Já deveria ter ficado para trás no Brasil a época em que ser
homossexual era um problema. Não é mais o problema que era. com certeza, mas a
verdade é que todo o esforço feito há anos para reduzir o homossexualismo a sua
verdadeira natureza – uma questão estritamente pessoal – não vem tendo o
sucesso esperado. Na vida política, e só para ficar num caso recente, a
rejeição ao homossexualismo pela maioria do eleitorado continua sendo
considerada um valor decisivo nas campanhas eleitorais. Ainda agora, na eleição
municipal de São Paulo, houve muito ruído em torno do infeliz “kit gay” que o
Ministério da Educação inventou e logo desinventou, tempos atrás, para sugerir
aos estudantes que a atração afetiva por pessoas do mesmo sexo é a coisa mais
natural do mundo. Não deu certo, no caso, porque o ex-ministro Fernando Haddad,
o homem associado ao “kit”, acabou ganhando – assim como não tinha dado certo
na eleição * anterior, quando a candidata Marta Suplicy (curiosamente, uma das
campeãs da “causa gay” no país) fez insinuações agressivas quanto à
masculinidade do seu adversário Gilberto Kassab e foi derrotada por ele. Mas aí
é que está: apesar de sua aparente ineficácia como caça-votos, dizer que alguém
é gay, ou apenas pró-gay. ainda é uma “acusação”. Pode equivaler a um insulto
grave – e provocar uma denúncia por injúria, crime previsto no artigo 140 do
Código Penal Brasileiro. Nos cultos religiosos, o homossexualismo continua
sendo denunciado como infração gravíssima. Para a maioria das famílias
brasileiras, ter filhos ou filhas gay é um desastre – não do tamanho que já
foi, mas um drama do mesmo jeito.
Por que o empenho para eliminar a antipatia social em torno
do homossexualismo rateia tanto assim? O mais provável é que esteja sendo
aplicada aqui a Lei das Consequências Indesejadas, segundo a qual ações feitas
em busca de um determinado objetivo podem produzir resultados que ninguém
queria obter, nem imaginava que pudessem ser obtidos. É a velha história do
Projeto Apollo. Foi feito para levar o homem à Lua; acabou levando à descoberta
da frigideira Tefal. A Lei das Consequências Indesejadas pode ser do bem ou do
mal. É do bem quando os tais resultados que ninguém esperava são coisas boas.
como aconteceu no Projeto Apollo: o objetivo de colocar o homem na Lua foi alcançado
– e ainda rendeu uma bela frigideira, além de conduzir a um monte de outras
invenções provavelmente mais úteis que a própria viagem até lá. É do mal quando
os efeitos não previstos são o contrário daquilo que se pretendia obter. No
caso das atuais cruzadas em favor do estilo de vida gay, parece estar
acontecendo mais o mal do que o bem. Em vez de gerar a paz, todo esse movimento
ajuda a manter viva a animosidade: divide, quando deveria unir. O kit gay, por
exemplo, pretendia ser um convite à harmonia – mas acabou ficando com toda a
cara de ser um incentivo ao homossexualismo, e só gerou reprovação. O fato é
que, de tanto insistirem que os homossexuais devem ser tratados como uma
categoria diferente de cidadãos, merecedora de mais e mais direitos, ou como
uma espécie ameaçada, a ser protegida por uma coleção cada vez maior de leis.
os patronos da causa gay tropeçam frequentemente na lógica- e se afastam, com
isso. do seu objetivo central.
O primeiro problema sério quando se fala em “comunidade
gay”é que a “comunidade gay” não existe – e também não existem, em
consequência, o “movimento gay” ou suas “lideranças”. Como o restante da
humanidade, os homossexuais, antes de qualquer outra coisa, são indivíduos. Têm
opiniões, valores e personalidades diferentes. Adotam posições opostas em
política, religião ou questões éticas. Votam em candidatos que se opõem. Podem
ser a favor ou contra a pena de morte, as pesquisas com células-tronco ou a
legalização do suicídio assistido. Aprovam ou desaprovam greves, o voto
obrigatório ou o novo Código Florestal – e por aí se vai. Então por que, sendo
tão distintos entre si próprios, deveriam ser tratados como um bloco só? Na
verdade, a única coisa que têm em comum são suas preferências sexuais – mas
isso não é suficiente para transformá-los num conjunto isolado na sociedade, da
mesma forma como não vem ao caso falar em “comunidade heterossexual” para
agrupar os indivíduos que preferem se unir a pessoas do sexo oposto. A
tendência a olharem para si mesmos como uma classe à parte, na verdade, vai na
direção exatamente contrária à sua principal aspiração – a de serem cidadãos
idênticos a todos os demais.
