17 de julho de 2009
Em 13 de maio de 1959, quando foi anunciada a escalação do Brasil para o jogo contra a Inglaterra no Maracanã, 100 mil torcedores vaiaram a presença de Julinho no lugar de Garrincha. Titular da Seleção na Copa de 1954, campeão italiano pela Fiorentina, o craque do Palmeiras vestia a camisa 7 por decisão do técnico. Mas arquibancadas e gerais precisavam descarregar a frustração causada pela ausência do maior driblador de todos os tempos. Sobrou para Julinho.
Cabeça boa, homem de caráter, Júlio Botelho engoliu sem engasgos a manifestação hostil. No segundo minuto de jogo, livrou-se da selva de zagueiros e fez um golaço. No 15°, esculpiu com dribles e galopes de puro-sangue o lance do gol que consolidou a vitória por 2 a 0. Jogou como um deus. Encerrada a partida, retribuiu com um sorriso tímido a ovação endereçada ao melhor em campo. Não se sentiu vingado. Sentiu-se feliz.
Quase 50 anos depois, quando o locutor do Maracanã anunciou a chegada do presidente da República, 70 mil gargantas vaiaram a presença de Lula na festa de abertura do Pan-2007. A multidão precisava descarregar a indignação provocada pelo colapso da aviação civil, pelo deboche dos quadrilheiros federais, pelo cinismo dos pecadores governistas, pela institucionalização da impunidade, pela inépcia dos pais da pátria, pela erosão dos alicerces físicos e morais sem os quais não se pode sonhar com um Brasil moderno. Sobrou para Lula.
Com a grandeza dos humildes, Julinho não se queixou da vaia nem saiu à caça de culpados: o povo apenas queria ver Garrincha jogar, ponderou. Com a pequenez dos que sempre se absolvem liminarmente, Lula decidiu no primeiro apupo que aquilo era coisa dos descontentes profissionais a serviço da elite golpista. “Os que estão vaiando são os que mais deveriam estar aplaudindo, porque são os que mais ganharam dinheiro no meu governo”, continuou ressentido dois dias depois. “A parte pobre da população é que deveria estar zangada. É só ver o quanto ganharam os banqueiros, os empresários”.
Lula acertou ao admitir que os ricos nunca lucraram tanto quanto no governo eleito pelos dependentes do Bolsa Família. Errou ao imaginá-los saindo furtivamente de seus palacetes para aborrecer o benfeitor no Maracanã. ”Essa gente levou Getúlio ao suicídio”, continuou viajando Lula. ”Essa gente fez a Marcha com Deus pela Liberdade, que resultou no golpe militar”. A fantasia ficou em frangalhos depois de confrontada com as imagens dos supostos conspiradores. Aquela gente não havia nascido quando Getúlio se matou. Aquela gente nem engatinhava quando adultos, em 1964, marcharam com Deus pela liberdade. Aquela gente só podia ser acusada de usar o protesto sonoro para fazer um presidente da República perder o siso e a soberba.
O som que funde a fúria, o cansaço, o sarcasmo e a chacota não tem contra-indicação e age sobre distintas abjeções. Sobressalta o presunçoso, silencia o falastrão, inibe o debochado, constrange o arrogante, desfaz o sorriso do canalha. Nada como a propagação da vaia para combater epidemias de bandidagem política semelhantes à que devasta o Brasil neste começo de século. Já via a cena mais de uma vez. Cínicos juramentados ficam com cara de pugilista na hora do nocaute. Confiram. Nunca falha.
Brasília não é lugar para vaias. Oscar Niemeyer, bom escultor de monumentos inabitáveis, e Lúcio Costa, multiplicador de espaços que reduzem qualquer multidão a fracasso de público, conseguiram fazer uma cidade sem esquinas, e só existe muita gente onde existe esquina. Mas os sócios do cada vez mais populoso clube dos cafajestes só acampam no grande bunker do Planalto Central três dias por semana. Ficam expostos de sexta-feira a segunda. Que sejam vaiados nos aeroportos, no interior dos aviões, nos restaurantes, nas ruas, no jardim da própria casa. É doce contemplar a substituição do sorriso superior pela expressão de medo.
É a hora da vaia. Não há nada a perder além da sensação de impotência e da indignação há tanto tempo represada.
