domingo, 13 de setembro de 2015

Rodrigo Constantino: A crise é algo deliberado por parte da esquerda revolucionária golpista?

Alguns leitores meus começaram a alegar que faço parte do time dos ingênuos que ainda não compreendeu que toda essa crise era prevista e faz parte de uma estratégia da esquerda revolucionária golpista. Ou seja, não seria resultado de incompetência, e sim parte dos planos diabólicos dessa esquerda global para a sua perpetuação no poder e a destruição da civilização ocidental. Como o número de leitores que pensam assim não é tão insignificante, creio que mereçam uma resposta aqui.

Essa ala da direita adora teorias conspiratórias, enxerga comunista em todo lugar e adota o pensamento dialético, mesma arma usada ironicamente pela esquerda que combate. O raciocínio dialético é útil pois pode estar sempre certo, vale em todas as ocasiões. Se a esquerda golpista governa numa fase de bonança, distribuindo esmolas estatais e crédito farto, então isso é parte de sua estratégia de poder; se a economia vira, a crise se instaura e caímos na estagflação, tudo também é parte da mesma estratégia de poder. Cara eu ganho, coroa você perde.

Torna-se impossível refutar um raciocínio dialético desses, pois qualquer coisa que ocorra faz parte dos planos maquiavélicos do inimigo. Se ele vai para um lado, isso prova que ele pertence àquele lado; mas se ele vai para o outro, isso apenas prova que ele usa essa falsa migração para fortalecer aquele primeiro lado. A tal esquerda globalizante está por toda parte, e tudo foi milimetricamente ensaiado por ela na dança do poder.

Entra nessa visão de mundo o papel do PSDB, por exemplo, que seria apenas um instrumento na estratégia das tesouras da mesma esquerda global, talvez com George Soros dando as cartas lá de cima. O tucanato deixa de ser pusilânime, uma “oposição” acovardada por ter algum grau de simpatia pela trajetória petista e por ser também de esquerda, e passa a ser conivente propositalmente com os planos da esquerda global. Se alguns tucanos intensificarem o tom e a reação ao PT, não adianta: tudo foi ensaiado antes e é parte da conspiração.

Teorias conspiratórias seduzem pelo simplismo com o qual “explicam” o mundo complexo. Tudo se encaixa nesse modelo binário, maniqueísta, e toda a complexidade do mundo é deixada de lado. Umberto Eco tem escrito ótimos livros sobre o assunto, como O cemitério de Praga, que citei nesse texto sobre o encanto das teorias conspiratórias. Os “judeus” para os nazistas são os “comunistas” para essa direita, e tudo é imputado a eles. E se você discordar de uma vírgula, cuidado, pois você também se tornará um “agente de desinformação” do lado inimigo!

Vejam bem: acredito numa esquerda global, mas que seria muito menos organizada do que essa ala da direita imagina. Sei da existência do Foro de São Paulo, que simboliza mais essa união de bolivarianos latino-americanos do que efetivamente um palco de decisões golpistas arquitetadas às escuras. Similis símili gaudet: os semelhantes regozijam-se entre si. A escória é atraída pela escória. Irã se junta a Putin que se une aos caudilhos bolivarianos. O mundo sempre foi assim.

O que não compro é a tese de que todos os acontecimentos derivam dessas conversas conspiratórias e secretas. O mundo, como já disse, é bem mais complexo que isso. E a crise, se pode por um lado ser usada pela própria esquerda para avançar mais sobre nossas liberdades, também pode representar um enorme risco no projeto de permanência no poder dessa esquerda. Que, aliás, não custa lembrar, é formada por indivíduos com seus próprios interesses, muitas vezes conflitantes. Vide as delações premiadas de membros da quadrilha.

Logo, a crise ameaça o projeto de poder desses esquerdistas, e serve como oportunidade para movimentos de oposição. O próprio crescimento da nova direita brasileira é prova disso. Seria tudo orquestrado pela esquerda global? Sério? Quem estaria por trás disso tudo então? Pois se Dirceu, Lula e companhia têm alguma representatividade na célula brasileira, fica claro que não estão felizes com os acontecimentos. Lula anda desesperado, com medo de ser preso, e Dirceu já está no xilindró. Quem, então, usaria até esses líderes da esquerda nacional como simples peões sacrificáveis para seus grandiosos e ultra-secretos projetos?

Não, meus caros, a crise não era desejada pela esquerda revolucionária golpista. Ela pode, ao contrário, sepultar seu projeto ambicioso de poder. Ela pode colocar seus líderes atrás das grades. Ela pode destruir o PT, sem que isso represente crescimento expressivo para o PSOL, sua “linha auxiliar”. Ela tem permitido o avanço de um Ronaldo Caiado da vida, com discurso mais liberal. Ela tem impulsionado vários movimentos liberais e conservadores, para o pânico da esquerda. E isso tudo seria algo deliberado, parte esperada de um plano mirabolante qualquer?

Hoje mesmo há uma reportagem no GLOBO questionando qual o futuro do PT, e mostrando que o partido deve minguar, perder capilaridade e sair bem menor das próximas eleições. Podem acreditar: não era isso que os petistas queriam, tampouco a esquerda em geral, mesmo a “globalista”. A turma é golpista sim, mas é também incompetente, e seus equívocos ideológicos, assim como sua obstinação asinina, causaram esse caos econômico que coloca em xeque sua permanência no poder. Seu único projeto era ficar no poder, e a crise pode destruir esse sonho.

Portanto, menos simplismo na análise, menos teoria conspiratória, e menos dialética que serve para justificar tudo como parte de uma engrenagem maior voltada justamente para seus objetivos finais. A realidade é mais complexa, e também mais prosaica muitas vezes. A crise não foi produzida de propósito por revolucionários golpistas numa sala no Palácio da Injustiça; ela é resultado de muita roubalheira, de muita incompetência, e será a pá de cal do projeto totalitário petista.


PS: Sei que muitos dessa ala da direita são seguidores de Olavo de Carvalho, e esse tipo de mentalidade sempre foi uma das maiores críticas que fazia (e faço) ao filósofo. Continuo com meu projeto de união da direita toda (e de parte da esquerda civilizada também) contra um inimigo maior, e essa estratégia está simbolizada na minha campanha do Panaceia, meu primeiro livro de ficção em que há essa união tática contra o inimigo maior. Mas não posso deixar de expressar o que penso sobre o assunto, até porque julgo que essa teoria conspiratória em nada ajuda na luta contra o PT.