O PT é o esteio de um sistema hostil ao interesse público: a
concha que protege a elite patrimonialista
Visitei Praga em 1989, às vésperas da Revolução de Veludo.
Naquela cidade, “comunista” era estigma. No Brasil, a ditadura militar definiu
a palavra “direita”. “O cara é de direita.” Impossibilitado de internar
dissidentes em instituições psiquiátricas, o lulopetismo almeja isolá-los num
campo de concentração virtual. No processo, devasta o sentido histórico dos
termos até virá-los pelo avesso: eles é que são “de direita”; eu sou “de
esquerda”.
Eles financiaram com dinheiro público a bolha Eike Batista.
Na fogueira do Império X, queimam-se US$ 5,2 bilhões do povo brasileiro. “O
BNDES para os altos empresários; o mercado para os demais”: eis o estandarte do
capitalismo de Estado lulopetista. Anteontem, Lula elogiou o “planejamento de
longo prazo” de Geisel; ontem, sentou-se no helicóptero de Eike para articular
um expediente de salvamento do megaempresário de estimação. O lobista do
capital espectral é “de direita”; eu, não.
Eles são fetichistas: adoram estatais de energia e
telecomunicações, chaves mágicas do castelo das altas finanças. Mas não
contemplam a hipótese de criar empresas públicas destinadas a prestar serviços
essenciais à população. Na França, os transportes coletivos, que funcionam, são
controlados pelo Estado. Eu defendo esse modelo para setores intrinsecamente
não-concorrenciais. O Partido prefere reiterar a tradição política brasileira,
cobrando de empresários de ônibus o pedágio das contribuições eleitorais para
perpetuar concessões com lucros garantidos. “De esquerda”? Esse sou eu, não
eles.
Eles são corporativistas. No governo, modernizaram a CLT
varguista, um híbrido do salazarismo com o fascismo italiano, para integrar as
centrais sindicais ao aparato do sindicalismo estatal. Eles são
restauracionistas. Na década do lulismo, inflaram com seu sopro os cadáveres
políticos de Sarney, Calheiros, Collor e Maluf, oferecendo-lhes uma segunda
vida. O PT converteu-se no esteio de um sistema político hostil ao interesse
público: a concha que protege uma elite patrimonialista. “De direita”? Isso são
eles.
Eles são racialistas; a esquerda é universalista. O chão
histórico do pensamento de esquerda está forrado pelo princípio da igualdade
perante a lei, a fonte filosófica das lutas populares que universalizaram os
direitos políticos e sociais no Ocidente. Na contramão dessa herança, o
lulopetismo replicou no Brasil as políticas de preferências raciais
introduzidas nos EUA pelo governo Nixon. Inscrevendo a raça na lei, eles
desenham, todos os anos, nas inscrições para o Enem, uma fronteira racial que
atravessa as classes de aula das escolas públicas. Esses plagiários são o
túmulo da esquerda.
Eles são atavicamente conservadores. Os programas de
transferência de renda implantados no Brasil por FHC e expandidos por Lula têm
raízes intelectuais nas estratégias de combate à pobreza formuladas pelo Banco
Mundial. Na concepção de FHC, eram compressas civilizatórias temporárias
aplicadas sobre as feridas de um sistema econômico excludente. Nos discursos de
Lula, saltaram da condição de “bolsa-esmola” à de redenção histórica dos
pobres. Quando os manifestantes das “jornadas de junho” pronunciaram as
palavras “saúde” e “educação”, o Partido orwelliano sacou o carimbo usual,
rotulando-os como “de direita”. Eles destroem a linguagem política para
esvaziar a praça do debate público. Mas, apesar deles, não desapareceu a
diferença entre “esquerda” e “direita” --e eles são “de direita”.
“Esquerda”? O lulopetismo calunia a esquerda democrática
enquanto celebra a ditadura cubana. Fidel Castro colou a Ordem José Martí no
peito de Leonid Brejnev, Nicolau Ceausescu, Robert Mugabe e Erich Honecker,
entre outros tiranos nefastos. Da esquerda, eles conservam apenas uma renitente
nostalgia do stalinismo. Sorte deles que Praga é tão longe daqui.