SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte I
(Uma tentativa de entender o livro, o autor, e o país em que
nasceu um e foi publicado o outro)
Leitor, mais uma vez fui enganado. E enganado em literatura,
por gente da melhor qualidade pra julgar literatura, como João Gaspar Simões,
Jorge Amado, Carlos Castello Branco, Josué Montello, Luci Teixeira, Antônio
Alçada Baptista, Lago Burnett. E last but not least, pelo mais preparado de
todos pra tarefa específica (estudou em Heidelberg), o crítico literário Leo
Gilson que, em 66, me levou para a honrosa propaganda da Olivetti, de onde
fomos afastados, Deus do céu!, por suspeitos de comunismo.
Fui enganado por todos esses luminares do pensamento. Da
literatura de Sir Ney me afirmaram, em escritos de fé: “Uma nova vertente na
literatura Norte-Nordeste”- Carlos Castelo Branco. “Grande escritor”- Josué
Montello. “O processo ficcional de repente se faz em correlações onde pequenos
binários de ação se sintonizam por força da mesma tenção significadora” Luci
Teixeira. “Lamentar o prejuízo que a literatura de expressão portuguesa tem
vindo a sofrer pelo fato de José Sarney se lhe não dedicar o tempo inteiro”-
Alçada Baptista. “José Sarney é um escritor político no amplo sentido em que
atinge a abrangência aristotélica”- Lago Burnett. “O regionalismo que ele
renova com a sua paisagem humana, sua poesia, sua afinidade com a ingenuidade,
a pureza e a graça maliciosa do povo maranhense, mosaico do povo brasileiro”-
Leo Gilson Ribeiro.
Todos me enganando. Só fui desconfiar, apavorado com o
complô, na primeira vez em que ouvi Sir Ney usar o apelativo rastaquera, “Brasileiras
e brasileiros”, fazendo média contraproducente (por ridícula) com o feminismo.
E percebi, também, que ele era incapaz de construir uma frase, quanto mais um
período, e nem falar de um discurso lógico. Por isso fui reler o Brejal dos
Guajas com mais atenção. Fiquei estarrecido. Não se pode confiar o destino de
um povo, sobretudo neste momento especialmente difícil, a um homem que escreve
isso. Não tendo no cérebro os dois bits mínimos para orientá-lo na concordância
entre sujeito e verbo, entre frase e frase, entre idéia e idéia, como exigir
dele um programa de governo coerente pelo menos por 24 horas?
Não escrevi imediatamente sobre o livro por uma questão
de... piedade. Mas agora, depois da jogada de gigantesca corrupção em que, como
medíocre ditador, troca esperança de 140 milhões de brasileiras e brasileiros
por mais um ano de sua gloríola regada a jerimum, começo uma pequena análise
dessa ópera de 50 páginas. Esclareço logo que não se trata de um caso de má, ou
até mesmo péssima, literatura, de uma opinião malévola ou discutível. Em
qualquer país civilizado Brejal dos Guajas seria motivos para impeachment.
SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte II
As opiniões divergem. Alguns brilhantes e cultos
intelectuais, como os já citados aqui, afirmam, audaciosamente, que Brejal dos
Guajas é um livro. Eu garanto que não. É uma anedotinha “socialzinha” tolinha
(já contada mais de um milhão de vezes) da briguinha de dois coroneizinhos de
uma cidadezinha perdidinha no interiorzinho do Maranhão. O autor deve ter lido
umas 20 páginas de Jorge Amado (Marli, que socialismo!) e umas cinco de
Guimarães Rosa (Zezinho,que linguagem! E que difícil, Murilo!) e isso, claro,
lhe causou uma indigestão na cabeça. Reacionário desde sempre, deve ter achado
fascinante e lucrativo ser um escritor do povo. Sem jamais ter entendido a
realidade em volta, naturalmente fundiu diante do realismo mágico. Incapaz de
juntar sujeito e predicado em português escolar, se perdeu na aventura da
linguagem que é Guimarães Rosa - e até hoje não encontrou a volta.
