Jornalista: Está
indo à primeira visita de Estado ao México, Presidenta?
Presidenta:
Estou, e estou contente de ir ao México. Eu conheço o México. Eu já fui ao
México umas duas vezes. Não, acho que foi até mais do que duas vezes, mas uma
foi só de passagem. A coisa que mais me estarreceu no México não foi as duas
pirâmides, porque aí eu já estava... eu já tinha tido noção do tamanho da
civilização anterior aos Astecas, foi no museu antropológico, que me disseram
que agora mudou, não é? E que eu fiquei absolutamente espantada pela versão
ocidental, que não destaca o tamanho daquela civilização. E a única coisa...
Jornalista: Posso
gravar?
Presidenta: Pode.
Que não destaca e que uma das coisas, assim, que eu acho que eles... Uma das
coisas que a mim, eu tive muito impacto quando eu vi, na época que eu fui a
primeira vez, que foi em 1982, lá em (...), lá se vão muitos anos, eu vi, tinha
uma reprodução da cidade indígena, e a cidade indígena, ela...
Jornalista:
Tenochtitlán.
Presidenta: É
Tenochtitlán, não é? Ela tinha uma estrutura de água e esgoto que, na época em
que ela existia, na mesma época, não havia na Europa, não havia em lugar nenhum
do mundo ocidental. Então, e você vê uma sofisticação imensa em toda a cultura,
coisa que você, por exemplo, naquela época, em 82, eu desconhecia
completamente. O Brasil vivia de costas para a América Latina, vivia de costas
e olhava só os Estados Unidos e a Europa, e até a Rússia, mas jamais olhava
para nós mesmos, não é? Então, eu fiquei muito impressionada com isso. Aí,
depois, eu fui lá nas duas, na Pirâmide do Sol e na Pirâmide da Lua. Aí eu
percebi o tamanho do que que tinha sido aquela civilização. Depois, um pouco
depois, eu fui em Chichén Itzá.
Jornalista:
Chichén Itzá.
Presidenta: É
Chichén Itzá. Eu fui em Chichén Itzá, eu é maior que as duas, do que a do Sol,
a da Lua necessariamente, mas do que a do Sol também, é impressionante a
Chichén Itzá, e também todo o conhecimento astronômico, a precisão do
conhecimento astronômico. Para você ter aquela precisão, tem de ter um certo
domínio razoável da matemática para aquele tipo de precisão que eles tinham. E
como uma civilização, para ter aquele tamanho, tinha dominado pelo menos uma
questão: tinha dominado a questão da alimentação, não é? Porque senão você não
tem uma civilização daquele porte. E o que é destacado de forma bastante
simplória para nós? É destacado sacrifícios humanos, numa visão, eu acho,
preconceituosa, contra aquela civilização que tinha um padrão de desenvolvimento
e de desempenho que nós não conhecemos. A nossa população indígena não estava
nesse nível de desenvolvimento.
A mesma
coisa o Inca, não é? Mas lá é mais, era mais avançada, a mais avançada de
todas. E não era asteca, não é? Eles não sabem, eles chamam de Tolteca, Olmeca.
Jornalista: Maia.
Presidenta: A
Maia é mais embaixo, é ali na península do Yucatán, não é?
Jornalista: Isso.
Presidenta: Mas a
do centro do México, ali, ali na...
Jornalista: Essa
é Asteca.
Presidenta: Essa
é Asteca? Não é Tolteca, não é... Porque...
Jornalista: Não,
Tolteca é mais...
Presidenta: Não,
me diz o seguinte: as duas pirâmides não são astecas?
Jornalista: Não,
totalmente, não. Mas eu também não sou expert em...
Presidenta:
São... Segundo... Por exemplo, eu fiquei estarrecida e corri atrás para saber.
Segundo se sabe, é de uma civilização anterior.
Jornalista:
Anterior, claro.
Presidenta:
Anterior.
Jornalista: Que
os astecas dominaram pela sua vez.
Presidenta: Que
os astecas dominaram.
Jornalista:
Exatamente.
Presidenta:
Porque os astecas, eles dominaram civilizações que tinham em torno. Inclusive
isso explica, em parte, a questão de eles terem, dos espanhóis terem
conquistado ali, a cidade do México, e aplastado, porque aplastaram.
Jornalista: Tanto
que na praça central no Zócalo...
Presidenta: É, eu
sei, tem... Eu sei disso, que lá no Zócalo, estive lá no Zócalo. Quem é que...
Você vai lá, o Zócalo é uma praça monstruosa, não é?
Jornalista:
Embaixo tem templos astecas.
Presidenta: Tem,
e tem um debaixo da catedral.
Jornalista:
Exatamente
Presidenta:
Exatamente debaixo da catedral. Uma forma de você desaparecer com a
civilização, não é?
Jornalista:
(incompreensível)
Presidenta: Não,
com a civilização. O que é que é uma coisa inimaginável é uma pessoa, não é?
Uma coisa que eu pensei assim, sempre: o que é que sentiu um integrante, um
homem ou uma mulher daquela civilização, quando vê ela sendo implacavelmente
destruída, implacavelmente, sem deixar traço. Era isso que era o objetivo. Por
isso é que eles... Eu acho... Outro dia me perguntaram: o que você quer
visitar?
Jornalista: Isso
que eu ia perguntar.
Presidenta: É, me
perguntaram isso e eu, primeira coisa que eu disse era o Museu Antropológico.
Mas depois me falaram duas coisas, que aí, aí eu estou balançando, porque o
museu eu já conheci, porque depois eu voltei e tornei a olhar, tornei a ir no
museu, porque não dava tempo, era... para mim foi muito importante. Eu queria
ir no... eu queria ver uma exposição, ou onde tem as pinturas de uma mulher que
foi da época da Frida Kahlo, chamada Remedios – se eu não me engano –,Varo.
Jornalista:
Claro, que foi (incompreensível)
Presidenta: Mas
que é fantástica.
Jornalista: Sim,
é claro.
Presidenta: E tem
uma, tem uma pintura dela que eu acho genial, é... como é que é? Natureza
Morta... Ai, eu tinha de lembrar a palavra. Natureza Morta... é uma contradição
em termos: e que que é o quadro? É uma natureza morta? Rodando, você entendeu?
É o stand still a Natureza Morta, aí a Remedios Varo vai lá e faz... ela bota
uma mesa e os componentes da natureza morta estão girando. O nome é
interessantíssimo. O nome tem uma certa, uma certa ironia.
E ela tem
também um que é: Tecendo... Eu não vou lembrar os nomes. Tecendo o Fio do
Tempo, uma coisa assim. E lá em cima uma porção de mulheres tecendo o tempo e a
realidade. Ela é... A Remedios Varo é...
Jornalista: Eu
queria contar, nós queremos contar, precisamente, (...) da jornada que a
senhora gosta muito da pintura, que teria as amostras de Caravaggio e no...
Presidenta: Tem.
Mas eu vou lá, também, eu quero ver os painéis, não é?
Jornalista: Isso.
Presidenta: Eu
faço questão de ir. Então, eu estou... eu não tenho muito tempo, então eu vou
ter de optar, porque a Frida Kahlo eu vi em tudo quanto é museu, vi lá nos
Estados Unidos...
