Se não estivessem ainda ressabiados com as manifestações de
rua que escancararam a indignação do Brasil que começou a despertar, os donos
do poder teriam incluído no balaio de espertezas disfarçado de “reforma
política” o aperfeiçoamento do sistema de escolha do presidente da República:
as urnas eletrônicas seriam substituídas pelos institutos de pesquisa e o voto
pela intenção de voto. Tal mudança garantiria a vitória do candidato do PT,
sempre no primeiro turno, em todas as disputas presidenciais.
Caso fosse adotada desde o começo deste século, a nova
fórmula teria poupado Lula das canseiras do segundo turno em 2002, em 2006 e em
2010, quando conseguiu um terceiro mandato com o nome de Dilma Rousseff. E a
afilhada do chefe supremo seria dispensada neste sábado de concorrer ao troféu
Miss Simpatia do Planalto com a “fase dos grandes beijos”. Está liberada para
retomar a rotina dos pitos e chiliques, avisam os resultados da pesquisa
Datafolhaque, neste outubro de 2013, autorizou a seita lulopetista a comemorar
o triunfo de Dilma em outubro de 2014. No primeiro turno, como sempre.
Só crédulos profissionais podem enxergar revelações que
antecipam o futuro no cortejo de porcentagens promovido com um ano de
antecedência por gente que erra feio até em véspera da eleição. Em 3 de outubro
de 2006, por exemplo, quando a votação de verdade começou, Geraldo Alckmin já
fora goleado por Lula por 49% a 30% no Ibope e por 49% a 35% no Datafolha.
Encerrada a apuração oficial, pitonisas sem rumo saíram à caça de álibis para explicar
os 41% alcançados pelo candidato do PSDB — muitos pontos percentuais e alguns
milhões de votos acima do que haviam previsto.
Não encontraram álibi nenhum. Nem pediram desculpas.
Tampouco providenciaram justificativas palatáveis quatro anos depois, quando o
Vox Populi e o Sensus se juntaram ao Datafolha e ao Ibope para a consumação do
duplo assassinato estatístico. O tucano José Serra chegou ao dia da eleição
resfolegando na ladeira que ia dos 25,6% no Sensus aos 28% no Datafolha. Marina
Silva, do Partido Verde, patinava entre os 12% do Vox Populi e os 14% do
Datafolha. Flutuando nas cercanias dos 50%, Dilma acordou em 3 de outubro de
2010 sonhando com o terninho da posse. Soube à noite que os 46,9% do total de
votos válidos eram insuficientes para superar a soma dos 32,6% de Serra (sete
pontos acima da última profecia do Vox Populi) e dos 19,3% de Marina.
Contra Aécio e Campos, Dilma venceria no primeiro turno,
reincidiu neste sábado a manchete da edição da Folha que publicou a mais
recente pesquisa sobre a sucessáo de 2014. O espaço principal poderia ter
registrado o declínio da colecionadora de recordes de popularidade que, ainda
há pouco, . surfava em altitudes superiores a 70%. Também poderia ter destacado
o crescimento dos concorrentes. Preferiu anunciar a reeleição no primeiro
turno.
Feitas em sequência, pesquisas honestas ajudam a esboçar
retratos de determinados momentos e desenham curvas que permitem identificar
tendências. Só isso. O último levantamento do Datafolha, além de sujeito aos
desvios e distorções de praxe, é o primeiro produzido depois da recentíssima
aliança entre Eduardo Campos e Marina Silva. A campanha ainda está nos
trabalhos de parto. Oficialmente, não existem sequer candidatos. A presidente
está pendurada em palanques desde 2007, mas os candidatos da oposição nem
completaram a fase de aquecimento.
Lula e Dilma nunca enfrentaram adversários que falassem e
agissem como oposicionistas de verdade. Jamais duelaram com gente decidida a
exonerar-se da cautela que é o outro nome do medo, pronta para combater com
bravura e trocar os cuidados defensivos pelo ataque audacioso. Desta vez terá
de ser diferente. Milhões de brasileiros estão fartos de escolher por exclusão
e votar no menos pior. Querem eleger alguém que exponha sem rodeios nem firulas
os estragos causados por 11 anos de hegemonia lulopetista.
Na campanha de 2010, o padrinho e a afilhada mentiram
impunemente. Festejaram sem revides o Brasil Maravilha que as manifestações de
junho sepultaram em cova rasa. Gabaram-se de feitos alheios, celebraram
colossos administrativos que nunca desceram dos palanques, promoveram-se a
domadores da inflação que vai ganhando musculatura, viajaram no trem-bala,
banharam-se nos barris do pré-sal, rebaixaram a invencionice da elite golpista
o mensalão que vai dar cadeia. Fizeram o
diabo, como Dilma confessou.
Passados três anos, está claro que o país que votou na
ministra que tudo sabia e de tudo entendia elegeu uma mulher que não consegue
dizer coisa com coisa (e, se conseguisse, nada diria de aproveitável). Quem
votou na durona que não tolerava corruptos contratou a única faxineira do mundo
que adora lixo. Quem acreditou na superexecutiva de impressionar executivo
alemã acabou entregando o país a uma assombrosa mediocridade. Sabem disso as
multidões que saíram as ruas no fim do primeiro semestre.
Por enquanto, nenhum dos oposicionistas apontou publicamente
a nudez do reizinho gabola e da rainha tatibitate. Só quem for suficientemente
corajoso para desmascarar os embusteiros conseguirá derrotar todos os
concorrentes (e todos os institutos de pesquisa). Só alguém assim merecerá a
Presidência da República.