Pode-se achar justa ou injusta a popularidade de Lula; bom ou mau o seu governo — ou, ainda, bom no curto prazo, razoável no médio e desastroso no longo —; certas ou erradas as suas escolhas. Nas democracias, as divergências fazem parte do jogo, e se combinam, então, as regras que vão regular o confronto das diferenças. Assim é se os atores aceitam os princípios da democracia chamada, nos bons compêndios, de “liberal”. Um “bom” governo não quer dizer, necessariamente, um governo popular; um governo popular não é necessariamente bom — ou teríamos de reverenciar totalitarismos do século passado. Onde a disputa democrática atinge padrões elevados de civilidade, o jogo não é de aniquilação do outro. Um governo tenta aniquilar o “outro”, o(s) adversário(s), quando recorre à máquina do estado para obter uma vantagem que, de outro modo, não existiria. Por que o populismo, já muito estudado, é perverso? Porque ele corrói as instituições em benefício do mandatário de turno, que tenta, então se eternizar.
Assistimos, nos dias correntes, a formas quando menos derivadas do populismo — e o governo Lula está obviamente entre elas. Daquele modelo, revela especialmente o uso ilimitado da máquina pública a serviço do governante — no caso, a serviço do partido. Embora Lula seja a grande figura da legenda, cumpre não esquecer o DNA entre leninista e fascista do PT. Voltarei a este tema outras vezes, especialmente para tratar de um livro fascinante que acaba de ser publicado no Brasil: “Fascismo de Esquerda” (Editora Record), de Jonah Goldberg, de que se falará bastante ainda, espero. A tentação autoritária se esconde, muitas vezes, em idéias que parecem até muito práticas e mansas. Submetidas as falas de sólidas reputações democráticas ao escrutínio dos direitos individuais, não é difícil encontrar, palpitante, a tentação totalitária. Mas isso fica para os dias vindouros. Voltemos a Lula.
Vamos supor que o seu governo realmente fosse tudo aquilo que ele diz e que seus, sei lá, 70% ou 80% de popularidade sugerem. Isso lhe confere o direito de violar a Lei Eleitoral, a exemplo do que fez nesta patética viagem aos rudimentos de obras do São Francisco? Isso lhe confere autoridade para atacar o Tribunal de Contas da União, atribuindo-lhe a responsabilidade pelo atraso de obras públicas, convidando-o, na prática, a desrespeitar as leis? Ora, o regime democrático tem seus rituais estabelecidos para mudar leis que não funcionam ou que são contraproducentes. Por que Lula não tentou mudá-las? O PSDB anuncia que entrará com uma representação; isso correrá lá pelos escaninhos do tribunal; alguém se lembrará de dizer que o que ele fez não caracterizou campanha porque o(a) candidato(a) do partido ainda não está definido etc. E tudo, muito provavelmente, dará em nada. Um tribunal que se especializou em cassar governadores — e instalar em seu lugar gente que não foi eleita — parece nada poder contra os abusos do presidente da República. Poder, ele pode. Mas, como diria Gregório de Matos, “não quer”.
Lula foi muito além do razoável e do aceitável ao levar Dilma Rousseff e Ciro Gomes (este já não conta nada, coitado!) à sua viagem, fazendo “comícios” (ele próprio usou a palavra) em canteiros de obras — atrasadas, diga-se, e não por culpa do TCU. Não vociferou contra adversários apenas entre tratores e escavadeiras. Usou amplamente a imprensa local para satanizá-los. Afirmou, por exemplo, de forma irônica, que não sabia que o tucano José Serra se preocupava com o Nordeste. Ora, é evidente que tudo aquilo se fazia com dinheiro público.
O governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), evidenciou que tem lá seus descontentamentos com Lula, mas errou feio ao afirmar que o presidente tem o direito de fazer o que fez. Não tem, não, governador! Para fazer o que ele fez, é preciso esperar o início da campanha, licenciar-se (se for fazer comício em dia útil) e viajar com recursos do seu partido. Não há, atenção!, uma só democracia do mundo que permita aquele espetáculo grotesco. Aécio reclamou, com razão, que as verbas alardeadas estão só no discurso. É verdade. E essa impostura tem de ser denunciada. Mas o uso da máquina pública é inaceitável.
