Do site Alerta Total
Nos anos 1980, a historiadora Barbara Tuchman publicou o
livro A Marcha da Insensatez – de Troia ao Vietnam, um best-seller mundial. Ela
usou eventos históricos para mostrar como governantes criam condições objetivas
para futuros desastres quando decidem movidos por ambições políticas e
vaidades, sem compromisso com os anseios e necessidades de seus povos e nações.
Insensatez qualifica a política impatriótica dos últimos
governos brasileiros, na Amazônia, mesmo cientes da secular cobiça de potências
estrangeiras, manifestada em sucessivas tentativas de suprimir ou limitar a
nossa soberania na região. Em 1817, Mathew Fawry, oficial da Marinha dos EUA,
propôs a separação da Amazônia do Brasil e, em 1904, a Questão do Pirara
resultou na perda de 19.600 Km2 do território nacional para a Guiana Inglesa,
então colônia britânica. São apenas dois de muitos exemplos dessa cobiça.
A partir dos anos 1990 com a queda da URSS, os aliados da
OTAN não tinham mais ameaça militar a seus territórios, ganhando liberdade de
ação para se projetar em âmbito global. Cunharam então o conceito de novas
ameaças, na verdade meros pretextos para justificar a expansão e impor
globalmente seus interesses. Aí se insere a questão indígena. Líderes mundiais
propuseram publicamente a ingerência internacional no aproveitamento das
riquezas dos espaços pouco explorados de outras nações, tendo estadistas como
Mitterand (1989), John Major (1992) e Gorbachov (1992) citado nominalmente a
Amazônia. Hoje, as potências estrangeiras são mais sutis, usando ONGs, grupos privados
e organismos internacionais como a OEA e a ONU na vanguarda, para pressionar
pela autonomia das terras indígenas (TIs) brasileiras e impedir projetos
nacionais de desenvolvimento na região. Querem preservar hoje para explorar
amanhã, impondo acesso privilegiado aos recursos amazônicos à revelia dos
interesses e direitos brasileiros.
Essa marcha da insensatez começou com a demarcação da TI
Ianomâmi (1991) e prosseguiu com as do Alto Rio Negro (1998), Vale do Javari
(2001), Tumucumaque (2002), Raposa Serra do Sol (2005) e Trombetas-Mapuera
(2008) que cobriram, perigosamente, a fronteira ao norte e a sudoeste do rio
Amazonas. Todas nos governos Collor, FHC e Lula. Em todo o Brasil, 608 TIs já
ocupam 13% do território nacional, área igual às do Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e sul de Minas
Gerais somadas. Tudo para apenas 600 mil indígenas, separados dos 200 milhões
de irmãos brasileiros pela política segregacionista de governos também
complacentes com a campanha desnacionalizadora e separatista de ONGs
estrangeiras em TIs, temerosos de reações internacionais.
A marcha avançou em 2007 quando o governo votou pela
Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas na ONU, aceitando que eles tenham
autogoverno, autodeterminação, instituições políticas e sistemas jurídicos
próprios, constituam nações indígenas e vetem atividades militares e medidas de
governo nas TIs. É autonomia superior à dos estados da Federação e, com 608
TIs, como ficará a governabilidade do País? O artigo 42 da Declaração prevê
intervenção internacional para obrigar o seu cumprimento, agredindo soberanias
e tornando inócuo o artigo 46 e suas fantasiosas garantias de integridade
territorial e unidade política dos Estados. Estas se tornaram ilusórias para o
Brasil após limitar a própria soberania reconhecendo, em seu interior, 608
nações indígenas, estrangeiras para a comunidade global que não reconhece o
índio como brasileiro.
Os indígenas já podem exigir o cumprimento da Declaração. Se
não forem atendidos e se revoltarem, havendo repressão do governo, solicitariam
a intervenção da ONU com base em Resolução de 2005 – “Responsabilidade de
Proteger”. Povo, território, nação e instituições políticas praticamente formam
um estado-nação.
A marcha foi reforçada, mais uma vez pelo governo, ao lançar
o Programa Nacional de Direitos Humanos (2009), onde preconiza tornar
constitucionais os instrumentos internacionais de direitos humanos não
ratificados pelo Congresso Nacional. Se isso acontecer, caem as 18 ressalvas
constantes na decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a demarcação da
TI Raposa Serra do Sol, que resguardam a soberania nacional em todas as TIs.
A Portaria nº 303/2012 da AGU, que regulamentaria essas
ressalvas, foi suspensa pelo ministro da Justiça após as pressões de praxe. Uma
decisão da mais alta Corte do País contestada com êxito por ONGs estrangeiras e
movimentos internos. Um absurdo!
O senador roraimense Mozarildo Cavalcanti (Diário do Senado
Federal, 23-09-2005, p. 31758) condenou a demarcação da TI Raposa Serra do Sol
em terras contínuas e evidenciou a pressão internacional, reconhecida pelo
então Presidente da República. Disse o senador: “O Presidente Lula, na última
audiência em que tive com Sua Excelência, o Senador Augusto Botelho presente, o
Governador do Estado, os deputados (---) perguntou: quantos eleitores têm em
Roraima? (---) Sua Excelência balançou a cabeça e disse que estava sendo
pressionado pela USP, pela OEA, pelas ONGs europeias”.
A propósito, o Príncipe Charles, criador da ONG Prince's
Rainforests Project, que promoveu diversos encontros na Europa com lideranças
indígenas e políticos brasileiros, defendendo aquela demarcação em terras
contínuas, foi recebido pelo Presidente de República às vésperas da reunião
decisória do STF sobre o tema em março de 2009. Coincidência ou pressão?
A soberania na Amazônia já é limitada, de fato, coroando a
marcha da insensatez empreendida por lideranças que colocaram projetos pessoais
e vaidades acima do interesse nacional ou, com espírito mercantilista,
negociaram soberania pensando gerar retorno econômico-financeiro ao País como
se dignidade nacional fosse mercadoria de troca. A Nação, omissa, também é
responsável.
Luiz Eduardo Rocha Paiva, General na Reserva, é Professor
emérito e ex-comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército.