segunda-feira, 11 de abril de 2011

João Luiz Mauad: O não-problema da desigualdade de renda

No último dia 26 de março, o programa Manhattan Connection discutiu, num de seus blocos, o “problema” da concentração de renda. Com a exceção costumeira de Diogo Mainardi, foi um festival de abobrinhas, clichês e platitudes, principalmente acerca da distribuição de renda nos Estados Unidos. Para começar, o apresentador informou que, naquele país, os ricos estão cada vez mais ricos (o que é verdade), mas os pobres estão cada vez mais pobres (o que é uma rematada mentira). Depois de desfilar um monte de bobagens - inclusive criticando os americanos por não nutrirem inveja de seus compatriotas mais ricos (assista a partir dos 3:10 min) -, o senhor Caio Blinder encerrou o debate dizendo mais ou menos o seguinte: “Não é que o país esteja virando uma África”. Os EUA estão ficando mais produtivos e mais ricos, como um todo. O problema é que “quem está no topo está ficando cada vez mais rico”, o que, para ele, seria “gritante”, para usar as suas próprias palavras (assista a partir dos 5:20 min).

Para começar, alguém precisa explicar aos participantes do programa que existem dois tipos de pobreza: a pobreza relativa e pobreza absoluta. Pode-se definir a última como a falta de certos bens fundamentais para a sobrevivência digna de um ser humano, como, por exemplo, o consumo mínimo de 1.500 calorias por dia, abrigo para adequado para mantê-lo seco e sem frio, além de roupas apropriadas para o clima. Infelizmente, ainda há muita gente absolutamente pobre nesse mundo. A boa notícia, porém, é que é perfeitamente possível acabar com esse tipo de pobreza. Impossível é abolir a pobreza relativa, já que algumas pessoas sempre serão mais ricas do que outras, até mesmo em países comunistas.

Outro ponto fundamental dessa discussão é que existe um abismo enorme entre a preocupação genuína de alguns com os pobres e a revolta de muitos com a riqueza alheia. Por isso, sempre que alguém lamenta o famigerado gap entre ricos e pobres, pergunto se ele estaria disposto a admitir, de bom grado, que os muitos ricos se tornassem ainda mais ricos, desde que isso significasse uma melhoria substancial das condições de vida dos demais, principalmente dos mais pobres. Quando a resposta é "não", ela equivale à admissão, coberta pelo véu da hipocrisia, de que a verdadeira preocupação do meu interlocutor é com o que os mais ricos possuem, e não realmente com o que falta aos desvalidos. Se, por outro lado, a resposta for "sim", restará demonstrado que o tal gap é irrelevante.

Merece atenção também um dado dessa questão, normalmente encoberto pela frieza das estatísticas: riqueza e padrão de vida são coisas diferentes. Tomando emprestadas as palavras do economista Don Boudreaux, "A riqueza monetária de Bill Gates é cerca de 70.000 vezes maior que a minha. Entretanto, ele não ingere diariamente 70.000 vezes mais calorias do que eu. Também estou certo de que a comida que ele come não é 70.000 vezes mais saborosa do que a minha; que as suas muitas casas não são 70.000 vezes maiores ou melhores que a minha; que seus filhos não são 70.000 vezes mais bem educados que os meus; que ele não pode viajar para a Europa ou a Ásia 70.000 vezes mais rápido ou mais seguro do que eu; que ele não tem 70.000 vezes mais lazer do que eu e que ele não vai viver 70.000 vezes mais do que eu".

De acordo com Laurens Kraus, a maneira convencional de olhar a distribuição de riqueza mudaria muito se excluíssemos os bens de capital da equação. Por exemplo, nos EUA, 1% população é dona de 38% da riqueza (dados de 2001). Porém, tal distribuição mudaria drasticamente se os bens de capital fossem excluídos, pois é provável que 95% da riqueza do 1% mais rico estejam relacionadas à propriedade dos bens de capital. Não por acaso, os níveis de consumo das famílias americanas são muito menos desiguais do que mostram as estatísticas de distribuição de renda. Disso os arautos do igualitarismo não falam, mas quase 100% dos americanos têm acesso a água corrente e esgoto sanitário, telefones, comida farta, aquecimento e televisão. Só não vê quem não quer: hoje em dia, mesmo os indivíduos mais pobres dos Estados Unidos da América vivem melhor do que qualquer um no século 18. Afinal, não é isso que interessa em qualquer sociedade que se preza?

Não há como deixar de destacar ainda que a existência dos muito ricos, longe de ser algo a lamentar, é altamente benéfica para os mais pobres. A menos que nós estejamos falando de ladrões ou rent-seekers, a riqueza pessoal indica que alguém obteve lucros e/ou investiu recursos em empreendimentos rentáveis. Os lucros sinalizam a criação de valor, ou seja, que os recursos disponíveis foram bem utilizados, produzindo bens que são desejáveis para muitos. Pessoas ricas, em geral, criam um monte de valor para um monte de gente, além, é claro, de um monte de empregos. A ausência de pessoas ricas, na verdade, é um péssimo sinal para qualquer sociedade.

Ademais, a desigualdade de renda é um efeito. Sua causa é a diferença de produtividade das pessoas. Criticar a concentração de renda é como reclamar que um quilo de filé mignon vale mais que um quilo de acém. O preço reflete o valor de mercado de um objeto - e o rendimento de cada um reflete o valor de mercado do seu trabalho. Não há uma cesta fixa, pré-existente, de rendimentos que, de alguma forma injusta, escorre para os bolsos dos ricos em detrimento dos pobres. Numa economia capitalista, a maior parte da riqueza é criada, multiplicada e trocada de forma voluntária pelas pessoas.

Graças ao capitalismo, nos últimos 250 anos houve um aumento exponencial do padrão de bem-estar no mundo e, consequentemente, uma redução espetacular dos níveis de pobreza global absoluta. Só para se ter uma ideia desse milagre, em 1820, 85% da população mundial vivia com menos de um dólar por dia (a preços de hoje). Em 1950, essa proporção havia caído para 50%. Atualmente, são 20%. Em 1900, a expectativa média de vida nos países subdesenvolvidos era de apenas 30 anos. Em 1960, esse índice saltou para 46 anos. Em 1998, já era de 65 anos.

Desigualdade de renda, portanto, só é algo injusto quando o status de alguém é medido não pelo que ele tem, mas pelo que os outros têm. Infelizmente, esse é o padrão dos igualitaristas, como Caio Blinder e muitos outros, que sonham com uma inalcançável uniformidade da renda, independentemente da capacidade de cada um em gerar bens e serviços de valor para os demais. É o padrão da inveja, que denota um grande rancor pelo simples motivo de que alguns têm mais, de qualquer coisa, do que a maioria.

Proibir um Bill Gates de ser fabulosamente rico, de fato, reduz a desigualdade de renda, mas não faz mais ricos os pobres. No entanto, é isso que desejam os igualitários. Eles são motivados por aquilo que Ayn Rand chamou de "ódio dos bons": se lhes falta alguma coisa de valor, eles querem ter certeza de que ninguém mais a terá.