Jornalista: Quer
ver Diego Rivera.
Presidenta: Quero
ver Diego Rivera, como não quererei ver? Eu quero ver os painéis.
Jornalista:
Claro. No Palácio Nacional.
Presidenta: Dizem
que no Palácio do Zócalo eu vou ver um grande, eu vou ver os painéis do Diego
Rivera.
Jornalista:
Exato.
Presidenta:
Agora, também me falaram que no Museu de Artes tem...
Jornalista: Sim,
no Museu Belas Artes.
Presidenta: Belas
Artes?
Jornalista: Belas
Artes.
Presidenta: Tem
painel de todos os grandes
Jornalista: Tem
de Siqueiros, também.
Presidenta: Tem
de Siqueiros?
Jornalista: Acho,
acho que tem de Siqueiros também, sim.
Presidenta: Pois
é, isso que eu queria ver.
Jornalista: E
também teria que ir ao Monumento da Revolução.
Presidenta: Não,
isso, sem dúvida. Isso, vamos dizer assim, está fora de “questión”. Aliás, eu
acho o nome das avenidas, no México, fantásticas. E eu lembro – olha que eu fui
a última vez no México em 96 –, eu lembro de alguns nomes que eu acho
belíssimos, Insurgentes Sur.
Jornalista:
Insurgentes, claro.
Presidenta:
Insurgentes Sur. Depois tem um outro, que é Reconquista, depois tem... os nomes
são muito bonitos, não é? São da história.
Jornalista:
Exatamente.
Presidenta: E
todos nós lemos Emiliano Zapata, Pancho Villa e toda a história da Revolução
mexicana.
Jornalista: Como
o ministro Edinho falávamos... ele me falava, não? Que são duas culturas tão
intensas, tão ricas, a mexicana e a brasileira, que a aproximação dos dois
povos é um experimento político e cultural extraordinário, não é?
Presidenta: É. Eu
acho que Brasil tem muito a ganhar com essa aproximação cultural. Porque tem
uma riqueza na cultura mexicana que ela valoriza o que nós temos, também, você
entende? Ela é... Porque, o que eu senti? Eu senti orgulho do Continente,
orgulho da América Latina. Então, eu acho que ela mexe muito com a sua
autoestima. Então, tem isso também: mostrar que houve aqui, aqui, uma
civilização daquele tamanho.
Jornalista:
Talvez, Presidenta, talvez, a partir da identidade podemos construir uma nova
unidade latino-americana.
Presidenta: Sem
dúvida. Mas é sobre isso que nós estamos construindo uma nova identidade
latino-americana. O que eu vejo nas reuniões das cúpulas latino-americanas? De
todas. Como eu te disse, no caso do Brasil é muito forte, porque o Brasil estava
de costas para os seus vizinhos e para o seu continente e achava que tanto a
Europa como os Estados Unidos era o que nós devíamos nos relacionar. Não que
não devamos, pelo contrário, devemos. Mas nós temos um compromisso – e eu acho
que isso mudou a política externa do Brasil –, nós temos um compromisso com a
América Latina e com a África. Esse é um compromisso que nós temos pela nossa
identidade cultural.
Porque o
Brasil... Vocês têm uma forma diferente. No nosso caso tem um componente africano
muito forte, e nós temos de valorizá-lo e olhar para ele com toda a importância
que ele tem, na formação do homem e da mulher do Brasil, e da nação brasileira.
Agora, eu
acredito que um momento importante da história recente do Brasil foi o fato de
a gente ter construído esta relação. E acho que uma parte importante dessa
relação tem de ser estreitada, que eu acho que é do Continente Sul-Americano
com o México. Porque o México é a maior nação que está no Hemisfério Norte. E
de todas as nações que tem dentro desse continente, é uma das mais ricas,
culturalmente falando. Não é só economicamente, é culturalmente falando. E essa
relação interessa, eu acho, para o Brasil.
Eu vou ao
México com uma consciência muito forte da importância que o México tem na
formação de uma relação e de uma unidade latino-americana, que respeita
diferenças, viu? Que tem de respeitar diferenças.
Jornalista:
Talvez a relação entre o México e o resto da América Latina quedó afetada
depois de 2005, com o vértice de Mar del Plata, quando o presidente Fox
defendeu muito o ALCA. Essa distância dos gigantes da América Latina, o México
e o Brasil, a senhora acha que com essa primeira viagem de Estado podemos falar
num novo capítulo da política externa da América Latina, finalmente toda uma?
Porque, nesses anos, havia uma América do Sul e México. Há um novo momento para
que possamos falar de uma política externa, uma política de articulação na
América Latina toda? Porque também, na verdade, a partir de 94 o México ficou
muito subalterno aos Estados Unidos, não é?
Presidenta: Olha,
eu acredito que esta minha ida ao México, ela abre, sim, um novo capítulo nesta
relação. Por quê? Eu acho que eu, quando recebi o presidente Peña Nieto, ele
veio aqui antes da posse dele, ele já era presidente eleito, e uma das coisas
que nesta conversa nós concordamos e criamos um consenso forte, era que era
fundamental para o Brasil se aproximar do México, e era fundamental para o
México se aproximar do Brasil. Além disso, que era importante para a nossa
região toda.
Eu
acredito que essa relação é uma relação especial. Eu sei de todas as histórias
da relação do México com os Estados Unidos, que na Revolução de 1910 diziam:
“Ah, pobre México. Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos”.
Jornalista: Isso.
Presidenta: Não
é? Sei bem direitinho essa questão. Agora, acho que hoje, num mundo que é
globalizado, a proximidade de todos nós com todos nós tem de ser algo
valorizado. Agora, temos de ter muita consciência sobre a importância de
estreitar e de aproximar o México e o Brasil. Eu tenho a convicção de que, do
ponto de vista comercial, do ponto de vista de investimento, enfim, do ponto de
vista econômico, os dois países só têm a ganhar.
Eu
considero que foi um passo importante que nós pudéssemos construir o acordo
automotivo. Por quê? Porque o acordo automotivo mostra um caminho, não é ele em
si, ele é um caminho, ele é um passo, não é? É um passo que mostra que é
possível fazer um acordo e os dois países ganharem.
Eu
acredito que nas relações, tanto as econômicas como as políticas e sociais do
México com o Brasil – pelo menos é minha convicção, acredito que seja também a
do Peña Nieto – nós só temos a ganhar. Aparentemente seríamos, muita gente nos
vê como economias concorrentes, nós não somos isso. Nós somos economias
complementares. E daí porque os nossos mercados, que são mercados, o México tem
o segundo maior mercado, nós temos o primeiro maior mercado, é uma vantagem
para nós que o México possa exercer a sua atividade comercial de investimento
no Brasil e vice-versa.
O México
tem... Nós somos... Eu fiquei muito impressionada quando, lá atrás, me disseram
que nós éramos o segundo destino de investimento externo mexicano.
Jornalista: Vinte
de três bilhões.
Presidenta: É.
