Funcionam no Brasil, estranhamente, dois Ministérios da Agricultura. Um se dedica ao agronegócio e o outro, ao produtor familiar. Uma invencionice política difícil de entender. Parece jabuticaba, só existe aqui.
Uma safra, dois planos. Em Ribeirão Preto (SP), o governo anunciou as regras do financiamento da safra para a agricultura chamada empresarial. Semanas depois, foi a vez do plano da agricultura dita familiar, lançado em Francisco Beltrão (PR).
Uma agricultura, dois discursos. No palanque paulista, as lideranças ruralistas aplaudiam Wagner Rossi, ministro da Agricultura e Abastecimento. No Paraná, os camponeses reverenciavam Afonso Florense, ministro do Desenvolvimento Agrário. Presente em ambos os eventos, a presidente Dilma Rousseff seguiu o roteiro lulista, naquele estilo ambíguo que agrada a gregos e troianos.
Essa dubiedade na gestão governamental se manifesta em vários outros momentos. Nos fóruns internacionais, como na Organização Mundial do Comércio (OMC), frequentemente se percebem cadeiras expressando posições distintas, quando não contraditórias. Uma dá prioridade a abrir exportações, outra discute segurança alimentar. Enlouquece o Itamaraty.
Tudo começou em 1996, quando o presidente Fernando Henrique Cardoso criou o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). Sua ideia básica, inédita, foi carimbar uma fatia dos recursos do crédito rural, obrigando sua aplicação nos pequenos produtores, incluindo os assentados da reforma agrária. Faz sentido.
Tradicionalmente, os grandes proprietários abocanham todo o dinheiro para financiamento rural. O Pronaf mudou essa história. Seu sucesso o tornou robusto dentro da política agrícola do País, executada pelo Ministério da Agricultura com apoio do Banco do Brasil.
Quando Lula assumiu, porém, achou por bem transferir a gestão do Pronaf, entregando-a ao Ministério que cuida da reforma agrária. Atendeu à gula da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e do Movimento dos Sem-Terra (MST). Entregou o ouro.
O Ministério do Desenvolvimento Agrário passou a operar o Pronaf segundo critérios exageradamente ideológicos e partidários. Assim funciona o jogo do poder. Afinal, a oligarquia rural também sempre mandou no Ministério da Agricultura.
Um grave problema, porém, surgiu dessa tramoia. Ao apartar o atendimento aos pequenos agricultores em outra pasta, criou-se uma falsa dicotomia. A polarização acirrou a distinção, inexistente, entre agronegócio e agricultura familiar.
Gente que se imagina dadivosa combate o agronegócio, como símbolo do mal. Tal pensamento expõe um dos maiores equívocos produzidos pela esquerda brasileira. Por definição, nada opõe o pequeno produtor à modernização tecnológica nem ao mercado. Ao contrário. Investir em qualidade configura caminho único para o progresso no campo.
Conceitualmente, o termo agronegócio refere-se ao conjunto das atividades produtivas geradas no meio rural. Na pecuária, por exemplo, as empresas de insumos e máquinas fornecem bens e serviços à criação animal. Na outra ponta, colocam-se os frigoríficos, as agroindústrias, os açougues. Eles processam e vendem. Somados aos pecuaristas, esse conjunto caracteriza o agronegócio da carne.
No Brasil moderno, dentro do segmento rural propriamente dito são gerados só 27% do PIB dos agronegócios. Outros 7% do valor econômico se localizam antes da porteira do agricultor, enquanto 66% do valor dos agronegócios - a maior fatia - rola depois da porteira das fazendas.
Na concepção do termo, portanto, somente não participa do agronegócio quem produz para si. E são muitos. Especialmente no semiárido nordestino, cerca de 1,5 milhão de pequenos agricultores pobres e rudimentares mal conhecem a economia comercial. Outro enorme contingente, cerca de 1 milhão de famílias assentadas pela reforma agrária se encontram isoladas.
Nada condena os agronegócios. O cultivo de subsistência, esse, sim, está ultrapassado pelos tempos, sofrendo na miséria. Aqui reside o grande desafio da política pública: conseguir modernizar a agricultura atrasada, integrando-a aos mercados, tornando-a empreendedora. Ao contrário do que vociferam os obscurantistas agrários, a saída da pobreza rural rema a favor dos agronegócios, não contra.
Esse caminho vitorioso tem sido trilhado por incontáveis pequenos agricultores que buscaram conhecimento, integraram-se às agroindústrias, vincularam-se às cooperativas agropecuárias. A produtividade deles cresceu, a renda melhorou. Pequenos, organizados, tornam-se grandes.
Essa emergente classe de produtores surge exatamente da inserção positiva no agronegócio, fundindo tecnologia e mercado com boa gestão familiar. Ela fornece hoje o dinamismo da agricultura nacional, puxado pelo sojicultor paranaense ou gaúcho, pelo cafeicultor mineiro ou capixaba, pelo suinocultor catarinense, pelo fruticultor paulista, pelo pecuarista goiano, entre tantos.
Fazendeiro graúdo chega a ter inveja desses progressistas agricultores. Sua área média gira em torno dos 50 hectares e, no conjunto, respondem por aproximadamente 70% da produção agropecuária do Brasil. Embora familiares, não prestam a mínima atenção ao discurso boboca que, ao intrigá-los com os agronegócios, os condena ao atraso.
O Brasil não precisa de dois Ministérios da Agricultura. Carece, isso sim, de uma política emancipadora no campo, livrando os agricultores pobres, resignados, da manipulação política de líderes que, disfarçados de salvadores, vivem de explorar a miséria alheia. Taí uma boa tarefa: desenvolver uma vacina contra esse terrível mal.