Lula usa, assim, a sua popularidade para fragilizar os mecanismos de controle da sociedade sobre o estado quando deveria, obviamente, estar fazendo o contrário. Ele não aceita que seu governo seja olhado e examinado de fora. Não por acaso, os alvos dessa viagem foram a oposição, a Justiça, o TCU e a imprensa — todos com olhares distintos entre si, não-concertados, mas obviamente externos. E ele só aceita ser olhado (e admirado!) por seus subordinados políticos e morais. Isso significa uma visão autocrática da política.
Tal comportamento faz dele um político muito pouco generoso e revela um caso que pode ser perfeitamente interpretado na aula de Massinha I de psicologia. Observem que, dizendo-se ao lado do povo, ele está sempre em guerra contra inimigos imaginários, que resistiriam em reconhecer a sua obra; que lhe negariam méritos. Será mesmo?
Quem é que jamais reconhece qualidades num governante do passado?
Quem é que se coloca sempre como a força inaugural?
Há 15 longos anos, de maneira explícita, Lula se dedica, dia após dia, a atacar FHC. Na hipótese de que se possa ser petista e intelectualmente honesto, como deixar de reconhecer os méritos do antecessor? Lembro que, na propaganda que o próprio governo faz do país em revistas estrangeiras, exalta-se a estabilidade da economia dos últimos 15 anos. Quem fundou as bases?
Ocorre que o Lula que reage à suposta difamação de seu governo e até de sua figura é o mais eficaz, tenaz e permanente difamador da República. E foi, mais uma vez, esse lado que aflorou na sua viagem ao São Francisco, numa prévia lamentável do que ele pretende que seja a campanha eleitoral. Estava lá a vender uma porção de mentiras, a exemplo do seu pactóide? Estava. Como sempre. Como de hábito. Mas esse nem foi o aspecto mais detestável das suas intervenções.
O mais detestável é usar a sua popularidade para fraudar as regras do jogo democrático. E é bom que seus adoradores, especialmente aqueles que dependem de regras estáveis para tocar os seus negócios, fiquem atentos. O caso da Vale — parece haver um recuo; vamos ver se é só tático — revela que essa gente não tem compromisso com formalidades de nenhuma natureza. No delírio da popularidade, atropela os códigos. É de se pensar o que não faria em momentos de dificuldade. Ou alguém supõe que essa brutalidade tem seus alvos preferenciais e episódicos — Agnelli, Serra, o DEM etc —, mas não deriva de um método? Se pensar assim, estará oferecendo o próprio lombo a prêmio.
Lula passou das medidas. E tanto pior para a política e para as instituições se isso não ficar claro. Tanto pior porque Lula não tem receio de superar os marcos do próprio Lula. Ele já sabe conjugar o verbo “intervir”, mas seu superego continua analfabeto.
Assistimos, nos dias correntes, a formas quando menos derivadas do populismo — e o governo Lula está obviamente entre elas. Daquele modelo, revela especialmente o uso ilimitado da máquina pública a serviço do governante — no caso, a serviço do partido. Embora Lula seja a grande figura da legenda, cumpre não esquecer o DNA entre leninista e fascista do PT. Voltarei a este tema outras vezes, especialmente para tratar de um livro fascinante que acaba de ser publicado no Brasil: “Fascismo de Esquerda” (Editora Record), de Jonah Goldberg, de que se falará bastante ainda, espero. A tentação autoritária se esconde, muitas vezes, em idéias que parecem até muito práticas e mansas. Submetidas as falas de sólidas reputações democráticas ao escrutínio dos direitos individuais, não é difícil encontrar, palpitante, a tentação totalitária. Mas isso fica para os dias vindouros. Voltemos a Lula.
Vamos supor que o seu governo realmente fosse tudo aquilo que ele diz e que seus, sei lá, 70% ou 80% de popularidade sugerem. Isso lhe confere o direito de violar a Lei Eleitoral, a exemplo do que fez nesta patética viagem aos rudimentos de obras do São Francisco? Isso lhe confere autoridade para atacar o Tribunal de Contas da União, atribuindo-lhe a responsabilidade pelo atraso de obras públicas, convidando-o, na prática, a desrespeitar as leis? Ora, o regime democrático tem seus rituais estabelecidos para mudar leis que não funcionam ou que são contraproducentes. Por que Lula não tentou mudá-las? O PSDB anuncia que entrará com uma representação; isso correrá lá pelos escaninhos do tribunal; alguém se lembrará de dizer que o que ele fez não caracterizou campanha porque o(a) candidato(a) do partido ainda não está definido etc. E tudo, muito provavelmente, dará em nada. Um tribunal que se especializou em cassar governadores — e instalar em seu lugar gente que não foi eleita — parece nada poder contra os abusos do presidente da República. Poder, ele pode. Mas, como diria Gregório de Matos, “não quer”.
