiça pode funcionar muito mal no Brasil, mas é o único meio que se conhece para resolver quem tem razão ─ assim como eleição é o único meio que se conhece para escolher governos.

Não foi o “povo brasileiro”, além disso, quem “absolveu” o PT─ ou concorda quando o partido diz que seus chefes são “prisioneiros políticos” condenados por um “tribunal de exceção”, e não por corromperem e serem corrompidos. É curioso, aliás, como os políticos deste país ficam à vontade para falar em “povo brasileiro”. O PT ganhou esta última eleição em 10% dos municípios. E os eleitores dos outros 90%, com 80% do eleitorado, que povo seriam? Esquimós? É dado como um fato científico, também, que Lula foi o maior ganhador da eleição, por causa do resultado em São Paulo. Por que isso? Porque ele próprio, o PT e outros tantos vinham dizendo, desde o começo, que só o município de São Paulo, com pouco mais de 5% dos eleitores brasileiros, importava; o resto era apenas o resto.

De tanto repetirem isso, virou verdade. Mas é falso: não dá para dizer que não houve eleição em Salvador ou Fortaleza, no Recife, em Belo Horizonte e Porto Alegre, onde o PT apresentou candidatos com pleno apoio de Lula e da presidente Dilma Rousseff, e perdeu em todas ─ nas três últimas, inclusive, não sobreviveu nem ao primeiro turno. No mapa mental de Lula é como se nenhuma dessas cidades estivesse em território brasileiro; o Brasil, em sua geografia, começa e acaba em São Paulo. Cinco das principais capitais brasileiras, por esse modo de medir as coisas, são tratadas como se ficassem em Marte.

O que Lula e seu partido fizeram foi construir a ideia de que São Paulo, sozinha, vale mais que todo o restante do Brasil somado ─ e nisso, realmente, tiveram sucesso, pois nove entre dez “profissionais” da política dizem mais ou menos a mesma coisa. Assim é, se lhes parece. Mas o público não tem a menor obrigação de acreditar no que estão dizendo.