Outra tentativa de considerar os gays como um grupo de
pessoas especiais é a postura de seus porta-vozes quanto ao problema da
violência. Imaginam-se mais vitimados pelo crime do que o resto da população;
já se ouviu falar em “holocausto” para descrever a sua situação. Pelos últimos
números disponíveis, entre 250 e 300 homossexuais foram assassinados em 2010 no
Brasil. Mas. num país onde se cometem 50 000 homicídios por ano, parece claro
que o problema não é a violência contra os gays; é a violência contra todos. Os
homossexuais são vítimas de arrastões em prédios de apartamentos, sofrem
sequestros-relâmpago, são assaltados nas ruas e podem ser monos com um tiro na
cabeça se fizerem o gesto errado na hora do assalto – exatamente como ocorre a
cada dia com os heterossexuais; o drama real, para todos, está no fato de
viverem no Brasil. E as agressões gratuitas praticadas contra gays? Não há o
menor sinal de que a imensa maioria da população aprove, e muito menos cometa,
esses crimes; são fruto exclusivo da ação de delinquentes, não da sociedade
brasileira.
Não há proveito algum para os homossexuais, igualmente, na
facilidade cada vez maior com que se utiliza a palavra “homofobia”; em vez de
significar apenas a raiva maligna diante do homossexualismo, como deveria,
passou a designar com frequência tudo o que não agrada a entidades ou
militantes da “causa gay”. Ainda no mês de junho, na última Parada Gay de São
Paulo, os organizadores disseram que “4 milhões” de pessoas tinham participado
da marcha – já o instituto de pesquisas Datafolha, utilizando técnicas
específicas para esse tipo de medição, apurou que o comparecimento real foi de
270000 manifestantes, e que apenas 65000 fizeram o percurso do começo ao fim. A
Folha de S.Paulo, que publicou a informação, foi chamada de “homofóbica”.
Alegou-se que o número verdadeiro não poderia ter sido divulgado, para não
“estimular o preconceito”- mas com isso só se estimula a mentira. Qualquer
artigo na imprensa que critique o homossexualismo é considerado “homofóbico”;
insiste-se que sua publicação não deve ser protegida pela liberdade de
expressão, pois “pregar o ódio é crime”. Mas se alguém diz que não gosta de
gays, ou algo parecido, não está praticando crime algum – a lei. afinal, não
obriga nenhum cidadão a gostar de homossexuais, ou de espinafre, ou de seja lá
o que for. Na verdade, não obriga ninguém a gostar de ninguém; apenas exige que
todos respeitem os direitos de todos.
Há mais prejuízo que lucro, também, nas campanhas contra
preconceitos imaginários e por direitos duvidosos. Homossexuais se consideram
discriminados, por exemplo, por não poder doar sangue. Mas a doação de sangue
não é um direito ilimitado – também são proibidas de doar pessoas com mais de
65 anos ou que tenham uma história clínica de diabetes, hepatite ou
cardiopatias. O mesmo acontece em relação ao casamento, um direito que tem
limites muito claros. O primeiro deles é que o casamento, por lei, é a união
entre um homem e uma mulher; não pode ser outra coisa. Pessoas do mesmo sexo
podem viver livremente como casais, pelo tempo e nas condições que quiserem.
