Reportagem de Robson Bonin, com colaboração de Bela Megale,
publicada em edição impressa de VEJA
A MILIONÁRIA EQUIPE DE ROSE
Desempregada, a ex-chefe do escritório da Presidência da
República tem quase quarenta advogados a sua disposição. Especialistas estimam
que os honorários já beirem um milhão de dólares
Ao longo dos quase cinco anos em que comandou o escritório
da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha conheceu o céu e o
inferno. Ex-secretária do Sindicato dos Bancários de São Paulo, ela nunca foi
uma mulher de posses. Mas mudou radicalmente nos últimos tempos.
Com um salário de quase 12.000 reais, comprou dois apartamentos,
trocou de carro, criou uma empresa de construção civil e rodou o mundo em
incontáveis viagens, até ser apanhada surfando na crista da onda de uma
quadrilha que negociava facilidades no governo. Rosemary escapou da prisão por
um fio. Talvez estivesse no lugar certo, na hora errada. Talvez o contrário.
Um fato, porém, é indiscutível: ela conhece e tem acesso a
quem dá as ordens, conta com amigos influentes que se preocupam com seu
destino. Desde que foi flagrada traficando interesses no gabinete presidencial,
Rosemary vem sistematicamente conseguindo driblar os processos a que responde.
Para isso, a ex-secretária dispõe do apoio de três grandes bancas de advocacia
do país. Escritórios que têm em sua carteira de clientes banqueiros,
corporações, figurões da República, milionários dispostos a desembolsar o que
for preciso para assegurar a melhor defesa que o dinheiro pode comprar.
Rosemary, apesar do perfil diferenciado, faz parte desse privilegiado rol de
cidadãos.
Desde que a polícia fez uma busca em seu escritório e colheu
provas contundentes de que a ex-secretária levava uma vida de majestade, ela
cercou-se de um batalhão de quase quarenta advogados para defendê-la. São
profissionais que, de tão requisitados, calculam seus honorários em dólares americanos,
mas que, nesse caso, não informam quanto estão cobrando pela causa, muito menos
quem está pagando a conta.
Acostumado a cuidar dos interesses de empresários como o
bilionário Eike Batista, o criminalista Celso Vilardi defende Rosemary na
esfera penal. Já no processo disciplinar em andamento na Controladoria-Geral da
União (CGU), atuam dois pesos-pesados do direito público, que têm entre seus
clientes banqueiros e megacompanhias como a Vale.
Que os pecados de Rosemary encarnam o que há de pior nas
ratoeiras da máquina pública, sobram evidências a comprovar. Ela já foi
indiciada por formação de quadrilha, tráfico de influência, corrupção passiva,
e também acabou processada pelo próprio governo, após uma sindicância da Casa Civil
rastrear indícios de enriquecimento ilícito nas suas traficâncias. Mas, graças
a sua estrelada banca de defensores, nada disso, por enquanto, resultou em
aborrecimentos.
Juristas de renome nacional ouvidos por VEJA explicam que os
honorários advocatícios costumam ser calculados a partir de uma conjunção de
fatores. O poder econômico, a complexidade da causa, a influência do cliente e
a repercussão de uma condenação, com implicações a terceiros, por exemplo, são
alguns determinantes do preço final. “Se o cliente não é rico e a condenação se
esgota nele, pedimos um preço. Mas, se o caso envolve algum endinheirado ou
respinga em gente poderosa, a coisa muda de figura e a conta vai lá para cima”,
explica um requisitado advogado que atua em Brasília, que conhece detalhes do
caso da ex-secretária.
Seguindo essa lógica de precificação, portanto, o caso
Rosemary reúne todos os ingredientes capazes de lançar às alturas a fatura de
honorários. Nas estimativas mais conservadoras de especialistas, uma estrutura
semelhante não assinaria uma única petição por menos de 1 milhão de dólares. Se
for algo que se aproxime disso, a única certeza é que não é Rosemary que paga
seus advogados.
Em depoimento à Polícia Federal no ano passado, a
ex-secretária deixou clara sua condição financeira. Declarou possuir um carro
usado e dois apartamentos comprados por um total de 370.000 reais. Também disse
que tinha como fonte de renda apenas o salário de 12.000 reais da Presidência
da República. Perguntada sobre como a família sobreviveria, caso fosse
condenada, foi realista: “Não sabe”.
Depois disso, Rosemary foi demitida e sua única fonte de
renda, cortada. Há outras duas hipóteses que podem explicar como a ex-chefe do
escritório da Presidência da República consegue manter a banca de advogados.
Bem relacionada, seria sensato imaginar que os honorários
são pagos por algum amigo gentil e endinheirado. Pode-se ainda supor que os
advogados tenham cobrado um preço simbólico em nome da amizade que têm com
figuras importantes próximas a ela. Um dos amigos ainda presentes na vida da
ex-secretária é o próprio ex-presidente Lula, a quem ela costumava chamar
apenas de “Luiz Inácio” e “chefe”.
