Em meio ao processo do mensalão, as diversas operações da
Polícia Federal ou a turbulenta relação entre os poderes da República, o Brasil
esqueceu do Maranhão. Na fase final da guerra contra Canudos, em 1897, os
oficiais militares costumavam dizer que não viam a hora de voltar para o
Brasil. Quem hoje visita o Maranhão fica com a mesma impressão. É um estado
onde o medo está em cada esquina, onde as leis da República são desprezadas. Lá
tudo depende de um sobrenome: Sarney. Os três poderes são controlados pela
família do, como diria Euclides da Cunha, senhor do baraço e do cutelo. A
relação incestuosa dos poderes é considerada como algo absolutamente natural.
Tanto que, em 2009, o Tribunal Regional Eleitoral anulou a eleição para o
governo estadual. O vencedor foi Jackson Lago, adversário figadal da oligarquia
mais nefasta da história do Brasil. O donatário da capitania ─ lá ainda se
mantém informalmente o regime adotado em 1534 por D. João III ─ ficou indignado
com o resultado das urnas. A eleição acabou anulada pelo TRE, que tinha como
vice-presidente (depois assumiu a presidência) a tia da beneficiária, Roseana
Sarney.
No estado onde o coronel tudo pode, a Constituição Federal é
só um enfeite. Lá, diversos artigos que vigoram em todo o Brasil, são considerados
nulos, pela jurisprudência da famiglia . O artigo 37 da nossa Constituição,
tanto no caput como no §1º, é muito claro. Reza que a administração pública
“obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência” e “a publicidade dos atos, programas, obras, serviços
e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de
orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que
caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”. Contudo,
a Constituição maranhense, no artigo 19, XXI, § 9º determina que “é proibida a
denominação de obras e logradouros públicos com o nome de pessoas vivas,
excetuando-se da aplicação deste dispositivo as pessoas vivas consagradas notória
e internacionalmente como ilustres ou que tenham prestado relevantes serviços à
comunidade na qual está localizada a obra ou logradouro”.
Note, leitor, especialmente a seguinte passagem:
“excetuando-se da aplicação deste dispositivo as pessoas vivas e consagradas
notória e internacionalmente como ilustres”. Nem preciso dizer quem é o “mais
ilustre” daquele estado ─ e que o provincianismo e o mandonismo imaginam que
tenha “consagração internacional.” Contudo, a redação original do artigo era
bem outra: “É vedada a alteração dos nomes dos próprios públicos estaduais e
municipais que contenham nome de pessoas, fatos históricos ou geográficos,
salvo para correção ou adequação nos termos da lei; é vedada também a inscrição
de símbolos ou nomes de autoridades ou administradores em placas indicadores de
obras ou em veículos de propriedade ou a serviço da administração pública
direta, indireta ou fundacional do Estado e dos Municípios, inclusive a
atribuição de nome de pessoa viva a bem público de qualquer natureza
pertencente ao Estado e ao Município”. Quando foi feita a mudança? A 24 de
janeiro de 2003, com o apoio decisivo de Roseana Sarney. Desta forma foi
permitido que centenas ─ centenas, sem exagero ─ de logradouros e edifícios
públicos recebessem, em todo o estado, denominações de familiares,
especialmente do chefe. Para mostrar o desprezo pela ordem legal, em 1997 foi
criado o município de Presidente Sarney, isto quando a Constituição Federal
proíbe e a estadual ainda proibia. Quem criou o município? Foi a filha, no
exercício do governo. Mas a homenagem ficou somente na denominação do
município. Pena. Os pobres sarneyenses ─ é o gentílico ─ vivem em condições
miseráveis: é um dos municípios que detêm os piores índices de desenvolvimento
humano no Brasil.
Como o Brasil esqueceu o Maranhão, a família faz o que bem
entende. E isto desde 1965! Sabe que adquiriu impunidade pelo silêncio
(cúmplice) dos brasileiros. Mas, no estado onde a política se confunde com o
realismo fantástico, o maior equívoco é imaginar que todas as mazelas já foram
feitas. Não, absolutamente não. A governadora resolveu fazer uma lei própria
sobre licitação. Como é sabido, a lei federal 8.666 regulamenta e tenta
moralizar as licitações. Mas não no Maranhão. Por medida provisória, Roseana Sarney
adotou uma legislação peculiar, que dispensa a “emergência”, substituída pela
“urgência”. Quem determina se é ou não urgente? Bingo, claro, é ela própria.
Não satisfeita resolveu eliminar qualquer restrição ao número de aditivos. Ou
seja, uma obra pode custar o dobro do que foi contratada. E é tudo legal. Não é
um chiste. É algo gravíssimo. E se o Brasil fosse um país sério, certamente
teria ocorrido, como dispõe a Constituição, uma intervenção federal. O que lá
ocorre horroriza todos aqueles que tem apreço por uma conquista histórica do
povo brasileiro: o Estado Democrático de Direito.
O silêncio do Brasil custa caro, muito caro, ao povo do
Maranhão. Hoje é o estado mais pobre da Federação. Seus municípios lideram a
lista dos que detém os piores índices de desenvolvimento humano. Muitos dos que
lá vivem lutam contra os promotores do Estado do medo. Não é tarefa fácil. Os
tentáculos da oligarquia estão presentes em toda a sociedade. É como se
apresassem para sempre a sociedade civil. Sabemos que o país tem inúmeros
problemas, mas temos uma tarefa cívica, a de reincorporar o Maranhão ao Brasil.