Depois dos Estados Unidos somos nós. Então, a roda está girando favorecendo
essa integração, a roda não está girando impedindo essa integração. Então, o
que que cabe a nós, que estamos na roda? Forçar, cada vez mais, o potencial de
integração.
Eu fiquei também contente quando
soube que a Braskem vai fazer parceria com uma empresa mexicana, para criar um
polo...
Jornalista:
Etileno.
Presidenta:
Etileno 21, não é? Que é um polo petroquímico, a empresa mexicana chama Tesa...
Não, eu tenho ela aqui, espera lá. Eu te digo o nome.
Jornalista: Vera
Cruz, no estado de Vera Cruz.
Presidenta: De
Vera Cruz?
Jornalista: Isso,
é no estado de Vera Cruz.
Presidenta: O
estado de Vera Cruz é em...?
Jornalista: É
sobre o Caribe.
Presidenta: Sobre
o Caribe. A Idesa.
Jornalista:
Idesa, é isso.
Presidenta:
Idesa. Eu ia falar Iesa, é Idesa. Projeto Etileno 21. E também acho que o que
vai caracterizar as nossas relações é um tipo de parceria que eu acho que nós
temos condições de fazer: complementaridade na cadeia produtiva. Produzir um
pedaço aqui, um pedaço lá, indústria naval.
Jornalista: Ah,
naval?
Presidenta:
Indústria de equipamentos, vamos dizer, na cadeia de óleo e gás nós tempos
interesse nisso, porque o México tem a Pemex, o Brasil tem a Petrobras. A Pemex
e a Petrobras estão mais ou menos num mesmo ambiente regulatório, tem presenças
de empresas internacionais, no México e no Brasil. Agora, tem duas gigantes.
Jornalista: É
possível algum acordo Pemex-Petrobrás?
Presidenta: Eu
sempre acho que é. E não só acho que é, como eles fizeram em 2005.
Jornalista: Isso
sim seria um encontro de gigantes, não é?
Presidenta: Pois
é, mas eles fizeram um acordo em 2005. E esse acordo está em plena vigência.
Espera lá que eu te digo qual acordo, quer ver?
Jornalista: Mas
se poderia avançar nesse acordo?
Presidenta: Eu
acho que poderia. Chama “Convênio Geral de Colaboração Científica, Técnica e de
Treinamento Pemex-Petrobras em 2005”. Em que áreas que nós podemos avançar?
Primeiro, eu acho, na cooperação entre as duas empresas. Elas têm
características, hoje, porque a Petrobras é uma empresa votada em bolsa, agora
a Pemex está indo pelo mesmo caminho. Nós temos um marco muito similar.
Eu
acredito que tanto nós podemos atuar em investimentos comuns, nós podemos atuar
também na cadeia de fornecedores. Porque a cadeia de fornecedores, no Brasil,
nós estamos fazendo estaleiros, nós, aqui em um mercado que é demandante,
porque nós temos de explorar o pré-sal. E lá no México é a mesma coisa, vocês têm
uma porção de atividades a fazer.
Jornalista: Mas a
Pemex poderia vir para o Brasil?
Presidenta: Só
pode. Qualquer empresa internacional pode vir para o Brasil com a nacional.
Jornalista:
Claro, claro. Mas há um interesse, digamos, estratégico do Brasil estimular a
chegada de Pemex ao pré-sal?
Presidenta: Mas
não tenha dúvida.
Jornalista: Ah,
isso é muito importante.
Presidenta: E
acredito que para a Pemex é bom, porque a Petrobras detém a tecnologia de
exploração em águas profundas.
Jornalista:
Porque Pemex não participou das (...) de...
Presidenta: Mas
não participou porque não quis.
Jornalista: Por
isso, mas eu diria: esse encontro dos governos poderia dar um marco político
para incentivar a chegada de Pemex?
Presidenta: Pode,
mas sem dúvida.
Jornalista: Ah,
isso é muito importante, presidente.
Presidenta: Mas
sem dúvida, não tenha dúvida disso. Nós veríamos com imensa simpatia. Afinal de
contas, a Pemex é uma das maiores national oil companies do mundo. A Pemex é
uma empresa absolutamente conceituada, por trás dela está o povo do México.
Jornalista: Me
deixa fazer uma pergunta...
Presidenta: Qual
é a cor da sua bandeira?
Jornalista:
Branca, azul e vermelha.
Presidenta:
Branca, vermelha e azul, não é? Não, verde.
Jornalista: Não,
vermelha e verde, verde. Igual que a da Irlanda, igual que a da Itália, só que
tem o escudo no meio, da águia com a serpente.
Presidenta: Ah,
tem o escudo no meio, está certo, com a serpente. E deixa eu te falar uma
coisa...
Jornalista:
Mexicanos são grito de guerra,
Presidenta: Por
que eu e perguntei isso? Sabe por quê? Teve um teatrólogo brasileiro, que você
deve conhecer, Nelson Rodrigues, que, além, disso, foi um colunista de futebol.
Jornalista: Sim,
claro.
Presidenta: Que
quando se referia à Seleção Brasileira, dizia que a Seleção Brasileira era a
pátria de chuteiras, a pátria verde e amarela de chuteiras, Lá, a Seleção
Mexicana é a pátria azul, branca e verde...
Jornalista: Não,
a camisa é verde, a camisa da Seleção. Sim, é verde.
Presidenta: É verde?
Então, é a pátria verde e chuteiras. A nossa também às vezes é ver, hein?
Jornalista: Agora
deixa eu fazer uma pergunta, uma pergunta...
Presidenta:
Agora, a Petrobras é tão importante para o Brasil como a Seleção.
Jornalista:
Claro.
Presidenta:
Então, eu sempre disse o seguinte: se a Seleção Brasileira é a pátria de
chuteiras, a Petrobras é a pátria com as mãos sujas de óleo.
Jornalista: Ah,
isso é muito bom, Presidente, é uma frase muito boa.
Presidenta: E
vocês têm também a pátria suja de óleo lá, a mão suja de óleo.
Jornalista: Desde
o presidente Cárdenas.
Presidenta:
Cárdenas, el grande presidente Cárdenas.
Jornalista: Ele
nacionalizou os recursos, os recursos...
Presidenta:
Hidrocarburos.
Jornalista:
Exatamente, 1935, 35 ou 36. Mas deixa eu fazer uma pergunta, uma pergunta do
“diabo”: Miestras, o Brasil tem uma política nacionalista de petróleo, que
prestabilizou o rol da Petrobras. México tem um sentido contrário: abriu a
Pemex ao capital privado. Esses cortes e recortes distintos do México e
Brasil...
Presidenta: Abriu
o quê ao capital privado? A exploração.
Jornalista: Sim
e, além disso, reformou a Constituição, no ano passado, que falavam que o
recurso petroleiro era só do Estado, que era herança de Cárdenas.
Presidenta: Mas
nós já tínhamos feito isso.
Jornalista:
Claro, mas mientras o Brasil, com a senhora e com o presidente Lula, tem um
novo marco jurídico, que dão um rol mais rigoroso para a Petrobras, lá o
progressismo de esquerda, o filho do presidente Cárdenas está denunciando que a
Pemex está sendo desnacionalizada. Que esses rumos sendo extintos podem
prejudicar uma aproximação de Pemex com a Petrobras?