A istória do Brejal não se sustenta no todo ou em partes. No
todo, porque tem um “enredo” sem a mais mínima consistência, a tentativa
poética é lamentável, a de filosofia ridícula. Em partes porque, no livro,
praticamente, não tem uma frase que não seja errada em si mesma ou incoerente
em relação a outras mais adiante ou mais pra trás. E, perto da estrutura dos
personagens do Brejal, os personagens da Praça da Alegria, da televisão, são
obras-primas de criação psicológica, heróis do Guerra e Paz.
Brejal dos Guajas só pode ser considerado um livro porque,
na definição da Unesco, livro “é uma publicação impressa não periódica com um
mínimo de 49 páginas”. O Brejal tem 50. Materialmente, Sir Ney salvou-se por
uma página. Contam os íntimos que o “escritor” , depois de vinte anos de
esforço, bateu o ponto final na página 50 e gritou, aliviado, pra dona Kyola: “Maiê,
acabei!”
SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte III
Descoordenado motor (incapaz de se agachar e tirar a
etiqueta de um sapato), Sir Ney é mais descoordenado como pensador. Brejal é o
livro de um autista.
Há solecismos em penca, as idéias nunca se completam e
sempre se contradizem. A cidade, que não tem escola, tem professora e alunos,
não tendo telégrafo transmite telegramas, não possuindo edifícios públicos tem
prefeitura, câmara de vereadores, juizados de casamento, dois cartórios,
ostenta uma força policial de pelo menos 12 homens (relativamente, o Rio teria
que ter uma força policial de quase meio milhão de policiais), é dominada por
dois primos por pais diferentes (!!!!), “ricos e poderosos”, e, tendo só duas
ruas (quase uma impossibilidade urbanística; eu sei como desenhar uma cidade de
duas ruas, Ele não sabe), tem duas orquestras (ele quer dizer bandas), e
comporta ainda mercado, lojas, igrejas matriz, etc. O verdadeiro milagre
brasileiro! Tem mais, essas duas espantosas ruas de 120 casas (com o que Sir
Ney quer significar um vilarejo perdido do mundo ), por meus cálculos
matemáticos irrefutáveis, abrigam uma população de 15. 272 pessoas, o que faz
do Brejal, em 1945, época da istória, talvez a maior cidade maranhense, depois
de São Luís.
Ou isso é o mais maravilhoso realismo mágico de que eu jamais
tive notícia, obra esfuziante de um gênio que só vai ser compreendido daqui a
séculos, ou estamos diante da mais espantosa incapacidade de expressão da
literatura universal.
SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte IV
Fascinado, continuarei a demostrar que Brejal dos Guajas é
obra sem similar na literatura de todos os tempos. Só um gênio conseguiria
fazer um livro errado da primeira à última frase. Espero que meus modestos
comentários alertem os amigos do vosso Presidente, como o governador José Aparecido
de Oliveira, pra que lutem a fim de que a Unesco transforme esse livro num
patrimônio da humanidade. Depois dos artigos de caráter geral, começo hoje a
analisar frase por frase dessa catedral do avesso do pensamento humano. Tendo o
livro cinqüentas (para usar a concordância do autor ) páginas de 36 linhas,
estaremos juntos aqui durante cinco anos (epa! ). Sei que vão me considerar
mais um puxa-saco, mas isso não me impedirá de divulgar tão gigantesca
efeméride (literatura é efeméride?). Comecemos pelo título, Brejal dos Guajas.
É espantoso que, maranhense, o homem não saiba a acentuação tônica (é tônica,
pois não? ) desse gentílico. Não é Guajas. É oxítono, Guajás.
