segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Millôr Fernandes: Sarney e o Brejal dos Guajas

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte I

(Uma tentativa de entender o livro, o autor, e o país em que nasceu um e foi publicado o outro)

Leitor, mais uma vez fui enganado. E enganado em literatura, por gente da melhor qualidade pra julgar literatura, como João Gaspar Simões, Jorge Amado, Carlos Castello Branco, Josué Montello, Luci Teixeira, Antônio Alçada Baptista, Lago Burnett. E last but not least, pelo mais preparado de todos pra tarefa específica (estudou em Heidelberg), o crítico literário Leo Gilson que, em 66, me levou para a honrosa propaganda da Olivetti, de onde fomos afastados, Deus do céu!, por suspeitos de comunismo.

Fui enganado por todos esses luminares do pensamento. Da literatura de Sir Ney me afirmaram, em escritos de fé: “Uma nova vertente na literatura Norte-Nordeste”- Carlos Castelo Branco. “Grande escritor”- Josué Montello. “O processo ficcional de repente se faz em correlações onde pequenos binários de ação se sintonizam por força da mesma tenção significadora” Luci Teixeira. “Lamentar o prejuízo que a literatura de expressão portuguesa tem vindo a sofrer pelo fato de José Sarney se lhe não dedicar o tempo inteiro”- Alçada Baptista. “José Sarney é um escritor político no amplo sentido em que atinge a abrangência aristotélica”- Lago Burnett. “O regionalismo que ele renova com a sua paisagem humana, sua poesia, sua afinidade com a ingenuidade, a pureza e a graça maliciosa do povo maranhense, mosaico do povo brasileiro”- Leo Gilson Ribeiro.

Todos me enganando. Só fui desconfiar, apavorado com o complô, na primeira vez em que ouvi Sir Ney usar o apelativo rastaquera, “Brasileiras e brasileiros”, fazendo média contraproducente (por ridícula) com o feminismo. E percebi, também, que ele era incapaz de construir uma frase, quanto mais um período, e nem falar de um discurso lógico. Por isso fui reler o Brejal dos Guajas com mais atenção. Fiquei estarrecido. Não se pode confiar o destino de um povo, sobretudo neste momento especialmente difícil, a um homem que escreve isso. Não tendo no cérebro os dois bits mínimos para orientá-lo na concordância entre sujeito e verbo, entre frase e frase, entre idéia e idéia, como exigir dele um programa de governo coerente pelo menos por 24 horas?

Não escrevi imediatamente sobre o livro por uma questão de... piedade. Mas agora, depois da jogada de gigantesca corrupção em que, como medíocre ditador, troca esperança de 140 milhões de brasileiras e brasileiros por mais um ano de sua gloríola regada a jerimum, começo uma pequena análise dessa ópera de 50 páginas. Esclareço logo que não se trata de um caso de má, ou até mesmo péssima, literatura, de uma opinião malévola ou discutível. Em qualquer país civilizado Brejal dos Guajas seria motivos para impeachment.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte II

As opiniões divergem. Alguns brilhantes e cultos intelectuais, como os já citados aqui, afirmam, audaciosamente, que Brejal dos Guajas é um livro. Eu garanto que não. É uma anedotinha “socialzinha” tolinha (já contada mais de um milhão de vezes) da briguinha de dois coroneizinhos de uma cidadezinha perdidinha no interiorzinho do Maranhão. O autor deve ter lido umas 20 páginas de Jorge Amado (Marli, que socialismo!) e umas cinco de Guimarães Rosa (Zezinho,que linguagem! E que difícil, Murilo!) e isso, claro, lhe causou uma indigestão na cabeça. Reacionário desde sempre, deve ter achado fascinante e lucrativo ser um escritor do povo. Sem jamais ter entendido a realidade em volta, naturalmente fundiu diante do realismo mágico. Incapaz de juntar sujeito e predicado em português escolar, se perdeu na aventura da linguagem que é Guimarães Rosa - e até hoje não encontrou a volta.