Presidenta: Bom,
primeiro eu vou te falar o seguinte: a Petrobras, e nós fazemos parcerias com
todas as empresas. Nós fazemos parcerias com a Shell, com a Total, são
empresas... Eu estou dando a Shell e a Total porque é o último Campo de Libra.
Jornalista: É
isso.
Presidenta: O
maior campo do pré-sal tem a seguinte composição: Petrobras, Shell, Shell Total
e duas chinesas, a CNPC e a CNOOC. Nós achamos perfeitamente possível que a
Petrobras mantenha a sua importância, o Brasil mantenha a sua soberania e eles,
ao mesmo tempo, participem.
Jornalista:
Claro, claro.
Presidenta: Nós
achamos que isso é absolutamente possível. As ações da Petrobras são abertas na
Bolsa de Nova Iorque. Então, a Petrobras é uma empresa... é uma S/A, com todas
as características da S/A. Agora, obviamente a gente reconhece na Petrobras um
papel estratégico no Brasil. Ela, hoje, tem uma coisa que ninguém tira dela,
nem competição nenhuma, pode vir quem quiser: nós conhecemos a bacia sedimentar
continental brasileira como poucos conhecem.
Então, se
você pegar uma empresa internacional e perguntar para ela: como é que você quer
entrar no Brasil? Posso te dizer que ela quererá entrar no Brasil aliada à
Petrobras? Por quê?
Jornalista:
Porque tem o conhecimento.
Presidenta:
Porque a Petrobras detém o conhecimento, a tecnologia, e é uma empresa
poderosa. Ela recentemente, para a gente já adiantar o serviço, passou por um
processo de investigação, numa operação chamada Lava-Jato. Não é possível
você... A Petrobras tem 90 mil funcionários, quatro funcionários foram e estão
sendo acusados de corrupção, muito provavelmente, ninguém pode falar antes de
serem condenados, mas todos os indícios são no sentido de que são responsáveis
pelo processo de corrupção.
Isso não
impede que a Petrobras tenha ganho, na OTC, que todos nós sabemos que é uma
espécie de Oscar da área de petróleo e gás, a OTC, em Houston, tenha ganho o
prêmio da empresa mais inovadora. Por quê? Porque nós temos a tecnologia de
operar em águas profundas.
Jornalista:
Então, posso perguntar diretamente, sei que a senhora tem matéria para a
opinião pública de México: existe risco zero de o Brasil voltar ao regime
anterior de partilha. O regime atual está fora de discussão?
Presidenta: Bom,
posso te dizer uma coisa?
Jornalista:
Claro.
Presidenta: É bom
entender o que que é o regime de partilha ou de concessão. Eu falo com
tranquilidade porque, na época, eu coordenei isso.
Jornalista:
Claro. Era ministra da Casa Civil, não?
Presidenta: Da
Casa Civil. Bom, o que que tem no Brasil? No Brasil... O Brasil tem toda uma
história, em relação ao petróleo, não é uma história mais de... todo mundo
sabia que o México tinha petróleo. O Brasil passou pelo menos uns 20 anos discutindo
se aqui tinha petróleo ou não tinha petróleo, tá? Essa discussão se tinha ou
não tinha petróleo, porque procuravam onde? Procuravam em terra. Aqui em terra
não... é muito difícil, é pouco petróleo, ele não é de boa qualidade. Aí, a
Petrobras entrou em águas rasas, na Bacia de Campos, e achamos o petróleo. Era
muito? Não. Em alguma área era petróleo pesado, mas dava.
Agora,
esse modelo de concessão, ele tem todo sentido... O que que é a diferença dele
para o modelo de partilha? É quem é dono do óleo descoberto. No concessão, quem
é dono do óleo descoberto é quem descobre. Por quê? Porque o risco é muito
alto. No de partilha, quando você sabe aonde está o óleo, que ele existe, que
ele é de boa qualidade, o risco é pequeno. Então, é justo, e mais do que justo,
é completamente legítimo que o petróleo descoberto seja, uma parte, do Estado
nacional.
Jornalista:
Então, posso escrever que existe risco zero de voltar ao velho modelo de
concessão.
Presidenta: Eu
acho que não é zero. Enquanto eu estiver na Presidência, é menos mil, não é
zero, é diferente esse risco. O modelo de partilha é um modelo baseado nas
melhores práticas internacionais.
Jornalista: Claro
que é, claro que é.
Presidenta: Nós,
em todos os lugares onde se sabia que tinha petróleo, que era de boa qualidade
e que era bastante, caso Noruega, o modelo de partilha vigiu. Quem achar que o
modelo de partilha é algo ideológico está equivocado. O modelo de partilha é a
defesa dos interesses econômicos da população deste país, que é dona das suas
riquezas naturais, em especial do petróleo. Aqui é difícil achar.
Para você
ter uma ideia, você vê como é complicada a situação: sabe esse Campo de Libra,
pelo qual pagaram, na época R$ 15 bilhões, era US$ 7 bilhões, só por
assinatura, vou te contar o que aconteceu. Esse campo era da Petrobras. Na
primeira, houve uma rodada chamada “Rodada Zero”, que muitas coisas ficaram com
a Petrobras. A Petrobras olhou o campo e passou ele para a Shell, vendeu em
cooperação para a Shell. A Shell foi lá, furou, não achou nada, devolveu o
campo para a Petrobras. A Petrobras tem prazo, porque aqui, não explorou
devolva, me dá cá. A Petrobras devolveu ele para a Agência Nacional de
Petróleo. Nós tínhamos recursos. Então, o que nós fizemos? Todos os dados é que
lá tinha petróleo. O que nós fizemos? Nós pagamos a Petrobras. Nós quem? O
governo brasileiro pagou a Petrobras para fazer outros furos, e acharam um dos
maiores campos de petróleo do mundo.
Jornalista:
Impressionante.
Presidenta: Tá?
Jornalista: Eu
posso... Vamos falar um pouquinho mais de petróleo?
Presidenta:
Vamos.
Jornalista: A
senhora ficou conforme com a resposta do presidente Obama sobre a NSA pesquisou
irregularmente sobre a Petrobras?
Presidenta: Sabe,
a NSA, ela pesquisou sobre a Petrobras...
Jornalista:
Ilegalmente,
Presidenta: E
sobre também o governo brasileiro. Obviamente, de forma ilegal. O que o
Presidente Obama faz, naquela circunstância, depois que houve o caso com o
Brasil e com a Alemanha, ele abriu uma espécie de... ele abriu... não chama
consulta pública lá, ele abriu um processo de discussão em que eles tiraram
várias resoluções. Entre essas resoluções, eles tiraram uma resolução de que
não tem cabimento espionar países amigos, não é? Porque toda a justificativa
era porque era por causa dos terroristas, por conta da questão da...
Jornalista: Sim,
do 11 de setembro.
Presidenta: Do 11
de setembro. Então, o que que acontece? No marco do que eles fizeram, eles nos
responderam. Não tem... E inclusive sempre disseram: a partir dessa data nunca
teve isso.