Na página 22, o autor se aprofunda, explicando o Brejal: “Chamado
dos Guajás, porque ficava próximo à aldeia dos Guajajaras, hoje longes (sic),
perdidos, mortos e domados”. O cós não tem nada a ver com as calças: Guajás e
Guajajaras (*) são duas tribos diferentes (ambas do Maranhão), a primeira ainda
nômade, com alguns elementos com os quais não se conseguiu contato, e a segunda
normalmente sedentária. As duas tribos até que, até hoje, se estranham. A frase
de Sarney equivale a: “Chamados de brasileiros porque ficavam próximo à aldeia
dos argentinos”. Sem falar que os Guajajaras não estão “longes (sic), perdidos,
mortos e domados”. Reduzidos a uns 800 na década de 40, são hoje
aproximadamente 6 mil. Uma grande tribo. E não vão votar no Sir Ney, porque não
gostam de ser chamado de Guajás, e nem mesmo de Guajajaras, mas de Tenetearas.
Guajas não sabem o que é. Nem querem saber.
(*) Em matéria de guajas, guajás, guajajaras e tenetearas,
meus agradecimentos ao antropólogo Carlos Alberto Ricardo - Beto)
SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte V
Comento hoje a 1ª. linha do livro : “O caminho do Brejal era
longe”.
Como o caminho do Brejal era longe? O autor esta querendo
mostrar o isolamento da cidade, um mundo perdido, pobre, abandonado, com apenas
duas ruas ( mais tarde provarei que era a maior cidade do maranhão, depois da
capital ); portanto, Brejal seria “longe de todos os caminhos”. Quando o autor
diz que “O caminho do Brejal era longe”, como garante que é o caminho do
Brejal? Sendo longe do Brejal, o caminho, em última análise, não é do Brejal.
Vai ver é de Pirapora, Cascadura, Nova Zelândia, sei lá. Uma coisa, Sir Ney, o
caminho de um lugar é sempre perto desse lugar, a partir de. Pode ate não ir
longe, mas é perto. Se, porém, o autor assume um ponto de vista exterior em
relação ao Brejal (o que absolutamente não foi feito), tem que dar uma idéia de
onde está. Na Academia Brasileira de Letras, por exemplo? Mas daí pro Brejal,
todos sabem, o caminho é muito perto.
SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte VI
TRECHO DO LIVRO: “I) O caminho do Brejal era longe. II)
Longe demais para ser contado em dias ou léguas. III) A distância dependia da
época das viagens: se era no Inverno, invernão de pingo grosso, seis meses de
água por todos os lados, não tinham (1) fim. IV) De comboio ate longe, de longe
em canoa subindo o rio Itapicuru ate a Laje Amarela, e de lá a cavalo até a
ponta da rua ou mais, se era amigo, e se não era, da ponta da rua ate à
hospedaria do mercado, falando mansinho, olhando de lado e de frente (2), ate
que se soubesse a que vinha e donde”.
I) Frase já comentada. II) Contado (é medido que ele quer
dizer? Então em quê? Anos - luz? Não, na frase III vê-se que o caminho do
Brejal era longe como qualquer caminho quando chove paca. Por exemplo, do Clube
Caiçaras ao Clube Piraquê, ali na lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, são
900 metros. Mas, se chover, eu levo duas horas (medidas!) pra atravessar esse
Brejal dos Tivolis. Porém a distância entre um ponto e outro continua 900
metros. Não da pra dizer que o caminho do Caiçaras (ou do Piraquê) é longe.
Esses tinham (1) aí é gênio! Não bate com caminho. Não bate com distância. Se
(só na cabeça neosemântica do autor!) bate com seis meses, então tinham fim:
180 dias. IV) Nesta frase, o autor assume uma posição nitidamente exterior ao
Brejal. Deve achar que o leitor sabe onde ele está. Não sabe. Eu sei porque é
evidente que a cabeça do autor só raciocina a partir de Pinheiros, Maranhão, 24
de abril de 1930. Ainda não saiu daí, nem no espaço nem no tempo. De onde o
autor está até o Brejal, o cara tem que pegar um comboio, depois uma canoa até
Laje Amarela, onde, é evidente, existe uma posta de cavalos. Ou o cara leva seu
cavalo no comboio e na canoa? A frase nem é analisável em sua tronchisse
barroca , exceto nesse (2) “olhando de lado e de frente”. Significando o quê
levantando desconfiança? De lado e de frente é como todo mundo olha .Se o
viajante viesse olhando pro alto e pro chão é que dava na pinta.
