Às vezes me pergunto
em que país eu vivo. Porém, o testemunho da minha consciência me faz ver que a
loucura que gera esta questão tem origem nos outros, e não numa possível ilusão
geográfica minha. Eu continuo são, e meus olhos não me enganam. A única coisa
que persiste é, talvez, a sensação de que eu preferia estar profundamente
errado ou meio doido mesmo.
Foi exatamente assim que eu me senti ao descobrir que se
realizaria na PUC uma Semana de Consciência Negra, um evento inspirado na idéia
norte-americana do politicamente correto. Acredito mesmo que isso só possa ser
fruto da tal colonização cultural, um fenômeno que, em tempos de globalização,
ficou meio esquecido, mas que, infelizmente, existe sim: basta olhar para os
negros brasileiros, que, em termos de aceitação social, têm uma vida muito melhor
do que a dos negros americanos - lá nos EUA existe racismo mesmo - querendo
importar os problemas deles. Se pudéssemos apontar qual o maior exemplo - quiçá
único - que o Brasil dá à humanidade, ele está na convivência interracial e
multicultural.
Só aqui, na TV, passa comercial de programa árabe durante o
programa judeu. Só aqui todo mundo convive muito bem, sem Ku Klux Klan e sem
ódio étnico. A única parte que assume isso são os skinheads e todo mundo sabe
muito bem que eles são considerados um grupo malévolo à parte que deve ser
combatido. (Alguém pode dizer: aqui o racismo é sutil. Eu pergunto: o que é
racismo sutil? Quem não gosta de uma raça sempre manifesta isso de uma maneira
que qualquer espírito, ainda que não muito sutil, percebe.)
O grande racismo, nada sutil, mas que pouca gente percebe,
está em eventos como esta Semana de Consciência Negra. Primeiro, porque ninguém
acharia bonito se fizéssemos uma Semana da Consciência Branca. Promover uma
raça, qualquer que seja, é racismo. E eu não vejo nenhuma razão para tolerar
nos outros o que eles pretendem condenar em mim. A única razão que se poderia
alegar para que eu tolerasse isso é uma certa infantilidade da parte deles. É
em criança que se tolera esse tipo de atitude. Donde se conclui o óbvio: uma
Semana de Consciência Negra depõe contra a própria raça negra, como se esta
fosse composta de pessoas que precisassem desesperadamente de auto-afirmação.
Auto-afirmação, aliás, equivocada: nenhuma produção de
cultura negra será boa ou relevante para a humanidade por ser negra, mas por
ser cultura (não no sentido antropológico do termo). O poeta Cruz e Souza não
se destaca como um poeta de relevância universal por ter sido negro, mas pelo
valor da sua poesia, que teria o mesmo valor se tivesse sido escrita por um
viking. Querer falar de uma consciência negra como se esta fosse essencialmente
diferente de uma consciência branca, ou árabe, é realmente estúpido. Porque,
sendo diferente, e havendo tamanho esforço para celebrá-la e estimulá-la, só se
pode concluir que ela seja ou superior ou inferior às outras.
Faz-se tanto pelo consciência negra para ajudar ao mais
fraco; ou então celebra-se tanto a consciência negra por ela ser superior, a
base mesmo da nossa civilização. A primeira é um nazismo patético às avessas; a
segunda é nazismo mesmo - e com nazista eu não converso. Um argumento que é
utilizado pela comunidade negra (já pensou como soaria comunidade branca?) é o
de reparação. Reparação das injustiças que foram cometidas contra os negros,
escravizando-os, tirando-os da sua terra, etc. Bem.
Os faraós egípcios, que, segundo alguns, eram negros,
escravizaram vários povos durante mais de mil anos. A escravidão era prática
comum entre as tribos africanas e todos sabemos que os negros das tribos mais
fortes foram cúmplices dos europeus no comércio de escravos. Assim sendo,
sugiro que os negros que desejam reparação façam árvores genealógicas para ir
cobrá-la dos descendentes dos negros escravizadores. E, antes disso, peçam a
conta a todos os povos escravizados pelos egípcios.
O pior mesmo é que ninguém atenta para isto. Só quando
trouxerem a prática norte-americana (já banida) de ação afirmativa é que vão
perceber. Houve na PUC, durante a Semana, um seminário sobre o tema. Para quem
não sabe, “ação afirmativa (affirmative action mesmo) é uma prática
evidentemente racista que consiste em garantir uma porcentagem x de lugares
para as minorias em certos meios dos quais elas se sentem excluídas - por
exemplo, as universidades. Evidentemente racista porque toda decisão tomada com
base em raça é racista. Assim, as universidades são obrigadas por lei a admitir
tantos negros, de acordo com uma proporção matemática extraída no número de
negros na região.
A grande diferença dos EUA para o Brasil, neste sentido, é
que lá, na hora de você entrar na universidade - falo por experiência própria -
você fundamentalmente manda o seu currículo. Aqui no Brasil o sistema é de
vestibular, e cada universidade tem o seu. Já imaginaram a beleza que vai ser,
se a ação afirmativa vier para cá, o vestibular? Salas para negros - que ou
farão provas bem mais fáceis ou terão critérios mais brandos de avaliação, já
que a universidade é obrigada por lei a ter em seus quadros um percentual
predeterminado de alunos negros - e salas para brancos? Isto aí é ou não é a
explicitação de uma demência completa? Ninguém vê porque a consciência mesma,
seja negra, branca, grega ou troiana, está mergulhada numa noite de
preconceitos.
E o preconceito é um tipo de cegueira intelectual. São cegos
perdidos à noite que só tem outros cegos para os guiarem e que crêem que a cura
da cegueira seja mais cegueira. O ruim com o ruim não dá bom: dá pior. Estas
práticas, que só aumentaram o racismo nos EUA, produzirão um efeito muito mais
nefasto no Brasil, que apesar de não ter valores culturais tão arraigados, têm
como maior valor a boa convivência racial. Todo este discurso só vai ter como
único resultado a importação de um problema que nós não temos. Vão inventar a
consciência de uma contradição que não existe, e o Brasil vai dar mais um passo
para longe da realidade.