Nada mais natural que depois de uma eleição para prefeitos e
vereadores, como a de agora ou para
governadores, deputados e presidente, como se fará daqui a dois anos, cada um
diga o que bem entender sobre o verdadeiro significado do que aconteceu, com os
costumeiros cálculos para estabelecer “quem ganhou e quem perdeu”; deveria ser
uma tarefa bem simples concluir que ganhou quem teve mais votos e perdeu quem
teve menos, mas esse debate é um velho hábito nacional, e não vai mudar. Outra
coisa, muito diferente, é acreditar naquilo que se diz.
Trata-se de uma liberdade de duas mãos: cada um fala o que
quiser e, em compensação, cada um entende o que quiser daquilo que foi falado.
Na recém-terminada eleição municipal de 2012, como de costume, não ficou claro,
nem vai ficar, quanta atenção o público deveria realmente prestar a toda essa
conversa que está ouvindo agora. É certo, desde já, que está ouvindo coisas que
não fazem nenhum sentido — e, por isso mesmo, provavelmente não perderia nada
se prestasse o mínimo de atenção a elas.
A fórmula é sempre a mesma. Cientistas políticos pescados em alguma universidade ou instituto
superior disso ou daquilo, aparecem de repente nos meios de comunicação para
explicar, depois de encerrada a batalha, como, por que e por quem ela foi ganha
ou perdida. É uma estranha ciência, essa, que, em vez de lidar com fatos
comprovados, lida com opiniões. Na anatomia, por exemplo, está dito que o homem
tem dois pulmões: não pode haver outra “opinião” quanto a isso. Na ciência
política pode. Juntam-se a esses cientistas os políticos propriamente ditos, os
comentaristas da imprensa e mais uma porção de gente, e de tudo o que dizem
resulta uma salada que a mídia serve ao público como se estivesse transmitindo
ao vivo o Sermão da Montanha.
Uma demonstração clara desse tumulto mental é a conclusão,
por parte de muitas cabeças coroadas do mundo político, de que a vitória
pessoal do ex-presidente Lula na eleição de São Paulo, onde levou para a
prefeitura uma nulidade eleitoral que ninguém conhecia três meses atrás, apagou
as condenações que seu partido e seu governo receberam no julgamento do
mensalão. Está na cara que o resultado não apagou nem acendeu nada, pois
eleição não é feita para separar o certo do errado, nem para decidir se houve
ou não houve um crime ─ serve, unicamente, para escolher quem vai governar.
Dizer o que está certo ou errado é tarefa exclusiva da Justiça; no caso, o STF
já decidiu que foi cometida no governo Lula uma catarata de crimes, sobretudo
de corrupção. Não há, simplesmente, como mudar isso. A Justiça pode funcionar
muito mal no Brasil, mas é o único meio que se conhece para resolver quem tem
razão ─ assim como eleição é o único meio que se conhece para escolher
governos.
Não foi o “povo brasileiro”, além disso, quem “absolveu” o
PT─ ou concorda quando o partido diz que seus chefes são “prisioneiros
políticos” condenados por um “tribunal de exceção”, e não por corromperem e
serem corrompidos. É curioso, aliás, como os políticos deste país ficam à
vontade para falar em “povo brasileiro”. O PT ganhou esta última eleição em 10%
dos municípios. E os eleitores dos outros 90%, com 80% do eleitorado, que povo
seriam? Esquimós? É dado como um fato científico, também, que Lula foi o maior
ganhador da eleição, por causa do resultado em São Paulo. Por que isso? Porque
ele próprio, o PT e outros tantos vinham dizendo, desde o começo, que só o
município de São Paulo, com pouco mais de 5% dos eleitores brasileiros,
importava; o resto era apenas o resto.
De tanto repetirem isso, virou verdade. Mas é falso: não dá
para dizer que não houve eleição em Salvador ou Fortaleza, no Recife, em Belo
Horizonte e Porto Alegre, onde o PT apresentou candidatos com pleno apoio de
Lula e da presidente Dilma Rousseff, e perdeu em todas ─ nas três últimas,
inclusive, não sobreviveu nem ao primeiro turno. No mapa mental de Lula é como
se nenhuma dessas cidades estivesse em território brasileiro; o Brasil, em sua
geografia, começa e acaba em São Paulo. Cinco das principais capitais
brasileiras, por esse modo de medir as coisas, são tratadas como se ficassem em
Marte.
O que Lula e seu partido fizeram foi construir a ideia de
que São Paulo, sozinha, vale mais que todo o restante do Brasil somado ─ e
nisso, realmente, tiveram sucesso, pois nove entre dez “profissionais” da
política dizem mais ou menos a mesma coisa. Assim é, se lhes parece. Mas o
público não tem a menor obrigação de acreditar no que estão dizendo.