Parece pequeno. Afinal, o que é um emprego no meio de tanto desvio? O que é mais um ato secreto no meio de tantos baixados por tanto tempo? O que é mais uma ajuda de Agaciel Maia, que ajudou tanto os senadores que o nomearam e o mantiveram na Casa? O que é uma filha pedindo um favor a seu pai, que transfere o pedido para o avô da jovem, que quer apenas um emprego para o namorado?
Tudo parece normal e pequeno, e é um exemplo exato do velho vício brasileiro que tem piorado nos últimos tempos. Maria Beatriz Sarney acha normal dizer: “Pai, meu irmão saiu do Senado, dá para o Henrique (namorado dela) entrar no lugar dele?”
A pergunta revela que uma jovem chamada Beatriz, da elite brasileira, acha que o país tem que dar um emprego público a seu namorado, sem concurso, através do tráfico de influências.
A tragédia brasileira poderia terminar aí, se o pai, Fernando Sarney, dissesse: — Não, minha filha, o que é isso? Cargo público se consegue por concurso, por mérito.
Mas Fernando não surpreende. Nem a filha, nem o país. “Podemos trabalhar isso sim”, diz ele. E mais adiante: “Vou falar com Agaciel.”
Agaciel é o mesmo dos escândalos passados. É o mesmo que foi posto no cargo por José Sarney. Este também não surpreende: “Já falei com Agaciel, pede o Bernardo para falar com ele.” Bernardo é o rapaz que está saindo do cargo. Irmão de Beatriz, neta de José Sarney, que nomeou Agaciel.
Filha e pai têm conversas no dia seguinte. Seria bom, se a jovem dissesse: — Pai, pensei esta noite, que absurdo eu pedi ontem! É uso da máquina pública como se ela pertencesse à nossa família.
Se ela tivesse dito isso, havia esperança de que uma nova geração da mesma família tivesse valores novos. Infelizmente, ela insiste, acha normal que se o irmão saiu da vaga, que ela seja dada ao seu namorado. Vai ao avô com o pedido. Ele poderia ter dito, para melhorar sua biografia: — O que é isso, minha neta? Isso não se faz!
Mas ele reclama que ela demorou a tratar do assunto. Falasse antes para “eu agilizar”.
Os telefonemas e transações continuam. Fernando Sarney liga para o ajudante de ordens do pai para explicar a questão e diz uma frase emblemática: “O irmão está saindo, é uma vaga que podia ser nossa.” O país ficou sabendo assim que existem vagas “deles”, capitanias, que vão do irmão da Beatriz para o namorado da Beatriz.
Em outro diálogo, o outro filho de Fernando Sarney, João Fernando, mostra como eles ocupam essa capitania. Ele trabalha em outra vaga familiar, no gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), amigo de José Sarney. João Fernando se diverte. Conta ao pai um fato inusitado. O senador, seu chefe, o chamou. “Eu pensei que era coisa séria.” E era para vê-lo porque ele nunca vai lá. Todos acham normal. Pai, filho, senador Cafeteira, que um jovem se abolete num cargo público e não compareça ao local de trabalho. “Chamei para te ver”, disse o senador Cafeteira.
Voltando ao caso de Henrique, o que precisava ocupar o cargo do irmão da namorada, neta de José Sarney. O ajudante de ordens diz que o senador Sarney falará com Agaciel Maia, o diretor do Senado. Fernando, então, fala com o pai. José Sarney reclama de novo dos prazos: “Mas ele (Bernardo, irmão da Beatriz) entrou logo com um pedido de demissão...” O que o avô não gostou é dessa pressa de sair antes que o cargo ficasse garantido com a família. E promete falar com Agaciel. Fernando, seu filho, responde: “É só isso aí, é isso que eu queria. Que tu desse uma palavrinha com ele (Agaciel). Se tu der, resolve.” E resolveu. O cargo foi dado ao namorado da Beatriz, em ato secreto.
Nesses diálogos obtidos pelo “Estado de S. Paulo” está desnuda uma faceta da política brasileira. Um velho vício do Brasil, agravado: a família em questão é rica, muito rica. O avô, patriarca do clã, está inclusive esfriando a cabeça numa ilha particular. Poderia pendurar quem quisesse nos muitos negócios da família: Henrique, Bernardo, Beatriz, João Fernando. Aliás, os prósperos negócios familiares estão nas mãos do pai de Beatriz, sogro de Henrique. Por que não ocorre a ninguém isso?
Ainda haveria uma esperança, se após o diálogo divulgado, o presidente do Senado repetisse a frase que disse diante de Tancredo morto: “Serei maior que eu mesmo.” E encerrasse toda aquela conversa de mais uma vez tratar os bens públicos como parte de suas muitas propriedades. Fosse maior do que tem sido, por décadas.
Mas não há esperança. Os diálogos eram aqueles mesmos. Lá da sua ilha, o patriarca desculpa a todos: “Foram conversas de pai e filho.” São sempre assim então as conversas de pai e filho? O senador sem voto Wellington Salgado (PMDB-MG), conhecido por abonar qualquer mau comportamento, diz que é tudo normal. É político ocupando “espaço disponível”. Espaço para ele não é no sentido figurado, é físico mesmo: é emprego para a parentela. O advogado da família diz que o crime é divulgar a conversa. “É diálogo de natureza política”, entende o ministro da Justiça, Tarso Genro.