Podem apresentar-se na sociedade como casados, celebrar bodas em público e
manter uma vida matrimonial. Mas a sua ligação não é um casamento – não gera
filhos, nem uma família, nem laços de parentesco. Há outros limites, bem
óbvios. Um homem também não pode se casar com uma cabra, por exemplo; pode até
ter uma relação estável com ela, mas não pode se casar. Não pode se casar com a
própria mãe. ou com uma irmã. filha, ou neta, e vice-versa. Não poder se casar
com uma menor de 16 anos sem autorização dos pais. e se fizer sexo com uma
menor de 14 anos estará cometendo um crime. Ninguém, nem os gays, acha que
qualquer proibição dessas é um preconceito. Que discriminação haveria contra
eles. então, se o casamento tem restrições para todos? Argumenta-se que o
casamento gay serviria para garantir direitos de herança – mas não parece claro
como poderiam ser criadas garantias que já existem. Homossexuais podem
perfeitamente doar em testamento 50% dos seus bens a quem quiserem. Tem de
respeitar a “legítima”", que assegura a outra metade aos herdeiros
naturais – mas essa obrigação é exatamente a mesma para qualquer cidadão
brasileiro. Se não tiverem herdeiros protegidos pela “legítima”, poderão doar
livremente 100% de seu patrimônio – ao parceiro, à Santa Casa de Misericórdia
ou à Igreja do Evangelho Quadrangular. E daí?
A mais nociva de todas essas exigências, porém, é o esforço
para transformar a “homofobia” em crime, conforme se discute atualmente no
Congresso. Não há um único delito contra homossexuais que já não seja punido
pela legislação penal existente hoje no Brasil. Como a invenção de um novo
crime poderia aumentar a segurança dos gays, num país onde 90% dos homicídios
nem sequer chegam a ser julgados? A “criminalização da homofobia”é uma postura
primitiva do ponto de vista jurídico, aleijada na lógica e impossível de ser executada
na prática. Um crime, antes de mais nada. tem de ser “tipificado” – ou seja,
tem de ser descrito de forma absolutamente clara. Não existe “mais ou menos” no
direito penal; ou se diz precisamente o que é um crime, ou não há crime. O
artigo 121 do Código Penal, para citar um caso clássico, diz o que é um
homicídio: “Matar alguém”. Como seria possível fazer algo parecido com a
homofobia? Os principais defensores da “criminalização” já admitiram, por
sinal, que pregar contra o homossexualismo nas igrejas não seria crime, para
não baterem de frente com o princípio da liberdade religiosa. Dizem, apenas,
que o delito estaria na promoção do “ódio”. Mas o que seria essa “”promoção”? E
como descrever em lei, claramente, um sentimento como o ódio?
Os gays já percorreram um imenso caminho para se libertar da
selvageria com que foram tratados durante séculos e obter, enfim, os mesmos
direitos dos demais cidadãos. Na iluminadíssima Inglaterra de 1895, o escritor
Oscar Wilde purgou dois anos de trabalhos forçados por ser homossexual; sua
vida e sua carreira foram destruídas. Na França de 1963, o cantor e compositor
Charles Trenet foi condenado a um ano de prisão, pelo mesmo motivo. Nada lhe
valeu ser um dos maiores nomes da música popular francesa, autor de mais de 1 000
canções, muitas delas obras imortais como Douce France – uma espécie de segundo
hino nacional de seu país. Wilde, Trenet e tantos outros foram homens de sorte
– antes, na Europa do Renascimento, da cultura e da civilização, homossexuais
iam direto para as fogueiras da Santa Madre Igreja. Essas barbaridades não
foram eliminadas com paradas gay ou projetos de lei contra a homofobia, e sim
pelo avanço natural das sociedades no caminho da liberdade. É por conta desse
progresso que os homossexuais não precisam mais levar uma vida de terror,
escondendo sua identidade para conseguir trabalho, prover o seu sustento e
escapar às formas mais brutais de chantagem, discriminação e agressão. É por
isso que se tomou possível aos gays, no Brasil e no mundo de hoje, realizar o
que para muitos é a maior e mais legítima ambição: a de serem julgados por seus
méritos individuais, seja qual for a atividade que exerçam, e não por suas
opções em matéria de sexo.
Perder o essencial de vista, e iludir-se com o secundário,
raramente é uma boa ideia.