Jornalista:
Portanto, esse assunto está concluído?
Presidenta: Para
nós está concluído.
Jornalista: Mas
toda a informação que eles – desculpa o termo – roubaram. O governo do Brasil
não tem direito a reclamar, para saber o que eles levaram da Petrobras? Não
poderia haver uma informação acessível?
Presidenta: Posso
te dizer uma coisa? Eu não acredito que eles, inclusive, saibam o que foi
levado da Petrobras completamente, eu não sei se sabem tudo o que foi levado.
Jornalista: Quem,
o governo?
Presidenta: Todos
os órgãos.
Jornalista: E a
NSA também não sabe?
Presidenta: Não, isso
eu não sei. Isso eu não sei. Eu estou falando...
Jornalista: Aí
teremos um compartimento estanco, a NSA pode ter...
Presidenta: Eu
não sei, eu não sou do governo americano, você há de convir. Eu só estou te
dizendo que o que eu tenho noção é que são centenas e milhares de empresas que
fazem esse processo. A mim me parece, em algum momento, que não havia o
controle total. Porque se houvesse... Por que o meu raciocínio é assim? Porque
se houvesse controle total, não teria como uma pessoa, um funcionário, que não
era dos mais altos escalões, tirar tanta informação.
Jornalista: O
Snowden.
Presidenta: É.
Sem ninguém saber direito o que ele tirou e como tirou.
Jornalista:
Portanto, digamos, sua visita em Estados Unidos, em julho, pode também marcar
um novo momento da relação bilateral?
Presidenta: Sem
dúvida, eu espero que sim.
Jornalista: O
passado esquecido, digamos, aquele momento...
Presidenta: Não,
o passado é o seguinte, não foi esquecido, tanto é que foi registrado. Nós
fizemos todas as tratativas, inclusive nós, com a Angela Merkel, o Brasil e a
Alemanha, nós fizemos um... nós tivemos a iniciativa de fazer proposta junto à
ONU para que isso fosse regulamentado, e temos hoje todo um processo, dentro da
Comissão de Direitos Humanos da ONU sobre essa questão.
Acho
que... a compreensão é que o governo Obama, nas suas atribuições, tomou as
providências cabíveis, não é? Do que fizeram anteriormente. É essa a nossa
convicção.
Jornalista:
Perfeito. Podemos falar um pouquinho da América Latina, uns minutinhos?
Presidenta: Pode.
Jornalista: A
propósito, também, da relação com os Estados Unidos. A senhora acha que esse
novo momento entre Washington e Havana tem uma repercussão construtiva no
Hemisfério todo?
Presidenta: Olha,
para mim foi uma das grandes iniciativas tomadas nos últimos anos. Primeiro,
porque encerra a Guerra Fria no nosso Continente. O nosso Continente era um dos
continentes, você tem outros, mas o nosso Continente tinha ainda as
consequências da Guerra Fria dentro dele, que é toda a questão relativa à
relação entre os Estados Unidos e Cuba. Por isso que nós queremos que isso se
aprofunde e que leve ao fim do embargo, completamente. Eu sei que não depende
do Executivo americano, depende do Congresso americano, mas que esse será um
passo fundamental.
Agora, eu
acredito também que você não barra a história, você não barra a história. E eu
tenho certeza, e o Brasil apostou nisso, tanto é assim que nós financiamos Cuba
no maior porto de águas profundas, que foi o Porto de Mariel.
Jornalista: Isso.
Presidenta: A
oposição brasileira, antes dos Estados Unidos reatar relações com Cuba, era
extremamente cáustica, a respeito deste financiamento que nós fizemos.
Jornalista:
Portanto, a senhora ratifica, a política do BNDES foi acertada, foi correta.
Presidenta: A
política não é do BNDES, é política do governo brasileiro.
Jornalista: Ah,
do Estado brasileiro.
Presidenta: É,
pois o BNDES é um banco controlado 100% pelo governo brasileiro. Não há como o
BNDES financiar sem cumprir a política. Nós achamos que o processo de evolução
das relações democráticas em Cuba passa por apostar na abertura, passa por
apostar no investimento lá, passa por apostar nessa relação comercial entre
Estados Unidos e Cuba.
Outra
forma qualquer, que é o embargo, não leva a nada. Tanto é assim que, quantos
anos o embargo teve? Quarenta?
Jornalista: Desde
62, já estamos... 63 anos. 53.
Presidenta: 53
anos. Não levou a nada. E o que que vai levar? Vai levar ao desenvolvimento,
tem de ter o desenvolvimento da sociedade. O que que é a consequência para nós?
E aí não é só Estados Unidos e Cuba, eu quero falar também do Papa. O Papa
Francisco teve um papel fundamental, porque além de Papa, de chefe da igreja
católica apostólica romana, ele é... ele foi também uma pessoa com
discernimento para per5ceber que se havia uma coisa importante para os povos
deste Hemisfério e para o de Cuba, em especial, era essa retomada das relações.
Eu acho que os Estados Unidos deram um passo extremamente feliz, estratégico,
para o que ocorre aqui, na América Latina.
Jornalista: E
voltando um instantinho ao...
Presidenta: E vou
te dizer mais: acho que não é um passo sem consequências para o presidente
Obama. Acho que o presidente Obama deu esse passo com muita coragem porque,
obviamente, tem oposição a isso. Agora, acredito, como eu te disse: não volta
para trás, essa roda da história não volta para trás. Acho que vai ter uma
abertura de investimentos em Cuba. Acho... Cuba é um país especial, não é? Pelo
menos para nós, latino-americanos, ele é um país especial. Para vocês,
mexicanos, eu tenho certeza.
Jornalista:
Muito.
Presidenta:
Porque uma vez eu visitei Cuba, e como a gente era só quatro brasileiros,
nós... não, éramos cinco brasileiros, a nossa delegação era pequena, a
delegação mexicana era grande. Então, nós fomos “adotados” pela delegação
mexicana, tá? Que era tão alegre como nosotros. E eu assisti a delegação
mexicana, você entende? Porque era um congresso de economistas, e eu participei
com a delegação mexicana de todo esse processo de...
Jornalista: De
evolução, o degelo, o descongelamento com os americanos.
Presidenta: Não.
Não, não, não, isso foi em 82. Foi no auge do... 82, não, 83. Auge do
congelamento
Jornalista: Pleno
Reagan.
Presidenta:
Congelamentíssimo. Mas a delegação mexicana devia ter umas cem pessoas, era
alegríssima e participativa. Porque nós seríamos como vocês dizem, ponencias.
Jornalista: Ah,
claro, ponencias.
Presidenta: Foi
quando eu descobri que, para vocês, charla era conversar. Vamos charlar.
Jornalista: Para
falar um pouquinho da América Latina, Presidenta. Então, estamos num momento em
que poderíamos falar até de um novo eixo político-diplomático, como disseram,
falando em música, “mariachi-bossa nova”, podemos falar isso?
Presidenta: Pode.
Pode falar tequila de um lado e cachaça de outro, a caipirinha. Tequila e
caipirinha.
Jornalista: Está
bem. Temos um novo...
Presidenta: O
murritos é de vocês?