Até hoje, para as conversas que são realmente importantes,
Rose, como é chamada pelos colegas mais íntimos, mantém canal direto e seguro
com o ex-presidente. Já para necessidades mundanas do dia a dia, ela costuma
sacar o celular e telefonar para o “P.O.”, como prefere se referir a Paulo
Okamotto, braço-direito e faz-tudo de Lula no instituto que leva seu nome.
P.O. tem ajudado a resolver as emergências financeiras e a
conter crises. Crises graves, como uma vez em que a ex-secretária reclamou da
falta de apoio e ameaçou contar detalhes de tudo o que viu e ouviu em mais de
uma década nos bastidores do Planalto. Talvez esteja aí a explicação para o voluntarismo
da banca disponibilizada para defender Rosemary Noronha.
A estratégia jurídica é responsabilidade do advogado Luiz
Bueno de Aguiar, amigo e defensor de petistas importantes. Foi ele quem
selecionou os advogados e é ele quem mantém a cúpula petista informada de tudo
o que se passa no caso. Rose, além de militante do PT, é amiga íntima do
ex-ministro José Dirceu, com quem costumava se encontrar com frequência antes
do escândalo.
Bueno entrou na defesa de Rose já no dia em que os agentes
da Polícia Federal bateram na porta dela. Nada acontece sem a aprovação dele,
que, quase sempre, reflete o desejo das “instâncias superiores” do partido. Para
se ter uma ideia do grau de influência, no começo do ano Rose ameaçou surtar
ante a falta de autonomia na defesa. Sentindo-se traída pelos companheiros de
PT e temendo ser condenada na sindicância da CGU, ela quis implodir a
estratégia determinada por Bueno.
Como prova de que não blefava, arrolou para testemunhar no
processo o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, e a
ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, ex-braço-direito de Dilma Rousseff. A
reação de Rose foi resultado da desconfiança que nutria em relação ao
engajamento partidário dos seus advogados.
Segundo confidenciou a pessoas próximas, ela temia estar
sendo usada para livrar a imagem do governo de constrangimentos do escândalo de
corrupção. Rose contou a amigos que, em dado momento, os advogados tentaram
orientá-la a simular um estado de insanidade mental. A ideia era que ela
assumisse a culpa pelos crimes. Ao alegar problemas de saúde, poderia ser
considerada incapaz de responder pelos seus atos e, portanto, seria considerada
inimputável.
A ex-secretária, porém, foi advertida por pessoas próximas
sobre uma possibilidade a ser considerada: como em todo caso de insanidade, ela
cairia em total descrédito. Ato contínuo, como todo desequilibrado, ninguém
acharia estranho se Rose cometesse suicídio, disselhe um amigo. Foi quando ela
decidiu ameaçar revelar tudo o que sabia. A partir daí, houve a mobilização dos
três grandes escritórios, e quase quarenta advogados receberam procuração para
defendê-la.
Procurado, Luiz Bueno admite ter indicado os escritórios,
diz que ainda hoje opina na defesa, mas o faz na condição de “amigo”: “Não
tenho nenhuma influência no trabalho deles. Eles me consultam. Nunca recebi um
tostão para defender a Rose”. Bueno, ao que parece, é o único voluntário no
caso.
O advogado Sérgio Renault, dono de uma carteira de clientes
ue inclui o mensaleiro Delúbio Soares e a ex-ministra Erenice Guerra, informou
que foi a própria Rose que o contratou, mas, “em virtude de sigilo
profissional”, não comentaria honorários nem os termos da contratação. Celso
Vilardi confirma que assumiu o caso por indicação de Luiz Bueno, “a quem
conhece há mais de vinte anos”, e que todos os custos de honorários são pagos por Rose: “Ela arca com
os honorários. Os comprovantes dos pagamentos efetuados foram devidamente
registrados e declarados na forma da lei”.
Já Fábio Medina se recusou a dar qualquer informação. “Nossa
relação com Rosemary Noronha e com a empresa New Talent, que atualmente
representamos, é acobertada por sigilo advogado-cliente. Entendemos indevida
qualquer tentativa de ingerência nessa seara”, informou o escritório em nota.
Os advogados de Rose também têm procuração para atuar na defesa do atual e do
ex-marido dela, além de sua filha - trabalho extra que, em situações normais,
elevaria ainda mais o valor da fatura.
Rosemary Noronha, porém, não parece mais preocupada. Nas
últimas semanas, ela vem se dedicando a redecorar o próprio apartamento em São
Paulo - investimento, segundo pessoas próximas, de parcos 20.000 reais.