Luiz Inácio Lula da Silva está calado. O que é bom, muito
bom. Não mais repetiu que o mensalão foi uma farsa. Também, pudera, após mais
de três meses de julgamento público, transmitido pela televisão, com ampla
cobertura da imprensa, mais de 50 mil páginas do processo armazenadas em 225
volumes e a condenação de 25 réus, continuar negando a existência da
"sofisticada organização criminosa", de acordo com o procurador-geral
da República, Roberto Gurgel, seria o caso de examinar o ex-presidente. Mesmo
com a condenação dos seus companheiros - um deles, o seu braço direito no
governo, José Dirceu, o "capitão do time", como dizia -, aparenta
certa tranquilidade.
Como disse o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo
Tribunal Federal (STF), Lula é "um sujeito safo". É esperto, sagaz.
Conseguiu manter o mandato, em 2005, quando em qualquer país politicamente
sério um processo de impeachment deveria ter sido aberto. Foi uma manobra de
mestre. Mas nada supera ter passado ao largo da Ação Penal 470, feito digno de
um Pedro Malasartes do século 21.
Mas se o silêncio público (momentâneo?) de Lula é sempre bem
visto, o mesmo não pode ser dito das articulações que promove nos bastidores.
Uma delas foi o conselho para que Dilma Rousseff não comparecesse à posse de
Joaquim Barbosa na presidência do STF. Ainda bem que o bom senso vigorou e ela
vai ao ato, pois é presidente da República, e não somente dos petistas. O
artífice de diversas derrotas petistas na última eleição (Recife, Belo
Horizonte e Campinas são apenas alguns exemplos) continua pressionando a
presidente pela nomeação de um "ministro companheiro" na vaga aberta
pela aposentadoria de Carlos Ayres Brito. E deve, neste caso, ser obedecido.
O ex-presidente quer se vingar do resultado do julgamento do
mensalão. Nunca aceitou os limites constitucionais. Considera-se vítima, por
incrível que pareça, de uma conspiração organizada por seus adversários. Acha
que tribunal é partido político. Declarou recentemente que as urnas teriam
inocentado os quadrilheiros. Como se urna fosse toga. Nesse papel tem apoio
entusiástico do quarteto petista condenado por corrupção ativa, peculato,
lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Eles continuam escrevendo, dando
entrevistas, participando de festas e eventos públicos, como se nada tivesse
acontecido. Ou melhor, como se tivessem sido absolvidos.
O que os petistas chamam de resistência não passa de um
movimento orquestrado de escárnio da Justiça. José Dirceu, considerado o chefe
da quadrilha por Roberto Gurgel, tem o desplante de querer polemizar com o
ministro Joaquim Barbosa, criticando seu trabalho. Como se ele e Barbosa
estivessem no mesmo patamar: um não fosse condenado por corrupção ativa (nove
vezes) e formação de quadrilha e o outro, o relator do processo e que vai
assumir a presidência da Suprema Corte. Pior é que a imprensa cede espaço ao
condenado como se ele - vejam a inversão de valores da nossa pobre República -
fosse uma espécie de reserva moral da Nação. Chegou até a propor o
financiamento público de campanha. Mas os petistas já não o tinham adotado?
Outro condenado, João Paulo Cunha, foi recebido com abraços,
tapinhas nas costas e declarações de solidariedade pelos colegas na Câmara dos
Deputados. Já José Genoino pretende assumir a cadeira de deputado assim que
abrir a vaga. E como o que é ruim pode piorar, Marco Maia, presidente da
Câmara, afirmou que a perda de mandato dos dois condenados é assunto que deve
ser resolvido pela Casa, novamente desprezando a Constituição.
O julgamento do mensalão desnudou o Partido dos
Trabalhadores (PT). Sua liderança assaltou o Estado sem pudor. Como propriedade
do partido. Sem nenhum subterfúgio. Os petistas poderiam ter feito uma autocrítica
diante do resultado do julgamento. Ledo engano. Nada aprenderam, como se fossem
os novos Bourbons. Depois de semanas e semanas com o País ouvindo como seus
dirigentes se utilizaram dos recursos públicos para fins partidários, na semana
que passou Dilma (antes havia se reunido com o criador por três horas) recebeu
no Palácio da Alvorada, residência oficial, para um lauto jantar, líderes do PT
e do PMDB. A finalidade da reunião era um assunto de Estado? Não. Interessava
apenas aos dois partidos. Fizeram uma analise das eleições municipais e
traçaram planos para 2014. Ninguém, em sã consciência, é contrário a uma
reunião desse tipo. O problema é que foi num prédio público e paga com dinheiro
público. Imagine o leitor se tal fato ocorresse nos EUA ou na Europa. Seria um
escândalo. Mas na terra descoberta por Cabral, cujas naus, logo vão dizer,
tinham a estrela do PT nas velas, tudo pode. E quem protesta não passa de
golpista.
Nesta República em frangalhos, resta esperar o resultado
final do julgamento do mensalão. As penas devem ser exemplares. É o que o STF
está sinalizando na dosimetria do núcleo publicitário. Mas a Corte sabe que não
será tarefa nada fácil. O PT já está falando em controle social da mídia, nova
denominação da "censura companheira". Não satisfeito, defende também
o controle - observe o leitor que os petistas têm devoção pelo Estado
todo-poderoso - do Judiciário (qual, para eles, deve ser a referência positiva:
Cuba, Camboja ou Coreia do Norte?). Nesse ritmo, não causará estranheza o PT propor
que a Praça dos Três Poderes, em Brasília, tenha somente dois edifícios...
Afinal, "aquele" terceiro edifício, mais sóbrio, está criando muitos
problemas.
O País aguarda o momento da definição das penas do núcleo
político, especialmente do quarteto petista. Será um acerto de contas entre o
golpismo e o Estado Democrático de Direito. Para o bem do Brasil, os golpistas
mensaleiros perderam. Mais que perderam. Foram condenados. E serão presos.