Jornalista: Não,
murritos é cubano. Nós somos primos-irmãos.
Presidenta: Vocês
gostavam muito de murritos.
Jornalista: A
América Latina, nesses momentos Venezuela convulsionada, a Argentina
convulsionada...
Presidenta: Por
que a Argentina está convulsionada?
Jornalista: A
Argentina está convulsionada porque acho que tem eleições em outubro, mas...
Presidenta: Mas
eleições não... em democracias, não convulsionam.
Jornalista: Mas,
bom, o caso do procurador Nisman foi muito (...). A senhora vê um quadro de...
não falaríamos em instabilidade, mas...
Presidenta: Posso
falar uma coisa?
Jornalista:
Claro.
Presidenta: Eu
acho que a Argentina é extremamente estável, não acho a Argentina um país
instável, convulsionado. Acho que é um país estável, com eleições, com um
debate algumas vezes bastante ácido. Aqui, no Brasil, também tem debates
ácidos; lá nos Estados Unidos tem debates ácidos, não é? O Teaparty não tem
propriamente um debate muito gentil.
Jornalista: Nem
muito civilizado também.
Presidenta: Não,
eu não vou usar a palavra civilizada, eu vou dizer mais gentil. Agora, lá na
Argentina é a mesma coisa, porque os Estados Unidos não está convulsionado e a
Argentina está? Agora, se for sobre a questão da política econômica ou da
situação econômica argentina, a Argentina tem absoluto direito de escolher seus
rumos.
Eu acho
que mesmo a Venezuela, e vou te dizer isso, e também aí, também, o Papa
Francisco teve um papel importante.
Jornalista: Teve.
Presidenta:
Quando houve toda a instabilidade maior, eu acho que a Unasul, os três
chanceleres da Unasul, que tinham mandão para fazer as tratativas – Colômbia,
Brasil, Equador – junto com a nunciatura, fizeram todo um esforço, para quê?
Qual foi o esforço que sempre a Unasul fez e eu acho que deu certo? É o esforço
para manter a estabilidade, para manter a regra democrática, para manter a garantia
política de que este Continente não voltará ao arbítrio. Tanto é assim, que eu
acho que isso foi um papel extremamente estabilizador, que a Unasul e a
Nunciatura, porque tem de dar crédito ao Santo Papa, tiveram ali, na relação
entre o governo e oposição.
Nós somos
a favor de que na Venezuela se respeite a ordem democrática, de parte a parte,
que haja condições de se marcar as primárias, foi marcada a primária da
oposição, agora vai ser marcada a primária... Eu não sei se chama primária
mesmo, a palavra, se é primária, está certo.
Jornalista: Sim,
que venceu o Capriles.
Presidenta: Isso.
Jornalista:
Capriles derrotou a direita radical.
Presidenta: O que
é interessante, porque o Capriles é um homem de posições de centro e vai ter
também a primária do lado do governo. Então, eu acredito na estabilidade. Nós,
inclusive, dissemos sempre que é ruim tratar a Venezuela como sendo um inimigo
dos Estados Unidos, porque não contribui, tá? Não contribui para que você
estabilize a situação. O que contribui para você estabilizar a situação...
porque, dos dois lados pode ter gente que não queira estabilizar.
Então,
para você estabilizar a situação, quanto mais respeito aos procedimentos,
quanto mais respeito aos prazos e às datas, melhor para todo mundo. Eu não
acredito numa solução violenta na Venezuela, não acho ela boa para o Brasil,
não acho ela boa para a Colômbia, não acho ela boa para o Equador, não acho ela
boa para toda a Unasul, e não acho ela boa para os Estados Unidos. E acredito –
vou te falar com sinceridade – acredito que o governo, a administração Obama
pensa assim também. Acredito nisso. Não acho que a administração Obama quer uma
situação de conflito ali na Venezuela.
Eu queria
te falar uma outra coisa, em relação à América Latina. Eu queria lembrar do
Lugo. Nós, da Unasul, tivemos uma posição extremamente clara, na questão do
Lugo.
Jornalista: Foi
um golpe ou não foi um golpe?
Presidenta: Para
nós não foi uma forma democrática de afastar um presidente da República. Tanto
é assim que a Unasul se pronunciou nesse sentido. E o que a Unasul fez? A
Unasul disse o seguinte: “Olha, nós não somos, não somos e não vamos reconhecer
legitimidade nesta forma de sucessão governamental. O próximo presidente,
eleito por voto direto e secreto, no Paraguai, terá todo o nosso respaldo”. Foi
isso que aconteceu. Hoje, o Paraguai não só tem nosso respaldo, mas o Paraguai
hoje está em pleno uso e expandindo, inclusive, todas as sua situação. O
presidente Cartes é um presidente fantástico para o Paraguai e para a região.
Eu falo
isso porque foi recomposto. Agora, não foi recomposto com a gente alienando
todos os compromissos, por exemplo, do Mercosul e da Unasul, em relação a
processos democráticos e a como se tratar os eleitos pelo voto direto do povo.
Nós somos um continente absolutamente traumatizado por golpe. Todos nós, você
pode perguntar país a país, talvez vocês são os únicos, talvez seja o México.
Porque eu estou aqui, na minha cabeça, pensando quem está fora disso. Começa a
subir, você sobe lá de baixo: Uruguai, Paraguai, Chile, Bolívia, Peru, Brasil,
o Equador, Bolívia – eu já falei -, Colômbia, não é? Então, não sobra ninguém
que não teve golpe de Estado. Então, nós não gostamos disso. Não gostamos nem
um pouquinho.
Jornalista: Mas a
senhora aceita, Presidenta, a senhora aceita que há um quadro de certa
instabilidade na América do Sul, em Venezuela, tem um intento de golpe policial
no Equador, tem um intento de desestabilização na Bolívia. Esse quadro existe
ou está exagerado?
Presidenta: Eu
acho que está exagerado. Para mim, ele está completamente exagerado. Sabe por
que está exagerado? Acho que todas essas movimentações, primeiro, eu não
acredito que a democracia engendre situações de paz dos cemitérios, tá? A
democracia engendra manifestações de rua, a democracia engendra reivindicações,
a democracia engendra expressão de descontentamento. E nós, na América Latina,
temos de cuidar muito, porque a raiz golpista sempre perpassa, perpassa a
cultura política dos países. Não dominantemente mais, não, eu não acredito
nisso,
Então, eu
acho o seguinte: onde tem algum conflito, ele faz parte da democracia. Nós,
quanto mais resilientes formos, quanto mais normal for a manifestação política,
“Eu estou divergindo”, “Eu sou contra”, e isto não levar à ruptura, nem à
situação extrema, mais evoluídos, do ponto de vista democrático nós somos.
Você veja
que, eu vou dar o exemplo da Europa: a Europa passou por imensas manifestações,
imensos momentos de conflito, de contestação. Nem por isso você viu processos
de ruptura institucional. Acho que os Estados Unidos também passaram por isso,
e não teve processo de ruptura constitucional. Nós temos agora de falar com
orgulho que há duas décadas pelo menos, duas décadas pelo menos que nós não
temos ruptura da ordem constitucional, duas.