A istória do Brejal não se sustenta no todo ou em partes. No todo, porque tem um “enredo” sem a mais mínima consistência, a tentativa poética é lamentável, a de filosofia ridícula. Em partes porque, no livro, praticamente, não tem uma frase que não seja errada em si mesma ou incoerente em relação a outras mais adiante ou mais pra trás. E, perto da estrutura dos personagens do Brejal, os personagens da Praça da Alegria, da televisão, são obras-primas de criação psicológica, heróis do Guerra e Paz.
Brejal dos Guajas só pode ser considerado um livro porque, na definição da Unesco, livro “é uma publicação impressa não periódica com um mínimo de 49 páginas”. O Brejal tem 50. Materialmente, Sir Ney salvou-se por uma página. Contam os íntimos que o “escritor” , depois de vinte anos de esforço, bateu o ponto final na página 50 e gritou, aliviado, pra dona Kyola: “Maiê, acabei!”

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte III

Descoordenado motor (incapaz de se agachar e tirar a etiqueta de um sapato), Sir Ney é mais descoordenado como pensador. Brejal é o livro de um autista.

Há solecismos em penca, as idéias nunca se completam e sempre se contradizem. A cidade, que não tem escola, tem professora e alunos, não tendo telégrafo transmite telegramas, não possuindo edifícios públicos tem prefeitura, câmara de vereadores, juizados de casamento, dois cartórios, ostenta uma força policial de pelo menos 12 homens (relativamente, o Rio teria que ter uma força policial de quase meio milhão de policiais), é dominada por dois primos por pais diferentes (!!!!), “ricos e poderosos”, e, tendo só duas ruas (quase uma impossibilidade urbanística; eu sei como desenhar uma cidade de duas ruas, Ele não sabe), tem duas orquestras (ele quer dizer bandas), e comporta ainda mercado, lojas, igrejas matriz, etc. O verdadeiro milagre brasileiro! Tem mais, essas duas espantosas ruas de 120 casas (com o que Sir Ney quer significar um vilarejo perdido do mundo ), por meus cálculos matemáticos irrefutáveis, abrigam uma população de 15. 272 pessoas, o que faz do Brejal, em 1945, época da istória, talvez a maior cidade maranhense, depois de São Luís.

Ou isso é o mais maravilhoso realismo mágico de que eu jamais tive notícia, obra esfuziante de um gênio que só vai ser compreendido daqui a séculos, ou estamos diante da mais espantosa incapacidade de expressão da literatura universal.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte IV

Fascinado, continuarei a demostrar que Brejal dos Guajas é obra sem similar na literatura de todos os tempos. Só um gênio conseguiria fazer um livro errado da primeira à última frase. Espero que meus modestos comentários alertem os amigos do vosso Presidente, como o governador José Aparecido de Oliveira, pra que lutem a fim de que a Unesco transforme esse livro num patrimônio da humanidade. Depois dos artigos de caráter geral, começo hoje a analisar frase por frase dessa catedral do avesso do pensamento humano. Tendo o livro cinqüentas (para usar a concordância do autor ) páginas de 36 linhas, estaremos juntos aqui durante cinco anos (epa! ). Sei que vão me considerar mais um puxa-saco, mas isso não me impedirá de divulgar tão gigantesca efeméride (literatura é efeméride?). Comecemos pelo título, Brejal dos Guajas. É espantoso que, maranhense, o homem não saiba a acentuação tônica (é tônica, pois não? ) desse gentílico. Não é Guajas. É oxítono, Guajás.

