segunda-feira, 8 de junho de 2009

LULA, MACHADO DE ASSIS E A VIDA PÚBLICA

Heitor Diniz*

Paralelamente às intrincadas discussões relativas à esfera ambiental (que lhe deram vazão), a frase de Lula dando conta de que, “toda vez que o pai sai de casa, a meninada faz mais algazarra do que deveria”, deve e precisa ser transportada para a macroesfera da política nacional.

Sem medo de ser acusado por eventual descontextualização, diria que a brincadeirinha do nosso presidente, mais do que outra de suas “lúdicas metáforas”, é emblemática e sintomática. Emblemática, pela pertinência da simbologia adotada por Lula. Sintomática, por caracterizar a maneira como grande parte de nossos políticos se posiciona no trato da coisa pública: o mero e indiscriminado exercício de apropriação dos bônus e a total desconsideração dos ônus.

Pululam por toda a imprensa incontáveis casos de políticos que, plagiando o obscuro Sérgio Moraes, estão pouco se lixando não só para a opinião pública, mas também se seus mandatos são ou deixam de ser uma procuração de amplos poderes repassada pelos eleitores, independentemente do grau de conscientização dos mesmos, para que zelem pela coletividade, por mais utópico que isso possa parecer.

“A algazarra da meninada” começa com a falta de seriedade de tantos e tantas, para quem ser político é empanturrar-se desregradamente com as farras, diversões e banquetes – literais e simbólicos – do dinheiro público. E segue, desgraçadamente, por esse modelo, até que algum pobre diabo seja pego com “as calças na mão” e fique de castigo, para servir de exemplo aos irmãos. Então, a prole finge ali um arrependimento momentâneo pro forma, dá a entender que aquilo jamais se repetirá, e, assim que o pai ou a mãe vira as costas, voltam a aprontar das suas, não raro travessuras ainda mais escabrosas do que as que foram flagradas.

Ocorre que, num país cujas instituições públicas revelam-se costumeiramente inócuas, de conselhos de ética e corregedorias excessivamente tolerantes com a reiteração de escândalos, não é de se admirar que “a meninada” continue aprontando.

Enquanto a consciência política não se torna uma obsessão de eleitores e eleitos, é sorte dos primeiros que a imprensa, apesar de também ter seus vícios e vicissitudes, esteja exercendo considerável vigilância dessa turma tão travessa. No entanto, se deixarmos tal diligência apenas a cargo dos jornais, o muito que fazem pode revelar-se pouco. Afinal, os verdadeiros pais e mães capazes de eliminar as famigeradas e reiteradas algazarras são o eleitor, com a força de seu voto.

Por fim, para exemplificar como já perdemos todo o tempo que podíamos perder (se é que podíamos), um fragmento de Helena, que Machado de Assis publicou, originalmente, em 1876 (e já lá se vão 133 anos!). No trecho, o memorável diálogo em que o Dr. Camargo tenta convencer o jovem Estácio a ingressar na vida pública. Nota-se como, naquela época, pelas palavras do insuperável Machado, ser político já era mais uma conveniência e menos um ofício. Assim, Dr. Camargo argumenta:

“— Vejamos as coisas com os óculos do senso comum. Em primeiro lugar, não creio que tenha outros projetos na cabeça...

— Talvez.

— Duvido que sejam mais vantajosos do que este. A ciência é árdua e seus resultados fazem menos ruído. Não tem vocação comercial nem industrial. Medita alguma ponte pênsil entre a Corte e Niterói, uma estrada até Mato Grosso ou uma linha de navegação para a China? É duvidoso. Seu futuro tem por ora dois limites únicos, alguns estudos de ciência e os aluguéis das casas que possui. Ora, a eleição nem lhe tira os aluguéis nem obsta a que continue os estudos; a eleição completa-o, dando-lhe a vida pública, que lhe falta. A única objeção seria a falta de opinião política; mas esta objeção não o pode ser. Há de ter, sem dúvida, meditado alguma vez nas necessidades públicas, e...

— Suponha, — é mera hipótese, — que tenho alguns compromissos com a oposição.

— Nesse caso, dir-lhe-ei que ainda assim deve entrar na câmara — embora pela porta dos fundos. Se tem idéias especiais e partidárias, a primeira necessidade é obter o meio de as expor e defender. O partido que lhe der a mão, — se não for o seu, — ficará consolado com a idéia de ter ajudado um adversário talentoso e honesto. Mas a verdade é que não escolheu ainda entre os dois partidos; não tem opiniões feitas. Que importa? Grande número de jovens políticos seguem, não uma opinião examinada, ponderada e escolhida, mas a do círculo de suas afeições, a que os pais ou amigos imediatos honraram e defenderam, a que as circunstâncias lhe impõem. Daí vêm algumas legítimas conversões posteriores. Tarde ou cedo o temperamento domina as circunstâncias da origem, e do botão luzia ou saquarema nasce um magnífico lírio saquarema ou luzia. Demais, a política é ciência prática; e eu desconfio de teorias que só são teorias. Entre primeiro na câmara; a experiência e o estudo dos homens e das coisas lhe designarão a que lado se deve inclinar”.


*Heitor Diniz é jornalista em Belo Horizonte.