Jornalista: Posso
romper um pacto que eu fiz com o ministro?
Presidenta: Deixa
eu perguntar, deixa eu pensar se é duas mesmo. É três.
_________: Teve uma tentativa de golpe contra o Chávez, mas
foi tentativa que foi...
Jornalista: Em
2002, em abril de 2002.
Presidenta: Sei,
mas... Foi em 2002 o do Chávez, foi o Lugo.
Jornalista: E foi
Honduras, não é?
Presidenta:
Honduras, é. Mas você veja que teve conflito no Equador? Teve. Teve problema na
Bolívia? Teve problema na Bolívia. Teve problema no Peru? Porque conflito?
Jornalista: Eu
assumi um compromisso que (incompreensível), que foi não perguntar nada da
política interna do Brasil. Mas, posso perguntar?
Presidenta: Agora
você tem mais duas perguntas.
Jornalista: Duas
perguntas. Uma é essa. Há um setor, uma direita, que fala muito do impeachment.
Isso é uma forma de golpismo branco?
Presidenta: Posso
te dizer? Essa questão do impeachment...
Jornalista: Não é
um (incompreensível) da direita?
Presidenta: Sem
base real...
Jornalista:
Claro, não. Claro.
Presidenta: Sem
base real, porque o impeachment está previsto na Constituição, não é? Ele é um
elemento da Constituição, está lá escrito. Agora, o problema do impeachment é
sem base real, e não é um processo, e não é algo, vamos dizer assim,
institucionalizado, tá? Eu acho que tem um caráter muito mais de luta política,
você entende? Ou seja, é muito mais esgrimido como uma arma política, não é?
Uma espécie de espada política, mistura de espada de Dâmocles que querem impor
ao Brasil.
Agora, a mim
não atemorizam com isso. Eu não tenho temor disso, eu respondo pelos meus atos.
E eu tenho clareza dos meus atos. Então...
Jornalista: Mas é
uma, digamos assim, uma atitude de direita muito radical, que não era vista há
tempos no Brasil, não?
Presidenta: É. De
uma certa forma, todos os presidentes no Brasil tiveram esse processo. O Lula
teve, o Fernando Henrique teve, antes do Fernando Henrique...
Jornalista: O
Collor.
Presidenta: Não,
o Collor foi tirado. O Itamar eu não lembro, acho que não. Mas eu estou te
falando dos últimos tempos. Vira e mexe tem essa...
__________: ...Casa Civil só, mas não foi nada.
Presidenta: O
Fernando Henrique, o Lula...
__________: Tá, mas teve aquele episódio da Casa Civil só,
mas não foi nada.
Presidenta: Bom,
antes disso era praxe.
Jornalista: Antes
disso era praxe. Eu faço a última: eu trouxe ali, para se a senhora quer depois
assinar, aquele livro muito bonito, que é aquele com o título “A Vida...”
Bom...
Presidenta: “O
que a vida quer de nós é coragem”? Sabe de quem é essa frase?
Jornalista: Não.
Presidenta: Essa frase, para mim, é de um dos maiores
escritores brasileiros, chama João Guimarães Rosa. O texto inteiro é muito
bonito. Se eu tivesse os meus 50 anos, eu te citaria ele, porque eu sei ele de
cor mas não vou conseguir citar. Porque ele fala algo assim: que a vida
esquenta e esfria, instiga e depois pacifica, radicaliza”... Me abre ali, por
favor? A vida quer de nós a coragem.
Jornalista: Eu
tenho ali, eu trouxe.
Presidenta: Não,
aquele ali é o livro que fizeram, que o meu assessor de imprensa da campanha
fez, e que tem coisa ali que não é verdade, tem coisa que é. Ele não é um livro
autorizado.
Jornalista: Não é
um livro autorizado?
Presidenta: Não.
Mas tem muita coisa que está certa.
Jornalista: Mas
por quê?
Presidenta: Eu
não estou desautorizando o livro, estou só te dizendo que tem umas coisas que
não são verídicas, assim, não foi daquele jeito que aconteceu. Porque tem isso,
é muito difícil de você saber de que jeito aconteceu, não é? Quer pegar-me, por
favor, o meu ipad? Porque é lindo o texto, deixa eu dar para ele.
Jornalista:
Porque, a propósito desse...
Presidenta: É
lindo, esse texto é lindo.
Jornalista: E
claro que vou levar...
Presidenta: E o
que a vida quer de nós é coragem, ela não quer outra coisa.
Jornalista: Para
nós, o Jornal La Jornada, que é um jornal de esquerda, que respeita muito a
luta dos que resistiram na ditadura, esse livro, mesmo que não tenha um relato
absolutamente fidedigno do que aconteceu, está falando de uma mulher que tem
uma coragem excepcional. Quando a senhora chegou ao poder, pela via dos votos,
aquela força que a senhora construiu na resistência contra a ditadura foi uma
enseñanza para enfrentar esses momentos difíceis do poder?
Presidenta: Do
ponto de vista pessoal, aquilo está indelevelmente marcado dentro de mim. Não
tem... Você... Ninguém pode chegar e dizer... Outro dia eu estava lendo um
texto do Mujica, conversei muito sobre isso com o Mujica. Nós não nos
arrependemos de nada. O que você tem de fazer é entender que naquele momento,
naquelas condições, o que te levou a fazer daquele jeito, hoje não tem a menor
condição de ocorrer.
Jornalista:
Claro, claro.
Presidenta: Não
é? Isso é a primeira coisa. A segunda coisa: você muda, mas você não muda de
lado, que é a segunda coisa. Ou seja, muda porque você vê que em alguns, com
alguns fatos que ocorreram, alguns equívocos cometidos, você vê que tem um
pouco, também, da minha juventude. Não é? E eu não vou ser contra a minha
juventude. Mas tem coisa que não estava correta. Agora, eu não mudei de lado.
Eu posso achar que tudo aquilo ocorreu... Agora, tenho muito orgulho de muita
coisa, não largo aquilo de lado, não. A minha vida é inquestionavelmente
marcada por aquilo. E se vocês foram capazes... Porque uma vez, aqui, eu fui
depor no Congresso.
Jornalista: Eu me
lembro, eu me lembro. Estava o senador dos Democratas, Agripino Maia, aquela
conversa, não é?
Presidenta: Eu
fui depor no Congresso e falaram assim para mim.
Jornalista: Na
tortura a senhora mentiu, não foi isso? Isso foi uma segunda tortura, digamos,
de novo, Presidente?
Presidenta: Nem
perto. Não passa nem perto da tortura aquilo. Que é isso? Uma pergunta de um
senador no Congresso Nacional, com o Brasil democrático? Que é isso? Moleza.
Ele me perguntar: “Na tortura você mentiu?” Por que ele perguntou isso? Porque
ele não estava do meu lado, ele não era do meu lado, ele era de outro lado. Quem
não mente em tortura, lá lascado. Você entrega companheiro, tem gente que é seu
amigo, seu irmão, que você vê morrer. Ou mente ou você se destrói. Quantas
pessoas eu vi destruídas? E eu não julgo essas pessoas também. É muito difícil,
eu disse para o senador: “Senador, é muito difícil mentir”, porque na tortura
todo o incentivo é: “se você falar eu paro, se você falar eu paro”. É uma luta
para você aguentar não falar, porque todos nós somos o que somos, não tem
heróis. Cada um de nós encontra, dentro de si, forças.