Na página 22, o autor se aprofunda, explicando o Brejal: “Chamado dos Guajás, porque ficava próximo à aldeia dos Guajajaras, hoje longes (sic), perdidos, mortos e domados”. O cós não tem nada a ver com as calças: Guajás e Guajajaras (*) são duas tribos diferentes (ambas do Maranhão), a primeira ainda nômade, com alguns elementos com os quais não se conseguiu contato, e a segunda normalmente sedentária. As duas tribos até que, até hoje, se estranham. A frase de Sarney equivale a: “Chamados de brasileiros porque ficavam próximo à aldeia dos argentinos”. Sem falar que os Guajajaras não estão “longes (sic), perdidos, mortos e domados”. Reduzidos a uns 800 na década de 40, são hoje aproximadamente 6 mil. Uma grande tribo. E não vão votar no Sir Ney, porque não gostam de ser chamado de Guajás, e nem mesmo de Guajajaras, mas de Tenetearas. Guajas não sabem o que é. Nem querem saber.

(*) Em matéria de guajas, guajás, guajajaras e tenetearas, meus agradecimentos ao antropólogo Carlos Alberto Ricardo - Beto)

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte V

Comento hoje a 1ª. linha do livro : “O caminho do Brejal era longe”.

Como o caminho do Brejal era longe? O autor esta querendo mostrar o isolamento da cidade, um mundo perdido, pobre, abandonado, com apenas duas ruas ( mais tarde provarei que era a maior cidade do maranhão, depois da capital ); portanto, Brejal seria “longe de todos os caminhos”. Quando o autor diz que “O caminho do Brejal era longe”, como garante que é o caminho do Brejal? Sendo longe do Brejal, o caminho, em última análise, não é do Brejal. Vai ver é de Pirapora, Cascadura, Nova Zelândia, sei lá. Uma coisa, Sir Ney, o caminho de um lugar é sempre perto desse lugar, a partir de. Pode ate não ir longe, mas é perto. Se, porém, o autor assume um ponto de vista exterior em relação ao Brejal (o que absolutamente não foi feito), tem que dar uma idéia de onde está. Na Academia Brasileira de Letras, por exemplo? Mas daí pro Brejal, todos sabem, o caminho é muito perto.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte VI

TRECHO DO LIVRO: “I) O caminho do Brejal era longe. II) Longe demais para ser contado em dias ou léguas. III) A distância dependia da época das viagens: se era no Inverno, invernão de pingo grosso, seis meses de água por todos os lados, não tinham (1) fim. IV) De comboio ate longe, de longe em canoa subindo o rio Itapicuru ate a Laje Amarela, e de lá a cavalo até a ponta da rua ou mais, se era amigo, e se não era, da ponta da rua ate à hospedaria do mercado, falando mansinho, olhando de lado e de frente (2), ate que se soubesse a que vinha e donde”.

I) Frase já comentada. II) Contado (é medido que ele quer dizer? Então em quê? Anos - luz? Não, na frase III vê-se que o caminho do Brejal era longe como qualquer caminho quando chove paca. Por exemplo, do Clube Caiçaras ao Clube Piraquê, ali na lagoa Rodrigo de Freitas, Rio de Janeiro, são 900 metros. Mas, se chover, eu levo duas horas (medidas!) pra atravessar esse Brejal dos Tivolis. Porém a distância entre um ponto e outro continua 900 metros. Não da pra dizer que o caminho do Caiçaras (ou do Piraquê) é longe. Esses tinham (1) aí é gênio! Não bate com caminho. Não bate com distância. Se (só na cabeça neosemântica do autor!) bate com seis meses, então tinham fim: 180 dias. IV) Nesta frase, o autor assume uma posição nitidamente exterior ao Brejal. Deve achar que o leitor sabe onde ele está. Não sabe. Eu sei porque é evidente que a cabeça do autor só raciocina a partir de Pinheiros, Maranhão, 24 de abril de 1930. Ainda não saiu daí, nem no espaço nem no tempo. De onde o autor está até o Brejal, o cara tem que pegar um comboio, depois uma canoa até Laje Amarela, onde, é evidente, existe uma posta de cavalos. Ou o cara leva seu cavalo no comboio e na canoa? A frase nem é analisável em sua tronchisse barroca , exceto nesse (2) “olhando de lado e de frente”. Significando o quê levantando desconfiança? De lado e de frente é como todo mundo olha .Se o viajante viesse olhando pro alto e pro chão é que dava na pinta.