Em 13 de maio de 1959, quando foi anunciada a escalação do Brasil para o jogo contra a Inglaterra no Maracanã, 100 mil torcedores vaiaram a presença de Julinho no lugar de Garrincha. Titular da Seleção na Copa de 1954, campeão italiano pela Fiorentina, o craque do Palmeiras vestia a camisa 7 por decisão do técnico. Mas arquibancadas e gerais precisavam descarregar a frustração causada pela ausência do maior driblador de todos os tempos. Sobrou para Julinho.
Cabeça boa, homem de caráter, Júlio Botelho engoliu sem engasgos a manifestação hostil. No segundo minuto de jogo, livrou-se da selva de zagueiros e fez um golaço. No 15°, esculpiu com dribles e galopes de puro-sangue o lance do gol que consolidou a vitória por 2 a 0. Jogou como um deus. Encerrada a partida, retribuiu com um sorriso tímido a ovação endereçada ao melhor em campo. Não se sentiu vingado. Sentiu-se feliz.
Quase 50 anos depois, quando o locutor do Maracanã anunciou a chegada do presidente da República, 70 mil gargantas vaiaram a presença de Lula na festa de abertura do Pan-2007. A multidão precisava descarregar a indignação provocada pelo colapso da aviação civil, pelo deboche dos quadrilheiros federais, pelo cinismo dos pecadores governistas, pela institucionalização da impunidade, pela inépcia dos pais da pátria, pela erosão dos alicerces físicos e morais sem os quais não se pode sonhar com um Brasil moderno. Sobrou para Lula.
Com a grandeza dos humildes, Julinho não se queixou da vaia nem saiu à caça de culpados: o povo apenas queria ver Garrincha jogar, ponderou. Com a pequenez dos que sempre se absolvem liminarmente, Lula decidiu no primeiro apupo que aquilo era coisa dos descontentes profissionais a serviço da elite golpista. “Os que estão vaiando são os que mais deveriam estar aplaudindo, porque são os que mais ganharam dinheiro no meu governo”, continuou ressentido dois dias depois. “A parte pobre da população é que deveria estar zangada. É só ver o quanto ganharam os banqueiros, os empresários”.
Lula acertou ao admitir que os ricos nunca lucraram tanto quanto no governo eleito pelos dependentes do Bolsa Família. Errou ao imaginá-los saindo furtivamente de seus palacetes para aborrecer o benfeitor no Maracanã. ”Essa gente levou Getúlio ao suicídio”, continuou viajando Lula. ”Essa gente fez a Marcha com Deus pela Liberdade, que resultou no golpe militar”. A fantasia ficou em frangalhos depois de confrontada com as imagens dos supostos conspiradores. Aquela gente não havia nascido quando Getúlio se matou. Aquela gente nem engatinhava quando adultos, em 1964, marcharam com Deus pela liberdade. Aquela gente só podia ser acusada de usar o protesto sonoro para fazer um presidente da República perder o siso e a soberba.
O som que funde a fúria, o cansaço, o sarcasmo e a chacota não tem contra-indicação e age sobre distintas abjeções. Sobressalta o presunçoso, silencia o falastrão, inibe o debochado, constrange o arrogante, desfaz o sorriso do canalha. Nada como a propagação da vaia para combater epidemias de bandidagem política semelhantes à que devasta o Brasil neste começo de século. Já via a cena mais de uma vez. Cínicos juramentados ficam com cara de pugilista na hora do nocaute. Confiram. Nunca falha.
Brasília não é lugar para vaias. Oscar Niemeyer, bom escultor de monumentos inabitáveis, e Lúcio Costa, multiplicador de espaços que reduzem qualquer multidão a fracasso de público, conseguiram fazer uma cidade sem esquinas, e só existe muita gente onde existe esquina. Mas os sócios do cada vez mais populoso clube dos cafajestes só acampam no grande bunker do Planalto Central três dias por semana. Ficam expostos de sexta-feira a segunda. Que sejam vaiados nos aeroportos, no interior dos aviões, nos restaurantes, nas ruas, no jardim da própria casa. É doce contemplar a substituição do sorriso superior pela expressão de medo.
É a hora da vaia. Não há nada a perder além da sensação de impotência e da indignação há tanto tempo represada.