Vocês vão ver que o Brejal é bem localizável: 1) os “coronéis”
estavam a toda hora em São Luís. 2) Bamburral (pág. 22) dista 4 léguas, e a
Encruzilhada do Manuel , onde mora o vereador Pipira Preta, fica a seis léguas
(pág. 37). Só falta o autor dar o CPF.
SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte VII
TRECHO DO LIVRO: “Ruas tinha duas: a da Matriz e do Mercado.
A cidade era menos mais que umas três quarentenas de casas. Nem telégrafo, nem
calçadas, nem prédios públicos, nem escolas. Aliás, escola tinha uma, de uma
sala, construída recentemente; nela residia o sargento da força policial de dez
praças''.
Três quarentenas. Esse parâmetro numeral praticamente não
existe. Só a última edição do Aurélio (1986) dá quarentena com esse sentido e a
frase de abonação é... exatamente a aí acima, do Sir Ney! Desconfio que isso é
coisa do Joaquim Campelo, craque em léxico, grande colaborador do Aurélio e...
grande colaborador do Sir Ney.
Bem, uma cidade de apenas 120 casas (ele quer dizer o fim do
mundo) tinha igreja matriz, um mercado (grande, pois nele havia “uma hospedaria”),
açougue, venda (pág. 20), e loja do genro do coronel Francelino (pág.12).
Fala-se ainda (pág.45) do coronel Guiné “utilizando o Caixa e Razão de sua loja”.
Mariquita tinha “uma pousada” (pág.12), e à pág.27 “os pequenos comerciantes
não abriram as portas”. Estamos no coração de Manhattan.
A cidade não tinha telégrafo, mas se lê: “O coronel Guiné passara
um telegrama aderindo” (pág. 10), e, na pág. 11, “não era duas nem três vezes
que (o coronel Javali) telegrafara; não tinha calçadas, mas na pág. 12
descreve-se a casa de Javali (“sortida, de dez portadas, calçadas altas”), na
pág. 26, Mário, depois de cortar o rabo da jumenta “atirou na calçada a
encomenda” , e na pág. 58 (*) Zacarias fica “protegido na quina de uma calçada
alta.”; não tinha prédios públicos mas tinha cobradores de impostos (pág. 11),
nove vereadores, dois notários. Na pág. 21 diz-se “Às quatro todos esperavam na
delegacia”, na pág. 35 Zé do Bule convida os presentes “a comparecerem ao baile
da Prefeitura”; não tinha escolas mas, neste mesmo período, se diz que tinha
uma, ocupada pela força policial; na pág. 45 “O veículo seria recebido pelos
meninos do colégio da Prefeitura”, na pág. 52 o coronel Guiné fala de uma
escola, e nomeia-se uma professora (pág. 40). O verdadeiro baião do maranhense
doido.
(*) Como eu disse o livro tem 50 páginas. Mas, pra parecer
mais com um livro, a numeração começa na página 8.
SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte VIII
TRECHO DO LIVRO: “Do antigo teso grande onde agora se
localiza a cidade só restava um pé de tamboril, copudo, verde, de folhagens
abertas, em frente à casa de D. Rosa Menina (1). Na época da safra (2) os
moleques vinham e juntavam as favas chatas (3). Ali, antigamente, os veados
deviam chegar (4) para a comida nas noites de Verão (5). Boa espera teria sido
(6) aquele tronco onde agora ficavam amarrados os animais e a rancharia (7). Na
cidade todos se conheciam (8) e o que se vendia eram os teréns de vestir e de
comer, e um pouco de arroz (9), porque não era zona de arroz, mas de muito
babaçu e farinha (10). Chamado dos Guajas (11) porque ficava próximo à aldeia
dos guajajaras (12), hoje longes (13), perdidos, mortos e domados”.