Vocês vão ver que o Brejal é bem localizável: 1) os “coronéis” estavam a toda hora em São Luís. 2) Bamburral (pág. 22) dista 4 léguas, e a Encruzilhada do Manuel , onde mora o vereador Pipira Preta, fica a seis léguas (pág. 37). Só falta o autor dar o CPF.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte VII

TRECHO DO LIVRO: “Ruas tinha duas: a da Matriz e do Mercado. A cidade era menos mais que umas três quarentenas de casas. Nem telégrafo, nem calçadas, nem prédios públicos, nem escolas. Aliás, escola tinha uma, de uma sala, construída recentemente; nela residia o sargento da força policial de dez praças''.
Três quarentenas. Esse parâmetro numeral praticamente não existe. Só a última edição do Aurélio (1986) dá quarentena com esse sentido e a frase de abonação é... exatamente a aí acima, do Sir Ney! Desconfio que isso é coisa do Joaquim Campelo, craque em léxico, grande colaborador do Aurélio e... grande colaborador do Sir Ney.
Bem, uma cidade de apenas 120 casas (ele quer dizer o fim do mundo) tinha igreja matriz, um mercado (grande, pois nele havia “uma hospedaria”), açougue, venda (pág. 20), e loja do genro do coronel Francelino (pág.12). Fala-se ainda (pág.45) do coronel Guiné “utilizando o Caixa e Razão de sua loja”. Mariquita tinha “uma pousada” (pág.12), e à pág.27 “os pequenos comerciantes não abriram as portas”. Estamos no coração de Manhattan.

A cidade não tinha telégrafo, mas se lê: “O coronel Guiné passara um telegrama aderindo” (pág. 10), e, na pág. 11, “não era duas nem três vezes que (o coronel Javali) telegrafara; não tinha calçadas, mas na pág. 12 descreve-se a casa de Javali (“sortida, de dez portadas, calçadas altas”), na pág. 26, Mário, depois de cortar o rabo da jumenta “atirou na calçada a encomenda” , e na pág. 58 (*) Zacarias fica “protegido na quina de uma calçada alta.”; não tinha prédios públicos mas tinha cobradores de impostos (pág. 11), nove vereadores, dois notários. Na pág. 21 diz-se “Às quatro todos esperavam na delegacia”, na pág. 35 Zé do Bule convida os presentes “a comparecerem ao baile da Prefeitura”; não tinha escolas mas, neste mesmo período, se diz que tinha uma, ocupada pela força policial; na pág. 45 “O veículo seria recebido pelos meninos do colégio da Prefeitura”, na pág. 52 o coronel Guiné fala de uma escola, e nomeia-se uma professora (pág. 40). O verdadeiro baião do maranhense doido.

(*) Como eu disse o livro tem 50 páginas. Mas, pra parecer mais com um livro, a numeração começa na página 8.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte VIII

TRECHO DO LIVRO: “Do antigo teso grande onde agora se localiza a cidade só restava um pé de tamboril, copudo, verde, de folhagens abertas, em frente à casa de D. Rosa Menina (1). Na época da safra (2) os moleques vinham e juntavam as favas chatas (3). Ali, antigamente, os veados deviam chegar (4) para a comida nas noites de Verão (5). Boa espera teria sido (6) aquele tronco onde agora ficavam amarrados os animais e a rancharia (7). Na cidade todos se conheciam (8) e o que se vendia eram os teréns de vestir e de comer, e um pouco de arroz (9), porque não era zona de arroz, mas de muito babaçu e farinha (10). Chamado dos Guajas (11) porque ficava próximo à aldeia dos guajajaras (12), hoje longes (13), perdidos, mortos e domados”.

