terça-feira, 22 de outubro de 2013

Veja: Desempregada, Rosemary Noronha, a amiga do peito e de outras coisas de Lula, consegue manter um batalhão de 40 advogados para defendê-la na Justiça.

Reportagem de Robson Bonin, com colaboração de Bela Megale, publicada em edição impressa de VEJA

A MILIONÁRIA EQUIPE DE ROSE
Desempregada, a ex-chefe do escritório da Presidência da República tem quase quarenta advogados a sua disposição. Especialistas estimam que os honorários já beirem um milhão de dólares

Ao longo dos quase cinco anos em que comandou o escritório da Presidência da República em São Paulo, Rosemary Noronha conheceu o céu e o inferno. Ex-secretária do Sindicato dos Bancários de São Paulo, ela nunca foi uma mulher de posses. Mas mudou radicalmente nos últimos tempos.

Com um salário de quase 12.000 reais, comprou dois apartamentos, trocou de carro, criou uma empresa de construção civil e rodou o mundo em incontáveis viagens, até ser apanhada surfando na crista da onda de uma quadrilha que negociava facilidades no governo. Rosemary escapou da prisão por um fio. Talvez estivesse no lugar certo, na hora errada. Talvez o contrário.

Um fato, porém, é indiscutível: ela conhece e tem acesso a quem dá as ordens, conta com amigos influentes que se preocupam com seu destino. Desde que foi flagrada traficando interesses no gabinete presidencial, Rosemary vem sistematicamente conseguindo driblar os processos a que responde. Para isso, a ex-secretária dispõe do apoio de três grandes bancas de advocacia do país. Escritórios que têm em sua carteira de clientes banqueiros, corporações, figurões da República, milionários dispostos a desembolsar o que for preciso para assegurar a melhor defesa que o dinheiro pode comprar. Rosemary, apesar do perfil diferenciado, faz parte desse privilegiado rol de cidadãos.

Desde que a polícia fez uma busca em seu escritório e colheu provas contundentes de que a ex-secretária levava uma vida de majestade, ela cercou-se de um batalhão de quase quarenta advogados para defendê-la. São profissionais que, de tão requisitados, calculam seus honorários em dólares americanos, mas que, nesse caso, não informam quanto estão cobrando pela causa, muito menos quem está pagando a conta.

Acostumado a cuidar dos interesses de empresários como o bilionário Eike Batista, o criminalista Celso Vilardi defende Rosemary na esfera penal. Já no processo disciplinar em andamento na Controladoria-Geral da União (CGU), atuam dois pesos-pesados do direito público, que têm entre seus clientes banqueiros e megacompanhias como a Vale.

Que os pecados de Rosemary encarnam o que há de pior nas ratoeiras da máquina pública, sobram evidências a comprovar. Ela já foi indiciada por formação de quadrilha, tráfico de influência, corrupção passiva, e também acabou processada pelo próprio governo, após uma sindicância da Casa Civil rastrear indícios de enriquecimento ilícito nas suas traficâncias. Mas, graças a sua estrelada banca de defensores, nada disso, por enquanto, resultou em aborrecimentos.

Juristas de renome nacional ouvidos por VEJA explicam que os honorários advocatícios costumam ser calculados a partir de uma conjunção de fatores. O poder econômico, a complexidade da causa, a influência do cliente e a repercussão de uma condenação, com implicações a terceiros, por exemplo, são alguns determinantes do preço final. “Se o cliente não é rico e a condenação se esgota nele, pedimos um preço. Mas, se o caso envolve algum endinheirado ou respinga em gente poderosa, a coisa muda de figura e a conta vai lá para cima”, explica um requisitado advogado que atua em Brasília, que conhece detalhes do caso da ex-secretária.

Seguindo essa lógica de precificação, portanto, o caso Rosemary reúne todos os ingredientes capazes de lançar às alturas a fatura de honorários. Nas estimativas mais conservadoras de especialistas, uma estrutura semelhante não assinaria uma única petição por menos de 1 milhão de dólares. Se for algo que se aproxime disso, a única certeza é que não é Rosemary que paga seus advogados.

Em depoimento à Polícia Federal no ano passado, a ex-secretária deixou clara sua condição financeira. Declarou possuir um carro usado e dois apartamentos comprados por um total de 370.000 reais. Também disse que tinha como fonte de renda apenas o salário de 12.000 reais da Presidência da República. Perguntada sobre como a família sobreviveria, caso fosse condenada, foi realista: “Não sabe”.

Depois disso, Rosemary foi demitida e sua única fonte de renda, cortada. Há outras duas hipóteses que podem explicar como a ex-chefe do escritório da Presidência da República consegue manter a banca de advogados.