Lula foi muito além do razoável e do aceitável ao levar Dilma Rousseff e Ciro Gomes (este já não conta nada, coitado!) à sua viagem, fazendo “comícios” (ele próprio usou a palavra) em canteiros de obras — atrasadas, diga-se, e não por culpa do TCU. Não vociferou contra adversários apenas entre tratores e escavadeiras. Usou amplamente a imprensa local para satanizá-los. Afirmou, por exemplo, de forma irônica, que não sabia que o tucano José Serra se preocupava com o Nordeste. Ora, é evidente que tudo aquilo se fazia com dinheiro público.
O governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), evidenciou que tem lá seus descontentamentos com Lula, mas errou feio ao afirmar que o presidente tem o direito de fazer o que fez. Não tem, não, governador! Para fazer o que ele fez, é preciso esperar o início da campanha, licenciar-se (se for fazer comício em dia útil) e viajar com recursos do seu partido. Não há, atenção!, uma só democracia do mundo que permita aquele espetáculo grotesco. Aécio reclamou, com razão, que as verbas alardeadas estão só no discurso. É verdade. E essa impostura tem de ser denunciada. Mas o uso da máquina pública é inaceitável.
Lula usa, assim, a sua popularidade para fragilizar os mecanismos de controle da sociedade sobre o estado quando deveria, obviamente, estar fazendo o contrário. Ele não aceita que seu governo seja olhado e examinado de fora. Não por acaso, os alvos dessa viagem foram a oposição, a Justiça, o TCU e a imprensa — todos com olhares distintos entre si, não-concertados, mas obviamente externos. E ele só aceita ser olhado (e admirado!) por seus subordinados políticos e morais. Isso significa uma visão autocrática da política.
Tal comportamento faz dele um político muito pouco generoso e revela um caso que pode ser perfeitamente interpretado na aula de Massinha I de psicologia. Observem que, dizendo-se ao lado do povo, ele está sempre em guerra contra inimigos imaginários, que resistiriam em reconhecer a sua obra; que lhe negariam méritos. Será mesmo?
Quem é que jamais reconhece qualidades num governante do passado?
Quem é que se coloca sempre como a força inaugural?
Há 15 longos anos, de maneira explícita, Lula se dedica, dia após dia, a atacar FHC. Na hipótese de que se possa ser petista e intelectualmente honesto, como deixar de reconhecer os méritos do antecessor? Lembro que, na propaganda que o próprio governo faz do país em revistas estrangeiras, exalta-se a estabilidade da economia dos últimos 15 anos. Quem fundou as bases?
Ocorre que o Lula que reage à suposta difamação de seu governo e até de sua figura é o mais eficaz, tenaz e permanente difamador da República. E foi, mais uma vez, esse lado que aflorou na sua viagem ao São Francisco, numa prévia lamentável do que ele pretende que seja a campanha eleitoral. Estava lá a vender uma porção de mentiras, a exemplo do seu pactóide? Estava. Como sempre. Como de hábito. Mas esse nem foi o aspecto mais detestável das suas intervenções.
O mais detestável é usar a sua popularidade para fraudar as regras do jogo democrático. E é bom que seus adoradores, especialmente aqueles que dependem de regras estáveis para tocar os seus negócios, fiquem atentos. O caso da Vale — parece haver um recuo; vamos ver se é só tático — revela que essa gente não tem compromisso com formalidades de nenhuma natureza. No delírio da popularidade, atropela os códigos. É de se pensar o que não faria em momentos de dificuldade. Ou alguém supõe que essa brutalidade tem seus alvos preferenciais e episódicos — Agnelli, Serra, o DEM etc —, mas não deriva de um método? Se pensar assim, estará oferecendo o próprio lombo a prêmio.
Lula passou das medidas. E tanto pior para a política e para as instituições se isso não ficar claro. Tanto pior porque Lula não tem receio de superar os marcos do próprio Lula. Ele já sabe conjugar o verbo “intervir”, mas seu superego continua analfabeto.