Tudo parece normal. E é um instantâneo do anormal profundo com o qual o país tem convivido.
Tudo parece normal e pequeno, e é um exemplo exato do velho vício brasileiro que tem piorado nos últimos tempos. Maria Beatriz Sarney acha normal dizer: “Pai, meu irmão saiu do Senado, dá para o Henrique (namorado dela) entrar no lugar dele?”
A pergunta revela que uma jovem chamada Beatriz, da elite brasileira, acha que o país tem que dar um emprego público a seu namorado, sem concurso, através do tráfico de influências.
A tragédia brasileira poderia terminar aí, se o pai, Fernando Sarney, dissesse: — Não, minha filha, o que é isso? Cargo público se consegue por concurso, por mérito.
Mas Fernando não surpreende. Nem a filha, nem o país. “Podemos trabalhar isso sim”, diz ele. E mais adiante: “Vou falar com Agaciel.”
Agaciel é o mesmo dos escândalos passados. É o mesmo que foi posto no cargo por José Sarney. Este também não surpreende: “Já falei com Agaciel, pede o Bernardo para falar com ele.” Bernardo é o rapaz que está saindo do cargo. Irmão de Beatriz, neta de José Sarney, que nomeou Agaciel.
Filha e pai têm conversas no dia seguinte. Seria bom, se a jovem dissesse: — Pai, pensei esta noite, que absurdo eu pedi ontem! É uso da máquina pública como se ela pertencesse à nossa família.
Se ela tivesse dito isso, havia esperança de que uma nova geração da mesma família tivesse valores novos. Infelizmente, ela insiste, acha normal que se o irmão saiu da vaga, que ela seja dada ao seu namorado. Vai ao avô com o pedido. Ele poderia ter dito, para melhorar sua biografia: — O que é isso, minha neta? Isso não se faz!
Mas ele reclama que ela demorou a tratar do assunto. Falasse antes para “eu agilizar”.
Os telefonemas e transações continuam. Fernando Sarney liga para o ajudante de ordens do pai para explicar a questão e diz uma frase emblemática: “O irmão está saindo, é uma vaga que podia ser nossa.” O país ficou sabendo assim que existem vagas “deles”, capitanias, que vão do irmão da Beatriz para o namorado da Beatriz.
Em outro diálogo, o outro filho de Fernando Sarney, João Fernando, mostra como eles ocupam essa capitania. Ele trabalha em outra vaga familiar, no gabinete do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA), amigo de José Sarney. João Fernando se diverte. Conta ao pai um fato inusitado. O senador, seu chefe, o chamou. “Eu pensei que era coisa séria.” E era para vê-lo porque ele nunca vai lá. Todos acham normal. Pai, filho, senador Cafeteira, que um jovem se abolete num cargo público e não compareça ao local de trabalho. “Chamei para te ver”, disse o senador Cafeteira.
Voltando ao caso de Henrique, o que precisava ocupar o cargo do irmão da namorada, neta de José Sarney. O ajudante de ordens diz que o senador Sarney falará com Agaciel Maia, o diretor do Senado. Fernando, então, fala com o pai. José Sarney reclama de novo dos prazos: “Mas ele (Bernardo, irmão da Beatriz) entrou logo com um pedido de demissão...” O que o avô não gostou é dessa pressa de sair antes que o cargo ficasse garantido com a família. E promete falar com Agaciel. Fernando, seu filho, responde: “É só isso aí, é isso que eu queria. Que tu desse uma palavrinha com ele (Agaciel). Se tu der, resolve.” E resolveu. O cargo foi dado ao namorado da Beatriz, em ato secreto.
Nesses diálogos obtidos pelo “Estado de S. Paulo” está desnuda uma faceta da política brasileira. Um velho vício do Brasil, agravado: a família em questão é rica, muito rica. O avô, patriarca do clã, está inclusive esfriando a cabeça numa ilha particular. Poderia pendurar quem quisesse nos muitos negócios da família: Henrique, Bernardo, Beatriz, João Fernando. Aliás, os prósperos negócios familiares estão nas mãos do pai de Beatriz, sogro de Henrique. Por que não ocorre a ninguém isso?
Ainda haveria uma esperança, se após o diálogo divulgado, o presidente do Senado repetisse a frase que disse diante de Tancredo morto: “Serei maior que eu mesmo.” E encerrasse toda aquela conversa de mais uma vez tratar os bens públicos como parte de suas muitas propriedades. Fosse maior do que tem sido, por décadas.
Mas não há esperança. Os diálogos eram aqueles mesmos. Lá da sua ilha, o patriarca desculpa a todos: “Foram conversas de pai e filho.” São sempre assim então as conversas de pai e filho? O senador sem voto Wellington Salgado (PMDB-MG), conhecido por abonar qualquer mau comportamento, diz que é tudo normal. É político ocupando “espaço disponível”. Espaço para ele não é no sentido figurado, é físico mesmo: é emprego para a parentela. O advogado da família diz que o crime é divulgar a conversa. “É diálogo de natureza política”, entende o ministro da Justiça, Tarso Genro.
Tudo parece normal. E é um instantâneo do anormal profundo com o qual o país tem convivido.