Bem relacionada, seria sensato imaginar que os honorários são pagos por algum amigo gentil e endinheirado. Pode-se ainda supor que os advogados tenham cobrado um preço simbólico em nome da amizade que têm com figuras importantes próximas a ela. Um dos amigos ainda presentes na vida da ex-secretária é o próprio ex-presidente Lula, a quem ela costumava chamar apenas de “Luiz Inácio” e “chefe”.

Até hoje, para as conversas que são realmente importantes, Rose, como é chamada pelos colegas mais íntimos, mantém canal direto e seguro com o ex-presidente. Já para necessidades mundanas do dia a dia, ela costuma sacar o celular e telefonar para o “P.O.”, como prefere se referir a Paulo Okamotto, braço-direito e faz-tudo de Lula no instituto que leva seu nome.

P.O. tem ajudado a resolver as emergências financeiras e a conter crises. Crises graves, como uma vez em que a ex-secretária reclamou da falta de apoio e ameaçou contar detalhes de tudo o que viu e ouviu em mais de uma década nos bastidores do Planalto. Talvez esteja aí a explicação para o voluntarismo da banca disponibilizada para defender Rosemary Noronha.

A estratégia jurídica é responsabilidade do advogado Luiz Bueno de Aguiar, amigo e defensor de petistas importantes. Foi ele quem selecionou os advogados e é ele quem mantém a cúpula petista informada de tudo o que se passa no caso. Rose, além de militante do PT, é amiga íntima do ex-ministro José Dirceu, com quem costumava se encontrar com frequência antes do escândalo.

Bueno entrou na defesa de Rose já no dia em que os agentes da Polícia Federal bateram na porta dela. Nada acontece sem a aprovação dele, que, quase sempre, reflete o desejo das “instâncias superiores” do partido. Para se ter uma ideia do grau de influência, no começo do ano Rose ameaçou surtar ante a falta de autonomia na defesa. Sentindo-se traída pelos companheiros de PT e temendo ser condenada na sindicância da CGU, ela quis implodir a estratégia determinada por Bueno.

Como prova de que não blefava, arrolou para testemunhar no processo o ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, e a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, ex-braço-direito de Dilma Rousseff. A reação de Rose foi resultado da desconfiança que nutria em relação ao engajamento partidário dos seus advogados.

Segundo confidenciou a pessoas próximas, ela temia estar sendo usada para livrar a imagem do governo de constrangimentos do escândalo de corrupção. Rose contou a amigos que, em dado momento, os advogados tentaram orientá-la a simular um estado de insanidade mental. A ideia era que ela assumisse a culpa pelos crimes. Ao alegar problemas de saúde, poderia ser considerada incapaz de responder pelos seus atos e, portanto, seria considerada inimputável.

A ex-secretária, porém, foi advertida por pessoas próximas sobre uma possibilidade a ser considerada: como em todo caso de insanidade, ela cairia em total descrédito. Ato contínuo, como todo desequilibrado, ninguém acharia estranho se Rose cometesse suicídio, disselhe um amigo. Foi quando ela decidiu ameaçar revelar tudo o que sabia. A partir daí, houve a mobilização dos três grandes escritórios, e quase quarenta advogados receberam procuração para defendê-la.

Procurado, Luiz Bueno admite ter indicado os escritórios, diz que ainda hoje opina na defesa, mas o faz na condição de “amigo”: “Não tenho nenhuma influência no trabalho deles. Eles me consultam. Nunca recebi um tostão para defender a Rose”. Bueno, ao que parece, é o único voluntário no caso.

O advogado Sérgio Renault, dono de uma carteira de clientes ue inclui o mensaleiro Delúbio Soares e a ex-ministra Erenice Guerra, informou que foi a própria Rose que o contratou, mas, “em virtude de sigilo profissional”, não comentaria honorários nem os termos da contratação. Celso Vilardi confirma que assumiu o caso por indicação de Luiz Bueno, “a quem conhece há mais de vinte anos”, e que todos os custos de  honorários são pagos por Rose: “Ela arca com os honorários. Os comprovantes dos pagamentos efetuados foram devidamente registrados e declarados na forma da lei”.

Já Fábio Medina se recusou a dar qualquer informação. “Nossa relação com Rosemary Noronha e com a empresa New Talent, que atualmente representamos, é acobertada por sigilo advogado-cliente. Entendemos indevida qualquer tentativa de ingerência nessa seara”, informou o escritório em nota. Os advogados de Rose também têm procuração para atuar na defesa do atual e do ex-marido dela, além de sua filha - trabalho extra que, em situações normais, elevaria ainda mais o valor da fatura.


Rosemary Noronha, porém, não parece mais preocupada. Nas últimas semanas, ela vem se dedicando a redecorar o próprio apartamento em São Paulo - investimento, segundo pessoas próximas, de parcos 20.000 reais.