ANÁLISE APENAS SUPERFICIAL: 1) A primeira e única vez em que Rosa é tratada de Dona. Logo o autor esquece, fica íntimo, Rosa pra cá, Rosa pra lá. A memória, como já se viu, não é o forte do autor. Mesmo a apenas duas frases de distância. 2) Safra de uma árvore só? Eta, arvorão! 3) Fava, por definição, é chata. Pode até ser redonda, mas é chata. 4) Deviam chegar ou chegavam? O autor tá aí pra dar informações, pô! 5) Veado só come em noite de verão? Seria a Ceia de Natal? 6) Teria sido? Pô, esse autor não tem certeza de nada? 7) Rancharia amarrada num tronco de árvore? Eta arvorão porreta! 8) Pudera não! 9) E arroz não é de comer? 10) Gente, no Brejal tem pé de farinha! 11) Sujeito oculto por elipse, e bota elipse nisso. 12) Por que Guajas com maiúscula e guajajaras com minúscula? Era uma tribo inferior? 13) Substantivo-advérbio já desclassificado na primeira eliminatória.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte IX

Pra não dizerem que tenho má vontade, terminada a ingente tarefa de análise da 1ª. página do Brejal, realizo a tarefa ingentíssima de copidescar a mesma. Como bom copy, respeitei o estilo do autor, mudando léxico e sintaxe só quando fundamental. Fiz também ligeiras alterações de sentido, preparando a base lógica do futuro. Coisa que o autor não soube fazer, nem no Brejal, nem no Brasil.

Era longe, o Brejal. Longe demais, difícil mesmo de medir em dias ou léguas. Pois, quando chovia, no invernão de pingo grosso, seis meses de água por todos os lados, o Brejal se afastava, a distância não tinha fim. Daqui, primeiro um comboio até bem longe, de longe em canoa, subindo o Rio Itapicuru até Laje Amarela, e de lá, num cavalo já avisado, até a ponta de uma das ruas, e mais, se era gente amiga, senão só até o único quarto de hospedaria do pequeno mercado e olhando assim, só de frente e de lado, cuidando de falar mansinho, até que se soubesse a que vinha e donde.

Ruas mesmo, tinha duas: a da Matriz e a do Mercado. A cidade era menos que seis vintenas de casas. O telégrafo era só quando Deus queria, as calçadas um luxo de poucos, três ou quatro casebres faziam de prédios públicos. Escola não tinha, quer dizer, tinha uma, de uma sala, construída recentemente, nela residia o sargento da força policial de dez praças, outra escola estava sempre ficando pronta, e havia um galpão na Prefeitura.

Do antigo teso grande onde agora se localizava a cidade só restava um pé de tamboril, copudo, verde, de folhagens abertas, em frente à casa da Rosa Menina. Quando estava no tempo, os moleques vinham e juntavam as favas. Ali, antigamente, os veados chegavam à noite para a comida sem sustos. Boa espera deveria ser aquele tronco onde agora ficavam amarrados os animais, junto da rancharia. Na cidade, como era, todos se conheciam, e o que se vendia eram os teréns de vestir e de comer, pouco arroz, mas de muito babaçu e mandioca. Brejal dos Guajas, porque ficava próximo à aldeia dos Guajajaras, hoje domados, perdidos, mortos nos longes.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte X

Aqui vão, leitores, apenas mais algumas pequenas observações sobre Brejal Dos Guajas, obra-prima inigualável. O único livro que conheço errado da primeira à última linha. Reitero meu pedido ao governo José Aparecido para que lute por tombar (também) esse livro, transformando-o em patrimônio da humanidade. Os dadaístas num tão cum nada.

Pág. 10) “Quem ganhar as eleições será o dono de todas as posições municipais e o chefe do partido.” Pudera.

Pág. 11) Fala do senador Guerra: “O nosso partido, compadre, foi feito pra servir os amigos. A lei é dura pra quem é mole (...) inimigo aqui não tem bandeira...” O coronel Javali fica perplexo com essa “ameaça velada”.

Pág. 12) “Afinal de contas, herdaram do avô, ele e o primo Né, por pais diferentes, o eleitorado e os bens.” Primos por pais diferentes? É mesmo o primado da ignorância.

