Dilma Rousseff “está numa armadilha”, diagnosticou FHC à
Folha (26/3). “Ela não tem o que fazer. O que tinha, já fez: nomeou o Levy. E
isso só aumenta a armadilha, porque agora ela não pode demitir. É refém dele.”
O diagnóstico está certo, mas ilumina só um terço do cenário. A presidente é
refém, igualmente, do PMDB (de fato, do trio Renan Calheiros/Eduardo
Cunha/Michel Temer) e do lulopetismo (de fato, de Lula e dos movimentos sociais
que operam ao redor dele). Numa entrevista ao “Estadão”, Eduardo Graeff
explicou que o governo Dilma “chegou ao fim”. É verdade: imobilizada na
armadilha triangular, sem “credibilidade” nem “capacidade de ação política”
(FHC), Dilma reduziu-se a “uma assombração política” (Graeff). Já aconteceu um
impeachment tácito, informal.
Levy é proprietário da credibilidade econômica. O ministro
funciona como uma delgada película que separa a economia de um catastrófico
rebaixamento pelas agências de rating. Dilma não pode demiti-lo pois, sem a
promessa do ajuste fiscal que ele personifica, o país seria tragado no vórtice
da fuga de capitais. Mas, como registrou FHC, “a racionalidade econômica pura
esmaga tudo” – ainda mais, acrescente-se, quando essa “racionalidade” está
contaminada pelo dogma ideológico do equilíbrio fiscal a qualquer custo. O
ajuste sem reformas estruturais de Levy, complemento simétrico da farra fiscal
de Mantega, não serve ao país, mas conserva no Planalto a “assombração” de uma
presidente sem poder.
O trio peemedebista é proprietário da maioria no Congresso,
que hoje se forma pela oscilação do PMDB entre o governo e a oposição. Dilma
não pode confrontá-los, pois eles empunham o sabre do impeachment formal e o
fazem girar, sadicamente, em torno do pescoço da presidente. O jogo da
chantagem, uma norma do nosso doentio “presidencialismo de coalizão”, atinge
níveis agônicos. Os chefões do PMDB utilizam esse poder extraordinário em nome
dos seus próprios interesses, desenhando a reforma política que lhes convêm e
articulando com o governo os acordos de leniência destinados a resgatar as
empreiteiras do “petrolão”.
Lula, com seu cortejo de movimentos sociais (CUT, a UNE, o
MST), é proprietário da sustentação partidária de Dilma. O candidato declarado
às eleições de 2018 pode cortar, num momento conveniente, o tubo do regulador
que ainda fornece ar comprimido ao fantasma do Planalto. Os andrajos da
autonomia da presidente, que atendem pelos nomes de Aloizio Mercadante, Miguel
Rossetto e Pepe Vargas, já foram descartados no cesto de roupa suja. Nas ruas,
dia 31, repetindo o dia 13, o “exército” de Lula, força mercenária em declínio,
não oferecerá um contraponto impossível às manifestações anti-Dilma, mas
cobrará novos gestos de submissão da “companheira”. Eles exigem iniciativas
simbólicas (e verbas publicitárias sonantes), destinadas a compensar a
militância pela dores do apoio ao ajuste fiscal.
No presidencialismo, o chefe de Estado não pode tudo – mas
tem o poder de determinar os rumos estratégicos do governo. A legitimidade
emanada do voto popular é o ativo intangível que proporciona ao presidente o
poder de contrariar interesses entranhados no sistema político. FHC confrontou
o conjunto da elite política ao estabelecer a Lei de Responsabilidade Fiscal.
No seu primeiro mandato, Lula confrontou o PT ao conservar o tripé da
estabilidade macroeconômica herdado de seu antecessor. Capturada na teia da
mentira, Dilma perdeu a legitimidade concedida pelos eleitores. Sem o rito da
denúncia, processo e julgamento, a presidente sofreu um impeachment silencioso.
Assombrado pela figura errante da presidente destituída, o
Planalto está entregue ao triângulo de beneficiários do impeachment silencioso,
que agem em direções diferentes, sob motivações distintas. O desgoverno não
pode perdurar por quatro anos.