Quem
duvida que o sucesso de Magalhães Neto, em contrapartida, deveu muito à
nostalgia de um conservadorismo linha-dura que o seu nome de família ainda
evoca na imaginação do eleitorado baiano? Antonio Carlos Magalhães nunca foi um
conservador em sentido estrito, mas, faute de mieux, a esquerda fez dele o símbolo
quintessencial da direita, e, ao menos nos seus últimos anos, ele vestiu a
camiseta com alguma bravura, cujo prestígio agora reverte em benefício do seu
neto.
Uma das
razões mais óbvias do triunfo da esquerda, não só no Brasil mas em toda parte,
é a solidariedade profunda, a aliança inquebrantável entre seus setores
moderados e radicais, sempre articulados para bater no adversário com duas
mãos. Na direita, ao contrário, os moderados, menos ciosos do seu futuro
político que da imagem que exibem na
mídia esquerdista, tratam de marcar distância dos radicais, seja fingindo
ignorá-los, seja mesmo insultando-os, ao menos da boca para fora.
A mensagem
que isso transmite ao eleitor é clara: o esquerdismo é um remédio bom, do qual
se pode, no máximo, discutir a dosagem; o direitismo, ao contrário, é um veneno
que só pode ser bom em doses mínimas.
É preciso
ter subido muito na escala da idiotice para não entender que isso é a política
de quem já se acostumou tanto com a derrota que já não pode viver sem ela.
O PT não
se inibe de aliar-se ao PSOL, ao PSTU, aos Sem-Terra e até, mais discretamente,
às Farc. Mas quem pode imaginar os homens do DEM – para não falar de José Serra
– posando numa foto em visita, mesmo de pura cortesia, ao Instituto Plínio
Correia de Oliveira ou ao Clube Militar? Cito essas entidades de caso pensado:
elas nada têm de radical, mas assim as rotulou a mídia esquerdista para
isolá-las da direita oficial, que, como sempre, aceitou servilmente jogar
segundo a regra imposta pelo adversário.
O mais
elementar bom-senso político ensina que toda maioria moderada precisa dos
radicais – ou de quem o pareça -- para dizer em público o que ela não pode
dizer. Ensina também que a minoria enfezada só pode ser posta sob controle
quando inserida numa aliança. A esquerda já aprendeu isso há décadas. A direita
nem começou a pensar no assunto.
Na França,
a vitória da esquerda teve como causa principal ou única a impossibilidade de
um diálogo entre a direita gaullista e o Front National. Nos EUA, em 2008, John
McCain jamais teria perdido a eleição se não houvesse caprichado tanto naquele
bom-mocismo centralista que os conservadores abominam. E no Brasil o sr. José
Serra teria tido uma carreira mais brilhante se atirasse à lata de lixo da
História um passado esquerdista que, quanto mais ostentado, mais honra e eleva
a imagem dos seus inimigos. Desculpem-me por insistir no óbvio, mas, neste
país, o óbvio vai-se tornando cada vez mais um segredo esotérico, só acessível
a um círculo de iniciados: num campeonato de esquerdismo, vence, por definição,
o mais esquerdista. O eleitorado brasileiro é maciçamente conservador, mas, não
tendo quem o represente na política, acaba votando a esmo, conforme simpatias
de momento ou interesses de ocasião que no fim o tornam tão corrupto, ao menos
psicologicamente, quanto os políticos que ele despreza. O voto interesseiro
vai, necessariamente, para quem está no poder, para quem controla a usina de
favores. A oposição teria tudo a ganhar se contrapusesse a esse estado de
coisas um discurso ideologicamente carregado, restaurando o senso da política
como conflito de valores em vez de mera disputa de cargos. Mas ela não vai
fazer isso. Há tempos ela já se persuadiu de que acumular derrotas é mais
confortável do que fazer um exame de consciência.