Pág. 19) “Uns chamavam de jíparo, outros de jipa.” Por volta de 1960 (*) os brejalenses que nunca viram um carro, nem em efígie! chamam o jipe assim. Nos anos 40, quando os repórteres da O Cruzeiro desciam no Xingu de Beechcraft, os índios chamavam o avião de... Beechcraft (bixicrafi). Sir Ney conseguiu uma corruptela mais difícil do que o corruptelado jipe. Essa istória do jipe, no livro, vale um estudo especial.

Pág. 12) O Coronel Javali “Falava devagar, usando sempre vossa mercê”. Nem uma vez o coronel usa o vossa mercê no livro.

Pág. 12) “O Coronel Né Guiné usava o 'meu senhor' sem muitos rebuços (?)”. O coronel Né Guiné também não tem memória e esquece essa recomendação do autor.

Pág. 22) “A notícia correu célere. De ponta a ponta, de lado a lado.” As duas ruas teriam no máximo 300 metros. Bastava um grito.

Pág. 22) “Seus amigos de longas datas.” Longas datas? Viiinnte e seettte deee maaiiiiooo de miiilllll noooveeeeceeeeeentttooosss e quaareeeenta eeee oooito? É por aí? Tão bem longas?

(*) A história se passa mais ou menos em 1960, por certas dicas do autor. Mas ele não sabe.

SARNEY E O BREJAL DOS GUAJAS - Parte XI

Observação final (a não ser que me solicitem mais) com demonstração de matemática elementar, meu caro Watson (a partir de dados fornecidos inconscientemente pelo próprio autor), provando que o Brejal, com apenas duas ruas, era uma das maiores cidades do Maranhão, cuíca do mundo. Rationale.

I) Na pág. 60 está: “- Quantos eleitores tem o Brejal? - 2.053 - ambos responderam”.

II) Pode-se precisar razoavelmente a época da istória pela frase à pág. 10: os dois coronéis eram “da mesma corrente política invicta em todos os pleitos realizados desde a queda da ditadura”. José Ribamar Sir Ney está falando da outra ditadura, 1930/45, anterior à dele, 1964/85. Ora, “ todos os pleitos” são mais três, no mínimo. Dois, definitivamente, não são todos. Portanto, a istória (!) acontece por volta de 1960, mais ou menos 15 anos depois da queda da ditadura getulista. Isso é estatisticamente importante: nessa época. Numa região pobre, a população abaixo de 18 anos elevava-se a mais de 60% (hoje é 40% em todo o país). Mas vamos deixar por 50%. Portanto os 2.053 eleitores são parcela, não de 100% da população, mas de 50% dela, já que metade não estaria na faixa do voto.

III) Nas quatro linhas finais da istória, numa babaquice que pretende, acho, ser poética-social-irônica, o autor grandilóqua: “...E o povo do Brejal feliz: oitenta por cento de tracoma, sessenta de bouba, cem por cento de verminose, oitenta e sete de analfabetos, mas feliz, ouvindo a valsa do Brejal, Brejal dos Guajajaras”.
Ora, quem tem 87% de analfabetos, tem penas 13% de alfabetizados. Como os 50% da população abaixo de 18 anos não votam (embora, por serem mais novos, devam ter até maior índice de alfabetização) isso significa que dos 13% alfabetizados apenas 6,5% votam. Quer dizer, os 2.053 eleitores do Brejal correspondem a 6,5% da população total. Façam agora uma simples regra de três: “6,5% estão para 2.053 assim como 100% estão para X”, e verificarão que Brejal dos Guajas tinha uma população de 31.584 pessoas. Mesmo distribuindo generosamente 60% dessa população para área rural (da qual, aliás, não se fala), ainda assim teríamos 12.683 pessoas nas duas ruas. 105 pessoas por casa! Eta, apertamento!

- Janeiro 1988

E FORAM TODOS FELIZES PARA SEMPRE.
Zé pai, Zé filho (Zequinha), Roseana, Murad e outros menos votados.


F I M