E eu falo,
sabe por que que não tem heróis? Porque eu vi as pessoas mais variadas, é uma
questão de resistir. Se você tem convicção que está certo, você tem de
resistir. Resistir, tem hora até que você resiste se enganando. Você fala: “Ah,
eles vão voltar”. Porque eles falam assim para você: “Nós voltamos daqui a uma
hora, pensa bem”. Aí te pendura outra vez, bota no pau-de-arara, te dá um
choque, etc. Qual é a estratégia, o que que é que você tem de fazer? Primeiro,
você não pode pensar, você tem de impedir, você tem de fazer um esforço
quase... Como é que chama aquilo que uma vez me falaram: “Você tem de fazer
treinamento de...”. Aquele que a gente para
fica assim: “Ummmmm”.
Jornalista:
Meditação.
Presidenta:
Meditação. Você faz meditação. Você sabe o que é fazer meditação espontânea?
Você tem de tirar aquilo da sua cabeça. Porque se você não tirar aquilo da sua
cabeça, o medo toma conta, não é? E o medo, ele te corrói, o medo é uma coisa
que tem dentro de você, não tem fora. O medo é tudo que a natureza, ao longo de
toda a nossa evolução, colocou dentro de nós, para a gente poder sobreviver. Há
alguém querendo nos comer, não é? Há o raio, há o diabo. Há o diabo, por isso
que tem adrenalina.
Então,
você tem de resistir, sabendo que você está resistindo contra toda a sua...
toda a sua natureza.
Jornalista:
Portanto, a senhora resistiu àquilo, as pressões de hoje são nada.
Presidenta: Olha,
eu te digo que elas são bem mais fáceis. Não que sejam facílimas ou que elas
não são relevantes.
Jornalista: Mas
quando a gente é preso está muito preparado para sofrer as pressões.
Presidenta: Mas
eu te digo o seguinte: não passa perto. Tem, outra coisa, que chama a dor, a
dor. A dor é outra coisa que ela oprime, ela corrói, ela humilha, ela degrada.
A dor degrada. Então, resistir é algo muito difícil. Não faz de ninguém herói,
faz das pessoas só isso: gente. Você não vira herói, você vira gente.
Jornalista: Ou
vira Presidenta.
Presidenta: É.
Agora, eu acho que você pode virar presidente sem passar por tortura. Inclusive
defendo isso como sendo uma bandeira: não precisa, não precisa.
Jornalista: Posso
fazer a última, a última, a última pergunta?
Presidenta: Não,
você vai esperar, porque “A vida quer é coragem”.
Jornalista:
Claro.
Presidenta: Ah,
não, espera lá
Jornalista: Claro
que sim, Presidenta, nós não temos pressa nenhuma.
Presidenta:
Guimarães Rosa. Se tivesse o Pìmentel aqui, ele tem.
Jornalista: Ele
falaria.
Presidenta:
Óbvio. Porque eu e o Pimentel gostamos disso...
Jornalista: Foram
companheiros de militância, não é?
Presidenta: Sim,
por causa que no passado a gente descobriu. Eu e o Pimentel, eu conheci o
Pimentel ele tinha 17 anos, eu acho que eu tinha 19.
Jornalista: Os
dois eram combatentes, não era?
Presidenta:
Éramos. Eu conheci o Pimentel, ele era bem novinho. Ele sempre disse que eu
tinha 4 anos mais que ele, mas é mentira, eu tinha só 2. Ele fala isso: eu sou
muito mais novo que ela, tenho 4 anos menos. Mentira, mentira.
Jornalista: Ok.
(...) sua palavra.
Presidenta: Bom,
eu não estou achando.
Jornalista: Eu
tenho duas. Tenho a sorte jornalística e humana de ter três longas entrevistas
com a doutora que foi sua advogada.
Presidenta: A
Rosa?
Jornalista: A
Rosa, ela deu para mim.
Presidenta: Eu
lembro da Rosa.
Jornalista: É,
que ela também teve a coragem, como a Presidenta, quando estava presa, de
assumir ser sua advogada nesse momento tão difícil.
Presidenta: E foi
mesmo, mas não era só minha não, viu? Ela teve a coragem de ser a advogada de
uma porção de presos políticos, muitos presos políticos.
Jornalista: Eu vi
o caráter como que ela trabalhou muito na Comissão da Verdade.
Presidenta: É,
ela é uma pessoa muito determinada, a Rosa. E era difícil, porque era
complicado.
___________: Aqui, Presidenta.
Presidenta: Você
achou? “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria;
aperta e daí afrouxa; sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é
coragem”.
Jornalista:
Depois posso repetir para...
__________: Sim.
Presidenta: Chama
João Guimarães Rosa.
Jornalista: Por
quê? Porque ela estava à frente da Comissão do Plano Condor e ela...
Presidenta: Quem?
A Rosa?
Jornalista: A
Rosa, dentro da Comissão da Verdade.
Presidenta: Ah,
é? Eu não sabia.
Jornalista: E
trabalhamos muito sobre o caso Goulart. E ela falou para mim, igual que falou
para mim...
Presidenta: O
caso...?
Jornalista: Do
presidente Goulart.
Presidenta: Ah, o
Goulart.
Jornalista: E ela
falou para mim, e também o procurador da Argentina, o (...), e também o
procurador (...) na Itália, que seria fundamental poder algum dia falar com o
presidente, com o ex-secretário de Estado Henry Kissinger. A senhora gostaria
de alguma vez Henry Kissinger falar sobre o que aconteceu no Plano Condor?
Presidenta: Sem
problema, se ele quiser falar comigo, eu aceito.
Jornalista: E
acharia que isso é importante para...
Presidenta: Eu,
se eu falasse com o Kissinger, você vai me desculpar, não era sobre isso que eu
ia falar, não, sobre esse livro dele, chamado “World”, “International World”,
extremamente, eu diria, agudo, nas suas percepções. Acho que ele faz a análise
bem... Óbvio, eu não tenho a mesma compreensão do mundo, mas eu respeito um
conservador lúcido. Ele é, este livro dele, e mesmo o sobre a China, são muito
interessantes. Mas eu gostei muito deste último. Agora, perguntaria a ele
sobre... Não tenho problema, se ele quiser responder, responde.
Jornalista: Sobre
o Plano Condor?
Presidenta: É.
Jornalista: Por
quê? Porque a Justiça do Brasil, a procuradora que está seguindo o caso, num
jornal falou também que ela gostaria de o Kissinger falar. Isso seria bom para
que a gente finalmente soubesse a verdade do Plano Condor?
Presidenta: Olha,
eu acho importante. Agora, não sei se ele quer falar. Não cabe a mim
constranger ninguém. Porque aí, nesse caso, eu sou chefe de Governo, não é? No
caso... Aliás, chefe de Estado, não cabe eu fazer isso.
Jornalista: Está
bom. Muito obrigado, Presidenta.