O “Financial Times” disse que o jeitinho brasileiro chegou
ao comando da política econômica. O jornal britânico se referia à solidariedade
entre os companheiros Fernando Haddad e Guido Mantega, num arranjo para que a
prefeitura de São Paulo retardasse o aumento nas tarifas de ônibus, ajudando o
Ministério da Fazenda a disfarçar a subida da inflação. A expressão usada pelo “Financial
Times” é inadequada. Os britânicos não sabem que esse conceito quase simpático
de malandragem brasileira está superado. O profissionalismo do governo popular
não mais comporta diminutivos.
No Brasil progressista de hoje, os números dançam conforme a
música. E a maquiagem das contas públicas já se faz a céu aberto: o império do
oprimido perdeu a vergonha. No fechamento do balanço de 2012, por exemplo, os
companheiros da tesouraria acharam por bem separar mais 50 bilhões de reais
para gastar. Faz todo o sentido. Este ano as torneiras têm que estar bem
abertas, porque ano que vem tem eleição e é preciso irrigar as contas dos
aliados em todo esse Brasil grande. A execução do desfalque no orçamento foi um
sucesso.
Entre outras mágicas, o governo popular engendrou uma
espécie de “lavagem de dívida” para fabricar superávit. Marcos Valério ficaria
encabulado. O Tesouro Nacional fez injeções de recursos em série no BNDES, que
por sua vez derramou financiamentos bilionários nas principais estatais, e
estas anteciparam sua distribuição de dividendos, que apareceram como crédito
na conta de quem? Dele mesmo, o Tesouro Nacional - o único ente capaz de torrar
dinheiro e lucrar com isso. Ao “Financial Times”, seria preciso esclarecer:
isso não é jeitinho, é roubo.
A “contabilidade criativa” - patente requerida pelos mesmos
autores dos “recursos não contabilizados” que explicavam o mensalão - não é
vista como estelionato porque o brasileiro é um amistoso, um magnânimo,
deslumbrado com seu final feliz ao eleger presidente uma mulher inventada por
um operário. Não fosse isso, era caso de polícia. A falsidade ideológica nas
contas do governo Dilma rouba do cidadão para dar ao governo. Ao esconder
dívidas e “esquentar” gastos abusivos, a Fazenda Nacional fabrica créditos
inexistentes - que serão pagos pelos consumidores e contribuintes, como em toda
desordem fiscal, através de impostos invisíveis. O mais conhecido deles é a
inflação.Em outras palavras: o jeitinho encontrado pelo companheiro-ministro da
Fazenda para maquiar a inflação é um antídoto contra o jeitinho por ele mesmo
usado para aumentar a gastança pública.
O maior escândalo não é a orgia administrativa que corrói os
fundamentos da estabilidade econômica, tão dificilmente alcançada. O grande
escândalo é a passividade com que o Brasil assiste a isso, numa boa. Se distrai
com polêmicas sobre “pibinho” ou “pibão”, repercute bravatas presidenciais
sopradas por marqueteiros, e não reage ao evidente aumento do custo de vida,
aos impostos mais altos do mundo que vêm acompanhados, paradoxalmente, por
recordes negativos de investimento público. A bandalheira fiscal é abençoada
por um silêncio continental. Nem a ditadura conseguiu esse milagre.
No auge da era da informação, o Brasil nunca foi tão
ignorante. Acha que as baixas taxas de desemprego - fruto de um ciclo virtuoso
propiciado pela organização macroeconômica - são obra de um governo com “sensibilidade
social”. Justamente o governo que está avacalhando a estabilização, estourando
a meta de inflação e matando a galinha dos ovos de ouro. Esse Brasil obtuso
acha que as classes C e D ascenderam ao consumo porque o que faltava, em 500
anos de história, era um governo bonzinho para inventar umas bolsas e
distribuir dinheiro de graça.
Esse mal-entendido pueril gera uma blindagem política
invencível. Os passageiros que assaram no Galeão e no Santos Dumont, no
vergonhoso colapso simultâneo de dezembro, são incapazes de relacionar seu
calvário ao caso Rosemary - a afilhada de Lula e Dilma que protagonizou o
escândalo da Anac, por acaso a agência responsável pela qualidade dos
aeroportos. O governo popular transforma as agências reguladoras em cabides
para os companheiros e centrais de negociatas, e o contribuinte sofre com a
infraestrutura depenada como se fosse uma catástrofe natural, um efeito do El
Niño. Novamente, nem os generais viveram tão imunes à crítica.
Com a longevidade do PT no Planalto, o assalto ao Estado vai
se sofisticando. A área econômica, que era indevassável à politicagem, hoje tem
a Secretaria do Tesouro devidamente aparelhada - um militante do partido com a
chave do cofre. E tome contabilidade criativa. Definitivamente, o Brasil não
aprendeu nada com a lição do mensalão. Os parasitas progressistas estão aí,
deitando e rolando (de tão gordos), rumo ao quarto mandato consecutivo. Não
contem para o “Financial Times”, mas a conta vai chegar.