ANÁLISE APENAS SUPERFICIAL: 1) A primeira e única vez em que
Rosa é tratada de Dona. Logo o autor esquece, fica íntimo, Rosa pra cá, Rosa
pra lá. A memória, como já se viu, não é o forte do autor. Mesmo a apenas duas frases
de distância. 2) Safra de uma árvore só? Eta, arvorão! 3) Fava, por definição,
é chata. Pode até ser redonda, mas é chata. 4) Deviam chegar ou chegavam? O
autor tá aí pra dar informações, pô! 5) Veado só come em noite de verão? Seria
a Ceia de Natal? 6) Teria sido? Pô, esse autor não tem certeza de nada? 7)
Rancharia amarrada num tronco de árvore? Eta arvorão porreta! 8) Pudera não! 9)
E arroz não é de comer? 10) Gente, no Brejal tem pé de farinha! 11) Sujeito
oculto por elipse, e bota elipse nisso. 12) Por que Guajas com maiúscula e
guajajaras com minúscula? Era uma tribo inferior? 13) Substantivo-advérbio já
desclassificado na primeira eliminatória.
SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte IX
Pra não dizerem que tenho má vontade, terminada a ingente tarefa
de análise da 1ª. página do Brejal, realizo a tarefa ingentíssima de copidescar
a mesma. Como bom copy, respeitei o estilo do autor, mudando léxico e sintaxe
só quando fundamental. Fiz também ligeiras alterações de sentido, preparando a
base lógica do futuro. Coisa que o autor não soube fazer, nem no Brejal, nem no
Brasil.
Era longe, o Brejal. Longe demais, difícil mesmo de medir em
dias ou léguas. Pois, quando chovia, no invernão de pingo grosso, seis meses de
água por todos os lados, o Brejal se afastava, a distância não tinha fim.
Daqui, primeiro um comboio até bem longe, de longe em canoa, subindo o Rio
Itapicuru até Laje Amarela, e de lá, num cavalo já avisado, até a ponta de uma
das ruas, e mais, se era gente amiga, senão só até o único quarto de hospedaria
do pequeno mercado e olhando assim, só de frente e de lado, cuidando de falar
mansinho, até que se soubesse a que vinha e donde.
Ruas mesmo, tinha duas: a da Matriz e a do Mercado. A cidade
era menos que seis vintenas de casas. O telégrafo era só quando Deus queria, as
calçadas um luxo de poucos, três ou quatro casebres faziam de prédios públicos.
Escola não tinha, quer dizer, tinha uma, de uma sala, construída recentemente,
nela residia o sargento da força policial de dez praças, outra escola estava
sempre ficando pronta, e havia um galpão na Prefeitura.
Do antigo teso grande onde agora se localizava a cidade só
restava um pé de tamboril, copudo, verde, de folhagens abertas, em frente à
casa da Rosa Menina. Quando estava no tempo, os moleques vinham e juntavam as
favas. Ali, antigamente, os veados chegavam à noite para a comida sem sustos.
Boa espera deveria ser aquele tronco onde agora ficavam amarrados os animais,
junto da rancharia. Na cidade, como era, todos se conheciam, e o que se vendia
eram os teréns de vestir e de comer, pouco arroz, mas de muito babaçu e
mandioca. Brejal dos Guajas, porque ficava próximo à aldeia dos Guajajaras,
hoje domados, perdidos, mortos nos longes.
SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte X
Aqui vão, leitores, apenas mais algumas pequenas observações
sobre Brejal Dos Guajas, obra-prima inigualável. O único livro que conheço
errado da primeira à última linha. Reitero meu pedido ao governo José Aparecido
para que lute por tombar (também) esse livro, transformando-o em patrimônio da
humanidade. Os dadaístas num tão cum nada.
Pág. 10) “Quem ganhar as eleições será o dono de todas as
posições municipais e o chefe do partido.” Pudera.
Pág. 11) Fala do senador Guerra: “O nosso partido, compadre,
foi feito pra servir os amigos. A lei é dura pra quem é mole (...) inimigo aqui
não tem bandeira...” O coronel Javali fica perplexo com essa “ameaça velada”.
Pág. 12) “Afinal de contas, herdaram do avô, ele e o primo
Né, por pais diferentes, o eleitorado e os bens.” Primos por pais diferentes? É
mesmo o primado da ignorância.
Pág. 19) “Uns chamavam de jíparo, outros de jipa.” Por volta
de 1960 (*) os brejalenses que nunca viram um carro, nem em efígie! chamam o
jipe assim. Nos anos 40, quando os repórteres da O Cruzeiro desciam no Xingu de
Beechcraft, os índios chamavam o avião de... Beechcraft (bixicrafi). Sir Ney
conseguiu uma corruptela mais difícil do que o corruptelado jipe. Essa istória
do jipe, no livro, vale um estudo especial.
Pág. 12) O Coronel Javali “Falava devagar, usando sempre
vossa mercê”. Nem uma vez o coronel usa o vossa mercê no livro.
Pág. 12) “O Coronel Né Guiné usava o 'meu senhor' sem muitos
rebuços (?)”. O coronel Né Guiné também não tem memória e esquece essa
recomendação do autor.
Pág. 22) “A notícia correu célere. De ponta a ponta, de lado
a lado.” As duas ruas teriam no máximo 300 metros. Bastava um grito.
Pág. 22) “Seus amigos de longas datas.” Longas datas?
Viiinnte e seettte deee maaiiiiooo de miiilllll noooveeeeceeeeeentttooosss e
quaareeeenta eeee oooito? É por aí? Tão bem longas?
(*) A história se passa mais ou menos em 1960, por certas
dicas do autor. Mas ele não sabe.
SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte XI
Observação final (a não ser que me solicitem mais) com
demonstração de matemática elementar, meu caro Watson (a partir de dados
fornecidos inconscientemente pelo próprio autor), provando que o Brejal, com
apenas duas ruas, era uma das maiores cidades do Maranhão, cuíca do mundo.
Rationale.
I) Na pág. 60 está: “- Quantos eleitores tem o Brejal? -
2.053 - ambos responderam”.
II) Pode-se precisar razoavelmente a época da istória pela
frase à pág. 10: os dois coronéis eram “da mesma corrente política invicta em
todos os pleitos realizados desde a queda da ditadura”. José Ribamar Sir Ney está
falando da outra ditadura, 1930/45, anterior à dele, 1964/85. Ora, “ todos os
pleitos” são mais três, no mínimo. Dois, definitivamente, não são todos.
Portanto, a istória (!) acontece por volta de 1960, mais ou menos 15 anos
depois da queda da ditadura getulista. Isso é estatisticamente importante:
nessa época. Numa região pobre, a população abaixo de 18 anos elevava-se a mais
de 60% (hoje é 40% em todo o país). Mas vamos deixar por 50%. Portanto os 2.053
eleitores são parcela, não de 100% da população, mas de 50% dela, já que metade
não estaria na faixa do voto.
III) Nas quatro linhas finais da istória, numa babaquice que
pretende, acho, ser poética-social-irônica, o autor grandilóqua: “...E o povo
do Brejal feliz: oitenta por cento de tracoma, sessenta de bouba, cem por cento
de verminose, oitenta e sete de analfabetos, mas feliz, ouvindo a valsa do
Brejal, Brejal dos Guajajaras”.
Ora, quem tem 87% de analfabetos, tem penas 13% de
alfabetizados. Como os 50% da população abaixo de 18 anos não votam (embora,
por serem mais novos, devam ter até maior índice de alfabetização) isso
significa que dos 13% alfabetizados apenas 6,5% votam. Quer dizer, os 2.053
eleitores do Brejal correspondem a 6,5% da população total. Façam agora uma
simples regra de três: “6,5% estão para 2.053 assim como 100% estão para X”, e
verificarão que Brejal dos Guajas tinha uma população de 31.584 pessoas. Mesmo
distribuindo generosamente 60% dessa população para área rural (da qual, aliás,
não se fala), ainda assim teríamos 12.683 pessoas nas duas ruas. 105 pessoas
por casa! Eta, apertamento!
- Janeiro 1988
E FORAM TODOS FELIZES PARA SEMPRE.
Zé pai, Zé filho (Zequinha), Roseana, Murad e outros menos
votados.
F I M